Capítulo Único
I’ll keep a picture of you on the wall and choke on the memory.
olhou pelo que parecia a milésima vez para o desenho a sua frente, frustrado por mais uma vez não conseguir decifrar o que faltava. No papel, retas, curvas e rabiscos se encontravam, formando o que aos olhos de qualquer um pareceria um ótimo prédio. Mas não aos deles. Ah, não. Tudo o que via com seus olhos profissionais e perfeccionistas era um prédio qualquer. Só mais um daqueles diversos que via no seu caminho pro trabalho. Cada esquina tinha um. Talvez mudasse a cor, a altura ou a largura, mas todos tinham uma coisa em comum: eram sem graça. Não faziam as pessoas pararem sua apressada rotina, mesmo que só por alguns segundos, para admirá-los. Não contribuíam em nada na arquitetura de Los Angeles. Eram comuns. E ele, sempre ambicioso, queria algo extraordinário. Essa era a oportunidade da sua vida e ele não podia desperdiça-la.
Jogou o lápis que segurava contra a porta com toda força que tinha e passou as mãos pelo cabelo, o bagunçando, como se aquilo fosse fazer uma lâmpada se acender acima da sua cabeça. Tudo o que conseguiu foi fazer com que Michael, seu sócio e melhor amigo, aparecesse, espreitando a cabeça na porta, temendo que algo o acertasse também.
— Tá tudo bem por aqui? – perguntou ele. apenas lançou um olhar nervoso a ele e começou a andar de um lado para o outro na frente da sua mesa de desenho. Vendo que não receberia uma resposta, Michael entrou no cômodo, fechando a porta atrás de si e foi até o amigo. – Ainda tendo problemas com o projeto?
— Veja com os seus próprios olhos. – respondeu, dando um sorriso irônico ao mesmo tempo em que se afastava para que Michael pudesse ver o desenho de perto.
Observou a maneira que ele estudava o desenho, prestando atenção em cada detalhe e provavelmente já fazendo algumas contas na sua cabeça também, como o bom engenheiro que era, e isso só o fez se envergonhar por ter que mostrar aquilo a ele. Se tivesse escolha, não mostraria a ninguém, mas parte do por que eles dois trabalhavam tão bem juntos era por sempre se manterem a par do que o outro estava fazendo.
— Não tá tão ruim, ... – começou Michael, tentando ser sincero com o amigo e estimulá-lo ao mesmo tempo. – Quer dizer, não é o seu melhor projeto, mas tá no nível de muitos outros arquitetos... – ouviu um suspiro frustrado nas suas costas e se virou. – Escuta, umas melhoras aqui e ali, e provavelmente mais algumas aqui e ali, e esse prédio vai ficar incrível! Eu sei que você não vai me deixar na mão.
— Se eu fosse você, não teria tanta certeza assim. – murmurou , dando a volta em sua mesa e se jogando em sua cadeira.
— Qual é, cara, se anima! – exclamou. – Você tem trabalhado nesse projeto há o que? Duas semanas?
— 23 dias.
— 23 dias, ok. Você ainda tem quase três meses para terminar.
— 75 dias, Mike. É bastante, mas eu odeio deixar as coisas para a última hora, você sabe disso. Depois de 23 dias, eu já deveria estar finalizando isso e não estou nem perto!
Michael resistiu a vontade de revirar os olhos para o drama de . Ele realmente não estava preocupado com a entrega desse projeto, pois o amigo nunca o tinha decepcionado antes. Mais cedo ou mais tarde, ele sabia que receberia algo incrível. Imaginou que a culpa desse bloqueio fosse o cansaço, afinal, parecia estar trabalhando o tempo todo. Seja instruindo seus empregados nos projetos menores, visitando as construções dos em andamento, arquitetando os maiores, coisa que ele fazia questão de fazer sozinho, e levando trabalho pra casa. Ele não parava nunca.
— Quer saber de uma coisa?
— O que? – perguntou, desanimado.
— Vai para casa. Hoje é quarta, tira quinta e sexta de folga, emenda com o final de semana. Você precisa descansar, esfriar a cabeça. – disse e recebeu uma risada falsa em resposta.
— Deixa eu te dizer o que eu preciso: eu preciso de uma luz! Uma lâmpada em cima da minha cabeça, um milagre, uma reza, qualquer coisa, mas não um descanso! – arrumou sua postura na cadeira e começou a organizar as coisas em cima de sua mesa.
— Robe...
— Mas quer saber de uma coisa? – o interrompeu. – Eu vou tirar o resto do dia de folga sim, porque se eu olhar mais uma vez para esse desenho hoje, eu juro que vou acabar jogando ele pela janela.
Michael sorriu vendo ele guardar suas coisas. Eram 14h00 da tarde, daqui quatro horas ele deveria ir embora. Deveria, porque ele sempre acabava ficando até mais tarde. No entanto, convencê-lo a sair um pouco mais cedo, se tratando de , já era uma grande vitória.
— Agora sim, tô gostando de ver! Eu só preciso que não vá ainda. – disse, fazendo o amigo parar, confuso. – Podemos conversar?
— Não é isso que estávamos fazendo até agora?
Michael revirou os olhos.
— Conversar conversar, .
— Tudo bem... – concordou, ainda confuso, se sentando em sua cadeira. Ele apontou para a de frente com a sua mesa, convidando Michael a se sentar também.
— Certo. – se sentou, parecendo nervoso de repente. – Eu tenho um favor gigantesco para te pedir e quero que lembre de todos esses anos de amizade antes de dizer não.
fez uma careta, imaginando que nada bom poderia vir daquilo. O melhor amigo só lhe arrumava problemas para a cabeça e já tinha certeza que aquele seria só mais um da interminável lista.
— Manda, Mike.
Ele hesitou por alguns segundos, mas voltou a falar logo.
— Você se lembra da ? – perguntou antes de começar a história.
— Sua irmã? Só pelas fotos, mas sim.
— Bom. Então... A minha irmã decidiu trancar a faculdade e vir para Los Angeles tentar a vida de atriz. – começou. ouvia com atenção, nada surpreso com a notícia. A garota foi para a universidade dois anos antes por pura insistência dos pais e do irmão mais velho, ameaçava abandonar tudo a cada dois meses. Estava feliz por ela finalmente ter tido coragem de o fazer, mas não diria isso para o amigo, que passava dias e dias reclamando da rebeldia dela. – Ter um irmão que mora aqui tornou a decisão muito mais sensata, na cabeça dela. O problema é que ela me odeia.
— Ela não te odeia, Mike.
— Talvez não, mas ela odeia a minha noiva sem nem mesmo saber que ela é minha noiva ainda, logo, ela acaba me odiando por isso.
tentava ao máximo se manter sério, mesmo com uma vontade gigantesca de rir. Achava o relacionamento de Michael com a irmã hilário. Brigavam o tempo todo pelos motivos mais fúteis possíveis, mas ainda assim o amigo se jogaria na frente de um trem pela garota.
— Deveria ter pensado melhor antes de noivar com a inimiga mortal da sua irmã... – disse, mesmo sabendo que aquilo o deixaria louco.
Dito e feito.
— Não começa você também não, !
— Eu ainda não terminei, calma. Já mencionei que ela é dez anos mais nova que você? – continuou. Não era a primeira nem a última vez que encheria seu saco com aquilo, gostava de rir das caras dele.
— Ei! Nove anos e quatro meses! – exclamou, como se aquilo fizesse toda diferença. – Você tá me fazendo perder o foco, cara. Escuta: o negócio é que a minha irmã está vindo para cá, não sabe que eu pedi a Bree em casamento e muito menos que estamos morando juntos. Ela vai surtar quando descobrir e não vai querer ficar no meu apartamento de jeito nenhum. É aí que você entra.
respirou fundo, semicerrando os olhos na direção de Michael. Sabia aonde aquilo estava indo. E não gostava nada daquele caminho.
— Você não tá sugerindo que eu dê abrigo a sua irmã, está?
Ainda que todos os seus conhecimentos “Robertianos” lhe dissessem que fazer um pedido do tipo para ele era pura e completa estupidez, Michael respondeu:
— Eu estou pedindo que você deixe ela ficar no seu apartamento por um tempinho. – e antes que o amigo pudesse negar, ele completou. – São só por algumas semanas, ! Por favor, eu só preciso esclarecer as coisas com a e a Bree. Além do mais, a minha irmã é incrível, vai trazer um pouquinho daquela luz que você precisa, que tal?
— Não era desse tipo de luz que eu estava falando, Mike! Por que você continua se enfiando nessas situações? – reclamou, já de volta ao seu eu rabugento de sempre.
— É a última vez, eu prometo. Vou me casar em alguns meses e passar a responsabilidade toda para a Bree. Veja isso como uma despedida, que tal?
Estava pronto para dizer um alto e sonoro “não” até que foi atacado pelo olhar. O conhecia desde o primeiro ano da faculdade, onze anos atrás, e era de se esperar que já fosse imune ao seu poder, mas ali estava ele, cedendo mais uma vez graças aos olhos pidões e desesperados de Michael Jones.
Balançou a cabeça, desacreditado no que estava prestes a dizer. E nem precisou pronunciar as palavras.
— Já disse que você é incrível?! Você é incrível, cara! – disse animado, se levantando. – Eu juro que vou resolver tudo o mais rápido possível, você não vai se arrepender.
— Você me deve uma, Jones.
— Ah! E ela chega depois de amanhã de noite, ok? – anunciou, fazendo dois sinais de beleza com as mãos, já imaginando que iria querer pular nele naquele momento.
— Já!? E por que só me avisou hoje? – questionou, ultrajado.
— Bom, eu estava esperando por um bom momento... Que nunca chegou. Você não tem muitos bons momentos, sabe? Então fui obrigado a dizer hoje.
— Maravilha. – disse ironicamente, recolhendo suas coisas e se levantando também. – Eu tô indo. Avisa pro Wilson que eu peguei o projeto do parque que ia passar para ele.
— Mas você vai para casa esfriar a cabeça desse! – afirmou, apontando para o desenho interminado.
— Eu esfrio a cabeça de um trabalhando em outro. Pensei que já tivesse aprendido.
E saiu pela porta, deixando para trás um Michael indignado, mas levemente aliviado.
entrou em seu apartamento e já jogou sua maleta em cima do sofá, como fazia todos os dias. Porém dessa vez, em vez de ir arrumar alguma coisa para comer, se jogou junto, pegou o controle remoto e ligou a TV de 40 polegadas a sua frente. Ficou passando os canais por um tempo até parar em um noticiário. Conseguiu prestar atenção por cinco, talvez dez minutos, mas logo sua mente já tinha se voltado para o projeto. Era um prédio comercial de 26 andares, simplesmente o mais importante da sua vida até agora. Se fizesse um bom trabalho, só Deus sabe quantas portas se abririam para ele e para Michael. Ele precisava acabar com esse bloqueio imbecil e projetar algo maravilhoso.
Percebendo que já estava se estressando de novo pensando no bendito prédio, ele decidiu fazer alguma coisa. Não conseguia sentar na frente do sofá e passar horas e horas assistindo televisão. Era o motivo pelo qual ele nunca pegava folga e pelo qual odiava voltar para casa no final do dia: não gostava da solidão, da calma, do silêncio, mesmo que aquele fosse o único lugar que estivesse nos últimos tempos. E se haviam três palavras que definiam seu apartamento, eram essas. Era irônico que elas estivessem tão presentes em sua vida nos últimos dois anos, o acompanhando onde quer que fosse.
Seguiu então para a cobertura. Como de costume, não havia ninguém lá. As pessoas tinham aquele lugar maravilhoso, com uma vista extraordinária da cidade para ir sempre que pudessem, sem pagar nada, e ainda assim não aproveitavam. Melhor para ele, que preferia ficar ali sozinho.
andou até a beirada da cobertura, observando pessoas e carros indo e vindo. Isso era uma das coisas que mais amava sobre Los Angeles. Sempre tinha movimento. Pessoas correndo atrasadas, turistas perdidos ou andando devagar demais, admirando cada pedacinho da cidade – o que irritava os atrasados –, casais passeando, o barulho... Ah, o barulho da cidade grande! As luzes, tudo. Ele amava tudo naquela cidade. Morar bem no centro dela aumentava cada um desses aspectos e essa era a sua parte favorita. Talvez ele não tenha nascido para a calmaria. E subir no terraço todos os dias, observar a correria, a beleza da cidade, admirar seus prédios, sua estrutura... Sim, com certeza era a melhor parte do seu dia. Ainda que não conseguisse mais ser parte de todo esse movimento, gostava de olhar por fora e esquecer por alguns minutos da mesmice em que se encontrava.
Não admitiria aquilo para ninguém, mas era um solitário. Nem sempre fora assim, entretanto acontecimentos recentes em sua vida o fizeram se fechar para o mundo exterior. Saía de vez em quando com Michael, ou com colegas de trabalho, conhecia algumas mulheres, mas há algum tempo nenhuma ficava por mais de uma noite. As vezes sentia como se estivesse parado no tempo, mas toda vez que tentava, ou sequer pensava em se mover, dois braços o agarravam e o puxavam de volta. Estava se acostumando cada vez mais com aquilo.
Se lembrou de ligar para Sonia, sua diarista, pedindo que ela adiantasse sua visita semanal para o dia seguinte. Não ficava muito tempo em casa, mas era surpreendente a bagunça que um cara solteiro com quase 30 anos podia fazer. Quando voltou para seu apartamento, já começava a escurecer, e por mais que ele quisesse ficar lá observando o pôr do sol, decidiu que a melhor opção seria tomar um bom banho e trabalhar no seu mais novo projeto. Como se ele já não tivesse coisas o suficiente na cabeça.
A campainha tocou e correu para pegar um copo que havia deixado ao lado do sofá e leva-lo na cozinha antes de ir abrir a porta. Quando o fez, deu de cara primeiro com Michael em sua melhor expressão de socorro. estava logo atrás, o encarando com curiosidade pelo pouco dela que pode ver.
— Ei, chegamos! Finalmente, chegamos. – seu sócio disse, já entrando e arrastando as malas e a irmã consigo.
— Pode entrar, Mike, a casa é toda sua. – ironizou, ganhando um sorriso de volta do amigo.
deu um passo para a frente, parando ao lado do irmão, o que permitiu que a visse com clareza. Era exatamente como nas fotos, com a única diferença que sua presença conseguia ser ainda mais marcante. Em seus 20 anos, a garota era linda e parecia carregar um brilho especial no fundo dos olhos, pensou. Se não fosse irmã de seu melhor amigo e ele não soubesse sua idade, com certeza se interessaria por ela em algum encontro casual. Mas ele sabia que precisava manter esses dois fatos em mente o tempo todo se tratando da superproteção de Michael.
Enquanto isso, se sentia extremamente desconfortável com a sua situação. A última coisa que esperava para aquele dia era ser abrigada na casa de um completo estranho. Poderia matar o irmão mais velho com as próprias mãos e por algum tempo ela realmente considerou a ideia, mas decidiu a tempo que não deixaria que ele estragasse o que seria o começo de uma longa e linda caminhada. Além do mais, à primeira vista, seu novo colega de apartamento lhe parecia alguém legal. Grande e um pouco depressivo, mas bom.
— Olá, eu sou a , mas pode me chamar de . Prazer em te conhecer!
— . Prazer, .
Ele estava erguendo sua mão para cumprimentá-la quando foi surpreendido com um abraço. Passou um braço ao redor da garota desajeitado. Ela sentiu o desconforto, por isso encerrou o ato de afeto logo com um sorriso nos lábios. Ele parecia precisar de um abraço.
— Você já pode ir, Michael. Estamos bem aqui. – ela avisou, sem estender o sorriso para o irmão.
— Tá me expulsando?
— Sim, por favor.
Michael revirou os olhos enquanto olhava ao redor, o ignorando e aproveitando para ver um pouquinho mais do apartamento. Era ótimo. Nada exageradamente extravagante, só o suficiente para se esperar de um arquiteto.
notou facilmente a tensão pelos dois, então decidiu ajudar o amigo. Como se já não estivesse fazendo o suficiente.
— Quer ver seu quarto? – perguntou, fazendo com que o rosto de se iluminasse em alegria.
— Sim!
— É o primeiro a direita ali no corredor. Eu vou levar o seu irmão até a porta, mas você pode ir vendo.
Ele não precisou dizer mais nada, pois em poucos segundos ela já chegava lá.
Virou-se então para o frustrado Michael, parado, encarando o caminho pelo qual ela passou. Bateu em seu ombro, indicando o caminho para a porta. Não tinha muito mais que ele pudesse fazer ali.
— Fique de olho nela, tá? 24 horas por dia! – ordenou ao chegar na porta, se virando novamente para .
— Eu tenho um emprego, sabia? Relaxa, ela vai ficar bem.
— Eu não sei, não... Você não a conhece, . As vezes ela parece viver em um conto de fadas. Ela acha que com um pouquinho de esforço, tudo dá certo, mas as coisas não funcionam assim aqui em LA. Quer dizer, nós já dormimos com uma boa quantidade de aspirantes a atriz, não?
— Deus, Michael, olha o que você tá falando! – o repreendeu, balançando a cabeça.
— Eu sei, eu sei, mas você entendeu o que eu quis dizer...
— Entendi, agora vai embora antes que fale outra merda do tipo. Vou cuidar dela, ok? Eu prometo. O que tiver ao meu alcance, eu vou fazer. Não se preocupe com isso. – disse, tentando confortá-lo, mas a preocupação ainda tomava conta de seu rosto. – Além do mais, você mora a poucos quarteirões daqui. Não é como se estivesse abandonando com a sua irmã para sempre.
Michael suspirou, concordando.
— Tá, eu já vou então. – disse, finalmente saindo pela porta. estava prestes a fechá-la quando uma mão o impediu. – Ah! Você já deve imaginar, mas é sempre bom dizer alto e claro: encoste um dedo na minha irmã... Não, melhor: olhe para a minha irmã com segundas intenções que eu arranco suas bolas fora.
E a mesma mão fez o trabalho de bater a porta.
riu baixinho durante o caminho até o quarto onde se encontrava, achando a ameaça um exagero. O sorriso desapareceu completamente quando parou na porta do cômodo e a encontrou deitada em cima da cama com a cabeça quase no chão, olhando embaixo do móvel. Ela usava shorts que o deram uma visão privilegiada do lugar onde acabavam suas coxas e começava sua... Nem se atreveu pensar. Desviou os olhos, atravessando o quarto.
— O que você está fazendo? – ele questionou, a pegando de surpresa. Assustada, subiu o tronco com tamanha violência que acabou caindo sentada no colchão.
— Ah, eu... Tenho um pouco de medo de coisas sobrenaturais. Só estava verificando.
Ela esperou o olhar de descrença que costumava receber das pessoas quando contava que era uma garota de 20 anos que ainda tinha medo de bicho papão, mas ele não veio. Ao invés disso, balançou a cabeça, achando a resposta aceitável.
— Bom, o quarto ainda tá meio sem graça. Você pode enfeitar o quanto quiser. – ele começou, apontando ao redor. – Comprei uma estante porque o seu irmão disse que você gosta de ler e uma escrivaninha porque me pareceu uma boa ideia na hora.
sorriu, agradecida.
— Não precisava de tudo isso, de verdade, mas muito obrigada! – respondeu, se levantando animada. – Posso ver o resto da casa?
Ele assentiu e se apressou para ir até o banheiro que ficava logo do lado daquele quarto, sendo seguido pela garota curiosa. Dali, foram para a sacada da sala que a causou um deslumbre especial. Já podia se imaginar passando horas naquele cantinho. Então ele lhe mostrou a pequena lavanderia e, por fim, a cozinha.
— Agora, essa é uma cozinha e tanto! – ela exclamou, admirada com os armários planejados e eletrodomésticos de última geração. – Eu posso fazer uma janta legal para a gente, que tal?
— Ah, sobre isso... – ele começou, se apoiando no balcão de cenho franzido. – Eu não tive tempo para ir ao mercado, então vamos ter que pedir algo.
— Não tem problema! Eu tenho certeza que posso encontrar algo simples e gostoso para a gente comer aqui mesmo. Com licença. – antes mesmo de terminar de falar, já abria um dos armários para ver o que encontrava dentro. Estava vazio. Assim como o próximo e o próximo depois daquele, assim como todos abertos depois disso. – Você não come? – perguntou, surpresa, ao encarar o nada do último. Ele tinha uma cozinha perfeitamente perfeita e parecia não usá-la!
— Eu não passo muito tempo em casa, sabe? – respondeu envergonhado. – E não sei cozinhar muito bem, então acabo sempre pedindo fora.
— Você deve ganhar muito bem para comer fora o tempo todo.
deu de ombros.
— Podemos ir ao mercado agora, se quiser. – sugeriu e ela voltou a sorrir animada.
— Seria ótimo!
falava muito. Ele pode concluir isso durante todo o caminho até o mercado, no mercado e na volta do mercado. Ela não parou de falar um segundo sequer sobre como adorava cozinhar e as possibilidades de receitas que poderiam preparar com todas as coisas que eles compraram. Foram necessárias pois tudo que tinha em sua casa era sal, açúcar e café. Os dois últimos apenas porque o trânsito de Los Angeles de manhã era terrível, tirando toda e qualquer coragem que ele tinha de ainda parar em algum lugar para comprar e não tinha paciência para esperar chegar ao escritório para tomar seu primeiro copo de café do dia.
Não era irritante, no entanto. Ele gostava de ter algo para preencher o silêncio e ela não se incomodava em interpretar aquele papel. Achava que seria ótimo se ele se animasse também e desse pelo menos respostas mais longas, mas sabia que nem todos se adaptavam a novos lugares ou novas pessoas tão bem quanto ela.
Quando voltaram para o apartamento, eles encheram geladeira e armários com o que parecia tudo disponível no mercado. E mesmo que tivesse tentado fugir, ela exigiu que ele o ajudasse com o preparo da comida, algo rápido e fácil, pois demoraram fora e já eram 21h00: espaguete com molho branco e alguns legumes. Ela o deixou responsável pelos últimos componentes, aqueles que não fariam tanta falta caso fossem queimados, e foi dando instruções do que ele deveria fazer. Ao mesmo tempo, colocou o macarrão para cozinhar enquanto preparava o molho.
Em menos de trinta minutos, eles colocavam sob o balcão, pois não havia mesa, duas belas travessas. Ele insistiu que não precisavam de tanta cerimônia para o jantar, mas aquela era uma das pequenas maneiras de de agradecer por deixa-la ficar ali quando seu próprio irmão era um desnaturado. rapidamente aprendeu que ela era uma garota difícil de se contrariar.
— Eu odiava aquele lugar! Não me entenda mal, era uma boa universidade e eu sou muito grata pelo meu pai e pelo meu irmão se juntarem para pagar para mim, mas nunca foi o que eu quis e eu sempre deixei isso claro. Não é justo que eles façam o que amam todo os dias enquanto eu fico presa em uma sala de aula que me sufoca, você não concorda?
— Acho que sim, ainda mais se tratando de um curso de exatas... Você tem que realmente querer estar lá. Eles só estão preocupados com você, especialmente com a profissão que você escolheu. Como alguém que vive em LA há um bom tempo já, eu posso te dizer que poucos realmente conseguem chegar em algum lugar. Não quero te desanimar, é claro. Sei que tem muito potencial, .
Ela sorriu e assentiu. Sabia daquilo e estava mais do que disposta a correr aquele risco.
— Por favor, pare de me chamar assim. Só .
— Desculpe, é que eu ainda não te conheço tão bem. – se justificou.
— Sério? Eu estou aqui há algumas horas e acho que já te contei a minha vida inteira, isso sem falar no tanto de coisa que meu irmão deve ter tagarelado para você. Eu, sim, sei apenas o seu nome. Vamos, conte mais!
fez uma careta que não passou despercebida aos olhos dela, mas manteve sua pose firme de quem queria saber tudo sobre o homem com quem viveria pelas próximas semanas.
— Ahn... Meu nome é Masen, eu tenho 29 anos, sou um arquiteto, moro em Los Angeles há quase cinco.
Já terminada com a sua refeição, tinha o queixo apoiado nas mãos, ouvindo atentamente o que ele tinha a dizer. Ela só percebeu que ele já havia acabado quando os segundos de silêncio aumentaram consideravelmente sem que ela ouvisse nenhuma informação nova. Incluindo as que ele havia dado, pois já sabia de tudo aquilo.
— É isso? – ela questionou e ele deu de ombros, concordando.
Também achava que aquele era um número ridículo de informações a se dar para uma pessoa, mas era o que conseguia pensar que não revelasse coisas que ela não precisava saber. Coisas que com certeza o deixariam mais desconfortável ainda.
— É, é por aí.
Para o seu azar, não tirava o sorriso e o ânimo do rosto por muito tempo.
— Vamos fazer assim então, eu faço perguntas e você responde. Que tal?
Mesmo hesitante, ele assentiu. Havia se tornado muito bom em enrolar outras pessoas, apesar de saber que com ela não seria tão fácil, e não queria bancar o chato na primeira noite dela na cidade. Ela era divertida, Michael estava certa ao dizer que ela poderia trazer algo bom para a sua vida, não precisava estragar as coisas tão rápido.
— Você disse que não cozinha, então como sobreviveu todos esses anos aqui? Quer dizer, hoje a empresa de vocês cresceu e tudo, mas eu sei bem que já passaram vários perrengues por uns bons dois anos antes disso acontecer. Como um cara solteiro, você tinha que cozinhar, não tinha? Espera, você é solteiro, não é?
— Sim, sou solteiro. – disse sorrindo, mas por dentro se lamentava porque ela já havia começado logo com uma pergunta difícil de cobrir. – Na verdade, eu disse que não cozinho bem, não que não cozinho.
não gostava de mentir. Preferia responder perguntas que não gostava muito pelas beiradas, as vezes até desviando o assunto. Era isso ou um simples questionamento como aquele poderia se estender para vários outros, o colocando em uma área em que nunca estava afim de entrar, a não ser em momentos muito particulares. Não importava o tempo que passasse, ainda era doloroso.
— Ah, é... O que você faz em seu tempo livre?
— Trabalho.
— Em todo o seu tempo livre?!
— Sim, na maioria das vezes. – ele respondeu, sorrindo levemente pela expressão surpresa dela.
continuou fazendo suas perguntas por algum tempo. Perguntou sobre seus gostos e paixões, sua rotina e sua vida no geral. A maioria foi respondida, mesmo que sem detalhe algum. Já algumas não pareceram agradá-lo tanto ao ponto dele começar a desviar do assunto e ele era realmente bom naquilo. Em alguns momentos, ela se pegou voltando a falar sobre si mesma sem ter ideia de quando ou porquê aquilo aconteceu.
Desde criança, fora observadora. Gostava até de brincar que tinha super poderes, compreendia bem as pessoas, sabia dizer como se sentiam, se algo as incomodava etc. Poderia falar por horas seguidas, porém sua atenção nunca deixava a pessoa que a ouvia. Por isso, soube rapidamente quando ele começou a ficar de saco cheio das perguntas e isso aconteceu desde a primeira. Pôde dizer que ele não gostava delas, inclusive as mais simples, então decidiu simplesmente liberá-lo por aquele dia.
Sua mente, aquela de quem gostava muito de uma boa história de mistério, ficava animada com a possibilidade de ter um em sua frente, ainda que soubesse que as chances de ser viagem da sua cabeça, como em todas as outras vezes, eram grandes. Mas não pôde deixar de se sentir curiosa pelo que parecia dar a ele tanto trabalho para esconder do mundo exterior.
Well, I see break fast on the table and I can smell you in the halls.
Lord knows I’d cry if I was able, but that won’t get me through tomorrow.
Lord knows I’d cry if I was able, but that won’t get me through tomorrow.
Infelizmente, não deixava muito escapar. E ele estava sendo mais que sincero quando disse não passar muito tempo em casa.
Dois dias depois, algo particularmente curioso aconteceu e deixou com as orelhas em pé.
Era domingo e ela decidiu preparar algo especial para o café da manhã. Seu plano original era fazer aquilo no sábado, mas adivinhe a surpresa da garota ao preparar mil coisas e horas depois dele nunca acordar descobrir que ele já se encontrava no trabalho. Porém dessa vez não teria erro. Se certificou de perguntar, casualmente, que horas ele costuma levantar aos domingos.
Então, eram quase 9h00 da manhã e já preparava ovos com bacon, panquecas e um delicioso suco natural de laranja para que ele começasse bem o dia. Estava apenas na metade do caminho, o que também significava que estava atrasada, mas isso acabou não importando muito pois pouco tempo depois notou a presença de , adiantado.
Ela ia cumprimenta-lo com um bom e animado “bom dia” até olhar para a expressão confusa dele. Havia acabado de acordar, ou seja, era de se esperar que ainda estivesse se localizando em sua própria cozinha, cheia depois de muitos anos sem a presença de um bom número de alimentos. No entanto, havia algo mais ali. Enquanto ele olhava ao seu redor, assimilando o que estava acontecendo, ela viu no fundo dos seus olhos algum tipo de pânico que gelou sua espinha.
— ? Tá tudo bem?
Seria ele sonâmbulo ou algo do tipo? Ouvira dizer que nunca se deve acordar alguém nesse estado, mas não sabia que outra coisa fazer. Essa opção foi logo descartada porque ele não demorou para focar nela, desfazendo sua expressão anterior e a substituindo por um sorriso leve.
— Sim, claro. Eu só... – e mudou de ideia. – Bom dia, !
Isso não voltou a acontecer nos próximos dias, mas com certeza ficou rondando a cabeça da garota por muito tempo. Ele não contou que o cheiro do café da manhã sendo preparado o lembrou muito de algo que costumava viver tempos atrás. Por um momento, foi como se tivesse acordado em seu passado e todas as suas emoções se juntaram para fazer com que congelasse, aterrorizado e maravilhado ao mesmo tempo pela oportunidade.
passou a semana inteira entregando currículos em lanchonetes, lojas e afins. Antes de tudo, precisava de um emprego para deixar de depender do irmão e do pai, assim poderia focar apenas em sua futura carreira depois. Nesse meio tempo, acabou conhecendo algumas pessoas, já que fazer novas amizades nunca fora realmente um problema para ela. Uma delas era a vizinha do andar de baixo, Ellen. A viu pela primeira vez no elevador logo na segunda-feira e todos os dias depois disso. Quando chegou a sexta, já haviam tomado café juntas duas vezes, conhecia o cachorro dela e podiam dizer que era colegas.
— Eu e alguns amigos vamos para um barzinho mais tarde, relaxar um pouco, por que não vem com a gente? – convidou a mulher de 26 anos quando subiam pelo elevador depois de ir comer algo em uma lanchonete ali perto.
— Parece legal! Posso levar alguém? – perguntou, já pensando em arrastar consigo. Só o via por algum tempo na parte da noite há dias e ele parecia precisar de um “relaxamento”.
— Claro, fique a vontade. O ? – ela assentiu. – Ele não parece fazer muito o estilo de quem frequenta bares, mas se você acha que ele vai querer ir, é muito bem-vindo.
imaginava que aquela não fosse ser uma missão das mais fáceis, porém era insistente. Mesmo que não obtivesse sucesso, não lhe custaria nada tentar.
O elevador chegou ao andar da Ellen, então elas se despediram rapidamente, deixando certo de combinarem o horário por mensagens. Entrou em uma casa vazia, mas nada com que já não estivesse acostumada. Ainda eram 18h00 e se chegasse as 20h00, estava chegando cedo. Sem muito o que fazer, ela decidiu adiantar seu banho e depois ficar sentada na sala, assistindo TV, de guarda para quando o colega de apartamento chegasse para que pudesse encher o seu saco até que saísse com ela.
Cerca de duas horas depois, ele entrou pela morta carregando sua maleta gigantesca que parecia ter todos seus projetos em andamento. Normalmente, ele a colocaria no sofá de qualquer jeito, mas tinha visita, então posicionou-a no balcão e levaria para seu quarto mais tarde. Não tinha um escritório. Planejava há muito tempo de transformar o quarto em que estava ficando em um, porém, no final das contas, acabava ficando satisfeito com o seu sofá, mesinha de centro e chão.
— Então, o que vamos cozinhar hoje? – ele perguntou para a garota que o encarava com um sorriso de esperteza.
Haviam adquirido o hábito de fazer seus jantares juntos, assim ela o ensinava alguns temperos e pratos novos. Ele adorava daqueles momentos, mesmo quando era bombardeado com perguntas sobre a sua vida, mas sabia que a probabilidade de desanimar e voltar a rotina que costumava ter no minuto que ela fosse embora era muito grande.
— Eu pensei em fazer algo diferente hoje. – ela disse, ficando de joelhos sobre o sofá.
— Árabe?
— Não, vamos sair! Sabe a Ellen aqui de baixo que eu te falei? Ela convidou a gente para ir em um barzinho.
Ele deu alguns passos para trás, fazendo uma careta e já pensando em como se livraria daquela. De todas as coisas que considerava fazer depois de chegar do trabalho naquele dia, ir para um bar com certeza não entrava na lista.
— Ah... Acho que não, . – respondeu enquanto tirava o blazer.
— Vamos, vamos, vamos! É sexta-feira, você trabalhou a semana inteira, merece se divertir um pouco, não acha?
Depois de dobrar pobremente a peça e coloca-la sobre o seu antebraço, ele pegou sua maleta e foi indo para o quarto, sabendo ser seguido.
— É justamente porque eu trabalhei a semana inteira que não tô a fim. Só quero ficar em casa e descansar, tá bom? Além do mais, eu trabalho amanhã cedo.
parou no vão da porta com as mãos na cintura e semicerrou os olhos em sua direção.
— Não jogue essa para o meu lado, Masen! – o repreendeu. – Nós dois sabemos que você é o único naquele escritório no sábado e por escolha própria.
se sentou na beirada da cama para tirar os sapatos, amaldiçoando Michael por contar coisas do tipo para a garota. Sem perceber ou talvez até percebendo, ele a havia dado munição, dificultando sua vida.
— O silêncio torna o sábado um dos meus dias mais produtivos da semana, sabia? Você quer que eu troque horas de avanço no trabalho por uma noite de diversão? Seu irmão não gostaria disso.
bufou. Odiava que ele fosse tão bom e insistente quanto ela.
— Nós podemos voltar cedo, que tal? Onze horas estamos de volta! Só o suficiente para tomar algumas cervejas, comer umas asinhas de frango, quem sabe não tem um jogo passando que venha a te interessar, hein, hein, hein? – discursou, esperando do fundo de seu coração que isso o convencesse, pois seus argumentos estavam chegando ao fim.
— Outro dia, . Mas vai, se divirta! – ele afirmou, querendo dar um fim naquilo. – Não quero que passe suas noites em casa só por causa de mim.
Ele se aproximou para que pudesse fechar a porta e tomar seu tão esperado banho, mas não moveu um músculo sequer, o impedindo que ele fizesse aquilo sem acertá-la no nariz.
— Masen, eu não saio daqui até você me dizer que vai tomar banho e se arrumar para a gente sair.
O arquiteto deu um sorriso de lado, percebendo que teria que levar seus argumentos a um outro nível para tirá-la dali. No final das contas, sempre acabava se divertindo com ela.
— Jones, eu vou, sim, tomar banho e para isso preciso tirar minha roupa. Se ficar aí, você vai assistir um striptease muito mal feito.
Ela soltou uma risada leve ao perceber que ele acreditava que aquilo a expulsaria. Na verdade, funcionava quase que como um incentivo, afinal, mesmo sem investir em cuidados com a sua aparência, era muito mais bonito que a maioria dos caras da sua idade.
— Vá em frente. – disse por fim, cruzando os braços no peito e se apoiando na madeira ao lado, tudo para mostrar ainda mais interesse na cena. Tinha certeza que ele não iria em frente com aquilo.
Surpreso pela atitude dela, ele deu alguns passos para trás e engoliu em seco. Esperava que ela saísse correndo na mesma hora, mas, aparentemente, tinha subestimado sua convidada. Não podia dar para trás agora ou a vitória daquele jogo que nem fora anunciado seria dela. E realmente não queria ir para bar nenhum naquela noite. Ou em todas as outras.
Se houvesse um prêmio por ao menos tentar, teria o recebido. Ele foi com rapidez para que não tivesse a chance de parar e conseguiu até arrancar a barra da camisa para fora da calça, mas no momento em que suas mãos a agarraram para tirá-la completamente (pois queria poupar o sentimento de stripper ao abrir botão por botão), o rosto de Michael brotou na sua frente. Foi como se um balde de água com gelo fosse jogado em sua cabeça.
— Escuta, eu não vou hoje, mas te levo algum outro dia em um lugar especial, que tal?
ponderou a ideia por não mais que dois segundos e então deu de ombros.
— Tá bom. Vou me arrumar. – disse, se retirando.
Não havia conseguido bem o que queria, mas conseguiu uma proposta para tirá-lo de casa e se as poucas coisas que seu irmão havia lhe dito eram verdade, aquilo já era uma grande vitória.
Já acabou frustrado por perder mesmo quando vencia. Não que ter que sair com a garota fosse uma grande perda, mas significava deixar a sua zona de conforto depois de fazer um grande trabalho para ficar ali. Ele estava bem como estava, ou apenas gostava de se convencer disso.
Depois de tomar um bom banho, foi para a cozinha, disposto a preparar algo sozinho. Tinha 29 anos e só notou o quão patético era viver de delivery há poucos dias. Provavelmente não ficaria tão saboroso, talvez nem muito comestível, porém acreditava no dito popular que a prática leva a perfeição. Nesse caso, só substituiria a perfeição por “algo comestível”.
O relógio já marcava 21h00 quando saiu de seu quarto vestindo uma calça jeans de cós alto, cropped preto e um par de salto alto no pé. Seu cabelo estava como sempre, solto, jogado de qualquer jeito, e achava bonito assim; no rosto, pouca maquiagem, dando destaque apenas aos lábios que carregavam um batom roxo quase preto.
— E aí? – ela perguntou, parando em uma pose para que ele a visse por completo.
Ficou parado de boca aberta por uns bons segundos, a admirando. Ela já era particularmente linda de cara limpa e com os pijamas que vestia toda noite, mas as roupas que marcavam suas curvas e a maquiagem com certeza adicionaram algo a sua beleza. Não se permitiu olhar muito, no entanto. Primeiro: ela continuava sendo a irmã mais nova de seu melhor amigo. Segundo: não queria ser desrespeitoso.
— Uau! Tem certeza que só vai em um barzinho?
— É a minha primeira vez na noite de Los Angeles, tenho que causar boas impressões, não é mesmo?
— Você não precisa de muito para causar boas impressões, . Mas está linda, de qualquer maneira!
Em sua mente, pensava que tudo que ela tinha que fazer era chegar em um ambiente e soltar um de seus sorrisos grandes e abertos. Essa era não só sua primeira impressão como também aquela que ficava, pois a garota parecia estar sorrindo o tempo todo, tornando impossível de se estar no mesmo ambiente que ela e para baixo ao mesmo tempo.
— Ora, muito obrigada! – e ali estava o sorriso.
Poucos minutos depois, saiu para encontrar a nova amiga. Nunca teve problema em sair com desconhecidos, já que encontrava facilidade ao conversar sobre qualquer assunto que fosse, desde futebol aos filmes indicados ao Oscar e naquela noite não foi diferente. Conheceu mais uma mulher e dois rapazes e todos foram responsáveis por apresenta-la alguns dos melhores bares da cidade dos anjos, pois assim que souberam que tinham companhia fresca em LA, um não parecera suficiente.
Ela riu, andou, conversou e acabou bebendo bem mais do que devia ao considerar que nem tinha idade para fazer aquilo. Outro motivo para amar suas novas companhias: elas não fizeram grande caso quando ela decidiu pedir uma cerveja. Era velha o suficiente para tomar suas próprias decisões, mesmo que o Estado não concordasse.
Em alguns momentos, não pôde deixar de pensar no homem que deixou em casa e desejar que ele estivesse ali, se divertindo com ela. Apesar disso, não conseguia vê-lo naquele ambiente. Podia estar ficando louca, mas havia algo nele que a fascinava ao mesmo tempo que a fazia triste. Algum tipo de melancolia... Gostaria de descobrir o que ou por quê, mas ele não facilitava aquilo para ela.
Não costumava ter tanto interesse assim em homens. Que não a entendessem mal, ela gostava de alguns, já havia namorado um par deles, no entanto, poucos a mantinham interessada por muito tempo. lhe parecia diferente. É claro que não poderia tirar conclusões precipitadas, afinal, só vivia com ele há uma semana.
Eram cerca de 2h00 da manhã quando concluiu que havia bebido demais. O mundo ao seu redor já era mais borrado do que aquilo que considerava normal em uma noite fora e sua memória não parecia funcionar tão bem quanto deveria. Agora mesmo, se encontrava em frente ao grande e chique prédio que poderia chamar de casa pelas próximas semanas, mas não fazia ideia alguma de como é que havia chegado até ali. A única certeza que tinha era que Ellen estava muito mais bêbada, pois conseguia ao menos apoiar a amiga que mal se aguentava de pé enquanto esperavam por algo. Não tinha certeza do quê.
Quando Lucy, uma de suas novas colegas na cidade, apareceu e ela notou o Uber indo embora, as coisas ficaram um pouquinho mais claras. Estavam sendo levadas para casa, pois uma nem lembrava seu nome e a outra não tinha ideia de como chegar em qualquer lugar afastado demais sozinha.
Lucy dormiria na casa da Ellen aquela noite para se certificar de que a amiga acordaria viva na manhã seguinte, mas decidiu ir pessoalmente despejar , com medo de que ela encontrasse no meio do caminho coisas mais interessantes do que ir para casa. Então, depois de deixar a primeira abraçada a um vaso sanitário, elas subiram ao andar de cima. A mais nova poderia jurar que tinha uma chave consigo, porém Lucy não era muito paciente e tocou a campainha antes que ela pudesse encontrar em sua bolsa.
Nenhuma das duas esperavam que fossem abrir a porta tão cedo, mas poucos segundos depois, lá estava , vestindo apenas uma calça de moletom pois não a esperava em casa tão cedo.
— Ei, ! – exclamou, abrindo os braços para se jogar nos dele. Felizmente, o arquiteto já havia tomado café o suficiente naquela noite para não lhe restar um pingo de sonolência e pegá-la antes que atingisse o chão.
— ? – ele questionou, surpreso com o seu estado. De todas as maneiras que a imaginou chegando de sua noite fora, completamente bêbada não era uma delas.
— Ah, oi, eu sou a Lucy. Só vim deixar a . – disse, desconcertada com o homem a sua frente ao ponto de esquecer da amiga passando mal no andar de baixo. Ele não tinha muitos músculos, mas ela pensou que ele definitivamente não precisava pois o pacote completo já estava ótimo sem eles.
— Masen. – a cumprimentou. – Obrigada por trazê-la em segurança.
— Imagina!
Algumas trocas de palavras foram feitas antes dele fechar a porta e acomodar a irmã do amigo no único espaço do sofá que não estava tomado pela bagunça de seus materiais de trabalho.
— Nossa, sua noite rendeu.
— É... Ir em vários bares não foi uma boa ideia. – respondeu, apoiando a cabeça no encosto. Sabia que a noite terminaria daquela maneira quando eles começaram a agir como se cada novo bar zerasse a conta de bebidas ingeridas no anterior.
riu rapidamente enquanto recolhia algumas de suas coisas para que pudesse sentar ao seu lado. Ela não parecia mal a ponto de vomitar, mas não cuidava de pessoas bêbadas há alguns anos e já não tinha certeza do que esperar. Dessa maneira, decidiu se manter por perto.
— Tá se sentindo bem?
— Eu não acredito que você está trabalhando essa hora da madrugada. – ela murmurou longa e arrastadamente.
deu de ombros.
— Eu funciono melhor na madrugada.
— Muito bem, sr. Masen! Mas como você pôde usar a desculpa de que precisava acordar cedo para ir comigo e continua aqui muito acordado? Traidor.
— Em minha defesa, você deveria ter chegado mais tarde, assim eu já estaria dormindo. – ele respondeu com um sorriso de lado.
semicerrou os olhos em sua direção, chocada com a audácia.
— Você tem muita cara de pau mesmo! E meu irmão te descrevendo como algum tipo de anjo na terra.
— Se te faz sentir melhor, isso é porque o seu irmão não é muito bom detectando meus truques. Você descobriu um deles em apenas uma semana, então, parabéns!
Ela balançou a cabeça, um pouco brava por ter sido enganada. Mas acabou decidindo que não valia a pena se martirizar por aquilo, afinal, tinha sua vida definida quando chegou, não era sua responsabilidade modifica-la. Mesmo que gostasse muito da ideia. Focou então seus olhos no grande desenho em que ele trabalhava, mais para tentar fazer sua visão parar de girar do que qualquer outra coisa, e acabou se interessando.
— O que é isso?
— Um projeto que tô tentando criar... E falhando. – ele respondeu, sentindo sua frustração voltar completamente.
— Por que? Parece ótimo para mim!
— Não está! É... Tem algo faltando, algo que iria diferenciá-lo dos outros... Eu não sei o quê. – tentou explicar e correu as mãos pelos fios de cabelo a fim de puxá-los como se aquilo fosse trazer as ideias para fora também.
— Não faça isso. – ela o repreendeu, puxando a mão dele para o seu colo e então encostou sua cabeça em um dos ombros nus dele apenas porque ela parecia pesar mais do que o normal naquele momento. – Você é um perfeccionista, ahn? – assentiu e ela pôde apenas sentir a movimentação. – Sabe o que eu faço quando travo em alguma coisa? Eu dou um tempo. Acho que já te conheço o suficiente para saber que talvez interprete isso com focar em outros trabalhos, mas quando eu digo dar um tempo, digo deixar tudo que envolva aquilo de lado. Assim, quando você voltar, sua mente está descansada o suficiente para ver coisas que não veria antes.
tinha a mais absoluta das certezas de que nunca poderia fazer algo assim. Era demais. Seu trabalho era a única coisa que permitia-o tirar certas coisas da cabeça, era o que estava mantendo-o são.
Preferiu não dizer aquilo em voz alta.
— Para alguém que mal se aguenta de pé, você tá falando muito bem.
— Ah, nada afeta a minha fala. Ela é muito bem desenvolvida, sabe? São muitos anos de treinamento nível hard. – disse, se levantando e virando seu corpo totalmente de lado para encará-lo, agora de volta para o encosto do sofá. Ele fez o mesmo enquanto ria da resposta da garota.
— Acho que é hora de ir dormir. Precisa de ajuda para ir até o seu quarto?
observou o rosto cansado dele, as suaves linhas de expressão, a barba recém feita que tirava dele uns bons cinco anos. Ele era realmente bonito. Tão bonito que ela não pôde deixar de se questionar o por que dele viver daquela maneira, tão isolado. Imaginava que um homem com aquela aparência estaria noite após noite em bares e clubes, flertando com as mulheres mais belas ou apenas bebendo com os amigos. Amigos esses que ele também não parecia ter muitos.
Naquele momento, seus lábios finos desenhavam um sorriso lindo que a fez querer se aproximar para ver de perto. Estavam levemente úmidos e rosados, parecendo macios aos seus olhos, porém sabia que não era com os olhos que se sentia a textura de algo e sim com o toque. Se tratando de um par de lábios, ela pensou ser apenas certo testá-los com os seus também, só para ter certeza. Estava tão perto, quase alcançando seu objetivo, quando eles começaram se abrir. Não entendeu imediatamente o que diziam, apenas quando ele repetiu.
— ? O que está fazendo?
Foi quando percebeu que estava completamente inclinada na direção de , que se encontrava todo torto para desviar do seu avanço sem amassar todos os papeis atrás de si. Arregalou os olhos por um momento antes de dizer:
— Eu acho que vou vomitar.
Preocupado, ele correu para a cozinha a fim de buscar um copo de água para ela, que mentia. Ficou encarando o nada, se punindo mentalmente por se permitir entrar naquele estranho transe onde beijar o melhor amigo do seu irmão parecera uma boa ideia. Não que o ato não lhe agradasse, mas claramente não agradava a ele.
Se jogou no encosto pela terceira vez desde que chegara, pedindo a todos os deuses do universo que estivesse bêbada o suficiente para não se lembrar daquele momento na manhã seguinte.
odiava limpar. Por isso, se sentia estúpida por estar ajoelhada no chão, tentando alcançar o meio do armário para passar o pano lá, parecendo a própria Cinderela. Ainda assim, sentia que era necessário. Não pela casa estar insuportavelmente suja, pois eles eram consideravelmente limpinhos, mas porque a diarista ligou mais cedo para avisar que estava doente e não poderia ir trabalhar naquele dia. Ao invés de passar a tarde inteira sem fazer nada, decidiu que aquela seria uma boa maneira de agradecer a por estar sendo tão gentil com ela e sua estadia, mesmo depois do incidente da sexta-feira passada.
Começou pelo banheiro, seu quarto, sala e agora estava finalizando a cozinha. Em sua lista mental, o próximo cômodo deveria ser o terceiro quarto daquele apartamento, porém ele era mantido fechado a sete chaves desde que chegara.Depois vinha o quarto de seu colega de apartamento, mas ainda não concluíra se aquela era uma boa ideia. O mais perto que havia chegado de dentro de lá fora o vão da porta e insistia sempre em mantê-lo bem fechado. No filme que montava em sua mente todos os dias, algo abominável se encontrava do lado de dentro de ambos para justificar tamanho cuidado, algo que revelaria muito sobre quem era e o que escondia.
Já desconfiava que a realidade não fosse ser tão interessante quanto, assim a decepção não era tão grande.
Depois de ponderar algumas vantagens e desvantagens, concluiu que entraria. No final do dia, a boa vontade dela de deixar a casa inteira limpa seria priorizada em relação a uma possível invasão de privacidade, certo? Esperava que sim, pois já estava abrindo a porta ao mesmo tempo em que fazia algum tipo de malabarismo para conter em seus braços: aspirador de pó, vassoura, rodo, pano de chão e um produto de limpeza que achou na lavanderia.
Quando acendeu a luz, deu de cara com algo decepcionante: nada além do completamente normal. Aparentemente, nada que não houvesse notado alguns dias antes, apesar de não ter sua atenção na decoração do quarto lá atrás. De início, um quarto comum para um solteiro de 29 anos. Cama desarrumada, algumas peças de roupa jogadas numa poltrona no canto e o resto perfeitamente arrumado, até porque toda a bagunça de trabalho ele levava para a sala.
Começou tirando o pó das coisas a fim de limpar o chão e levar toda a sujeira embora depois. Fazer aquilo era sempre péssimo para a sua rinite, mas sacrifícios precisavam ser feitos. Antes de tudo, abriu a janela para arejar o cômodo que parecia precisar urgentemente de um pouco de luz solar.
Quando chegou no criado mudo ao lado da cama, notou algo que não havia visto até aquele momento. Era uma foto emoldurada de três pessoas na parede logo a frente. Sem conter sua curiosidade, logo ficou frente a frente com o objeto e teria pegado na mão se não estivesse tão bem pregado. Na imagem, estava sentado em uma cadeira onde parecia ser seu escritório com uma garotinha de cerca de dois anos em seu colo. Atrás dele, com as mãos em seus ombros, uma mulher que parecia ter uma idade próxima a sua se encontrava. Os três sorriam como se aquele fosse um dia muito feliz. Pareciam uma família, uma linda e harmoniosa família que já não existia mais, considerando a situação em que ele vivia agora.
Seria essa família a responsável por todo o mistério que ele fazia? Acreditava que sim. Pelo menos, em todas as interrogações que fez, uma esposa e filha nunca vieram à tona.
Se perguntou se ele as havia abandonado e não contava por se sentir envergonhado com aquilo. Imediatamente desejou que não fosse verdade, pois nunca teria coragem de viver e ser amiga (talvez mais) de um cara que tivesse a capacidade de fazer algo do tipo.
Estava um pouco chateada por não saber quem eram aquelas duas. Dia a dia, a amizade entre os dois crescia com conversas e risadas que ela arrancava dele. Odiava estar no escuro, não lhe parecia justo, uma vez que era um verdadeiro livro aberto. Nesse ponto, já devia saber até quantos quilos ela tinha quando nasceu.
Respirou fundo enquanto tirava o pó do porta-retratos. Por fora, estava calma, mas por dentro se derretia em curiosidade. Logo tirou o seu olhar do objeto e foi focar em outras coisas, coisas essas que não envolviam gavetas ou closets para fuçar. Se manteria longe desses. Aquela era uma linha que não queria e definitivamente não iria cruzar.
realmente amava seu irmão, ainda que quisesse matá-lo na maior parte do tempo. Ela o odiava quando decidia morar com sua inimiga de infância. Também o odiava quando se atrasava. Agora mesmo, estava sentada sozinha em um restaurante há exatos 19 minutos, morrendo de fome, quando estaria muito mais feliz em seu apartamento temporário, tentando e falhando ao convencer de ir dar uma volta na praia naquele lindo e ensolarado sábado para comemorar suas três semanas de convivência.
Todo dia era lindo e ensolarado em Los Angeles, o completo oposto de Charlotte, sua cidade na Carolina do Norte. Pensava nisso o tempo todo ultimamente, sempre fazendo o máximo para se manter positiva sobre ainda não ter conseguido um emprego. Pelo menos tinha uma entrevista marcada para a segunda-feira e essa já era uma oportunidade e tanto para passar a se sustentar sozinha. Ou quase isso.
Suspirou de alívio quando ouviu pela milésima vez o sino da porta se abrindo e finalmente avistou Michael passando por ela. Antes que chegasse a mesa, ele já tinha um sorriso de desculpas nos lábios.
— Eu juro que tenho uma explicação muito boa! – ele disse, puxando a cadeira com receio sob o olhar impaciente da irmã.
— Ah, é? Manda.
Ele parou. Não tinha realmente um, só não esperava que ela fosse querer ouvir qualquer desculpa que desse.
— Ahn... Eu tive que passar no escritório para ajudar o com uma coisa. – inventou, sorrindo amarelo.
— O vai para casa às 11h30 aos sábados. Já são quase 13h00.
Michael semicerrou os olhos em sua direção, dando de ombros. Não adiantava tentar enganar a garota. Mesmo sendo tantos anos mais nova, é e sempre foi muito mais esperta que ele. Só desejava que ela usasse toda essa esperteza para concluir uma faculdade ao invés de se aventurar em Hollywood.
— , é? Tá pegando o meu melhor amigo para você? Não vai se acostumando não. – ele falou para provoca-la e, é claro, para mudar de assunto.
— Ele sabe que eu sou muito mais legal que você, Mike. – afirmou, sorrindo. – E é justamente do seu amigo que eu quero falar. Às vezes eu tenho uma impressão...
— Espera... Não vamos pedir primeiro? – a interrompeu.
— Eu já pedi para nós dois, não se preocupe.
Ele assentiu, nem um pouco surpreso. Não ficava mais frustrado com aquilo porque sua irmã o conhecia melhor do que ele mesmo e tinha uma grande tendência a escolher pratos que ele acabava gostando muito mais do que os que queria pedir. Se é que isso fazia sentido.
— Tudo bem: ! O que tem o ?
— Qual é a dele? – questionou, se inclinando sobre a mesa. – Por que ele é tão fechado? Por que tudo que ele faz da vida é trabalhar? Quem são aquela mulher e bebê?
No momento em que fez a última pergunta, notou uma reação de surpresa da parte de Michael. Isso a fez parar na mesma hora para ouvir o que ele tinha a dizer sobre o assunto.
— Como sabe delas, ? Andou fuçando nas coisas dele? Eu não acredito que você teria cora...
— É claro que não! Tá louco? Eu estava limpando a casa e acabei vendo o quadro pendurado na parede do quarto dele, só isso. Fiquei curiosa porque eles pareciam uma família e muito feliz. – se defendeu.
— Isso não é da sua conta, , de verdade. – respondeu, sério, a deixando preocupada. – E nem fala do assunto para o porque ele não vai gostar nada.
— Que assunto, Mike? Eu nem sei do que se trata. Ahn... Elas morreram?
Havia considerado essa hipótese por um período muito curto de tempo, mas logo a deixou de lado. Não por descarta-la e sim porque não conseguia lidar com os pensamentos de que alguém agora próximo a ela havia passado por toda a dor que devia ser perder sua família. Já ficava triste por dias quando lia histórias do tipo com pessoas que nunca nem havia visto na vida, então não queria nem mesmo pensar naquilo, com medo de que se pensasse demais se tornaria verdade.
— Eu vou repetir: não é da sua conta. Esquece! – Michael exclamou, se esforçando para não falar nada que entregaria algo. Não faria aquilo com o melhor amigo.
— Como não? Eu estou morando com esse homem, Mike. E se ele as assassinou? As abandonou? Eu tenho o direito de saber!
— Você realmente acha que eu te colocaria para viver na casa de alguém que eu não julgasse 100% de confiança?
deu de ombros.
— Você está noivo da minha pior inimiga. Já tô acostumada com as suas mancadas. – ela disse. A futura esposa do irmão era um assunto sempre delicado entre eles.
— E nós voltamos para essa discussão! – afirmou, balançando a cabeça. – Escuta, se quer saber de algo sobre o , vai ter que perguntar para o , apesar de eu preferir que não faça isso. Não é minha história para contar.
— Quando você virou esse bom samaritano todo, hein? – encostou as costas na cadeira, bufando.
Michael estava prestes a responder algo completamente egocêntrico, como podia ver em sua expressão, mas foi interrompido pela garçonete que chegou com seus pratos. Esqueceria aquela discussão apenas por enquanto. Estava morrendo de fome e acreditava fielmente que em uma mesa farta cabe apenas alegria e felicidade.
Ainda que brigasse com seu irmão mais do que com qualquer outra pessoa no planeta Terra, ela gostava muito de sua companhia. Era como se as brigas os mantivessem afiados e unidos, de uma maneira muito estranha.
— Você vai almoçar na minha casa amanhã, certo? – ele perguntou depois de alguns minutos em silêncio.
engoliu em seco. Sentia falta do sempre maravilhoso churrasco de domingo do seu irmão, no entanto, sabia que não teria que aturar apenas a presença dele.
— Não sei, não...
— Vamos lá, ! A Bree está disposta a tentar fazer as coisas funcionarem e eu tenho certeza que você pode fazer o mesmo!
Ela forçou uma risada rápida, balançando a cabeça.
— Você tem noção de quantas vezes ela já veio com essa para o meu lado e eu acabei me ferrando? Zilhões, Mike! Mas não dessa vez.
— Tá bom, tá bom... Vocês nem precisam conversar. Só ficar no mesmo cômodo uma com a outra é o suficiente. Por favor, você sabe que quer esse almoço tanto quanto eu. – ele implorou, puxando uma das mãos da irmã para si e colocando seus olhos para trabalhar. Não tinha a capacidade de dizer não para aqueles olhos.
— Tá legal! Mas avisa ela para não testar minha paciência. Eu sou família, eu venho primeiro.
Pouco tempo depois, Michael desviou do assunto, temendo que ficar nele também significasse ela mudando de ideia. Havia conseguido o seu sim e era tudo que importava. Era o seu primeiro passo na transformação de sua noiva e irmã em melhores amigas até o casamento e tinha algum tempo para fazer isso.
estava sentada pacientemente no sofá da sala esperando terminar de “se arrumar”. Entre aspas porque estavam apenas indo ao apartamento do seu irmão e para isso só era necessário um banho e roupas boas o suficiente para sair na rua. Se estava indo para o seu inferno pessoal, tinha o direito de levar uma companhia e, por sorte, seu novo amigo não via problema algum em ir comer algo delicioso na casa do Michael.
Estava seguindo o conselho do irmão mais velho por enquanto e mantendo sua boca fechada quando o assunto se tratava da mulher e criança no porta-retratos. Sua curiosidade a fazia rever todos os pontos positivos e negativos cada vez que olhava para o rostinho bonito de , porém acreditava estar fazendo um bom trabalho até aquele momento. Gostava muito dele e tinha medo de chateá-lo, mesmo que ainda não soubesse exatamente com o quê.
Quando saiu do quarto, ele vestia uma bermuda jeans, camiseta branca e tênis casual. imediatamente sorriu, sempre animada com as poucas horas que conseguia da companhia dele, e ele sentiu algo esquentar dentro de si com a imagem do sorriso dela ao primeiro passo que deu para fora. Espontâneo, aparentemente sem motivo algum e responsável por tornar seus dias menos amargos.
— Vamos? – ele a chamou, estendendo a mão para ajudá-la a levantar. Ao invés de soltar quando já se encontrava de pé, continuou segurando até que chegassem a porta e ele tivesse que tranca-la.
pensou que deveria se sentir desconfortável com aquilo, afinal, já se sentira com muito menos, mas nada veio. Nada além daquele pensamento que vinha tendo com frequência nos últimos dias: adorava aquela garota! Parecia estúpido pensar aquilo depois de tudo que passou nos últimos dois anos, mas estava sendo sincero consigo mesmo. E, pela primeira vez em algum tempo, de uma maneira boa.
O dia estava fresco e Michael morava a apenas três quarteirões dali, então decidiram caminhar. gostava de andar por aí, ao ponto de deixar louco por desaparecer durante horas quando saía apenas para ir em um mercado na esquina. Quatro ou cinco dias depois, ele acabou se acostumando e surtando menos, com medo de ter perdido a irmã do melhor amigo.
— Eu preciso que você prometa que não vai me deixar pular em cima dela. – ela pediu quando estavam no meio do caminho, se referindo a noiva de Michael.
— Por que você pularia em cima dela? – questionou, rindo.
A garota deu de ombros.
— Sei lá! Ela me tira do sério, só isso.
— Qual é o problema de vocês duas? Ambas são ótimas pessoas, eu não vejo o porquê da birra.
— Não é apenas uma birra, tá legal? – o corrigiu. – Nós temos motivos. Bons e sólidos. Eles só não vêm ao caso agora.
— Certo... E vai me contar alguma hora? – perguntou.
— Quando chegar a hora certa, querido Masen, apenas quando chegar a hora. – respondeu, lhe dando um tapa leve no braço.
franziu o cenho em confusão, mas não perguntou. Ela também tinha o costume de falar algumas coisas que não faziam sentido algum para ele de vez em quando. Para , importava apenas que ela entendesse aquela frase. Na sua cabeça, aquela era uma informação muito importante para simplesmente soltar por aí.
Como de costume, ela falou o caminho inteiro. Para maior exatidão, ela fez perguntas, obrigando ele a falar o caminho inteiro. A maioria delas era sobre a arquitetura da cidade, os materiais usados em certo prédio, o desenho de outro, a localização de certo parque... E ele foi respondendo, pois perguntas do seu trabalho não lhe causavam incômodo algum. Até se divertia.
No exato momento em que ele terminou de falar para ela exatamente como funcionam os elevadores, Michael abriu a porta com um grande sorriso e braços abertos para recepciona-los.
— Bienvenidos a mi casa! – exclamou. – Você já conhece tudo. – disse ao puxar para dentro. – Irmãzinha! Vem!
O puxão dela foi para apresenta-la a cada cômodo de seu luxuoso apartamento de dois andares. Tudo parecia ter sido planejado aos detalhes e no final de sua tour, se sentiu suja e desleixada ao estar ali. O sentimento foi embora algum tempo depois porque aquela ainda era a casa de Michael Jones, seu irmão destrambelhado.
— Onde está a Bree? – perguntou, já acomodado no sofá, quando os dois voltaram para a sala.
— Ela foi no mercado buscar algumas coisas que faltavam. – Michael respondeu.
— Ah...
Se o conhecia bem, acreditava que na verdade ela havia sido despachada para o mercado ou qualquer outro lugar para que ele pudesse preparar a irmã mais nova para o encontro. E se conhecia bem o suficiente, sabia que qualquer tipo de preparo seria inútil. Se uma delas fizesse um movimento equivocado hoje, preparo nenhum evitaria que tudo explodisse em suas cabeças.
Cerca de uma hora depois, todos estavam sentados na grande varanda de Michael, prestes a comer. Até o momento, tudo ia bem.
— Eu juro para você que a Bree faz a mais deliciosa salada dessa Los Angeles! – Michael disse quando a noiva depositou uma grande tigela transparente sobre a mesa. – Não é ?
— Ah... Sim! É sim. – confirmou, pego de surpresa pela pergunta.
— Eu não sou muito fã de salada, mas posso experimentar.
E aquilo era o melhor que conseguiria de : uma convivência pacífica e apenas com o necessário.
— Você não é alérgica a abacaxi, certo? – Bree perguntou.
— Não...
— Tudo bem, então.
Achava engraçado, para não dizer estranho, que até agora estivesse sendo tratada pela “cunhada” como uma estranha, como se tivessem acabado de se conhecer quando na verdade tinham o desprazer da presença uma da outra em suas vidas há 13 anos. Mas, sendo a pessoa justa que sempre buscava ser, se colocou no lugar da garota e percebeu que talvez faria o mesmo. Logo ela seria parte da família, apesar de não acreditar – ou esperar – que aquele relacionamento duraria até lá, e não poderia iniciar um laço sagrado como o matrimônio “de mal” com a pessoa que seu futuro marido mais amava no mundo.
No final de tudo, a garota acabou realmente gostando da salada e teve o prazer de manter aquela opinião para si. Era compreensiva, não estúpida para simplesmente entregar uma vitória a outra.
Apesar de muito gostosa, uma salada não era nem nunca seria o suficiente para encher o seu estômago, por isso ficou feliz de verdade quando os famosos hambúrgueres do seu irmão ficaram prontos e ela pôde devorar um por um. Não saiu do lado de em nenhum momento, com medo de acabar sozinha com sua arqui-inimiga e ele apenas observou a pouca interação entre as duas, curioso para saber de onde vinha aquilo.
Com o silêncio, veio a necessidade de alguém preenchê-lo, por isso Michael lançou um olhar sugestivo a sua noiva, implorando que ela tentasse puxar um assunto seguro.
— Como vão as audições, ? – Bree perguntou, se sentindo em um estranho mundo paralelo onde ela não chamava a garota de “Jones” o tempo todo.
— Não vão. Eu ainda estou procurando um emprego comum para poder me alimentar sozinha antes de focar nos trabalhos como atriz. – ela respondeu tranquilamente, mantendo sua atenção no hambúrguer a sua frente.
Quando o silêncio ameaçou se instalar de novo, Michael cutucou a noiva novamente para que ela seguisse o plano.
— Então... Nada novo?
— Acho que não.
Bree voltou seu olhar para o noivo, implorando por qualquer tipo de ajuda.
— Adivinha só: nós temos novidades!
ergueu a cabeça, agora com medo do que viria. Na última vez que seu irmão teve uma novidade, anunciou que estava noivo de sua inimiga de infância. Poucas coisas poderiam ser piores do que aquilo.
— Ah, é? – questionou, hesitante.
observava a cena, entretido com todo o nervosismo circulando entre eles. Ainda não sabia o que era a novidade, mas tinha uma boa ideia do que estava por vir e se estivesse certo, não ficaria nem um pouco feliz.
— Nós estamos muito animados com isso, não é, amor? – Bree o incentivou e Michael assentiu.
— Sim, sim, estamos!
— Então falem logo, oras!
— Tá bom... Lá vai. – Michael começou, tirando alguns segundos para dar uma pausa. Sabia que a reação da irmã não seria boa, porém nada dava a ele a garantia de que não poderia ser ainda mais pior. – A Bree está grávida! Vamos ter um bebê.
sentiu sua boca se abrir lentamente, esperando que alguém anunciasse a pegadinha. Nada veio. Apenas três olhares em cima dela, esperando ansiosamente pela sua reação. Não sabia se podia formular nada melhor do que aquela expressão.
Sua vontade era de rir e dizer o quanto aquilo era ridículo, afinal de contas, aquele casamento nem aconteceria de verdade. Era só muita animação e caos em cima de nada. No entanto, não era aquilo que suas expressões animadas diziam.
— Uau! – se pronunciou por fim. Foi o máximo que conseguiu.
Felizmente, estava ali para salvá-la.
— Parabéns, irmão. – ele disse, se levantando para dar um abraço no amigo. – Bree, tenho certeza que vai ser uma ótima mãe. – continuou, a dando um abraço e um beijo na bochecha.
— Isso que ele disse! – exclamou, também se levantando para cumprimenta-los.
Para alguém que sonhava com a vida de atriz, ela não estava dando sua melhor atuação. Mas foi o suficiente para Michael terminar o almoço com um sorriso, pois pelo menos não ganhara um surto em resposta, como no dia em que a contou de seu casamento.
Eles ficaram ali por mais cerca de uma hora, porém a presença da garota era apenas física. Na maior parte do tempo, estava apenas assimilando a ideia de que aquele casamento realmente iria acontecer e provavelmente logo, já que a maioria das mulheres preferiam estar ainda magras ao usar o vestido branco.
O casal estava animado demais entre si para notar aquele detalhe, mas viu e arrumou uma desculpa qualquer para que voltassem para o seu apartamento. Retirado todo aquele peso de suas costas, não foi difícil sair sem muita cerimônia. Entretanto, quando estavam de volta ao seu prédio, ele a guiou para a garagem e não para o elevador.
— Aonde vamos?
— Pegar o carro para dar uma volta. – ele respondeu, abrindo a porta do passageiro para ela, que agradeceu e entrou.
Ela não voltou a falar por um tempo, algo completamente não-característico de sua personalidade. gostava do som da sua voz, especialmente quando a falta dele significava que algo não estava certo.
— O que você tem? – questionou, preocupado.
deu de ombros.
— Só tô tentando assimilar a ideia de que o meu irmão vai se casar e ter um filho com aquela... Boba. – respondeu, olhando pela janela. Estavam indo para um lado da cidade novo para ela.
— Não devia já ter assimilado o casamento depois desse tempo todo?
— Talvez... Sei lá. Estava um pouco ocupada me iludindo com a ideia de esse noivado era algo passageiro, logo eles acordariam para a vida e cada um seguiria seu caminho.
não pôde conter sua risada, incrédulo com a fala dela.
— Por que?! Você não viu aqueles dois juntos? Nunca vi casal tão apaixonado. – afirmou, fazendo com que ela revirasse os olhos.
— Eu vi! Provavelmente não tanto quanto você, mas vi. Sou uma garota esperançosa, vou fazer o que? Onde estamos indo, de qualquer maneira? – mudou de assunto.
— Um lugar que talvez te faça sentir melhor. Eu prometi te levar para um passeio, não prometi?
— Uau! Achei que tivesse esquecido e eu fosse ter que cobrar juros.
Ele sorriu.
— Não conte com isso.
Eles entraram em um bairro residencial com casas tão grandes e sofisticadas que nem tinha dinheiro o suficiente para pagar. só notou onde estavam quando viu as grandes letras vários metros acima de sua cabeça.
— Não acredito! – exclamou, já pulando em seu lugar, e o abraçou de lado. – Já disse que você é incrível?
— É sempre bom ouvir.
Ele estacionou o carro na última rua e ambos desceram. Algumas árvores ficaram na frente de uma visão completa do lugar, mas a puxou para que começassem a subir.
— Nós vamos lá pertinho? Vamos tocar?!
— Não podemos, mas vou te levar o mais perto possível.
Tudo bem que um dos sonhos da vida de era escalar uma daquelas letras, mas se satisfez com o que poderiam ter. E não perdeu um pingo de sua alegria por causa daquilo.
Subiram cerca de 150 metros montanha acima, chegando até uma área consideravelmente plana, onde tinham uma perfeita visão daquela palavrinha mágica para a garota. Ela olhou admirada para o grande letreiro acima. Estava longe de ser algum tipo de maravilha do mundo, mas significava tanto quanto para ela por representar, de uma maneira estranha, tudo o que ela queria para sua vida. Por poucos segundos, Hollywood parecia esperar por ela, ainda mais próximo do que aquelas letras.
Ela só desviou o olhar dali para se virar na direção de e agarrá-lo mais uma vez em um abraço apertado. Diferente da primeira vez em que haviam se abraçado, agora ele retribuiu o ato carinhoso de verdade, sem desconfortos ou arrependimentos e aquilo a fez sentir ainda melhor. Ele era um estranho-já-não-tão-estranho que não devia nada a ela, estava fazendo apenas um favor para o seu irmão, mas, de alguma forma, ambos sentiam muito mais.
— Se sentindo melhor? – ele falou baixinho por ainda estarem tão próximos. assentiu.
— Muito! Obrigada. Muito obrigada, você é um anjo!
Ele riu levemente, a achando exagerada, porém não disse em voz alta. Gostava dos seus exageros, a deixavam ainda mais viva... Brilhante.
— Que bom. – ele respondeu simplesmente e então se afastaram para que ela pudesse observar a vista até se cansar. Naquele momento, parecia impossível.
Tudo parecia perfeito. Ela até tinha sua cabeça apoiada no ombro dele, por nenhum motivo especial, só porque lhe deu na telha. Se sentia tão grata por tudo que aquele homem havia feito para ela nas últimas semanas que foi difícil não sentir logo a culpa se aproximando. Não fora propositalmente, mas havia mexido em algo dele, algo que ele queria muito manter em segredo, enterrado em seu passado. só havia lhe trazido coisas boas até aquele momento e queria ser tão boa para ele quanto ele estava sendo para ela. sabia bem que aquela não era a maneira certa de fazer aquilo.
— Eu preciso fazer uma confissão. – ela disse pausadamente, decepcionada consigo mesma por sequer ter que colocar aquelas palavras para fora naquele momento tão incrível.
Ele a encarou sem demonstrar o mínimo sinal de preocupação. Não esperava coisas ruins vindo dela, por isso estava calmo. Na pior das hipóteses, ela confessaria que roubou pão para dar a algum morador de rua e mesmo aquilo era improvável.
— Sou todo ouvidos. – afirmou, dando a sua completa atenção.
— Não é algo ruim... Eu acho. Não tenho certeza. De qualquer maneira, foi um acidente e nós sabemos que acidentes acontecem. – falou, se lembrando especialmente da fatídica sexta-feira em que tentou beijá-lo.
— Tudo bem... Fale agora, estou curioso.
Ela assentiu, inspirando e expirando profundamente antes de falar. Sabia que poderia estar fazendo uma grande tempestade num copo d’água em relação ao que vira, mas com todos os sinais que ele deu, não deixava de se preocupar. Além disso, por mais simples e insignificante que fosse, ele merecia a informação.
— No dia que eu fiz uma faxina no apartamento, eu meio que vi aquela foto na parede do seu quarto quando entrei para limpar. – confessou, encolhendo os ombros e esperando uma grande bronca por invadir a privacidade dele daquela maneira.
— Por que você parece tão assustada? – ele questionou, rindo levemente pelo encolhimento repentino da garota. Ela voltou a encará-lo, ficando surpresa com o sorriso que encontrou.
— Não está bravo?
— Quando eu cheguei em casa e vi que você tinha limpado o meu quarto, imaginei que tivesse visto. O quadro não está exatamente escondido, ... – explicou. – A minha única surpresa foi você ter aguentado esperar tantos dias para mencionar algo.
Ela balançou a cabeça para os lados rapidamente, colocando as mãos na cintura.
— Eu não acho que você tenha entendido o tamanho da olhada que eu dei. – continuou, arregalando os olhos. – Eu fiquei encarando aquela foto por um bom tempo, sabe? E criando teorias para quem eram aquelas duas o tempo todo. Em algumas delas, você era um verdadeiro monstro, !
soltou uma longa gargalhada dessa vez, achando hilária a expressão de desespero dela, como se tivesse cometido algum tipo de traição.
— Que bom, ! É importante que você não veja todos que te tratam bem como heróis absolutos. Devia falar isso para o seu irmão, ele pensa que você vive no mundo das fadas.
Ela abriu a boca, pronta para acusa-lo de desviar o assunto, mas antes que as palavras saíssem, deu uma boa olhada em sua expressão e ele realmente parecia tranquilo quanto o que havia feito, sinalizando que estava certa antes: transformou algo simples em algo terrível na sua própria cabeça.
— Então não está bravo mesmo? De verdade? Com certeza? – questionou, só para se certificar.
— Certeza absoluta. – ele respondeu simplesmente.
deu um suspiro aliviado, sentindo um grande peso ser retirado de suas costas e voltou, então, a admirar a vista. Imaginou que ela deveria ser ainda mais bonita lá de cima, quem sabe até no topo de uma letra, mas sabia que aquilo era o mais longe que podiam ir. E ele era certinho demais para sequer considerar ultrapassar essa barreira. Em qualquer outra pessoa, aquela seria uma característica desanimadora, porém nele achava adorável e não sabia dizer exatamente o porquê.
Algum tempo em silêncio depois, ela se deu conta de algo. havia dito estar totalmente bem com ela futricando em sua vida pessoal, mas não abrira a boca uma vez sequer para lhe dar alguma luz sobre o assunto.
— Por que você não me disse quem são elas? – perguntou, se esforçando para que não soasse como uma bronca.
Ele soltou um longo suspiro antes de responde-la.
— Não tenho certeza que você queira saber. – respondeu, pronunciando cada palavra com extremo cuidado e lentidão.
Parecia uma resposta complicada quando na verdade era bem simples. Na cabeça do arquiteto, pelo menos.
A expressão de confusão no rosto de o informou de que ela precisaria de um pouco mais do que aquilo para compreende-lo. Pela primeira vez em algum tempo, não se importou em explicar.
— Elas são parte de uma história ruim, muito ruim. E eu sei o quanto histórias ruins podem fazer o próximo desconfortável, mesmo que inicialmente queira saber do que se trata.
Ela assentiu, entendendo o que ele queria dizer. Entendia muito bem. Entretanto, ela não era uma pessoa comum, não recuava quando via sentimentos, sejam eles de dor ou felicidade. permanecia presente, independentemente da situação.
— Você me contaria se eu pedisse?
não respondeu prontamente, o que a fez pensar que a resposta era um ‘não’. Estava errada. No começo, lá quando ele mal conseguia acompanhar todos os questionamentos e novas informações que ela jogava, ele não contaria. Agora, quase um mês depois, ela ainda era a mesma pessoa, ainda bombardeava-o o tempo todo com todos os tipos de coisas e perguntas. Mas havia algo além, algo que surgiu com todos os jantares juntos, os finais de semana assistindo televisão na sala, todas as opiniões que ela se sentia no direito de dar sobre seu trabalho e seu modo de viver: ele se sentia confortável. Confortável como não se sentia há anos com pessoas que conhecia há apenas um mês e também aquelas que conhecia há muito tempo.
— Você realmente quer saber? – ele devolveu sua pergunta com outra.
voltou a se virar de lado, encarando-o, enquanto ele manteve seus olhos no horizonte.
— Bem... Parece ser uma parte muito importante de quem você é hoje, então sim. – respondeu por fim e ele assentiu.
— Aquelas eram a minha ex-mulher e a minha filha. – afirmou, sem tirar os olhos por um segundo da montanha que ia subindo em frente a ele.
sentiu seu coração apertar ao ouvir as últimas palavras. Minha filha. Imaginou que pudesse ser algo assim, mas torceu para que fosse apenas uma sobrinha ou enteada simplesmente porque em todo o tempo que morava com ele, nunca o ouviu falar ao telefone com uma filha nem nunca recebeu o aviso de que iria visita-la. Não ouviu as palavras pensão alimentícia, guarda, brinquedos, até mesmo a própria, filha, em momento algum e não podia deixar de se preocupar com o que é que teria acontecido para chegar àquele ponto.
— E o que aconteceu com elas? – perguntou suavemente, se perguntando se ouviria uma de suas teorias.
Para o seu choque em poucos minutos, conseguiu chegar apenas perto do que realmente aconteceu.
Sem pressa, começou a contar sua história. Nunca havia contado aquela por completo para ninguém, todos que sabiam era porque estavam por perto quando tudo aconteceu, por isso era difícil. Além do mais, contar significava reviver. Fazia aquilo todos os dias quando estava sozinho, mas seus momentos com acabaram se tornando sagrados para ele justamente porque o faziam desviar sua mente desse pequeno mosquito que parecia segui-lo para todo lugar. Agora precisaria voltar a encará-lo.
— Eu conheci a Ava, minha ex-mulher, no quinto semestre da faculdade. Michael e eu fomos em uma festa, acabei bebendo mais do que deveria e ela cuidou de mim quando seu irmão também não se aguentava mais de pé. Uma completa estranha segurando a cabeça de outro completo estranho para vomitar simplesmente por bondade de seu coração porque, acredite em mim, eu podia ser um verdadeiro babaca naquela época. Nós conversamos por um tempo depois daquilo, mas ficou por isso mesmo, a correria da faculdade não permitiu que fossemos muito longe.
“Quase um ano depois, nós voltamos a nos encontrar. Ela estava tentando se livrar de um relacionamento conturbado e, com o tempo, eu acabei virando algum tipo de confidente. Perdi as contas de quantas vezes tive que brigar com o cara para que ele a deixasse viver sua própria vida. Os meses foram passando e de uma maneira muito natural, nós começamos a nos ver como ficantes e então namorados... Foi tudo muito rápido e intenso, de certa maneira incrível pois entendíamos um ao outro como ninguém.
“Em menos de um ano, estávamos casados e duas semanas depois, ela anunciou sua gravidez. Nessa mesma época, seu irmão e eu começamos a sonhar com a mudança para LA, nosso próprio escritório, e ela deu todo o apoio necessário para que déssemos esse passo. Muitas vezes, ela parecia até mais animada que nós dois. Eu não podia acreditar no tamanho da minha sorte por ter encontrado alguém tão maravilhosa que me daria a família que eu sempre sonhei, além de estar disposta a recomeçar comigo no outro lado do país. Sabe quando tudo parece se encaixar perfeitamente ao ponto de não deixar espaço algum para que qualquer coisa passe e estrague o que está ali? Esse era o tamanho da minha confiança.
“Nós vivemos dois anos nesse aparente paraíso. Apesar das dificuldades financeiras do começo, tudo eventualmente foi se acertando. , a minha filha, era uma das crianças mais saudáveis e alegres que eu já tinha visto, não parava quieta um segundo e nos deixava loucos de vez em quando, porém tudo sempre acaba bem. O escritório foi aos poucos ganhando nome e eu consegui dinheiro o suficiente para comprar um bom apartamento, esse que você está morando. Nunca tive medo de que as coisas de repente virassem de ponta cabeça porque todas aquelas certezas pareciam coisa do destino e o destino claramente não vacilaria com a gente. Foi por isso que eu fui pego completamente de surpresa quando toda a minha vida pessoal desandou.
“Na época eu não percebi, mas, focando em fazer a empresa crescer cada vez mais, eu passava muito tempo trabalhando. Quando não estava trabalhando, toda a minha atenção era para a , que obrigava Ava a leva-la no lounge do prédio para me esperar chegar todos os dias, assim poderíamos passar algum tempo no parquinho enquanto a mãe terminava de preparar o jantar. Aos poucos, eu fui deixando a minha esposa de lado. Um dia, ela decidiu fazer uma viagem de volta para a Carolina do Norte, queria passar alguns dias com a sua mãe e, como se eu estivesse cego aquele tempo todo, eu não notei nada de errado naquilo.
“Ela foi, mas deixou a comigo. Nós nos divertimos naqueles dias... Eu cortei minhas horas de trabalho pela metade para ficar mais tempo com ela, saímos, visitamos lugares novos que nunca tive a iniciativa de leva-la antes e todas as noites passávamos horas conversando com a Ava pelo telefone, contando todas as coisas divertidas que havíamos feito naquele dia. Tudo parecia tão bem que eu só me lembrei que ela ainda não tinha voltado ainda nem falado nada sobre o assunto duas semanas depois de ter partido, então alguns dias depois, longe da pequena, eu trouxe o assunto à tona. Foi só aí que ela me disse que estava repensando a sua vida em Los Angeles e considerava voltar apenas para buscar a nossa filha.
“Ela nem havia tomado a decisão concreta ainda, mas foi o suficiente para me deixar louco. Nós brigamos aos berros pelo telefone mesmo, eu a proibi de chegar perto do meu apartamento ou da , fui um completo babaca. Na minha cabeça, ela estava sendo nada além de ingrata ao cara que dava duro todos os dias para garantir o padrão alto de vida que estávamos mantendo. Tudo piorou quando ela voltou para LA com um advogado ao seu lado e eu fui obrigado a deixa-la levar a pessoa que eu mais amava nesse mundo a milhares de quilômetros de distância de mim. Toda vez que eu fecho os olhos, consigo me lembrar com clareza da cena de ter a minha filha arrancada dos meus braços aos prantos. Ela amava muito sua mãe, mas nós tínhamos uma ligação especial e todos viam aquilo. Apesar de tudo, Ava ainda estava disposta a me deixar ter a nas férias e visitar sempre que eu quisesse. Não satisfeito, eu dei o passo que me fez perde-las completamente.
“Gastei praticamente todo o dinheiro que eu tinha contratando um dos melhores advogados da cidade e voamos juntos para Charlotte. Lá, ele entrou com o pedido de guarda. Eu estava cego de ódio pela falta da minha filha ao ponto de considerar aquela uma boa ideia, ao ponto de realmente achar que eu tinha alguma chance de ganhar aquela causa. Nunca chegamos ao tribunal, no entanto. Ava acabou completamente com o meu caso quando apareceu com um teste de DNA que provava que a não... Ela não era minha filha e sim de seu ex-namorado, aquele que eu a ajudei a superar. Eles passaram uma noite juntos pouco antes do nosso casamento e quando ela percebeu que as chances do filho ser dele eram enormes, ela quis se afastar o mais rápido possível. Por isso todo o apoio na vinda para cá. Também descobri que eles estavam juntos novamente e que estavam esperando apenas o assinar de papéis do nosso divórcio para que pudessem entrar em uma união estável. A partir disso, eu fui definitivamente proibido de vê-la, comecei a encher a cara e procura-la, o que fez com que ela conseguisse fácil e rapidamente uma ordem de restrição. No final das contas, eu voltei para Los Angeles com um divórcio e sem a minha paternidade.”
Quando terminou de contar sua história, ainda mantinha seus olhos fixos no letreiro, perdido em suas memórias e também com medo de ver a reação da garota para seu drama particular. Não sabia se ela o veria como a vítima ou o vilão. Ele mesmo acordava alguns dias se sentindo injustiçado e em outros se culpando por ter permitido que tudo acontecesse. não tinha palavras e não via por que esconder aquilo.
— Eu não sei o que dizer. – murmurou.
Ao contrário do amigo, ela manteve seus olhos colados nele o tempo todo. Viu cada reação inconsciente de seu corpo, seus sorrisos aleatórios com uma lembrança boa, principalmente aquelas que envolviam a pequena , assim como viu o brotar de algumas lágrimas em seus olhos no primeiro sinal de que a perderia. Tinha tantas emoções sobre aquela história dentro de si que não sabia como coloca-las para fora, a ordem ou nem mesmo se devia, e imaginou que na cabeça de a bagunça fosse ainda maior... Todos os dias. Não sabia como agir estando daquela maneira justamente porque raramente se sentia assim. Na maior parte do tempo, sabe exatamente o que fazer, como reagir, mesmo nas situações que mais constrangem as pessoas. Se orgulhava por saber lidar tão bem com todos os tipos de sentimentos e não gostava nada de perder aquele que era o seu chão.
— Tudo bem... É uma história complicada.
— Posso fazer perguntas? Esse é o meu jeito de digerir as coisas. – pediu e ele assentiu rapidamente.
— Claro.
Ele continuar sem olhá-la começava a incomodar, mas lhe contar a história havia sido um passo e tanto, não parecia justo também cobrar como se comportar ao fazê-lo.
— Aquele quarto trancado no apartamento... É o quarto da ? – ele assentiu devagar. – Quando foi a última vez que você a viu? – perguntou, passando toda a suavidade que conseguia para a sua voz. Tinha plena consciência de que aquilo havia acontecido há dois anos, ele já sentira toda a dor, desespero e saudade, porém ainda assim sentia que devia confortá-lo de alguma maneira.
— 756 dias atrás, quando a Ava veio buscar ela em Los Angeles. Ela tinha recém completados quatro anos. Com tudo o que aconteceu depois, não permitiram que eu a visse novamente.
engoliu em seco. Mal podia imaginar a dor de ter uma filha arrancada de seus braços para nunca mais vê-la. Desejou que ele tivesse ficado satisfeito com a guarda compartilhada, pois assim a garotinha ainda seria parte de sua vida, mas não pôde pensar que se isso não tivesse afastado a garota, talvez o reatar do romance da mãe com o verdadeiro pai o fizesse.
— Sua ex-mulher e o cara ainda estão juntos?
— Acho que sim, mas não tenho certeza. Estavam na última vez que fui para lá visitar meus pais, alguns meses atrás. – ele respondeu.
Não gostava de ficar investigando a vida de Ava quando ia para lá, principalmente porque passava a imagem de que ainda não havia superado e mesmo que realmente vivesse enterrado nas lembranças, preferia que isso não chegasse a terceiros. Além do mais, era seu interesse maior.
— Eu não quero ser rude, mas... Por que você ainda se refere a ela como sua filha mesmo depois de descobrir que ela não é? – se atreveu a perguntar, correndo o risco de voltar atrás todos aqueles passos que havia avançado. No entanto, tinha que saber.
— A paternidade não é algo que possa ser desfeito, . – ele começou. – Uma vez que você vê aquela pessoa minúscula dependendo dos seus cuidados para sobreviver, te chamar repetidas vezes todos os dias para te mostrar algo simples mas incrível aos seus olhos jovens, te abraçar quando você chega em casa depois de apenas ir ao mercado por alguns minutos... É um caminho sem volta. Mesmo com todo o trabalho e a reviravoltas, eu vivi cada segundo ao lado dela com muito amor e carinho, então não me importa não termos o mesmo sangue, é a minha filha... Mesmo que já não se lembre mais de mim.
Sentiu seus olhos se encherem de lágrimas quando viu que os dele também brilhavam, então agarrou ambas as mãos de , se colocando a sua frente e agora obrigando-o a olhá-la.
— É claro que se lembra, !
Não acreditava naquilo, só precisava dizer alguma coisa, qualquer coisa, que o fizesse se sentir melhor.
— Ela era muito nova, . Crianças tem memória curta.
Com um sorriso triste, ela voltou a abraça-lo. Queria passar tanta coisa com aquele ato que parecia demais, e também gostava do calor que seu corpo passava ao dela. Nem todo o sol de Los Angeles a faria não apreciar aquilo.
— Eu sinto muito que você e a Ava tenham passado por tudo isso. – ela disse baixinho próximo ao seu ouvido. – E obrigada por compartilhar. Significa muito para mim... Para nós.
— Não acha que eu sou um imbecil? – ele sussurrou de volta.
— Não! – respondeu rapidamente, se afastando só o suficiente para deslizar uma mão em direção a sua bochecha e prender seus olhos juntos. – Todos nós cometemos erros. Olha para mim, eu acabei de ficar triste com a felicidade do meu irmão! É que alguns têm consequências maiores do que outros. Você tomou algumas atitudes erradas, só isso... Acho que os dois foram muito infelizes em suas escolhas, mas isso não faz de nenhum de vocês imbecis. Só dois seres humanos que acabaram se perdendo no meio do caminho.
soltou um sorriso leve, sentindo a mão da garota ser puxada junto.
— Você é muito romântica em relação a vida, não é?
balançou os ombros.
— Talvez. Eu acredito que nós atraímos aquilo em que temos fé, por isso gosto de ser positiva. O universo traz de volta tudo aquilo de bom que damos a ele. – respondeu com um sorriso.
Por um momento, sentiu o mesmo impulso que sentira na noite que quase o beijara, com a diferença de que estava completamente sóbria dessa vez. Tinha seus rostos próximos o suficiente para sentir a respiração quentinha dele bater contra o seu rosto, se sentia mais conectada do que nunca àquele que era o melhor amigo do seu irmão e foi o pensar nessa última parte que a fez permanecer parada. Não via problemas quanto àquilo, mas sabia que ele sim. nem mesmo se permitia olhá-la por tempo demais quando vestia um cropped ou um short curto, imagine beijá-la. Além do mais, com certeza não estava no clima para levar outro fora.
Tentou se convencer que era apenas a vulnerabilidade daquele momento falando. Ela sentia ter ultrapassado uma profunda camada dele e isso a fazia querer se aproximar mais ainda. Nada além disso.
— Obrigada. – ele disse baixinho, sem afastá-la.
Não estava esperando o que veio depois, por isso foi pega completamente de surpresa quando ele tomou a atitude de se aproximar e juntar seus lábios. Nem sabia direito o que estava fazendo, só sentiu a vontade e fez. Estava cansado de pensar e ser extremamente cauteloso em relação a tudo em sua vida, então só por um segundo, um rápido segundo, ele se permitiu deixar tudo em branco e fazer apenas o que seu corpo lhe pedia.
Com a mão ainda em sua bochecha, já tinha meio caminho andado e não demorou para se envolver com ele no momento, achando aquela ideia ótima. Pôde finalmente sentir o quão macio seus lábios eram, mesmo com a barba por fazer que deixava pequenos arranhões em seu rosto, assim como pôde descobrir o quão bom era sentir a boca dele contra a sua, o deslizar, o encaixe e todas as sensações que todos aqueles toques levavam para o resto do seu corpo. Era incrível, melhor do que qualquer coisa que pudesse imaginar e seria mais ainda se não tivesse ido embora tão rápido.
Tão de repente quanto se aproximou, voltou a se afastar, a encarando com expressão assustada, como se tivesse acabado de sair de um transe. Depois suas mãos foram direto para o seu rosto e ele grunhiu, não acreditando na besteira que acabara de fazer. Ela deu alguns passos para trás a fim de lhe dar espaço e um pouco chateada com aquela reação pós-beijo. De todos os grunhidos que já ouvira em situações como aquela, nenhum havia sido de frustração. Muito ao contrário.
— O que foi? – se atreveu a perguntar.
Ele balançou a cabeça para os lados, desacreditado com a besteira que havia acabado de fazer. Michael o mataria se soubesse. O mataria e o traria de volta apenas para que pudesse mata-lo novamente.
— Eu não acredito que eu... Merda! Não acredito que fiz isso. – disse, falando mais para si mesmo do que para ela. – Nós temos que ir.
Ele já estava descendo a montanha quando deu uma última olhada para o letreiro atrás dela. Queria guardar uma imagem boa dali. O lugar que ele finalmente se abriu para ela e que se beijaram pela primeira vez. Pouco tempo depois, se sentou no banco de carona e fechou a porta, desejando que não fosse a última.
And no, it’snot like I was counting, or though that we’run out of days.
So I’ll be holding on to something, breathing the air you too ka way.
So I’ll be holding on to something, breathing the air you too ka way.
Cinco dias. Esse era o tempo que havia passado desde que decidiu beijar apenas para deixa-la sem nada alguns segundos depois. Cinco dias dele se esquivando dela e todas suas tentativas de conversar sobre o assunto. Cinco dias dele simplesmente se esquivando, com medo dela trazer o assunto à tona. Mesmo depois de toda a abertura que havia dado a ela, eram cinco dias se mantendo mais distante do que nunca fora.
Ela não deixaria que se tornassem seis. Não enquanto se chamasse Jones.
Não se importando em bater, ela entrou diretamente no quarto dele, o encontrando no meio do processo de colocar suas calças, com o corpo ainda úmido pelo banho recém tomado. Não pôde deixar de notar o quão charmoso ele era sem tantos pedaços de pano cobrindo seu corpo e desejar que ele esquecesse Michael e simplesmente andasse pela casa sem camisa, como qualquer pessoa normal. Se esforçou para tirar aquilo da sua mente, pois tinha – ou deveria ter – outro foco naquele momento.
— Hoje faz um mês que eu cheguei em Los Angeles. – anunciou.
ergueu os olhos para ela, confuso. Deveria parabenizá-la? Não tinha certeza.
— Ah... Tudo bem?
— Nós vamos comemorar! Vem!
Não esperou que ele respondesse, apenas o puxou pela mão porta a fora, obrigando-o a se virar para ajeitar suas calças no meio daquele processo.
Sabia que havia sido um completo babaca nos últimos dias, mas não sabia de que outra maneira fugir daquela situação. Não era certo beijar a irmã mais nova de seu melhor amigo, especialmente quando ela é nada mais, nada menos que nove anos mais nova! Ela tinha apenas dois anos quando ele estava dando seu primeiro beijo! Não importava o quanto gostasse da presença dela, que a cada dia ela parecia ficar mais bonita ou que tivesse o beijo mais doce que já havia experimentado. Aquele era território proibido! E estava prestes a completar trinta anos, esse fato não podia nem devia atraí-lo ainda mais. Não era um adolescente sem controle algum sobre seus desejos... Era?
— Ei, espera aí! Não espera que eu saia na rua de moletom e sem camisa, espera?
Ela não precisou responder, pois logo pararam na cozinha e ele pôde ver todos os ingredientes em cima da bancada. Felizmente, ela tinha outros planos.
— Hoje vamos fazer lasanha. E nem tente fugir! Eu não vou ser boazinha e deixar que você coma o que eu preparei sozinha, vai ter que ajudar! – ela ordenou e ele encolheu os ombros, nem um pouco a fim de ir contra a ordem. Era ele quem havia causado aquele comportamento, afinal. Pegou uma garota sempre radiante de felicidade e conseguiu deixa-la brava o suficiente para trazer à tona aquele tom. – Nós vamos fazer o molho primeiro. Me ajuda a descascar os tomates para que possamos amassá-los, certo?
Ele assentiu e a obedeceu imediatamente. Ambos ficaram em silêncio enquanto faziam seu serviço, no entanto, e não era dos mais confortáveis. Não para , pelo menos. Tinha plena consciência do quão errado estava agindo, porém tinha medo de dar um passo no escuro e errar o caminho, como já fizera milhares de vezes. não devia ter que pagar por seus traumas do passado, mas não podia evitar.
Depois de descascados, ela os jogou numa grande bacia e foi mostrando a ele como amassar sem fazer muita bagunça.
— Amasse com cuidado, carinho e muito amor, tudo bem? Se não, o resultado não vai ser tão bom quanto deve. – ela instruiu, o fazendo sorrir.
— Tudo bem.
Depois disso, eles ficaram em silêncio. Por tanto tempo que começou a considerar a ideia dela não tocar no assunto que tanto temia, apesar daquilo ir completamente contra a natureza da garota. Talvez ela compreendesse o quanto aquela situação era ruim para ele e tivesse decidido por conta própria deixar as coisas andarem naturalmente de volta ao normal, como ele havia feito depois do seu incidente bêbada.
Vezes ou outra, suas mãos se encontravam dentro da bacia. Tinha vontade de agarrá-las e fazer alguma brincadeira, porém cenas como aquela gritavam romance. Ele não gostava daquela palavra. Em filmes, representava algo bom, já na vida real... Ainda estava esperando que sua vida desse uma volta de 360° e tudo acabasse bem. Esperava há dois anos. Mas sua ex-mulher continuava casada com outro e sua filha longe dos seus braços.
Quando cozinhavam juntos, era comum terem algum tempo de quietude. Nenhum desses momentos eram desconfortáveis como aquele estava sendo. se odiava por ter permitido que aquilo acontecesse, se arrependendo até da hora em que decidiu contar a ela toda sua história. Enquanto isso, apenas desejava que ele parasse de fugir. Não se importava de dar o primeiro passo, mas a maneira como ele estava reagindo a ela a fazia pensar que tudo que pensou sobre eles dois estava errado. Abominava aquela possibilidade. Nunca estava errada, não podia começar agora.
Dividindo as tarefas, em pouco tempo finalizaram o molho e montaram a lasanha, colocando-a no forno. Assim que o fechou, se virou para , que a observava.
— Eu consegui um emprego. – disse e ele aparentou surpresa.
— Sério? Quando? Onde?
— Naquela padaria aqui perto. O horário é meio puxado, mas eles pagam bem, então... Comecei dois dias atrás.
Dessa vez, o queixo dele caiu lá no chão.
— Você já começou!? Como eu só estou sabendo disso agora? – questionou. Ela deu de ombros, dando alguns passos em direção ao balcão para organiza-lo.
— Nós não conversamos muito essa semana com toda a sua missão de fugir de mim.
— Eu não... – ia negar, mas desistiu no meio do caminho. Para que tentar quando ambos sabiam ser verdade? – Me desculpe.
— Não precisa se desculpar, só... Conversa comigo, . Me explica o que aconteceu porque você talvez consiga viver sem ter tudo 100% esclarecido, eu não!
Ele respirou fundo, desconfortável. Não costumava se sentir daquela maneira com ela por perto, mesmo que na maioria das vezes ela o tirasse totalmente de sua zona de conforto. Não gostava daquilo, mas estava ali e achou melhor simplesmente colocar as cartas na mesa.
— Nós não podemos ir nesse caminho. – disse de uma vez.
sentiu um aperto no coração. Sabia que algo parecido viria, mas ouvir todas as palavras não era nem um pouco agradável.
— Por que? – questionou, fazendo o seu máximo para manter uma expressão neutra. Não era boa naquilo, não gostava de esconder ou abafar nada, porém sabia que corria o risco de assustá-lo novamente se não o fizesse.
— Vamos começar pelo fato do seu irmão me matar se eu encostar um dedo em você! Coisa que eu já fiz e eventualmente ele vai descobrir...
— O que o meu irmão tem haver com o que fazemos ou deixamos de fazer juntos?
— Você é a irmãzinha dele, , sempre alegre, cheia de sonhos e expectativas! Eu sou o cara de quase trinta anos com a vida e a mente toda fodida. Você pode realmente culpa-lo por temer que algo aconteça entre a gente?
— Bom, quem me colocou na sua casa foi ele... – murmurou, se aproximando alguns passos. – Eu nem estou te pedindo em namoro, foi só um beijo que eu, Jones, gostaria de repetir... Quer saber? Eu não sou o tipo de garota que implora pelo afeto de ninguém e não vou começar a fazer isso agora. Só preciso que me dê um motivo real para não ficar comigo.
engoliu em seco, se sentindo encurralado conforme ela se aproximava. Entendia que ela queria e merecia explicações, mas não sabia se conseguiria dizer as palavras em voz alta. Significaria admitir para si mesmo aonde estivera nos últimos dois anos e havia se tornado bom demais na arte de se enganar.
— Eu já te disse...
— Não, não! Você deixou bem claro que aquele era só o começo, qual é o motivo verdadeiro?
Ele abriu a boca algumas vezes para tentar pronunciar as palavras, mas elas nunca vieram. sentiu um pouco de preocupação. Como sempre, tinha suas sugestões de qual seria o grande elefante no cômodo, só não sabia ser tão gigantesco ao ponto de arrancar as palavras da boca dele.
Ela esperou pacientemente, pois não queria pressioná-lo mais ainda. Só precisava saber.
— Eu... Eu tenho vivido no passado, me sufocando nas memórias de um tempo em que eu pensava ter tudo. Acho que perdi o hábito de andar para frente e conquistar coisas novas. Tudo que eu tenho é contínuo, todos que eu conheço e mantenho contato regular estavam lá anos atrás. Você é a única coisa nova.
assentiu, sentindo o impacto daquelas palavras e toda a força necessária para que ele as pronunciasse.
Ao contrário do que ele imaginava, sentiu um imediato alívio. Não doeu tanto quanto pensou que doeria. Na verdade, reconhecer aquilo lhe deu uma estranha sensação de leveza, como se pudesse fazer algo com aquilo. Mas ainda não sabia o que.
— E você gosta de mim, não gosta? Mesmo sendo nova na sua vida. Eu sei que gosta. – ela afirmou, já perto o suficiente para toca-lo. Não o fez.
— Como eu posso ter certeza, ? Como é que você pode ter certeza?
— Eu te observo. Provavelmente mais do que deveria. – admitiu, encolhendo os ombros.
— Por que?
— Porque... Bem, você me fascina.
Ele a olhou nos olhos pela primeira vez desde que começaram aquela discussão, sem desviar para qualquer canto em menos de um segundo como havia feito até aquele momento. Definitivamente não sabia o que dizer diante daquilo. Nunca se imaginou como um objeto de fascínio para uma garota no ápice de seus vinte anos, afinal de contas, tinha uma vida consideravelmente chata e monótona, o que automaticamente fazia dele chato e monótono.
— Enquanto você perde suas palavras de novo, posso fazer uma coisa? E pedir que você não reaja até que chegue ao fim? – ela perguntou sussurrando.
pensou que sabia o que vinha a seguir e assentiu. No fundo de sua mente, sabia que talvez fosse uma ideia ruim, mas o seu envolvimento naquele momento não permitia outra resposta.
E então ela o abraçou, indo contra as suas expectativas. Passou seus braços pelos ombros dele e colou seus corpos, aconchegando sua cabeça no vão do seu pescoço. Ele fechou os olhos, sentindo algum tipo de explosão de sentimentos dentro de si. Nenhum deles era ruim.
— O que está sentindo? – ela perguntou depois de algum tempo em silêncio, apenas sentindo o momento.
— Coisas boas. – ele respondeu, no sentido mais puro da palavra. – Conforto, segurança, carinho, confiança... Uma infinidade dessas palavras.
Ainda com calma, ela se afastou, sorrindo.
— E o que isso te diz?
Ele não respondeu, apenas beijou-a, buscando um pouco daquela paz que há tanto tempo não sentia e grato por encontra-la na garota em seus braços.
sempre adorou ver as diferentes expressões no rosto de quando se deparava com algo novo. A primeira vez que descobriu que suas pernas poderiam deixa-la de pé; a primeira vez que pegou uma colher e acertou diretamente sua boca; a primeira vez que viu a imensidão do mar; a primeira vez em que conseguiu mover sua perna de maneira que chutasse uma bola; a primeira vez que viu água caindo do céu e inúmeras outras que guardava com detalhes em sua memória.
No entanto, achava um pouco que estranho que ele, como um adulto formado, ainda estava vivendo algumas primeiras-não-tão-primeiras-vezes: a primeira vez em dois anos que beijou alguém por quem realmente nutria algum sentimento; a primeira vez em dois anos que dormiu e acordou ao lado de uma mulher; a primeira vez em um ano e meio que saiu na noite de Los Angeles simplesmente porque estava afim; a primeira vez em dois anos em que sua vida não girou ao redor de memórias que apenas machucavam-no.
Como sua filha quando aprendera a andar, ele ainda dava passos relutantes, com medo de voltar a cair de bunda no chão qualquer hora, mas sabia precisar apenas de prática para aperfeiçoar aquilo que gostava de chamar de sua nova felicidade.
Se sentia mal, porém ainda tinha que manter tudo escondido de Michael. Apesar de querer simplesmente soltar tudo, ele conhecia o amigo o suficiente para saber que seria um homem morto no momento em que descobrisse. Por isso, adiava ao máximo. Estavam felizes, apesar de tudo. Tanto que um mês depois da noite da lasanha, quando estavam prestes a comemorar seus trinta dias de estarem juntos, sem preocupação com títulos ou o que viria a seguir, ela decidiu fazer uma surpresa. Sabia que poderia estar saindo um pouco demais da trilha certa a ser seguida, mas achava que valia o risco.
Conseguiu arrancar algumas informações valiosas do irmão e então correu atrás daquilo que precisava durante dias. Levou tantos ‘não’ que perdeu a conta, mas insistiu. Sabia que não estava pedindo por algo fácil de se ceder e nunca esperou que fosse algo rápido para conquistar. Ainda assim, era corajosa, determinada e um pouco cara de pau, além de ter a disposição para mover montanhas por àqueles que amava. E ela o amava muito. Não havia dito em voz alta, porém seu coração já sabia. Se atrevia a dizer que soube esse tempo todo.
Também tinha consciência que cada passo dado com devia ser cauteloso e muito bem pensado, então se manteria calada por um tempo. Já estava arriscando demais com seu plano. Poderia esperar duas reações: muita felicidade ou ódio mortal. O último talvez fizesse com que ele o expulsasse de sua casa e sua vida, porém, acreditava que o risco poderia valer a pena.
— Obrigada por fazer isso, Ava. Sei que não é fácil.
A mulher mais velha assentiu, agarrando a pequena mão da filha em nervosismo. Ainda não tinha tanta certeza sobre aquilo, mas provavelmente nunca teria.
— Que horas ele chega? – questionou, se sentando no sofá, o mesmo sofá, e puxando para o seu colo.
— A qualquer minuto. Já passou do horário dele chegar em casa.
O dia ainda estava claro, mudança radical no comportamento dele que raramente via o pôr do sol de seu apartamento. Era algo bom, Ava pensou.
— Você está pronta? – perguntou, dessa vez para a menina em seu colo.
— Tô nervosa.
— Não tem problema, eu também estou. – se intrometeu, sorrindo para a linda garota que conhecera apenas alguns minutos antes. retribuiu seu sorriso, tentando ao máximo relaxar. Aquilo era importante, não podia estragar tudo com seu nervosismo.
— Ele é como nas fotos, mamãe?
— Acho que sim, amor. Talvez com mais algumas marcas do tempo.
— É, ele tem algumas dessas. Se preocupa com tudo, vocês sabem...
Fique quieta, !, ordenou para si mesmo. Não estava brincando ao dizer que estava nervosa e como em todos os momentos em que se encontrava daquela maneira, sua boca tinha sérias dificuldades para ficar fechada.
— Tá bo...
A porta se abriu. No sofá, as três congelaram enquanto entrava dentro de sua casa tranquilamente, mal olhando ao seu redor. Ele só notou que não estava sozinho quando seu paletó já estava fora de seu corpo, em seus braços. Olhou para as presenças incomuns com um sorriso simpático, pensando ser colegas de , mas reconhecer os rostos foi como receber um soco no estômago. Seu ar desapareceu por completo com a visão de Ava e e ele teria desmaiado se não estivesse tão ocupado confirmando se aquilo não era algum tipo de sonho.
— Feliz um mês... – disse, porém sua voz mal saiu tamanho seu nervosismo pela reação dele.
Por alguns longos minutos, tudo que ele fez foi encará-las de olhos arregalados e boca aberta. Volta e meia ele tentava dizer alguma coisa, mas nada era ouvido. desviava constantemente o seu olhar entre a mãe e o homem das fotos, sem saber o que fazer. Quando se cansou daquela situação que a deixava desconfortável, ela se levantou e deu alguns passos incertos em direção a ele.
— Oi, eu sou a . – ela disse hesitante e ouvir a voz da menina, agora mais desenvolvida, fez com que todas as lágrimas que ele segurou durante todo aquele tempo deslizassem face abaixo, sem controle algum. O máximo que conseguiu fazer foi se ajoelhar para ficar mais próximo de sua altura, assim poderia observar melhor cada detalhe dela, se os seus olhos embaçados permitissem. – Você tá triste? Mamãe, o que eu fiz?
— Nada, amor. Que tal dar um abraço nele para que ele se sinta melhor?
A menina assentiu e passou seus braços ao redor dos ombros largos de , esperando poder confortá-lo. Ele não demorou para reagir, correspondendo ao gesto de carinho de , que se sentiu feliz por ajudá-lo a se sentir melhor, sem ideia de que seu choro era pela maior felicidade do universo.
Os minutos seguintes foram regados de muitas lágrimas dele e também de , que não pôde conter sua emoção com o simples reencontro. Ava e trocaram algumas poucas palavras de cumprimento, ainda tensos perto um do outro, afinal, ninguém tinha uma ideia melhor do que haviam vivido além deles mesmos e os momentos ruins ainda os machucavam.
, sempre mais animada e cheia de energia que qualquer um ao seu redor, logo quis descer para o parquinho do condomínio e fez questão de arrastar seu novo amigo consigo, apesar de saber que ele não era tão novo em sua vida assim. Ava e observavam de longe, dando aos dois o espaço que precisavam para reconectar. Nenhum esforço foi necessário.
— Ei, você pode me levantar? – a pequena perguntou, apontando para uma barra na área de exercícios.
— Claro, vem cá.
Ela ergueu os braços e ele a pegou, levanto até a parte alta do dispositivo, onde agarrou, apesar de suas mãos pequenas dificultarem o processo. Apesar de usar toda a sua força, ela não conseguiu impulsionar seu corpo para cima, então ele mesmo o fez, arrancando risadas dela por estar fazendo algum tipo de exercício.
Alguns minutos depois, pediu que cuidasse da menina para que pudesse conversar com a mãe. Gostaria de ignorar aquela parte e simplesmente ficar com a filha, mas as coisas não eram tão simples assim. E tinha que fazer a coisa certa dessa vez.
Se sentou ao lado dela em um dos bancos, incerto de como começar. Por sorte, ela o fez em seu lugar.
— Ela gosta muito de você. – afirmou, fazendo-o sorrir.
— É... Bem, eu gosto muito dela. – disse. – Como... Como ela se lembra de mim? Me chamou pelo meu nome sem que eu me apresentasse.
Ava encolheu os ombros em nervosismo. Não gostava de admitir em voz alta o quão fraca em relação ao seu ódio por ele havia sido.
— No começo, ela sentia muito a sua falta, então... Eu comecei a contar histórias sobre você. Esse tempo todo, eu mostrei regularmente fotos, a lembrei de momentos que passaram juntos. Ela não te vê mais como um pai, mas te vê com carinho, como o homem com quem teve muitos momentos felizes.
abaixou a cabeça, de repente se sentindo envergonhado. Mesmo depois de ser um babaca completo, sua ex-mulher havia encontrado uma maneira de mantê-lo vivo na memória da menina. Nunca agradeceria o suficiente. Mas poderia tentar.
— Obrigada, Ava... Muito obrigada! Isso significa tanto!
Ela deu de ombros, pois não queria agir como se fosse grande coisa. Tinha seus rancores, apesar de tudo.
— Não tem problema. Você sempre foi muito bom para ela e... Bom, eu também cometi muitos erros no caminho. Cortar seu contato com ela foi um deles, mas eu não achava que havia outra opção na época. – disse, observando sua filha correr para todo lado o tempo todo.
— Foi por isso que você topou trazê-la aqui depois de tanto tempo? Arrependimento? – questionou, tentando não soar rude com sua pergunta. Só realmente gostaria de saber.
— Também. Sua namorada ali consegue ser bem insistente, sabe? Ela me ajudou a ver algumas coisas que eu estava ignorando e, no final das contas, se alguém faz tudo o que ela fez para que eu chegasse até aqui só para te fazer uma surpresa, você deve ser muito bom para ela. Se é bom para ela, ainda pode ser bom para a .
— O que o seu marido achou disso?
— Nada. Não estamos mais juntos. Ele a visita de vez em quando, mas não é nem nunca foi o pai que você era. Como eu disse, eu cometi alguns erros também. – explicou.
— Sinto muito.
— Tudo bem.
trocou mais algumas palavras com a mulher para tentar decifrar o que viria a seguir, com medo de vê-la se afastar de novo. Acabaram não chegando a conclusão alguma, porém ele tinha a promessa de que conversariam sobre e isso já era mais do que suficiente. Foram interrompidos quando veio correndo, dando um baile em que caminhava cansada atrás.
— , vamos brincar de pega-pega. A é muito fraca!
Ele foi, mesmo sabendo que se estava no chão, não demoraria muito para que ele se encontrasse com ela. Entretanto, era sua filha, ali, na sua frente, sorrindo e dando gargalhadas com o desastre dele. Parecia algum tipo de sonho... E achou melhor aproveitá-lo caso fosse acordar logo.
Michael, Bree, e , todos sentados à mesa se deliciando com uma refeição preparada pela última. Sem .
— Não acredito que vamos ter que fazer isso sem ele. – Michael disse e assentiu, tristonha.
— Nós tentamos de tudo. – falou, ainda decepcionada consigo mesma por não ter conseguido tirá-lo daquela.
— Eu sei que você gostaria de tê-lo aqui, mas temos que fazer isso.
Michael assentiu.
— Bom... Indo direto ao ponto: nós marcamos a data de casamento. Vai ser daqui seis meses!
— Que ótimo, Mike! – comemorou.
— Eu vou poder ir? – perguntou.
— É claro, meu amor. – Bree respondeu. – Na verdade, nós adoraríamos que você fosse a nossa daminha de honra.
Se esquecendo do pai, que agora via apenas como um tio muito próximo, os olhos da pequena se iluminaram em alegria. Nunca havia feito aquilo, nem mesmo sabia direito o que era uma daminha de honra, mas gostava da palavra e parecia importante.
— Quer saber de uma coisa? Eu não consigo fazer isso. – Michael disse, se retirando da mesa com raiva nos olhos.
Sua futura esposa respirou fundo e balançou a cabeça quando fez sinal de que iria segui-lo. Não achava que compensava o esforço.
— Ele deve voltar logo. – justificou e a garota assentiu.
Elas não tinham muito assunto uma com a outra. Cada uma estava dando o seu máximo para conviverem bem, mas isso não significava que haviam de repente se tornado melhores amigas. Tinham muitos anos de brigas e provocações para que aquilo acontecesse com tanta rapidez.
— Posso fazer uma pergunta aleatória? – Bree perguntou e ela assentiu. – Você já contou para o o motivo da nossa implicância uma com a outra?
se sentiu um pouco tensa na hora, pois não haviam conversado abertamente sobre a sua inimizade depois da garota começar a namorar o seu irmão.
— Não, por que?
— Só para ter certeza de que não vai chegar aos ouvidos do Mike. Eu gosto de usar a curiosidade dele como uma moeda de troca, mas nunca acabo falando o que realmente aconteceu.
— Sério? – questionou, de repente extremamente interessada naquela possibilidade. Tentou disfarçar apenas pelo segredo daquele relacionamento.
— Sim, é ótimo!
— Vou guardar esse segredo. – garantiu, piscando.
Não é como se estivesse muito ansiosa para falar que tudo começou apenas com uma boneca Barbie, de qualquer maneira, especialmente depois de todo o caso que fez em cima daquilo.
— Obrigada.
— Seis meses, ahn? Pensei que marcariam antes. – Bree a olhou levemente confusa com a afirmação. – Por causa da barriga, sabe?
— Ahhh! Na verdade, esse é um dos motivos para termos marcado depois. Eu não quero ter que esconder barriga alguma, mesmo que tenha que gastar um pouco mais no vestido.
assentiu, sorrindo. Lhe parecia uma ótima ideia.
— Vai ficar linda! – se intrometeu adoravelmente, fazendo as duas sorrirem.
O momento foi completamente arruinado quando Michael voltou para o apartamento batendo a porta. Atrás dele, vinha parecendo mais animado do que nunca. A raiva ao sair havia se tornado algum tipo de animação e felicidade extrema.
— EU TERMINEI!
— ELE TERMINOU!
Em poucos segundos, eles já corriam de volta para o terraço, lugar que o dono do apartamento havia passado seus últimos dois dias por completo praticamente. As três garotas ainda sentadas a mesa não demoraram para se levantar e segui-los, loucas para ver o resultado final do bendito projeto em que ele trabalhava a cerca de dois meses, com uma rápida pausa de duas semanas para curtir o tempo que tinha disponível com a .
Ao chegarem lá em cima, ambos olhavam maravilhados para a folha de papel sendo mantida pelo cavalete. Apesar de ventar muito ali em cima, havia montado algum tipo de esquema para impedir que tudo saísse voando cidade adentro. Eles abriram espaço quando elas se aproximaram para ver o resultado final apenas para descobrirem um desenho extremamente parecido com o que ele já tinha anteriormente, com algumas leve mudanças que acabavam por nem fazer tanta diferença.
— Ué... – deixou escapar.
se virou para com um sorriso e teve seu corpo rodeado pelos seus braços.
— Amor? – chamou coma a voz abafada pelo seu peito. – Por que o desenho tá igual?
Ele riu e a soltou para explicar a dúvida de todas elas.
— Sabem como eu tenho falado esse tempo todo de como queria algo para diferenciar esse prédio? Bom... Isso é porque eu estive pensando no exterior dele, naquilo que as pessoas veem de cara. Eu só não tinha considerado até agora fazer esse diferencial na parte de dentro. – e então ele passou para a folha seguinte, onde havia feito um desenho de como seria o primeiro andar. Foi passando e mostrando todos eles, cada um com seu diferencial, e todos entenderam o que é que ele tanto fazia ali em cima durante todo aquele tempo. – O que acharam?
— Uau! – exclamou.
— É incrível! E é só a primeira versão, tenho certeza que ainda vai melhorar muito. – concordou.
— Maravilhoso, ! Sabia que você conseguiria. – Bree completou.
— Eu ainda preciso montar algumas maquetes para ter certeza do que eu quero, mas... É basicamente isso por enquanto.
o abraçou mais uma vez. Alguns minutos depois, o casal foi deixado sozinho pelos outros com a desculpa de que tinha algo muito importante para dizer a “amiga”.
— Tô orgulhosa! Parece que passar horas e mais horas olhando essa vista foi bom para você. – ela disse, observando a iluminada noite no centro de Los Angeles.
— Obrigada, mas não foi a vista que me ajudou, foram você e a .
Ela ergueu a cabeça para olhá-lo nos olhos, não entendendo a afirmação. Não sabia o que poderia ter feito para ajudar naquele projeto em especial, a não ser no conselho de dar um tempo que dera a ele ao que parecia meses atrás. Ele não seguiu imediatamente, mas a chegada da filha o obrigou.
— Me permite saber como?
— Eu nem sei explicar. – ele falou, sorrindo e levemente vermelho pelo que estava para dizer. Não era bom com declarações como aquela. – Só a presença de vocês duas, me mantendo para cima, mais feliz do que nunca... Todas as mudanças que eu pensei que odiaria quando só me fizeram bem. Eu sei que logo a vai voltar para a casa da mãe dela e você é tão espetacular que não deve demorar para conseguir algo como atriz, mas eu não acho que essas coisas boas irão embora.
— Você sabe que não importa quantos empregos eu consiga, vou te encher o saco em todos eles, não é? – ele riu, assentindo. – E que, agora, tudo que está no seu caminho para ver a é uma boa conversa com a Ava?
— Eu acho que você é melhor conversando com a Ava do que eu... – murmurou, fazendo uma careta.
— Você completa trinta anos em um mês, amigo. Tá na hora de aprender a lidar com a sua ex-mulher e sinceramente? Ela é das boas. Já vi piores.
— Eu sei, eu sei. – respondeu, suspirando. – De qualquer maneira, só queria agradecer por tudo que fez e tem feito por mim. Michael nunca está certo, mas acertou quando te mandou para o meu apartamento. Você definitivamente é a luz que eu precisava.
abriu um largo sorriso, sentindo seu coração querer pular de seu peito ao ouvir aquilo. Justamente porque mais do que ser considerada bonita ou talentosa (apesar do último também ser muito importante), ela presava por ser uma boa pessoa, por fazer uma diferença positiva na vida das pessoas, mesmo que essa diferença fosse alguns segundos de alegria. Nada a deixava mais feliz do que aquilo.
— Eu gostaria de falar aquelas três palavras agora, mas sei que você ainda não está pronto para ouvir ou dizer, então: eu gosto muito, muito, muito de você.
gostaria de estar pronto para aquele passo, porém não era como se sentia. E apreciava mais que tudo a compreensão dela.
Por enquanto, ambos se contentaram com um beijo lento e apaixonado. Eles conseguiam transmitir e captar todas os sentimentos presentes naquele ato e, nesse momento, era o suficiente.
No lado de dentro, Bree, e Michael estavam quase chegando no apartamento quando o último se questionou:
— O que será que o tem para dizer a minha irmã?
Não esperava nenhum tipo de resposta. Não das duas garotas que estavam consigo, pelo menos. No entanto, a boquinha da criança se abriu rapidamente.
— Eles só estão se beijando, oras. – só percebeu que havia falado demais quando ele começou a correr, voltando todo o caminho que haviam acabado de andar. – Opa...
Well, I’ve been looking for some new words to say just how you got to me.
I wrote some letters that I might burn cause then you’re not just history.
I wrote some letters that I might burn cause then you’re not just history.
Fim!
Nota da autora: Aaaaacabou! Eu tenho o plot dessa história mais ou menos pronto há muitos e muitos anos e decidi transformar em uma short porque a música encaixou lindamente! Por isso, ficou bem grandinha, mas espero que tenham gostado tanto quanto eu curti escrever. Se sim, não deixem de comentar com as suas opiniões, é sempre ótimo ler! <3
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