FFOBS - 06. Rather Die Young, por Nataly Togeiro

Finalizada em: 15/07/2018

Capítulo 1

O ROUBO (31/JUL/17 - 03h15)
Boy you'll be the death of me
You're my James Dean
You make me feel like I'm seventeen
You drive too fast, you smoke too much
But that don't mean a thing
'Cause I'm addicted to the rush


— Você está pronta? — me encarou do banco de carona.
— Mais do que nunca — sorri.
Do lado de fora, uma garota usava um vestido preto extremamente curto e colado. Seu braço se esticava acima da cabeça e, entre seus dedos, pendia um lenço vermelho.
Assim que ela abaixou o braço, levando o tecido junto, meu pé se afundou no acelerador.
A adrenalina percorreu meu corpo em menos de dois segundos, tempo suficiente para que o carro atingisse 100 km/h. Dali em diante, tudo fora daquele veículo era um borrão. Exceto o carro com quem competíamos, ele estava bem na nossa cola.
— Vire à esquerda! — instruiu.
— O que? — Fiquei confusa.
A primeira curva daquele trajeto ainda estava longe. Seguir adiante e virar somente no terceiro farol, essas foram as instruções.
— Vire! — Ele gritou enquanto nos aproximávamos do primeiro farol — Vire à esquerda!
Aquilo não fazia sentido, se virássemos estaríamos automaticamente desclassificados.
As corridas eram ilegais, mas isso não significava que eram mal organizadas. Ao contrário, tínhamos um trajeto pré-definido, mecânicos a nossa espera, caso precisássemos, e um câmbio de dinheiro altíssimo.
Se eu virasse no primeiro farol, se fizesse aquela curva, seria um adeus ao dinheiro das apostas.
— Vira, porra! — Ele gritou mais uma vez.
Então me lembrei que era , meu e eu confiava nele acima de tudo.
Já estávamos em cima da curva e o pneu cantou quando virei o volante bruscamente, por pouco não perdendo o controle do veículo.
— Isso — o homem ao meu lado comemorou. — Não para, acelera e não para, precisamos ir para o mais longe possível.
— O que está acontecendo? — Perguntei sem tirar os olhos da pista.
jogou seu corpo para a parte de trás do carro e agarrou uma grande bolsa. Não, uma mala.
— Nós estamos ricos, ! — Ele abriu a mala, mostrando-me o seu conteúdo.
Dinheiro. Muito dinheiro.
Cédulas e mais cédulas. Um mar de notas verdes que parecia não ter fim. Todo o dinheiro das apostas, e não apenas da nossa corrida. Aquele dinheiro pertencia a muita gente, pessoas perigosas, de pequenos traficantes a donos de quartéis. Era dinheiro sujo, e nós tínhamos acabado de roubar.

O INTERROGATÓRIO (02/AGO/17 - 10h57)

No total, três pessoas estavam dentro de uma sala pequena e cinza. Eu era a única mulher, sentada em uma das cadeiras e com as mãos algemadas sobre meu colo. As outras duas pessoas eram investigadores do FBI.
Eles me encaravam como pais decepcionados com uma filha que se meteu em problemas.
, não passou pela sua cabeça que estava fazendo algo perigoso? — O investigador sentado à minha frente questionou — Como uma garota de 27 anos, engenheira mecânica formada em uma universidade prestigiada, foi virar uma bandida, uma fora da lei?
Tentei dar de ombros, mas uma dor agonizante espalhou-se pelo meu corpo, como a raiz de uma árvore que nascia em meu ombro esquerdo. A agonia percorreu minhas entranhas, levando desconforto até o ultimo fio de cabelo. Apertei os olhos quando minha visão ficou turva. Eu precisava me concentrar.
Respirei fundo, não deixando a dor tomar conta de minha mente e apagá-la outra vez. Somente depois de absorver toda aquela tensão, eu consegui mirar os agentes que esperavam minha resposta.
Mantive-me calada.
— O que vocês fizeram com o dinheiro depois do roubo? — O investigador que estava de pé perguntou, a impaciência transbordava por sua voz.
Com cuidado, ajeitei meu corpo na cadeira de metal.
— Onde está o dinheiro ? Por que o roubaram de Carl?
Soltei um riso abafado. Eles realmente pensavam que eu entregaria tudo assim?
— Você está entendendo a sua posição aqui?
Ele deu a volta na mesa e parou ao meu lado, apoiando uma das mãos em meu ombro ferido.
Fechei os olhos outra vez e respirei com dificuldade ao sentir outra onda de dor.
— Não tem para onde fugir — ele apertava meu ombro cada vez mais — e eu garantirei pessoalmente que, sem colaborar conosco, não terá chances de sair daqui com vida.
Eu mal conseguia respirar quando ele finalmente soltou meu ombro.
— Está disposta sacrificar seu futuro todo por um cara que te abandonou para fugir com o dinheiro? — O investigador sentado perguntou.
não me abandonou — respondi ríspida e, apesar da voz fraca, eu tinha certeza do que falava.
— Ele te deixou sozinha assim que a polícia chegou — o que estava de pé disse, como se a situação ali fosse óbvia e somente eu não quisesse enxergar.
— Ele precisava ir.
— E te largar lá? — O investigador sentado à minha frente interferiu outra vez. — Ferida e sabendo que seria pega?
Eu ignorei o resquício de dor que ainda sentia e encarei um de cada vez calmamente.
O investigador que estava de pé era nitidamente mais novo, porém aparentava estar muito mais cansado. Os cabelos pretos estavam desgrenhados e ele tinha bolsas escuras abaixo dos olhos. O que estava sentado à minha frente era grisalho, tinha olhos claros e poderia muito bem ser meu avô. Ele me tratava quase como um, tentando me fragilizar com seu jeito paternal.
Bufei, rolando os olhos.
— Se vocês estão tentando me virar contra , é melhor desistirem.
— Nos conte o que você sabe — vovô insistiu.
O que eu sabia, naquele exato momento, era que eles estavam em uma investigação atrás de Carl Higgins, o dono do maior esquema de tráfico e corridas ilegais de Las Vegas. Traficante do qual e eu nos tornamos amigos, até que, algumas horas atrás, o roubamos. Mais especificadamente, Carl agora era um homem com menos sete milhões setecentos e cinquenta e um dólares e vinte centavos na conta.

O ROUBO (31/JUL/17 - 03h43)
You know I've been in love before
You're the first one I ever seen
That burns like gasoline
So light a match, turn off the lights
I'm holding on to you
'Cause this might be a last night, oh


Meu corpo tremia. Eu sentia cada membro, cada célula, cada partícula vibrar. Uma adrenalina tão pura e excitante que aguçava meus sentidos, era indescritível. Não estávamos apenas em mais uma corrida com um carro alterado, estávamos em uma fuga.
Eu me sentia em perigo e, ao mesmo tempo, em segurança com as mãos de em contato ininterrupto com minha perna.
— Precisamos ir para um lugar deserto — ele disse — Vamos nos livrar desse carro e arranjar outro, não dá para continuar com um carro do Carl.
Eu assenti e comecei a pensar no que poderíamos fazer. Precisávamos ser rápidos, precisávamos nos livrar de evidências, precisávamos despistar Carl e seus homens que, àquela altura, já deviam ter notado o sumiço do dinheiro.
— Eu já sei para onde vamos — sorri.
Meia hora depois estávamos em uma estrada vazia no meio do deserto. Eu sabia que, alguns quilômetros à frente, existia um desfiladeiro e, quando e eu o avistamos, demos as mãos.
Ele já tinha espalhado gasolina por todo o carro e com a mão livre segurou a mala com o dinheiro. Trocamos um olhar antes que eu afundasse o pé no acelerador.
1000 metros. 700 metros. 500 metros. 300 metros. 200 metros e abrimos as portas do carro. 150 metros e lançamo-nos para fora do veículo.
A lei da inércia agiu em meu corpo e eu fui arremessada longe, sentindo segundos depois, o baque contra o chão terroso. Rolei por alguns metros e, quando consegui parar, estava tonta e inebriada com toda aquela ação.
Meu coração parecia prestes a explodir em meu peito, assim como minha respiração era rápida e irregular. Eu estava a poucos metros da queda, mas só conseguia pensar em como aquilo tinha sido incrível!
Procurei por , que tinha se jogado pela porta do carona, e ele estava um tanto longe de mim. Eu tinha certeza de que sentia a mesma sensação que eu. A sensação de estar vivo.
Vi ele se levantar e começar a andar em minha direção, quando me encontrou, esticou as mãos para me ajudar. Ao me colocar de pé, passou a alça da mala por seu tronco. Depois, com um dos braços apoiando minhas costas e o outro braço segurando minhas pernas, ele me pegou no colo e se aproximou da queda.
Olhamos para baixo, o carro estava pegando fogo. As labaredas refletiam em nossas peles e nos faziam imaginar toda a agonia. Todo o terror de sentir sua pele cedendo ao calor. Meu coração palpitou só com o pensamento de estar no meio daquelas chamas, abraçada a , ambos sendo consumidos pelo fogo.
Seria um bom jeito de morrer.
Encarei o rosto de meu amado, a luz oscilante das chamas iluminava-o e pude ver alguns arranhões por sua pele. Uma fina linha de sangue escorria de seu couro cabeludo pela lateral de seu rosto. Ele nunca esteve tão lindo. Era uma beleza quase poética.
me encarou de volta, abrindo um sorriso quando ergui os dedos para limpar o sangue de seu rosto.
— Eu te amo — ele disse.
— Eu te amo — repeti.
E eu o amava desde que o vi pela primeira vez, três anos atrás.

O COMEÇO (16/ABR/14 - 01h10)

Aquela era a área mais perigosa de Las Vegas. Traficantes, chefões, ladrões, apostadores, bandidos de todo o tipo de escalão frequentavam o lugar. Fosse para fazerem suas vidas ou para acabar com a de alguém.
Eu? Eu estava ali para fugir.
— O que uma garota como você quer por aqui? — Senti um apertão em meu braço.
Encarei, assustada, o dono da mão que me impedia de continuar andando e tentei, sem sucesso, puxar meu braço de seu aperto.
— Está procurando algo? Eu posso te dar o que você quer — ele sorriu mostrando uma arcada dentária que misturava dentes podres e dentes de ouro.
— Me solta!
Puxei o braço com mais força. Peguei-o desprevenido dessa vez, fazendo-o cambalear para trás e quase cair. Ao se recompor, o homem me olhou com ódio.
— Eu vou te ensinar que não é assim que se tratam pessoas que oferecem ajuda — disse enraivecido.
Suas mãos me agarraram outra vez e ele começou a me arrastar para mais adiante, onde o fluxo de pessoas diminuía.
— Me solta! — Eu gritava.
As pessoas à nossa volta olhavam e, quando percebiam o que estavam acontecendo, desviavam a atenção como se não tivessem notado nada.
Eu esperneava e tentava empurrá-lo. A cada tentativa seu aperto tornava-se mais forte e seu olhar mais raivoso. Até que, com um baque, ele parou de andar.
— Algum problema por aqui? — Uma voz rouca perguntou vinda das sombras.
— Não, — o outro respondeu explicitamente abalado — Só estou ensinando para essa prostitutazinha como se trata um homem.
— Ela não parece uma prostituta para mim — observou.
— Eu não sou! — Afirmei.
— Cala essa boca... — o cara de dentes de ouro disse me sacudindo.
deu um passo em direção à luz e eu consegui enxergá-lo perfeitamente.
Ele era alto, esguio, tinha o cabelo penteado para trás com gel, usava roupas pretas e, diferentemente da maioria das pessoas ali, ele não tinha tatuagens. Sua pele era lisa. Seus lábios formavam uma linha fina e seus olhos transmitiam algo intenso, misterioso.
Quando seu olhar retribuiu o meu, senti um frio crescer em meu estômago.
— Talvez eu deva te ensinar como tratar uma mulher — ele disse antes de socar os dentes de ouro.

O ROUBO (31/JUL/17 - 06h10)
What I'm telling you
I'm giving you my life, it's in your hands
And what I'm gonna do
Is be a woman and you can be a man


e eu andamos por horas quando, então, vimos o sol nascer atrás das montanhas rochosas do deserto de Las Vegas. Foi um longo caminho entre momentos despreocupados e momentos em que nos escondíamos de algum carro, até que, finalmente, achamos um hotel.
— Eu posso fazer uma ligação direta em algum dos carros — disse.
— Ou podemos pegar um quarto e nos divertir um pouco — ele sugeriu com um sorriso.
— Não acha perigoso? — Perguntei.
— E nós não gostamos do perigo?
Alguns minutos depois, e eu estávamos dentro de um quarto. Ele colocou a mala sobre a cama e a abriu. Eu me aproximei dele e o admirei enquanto encarava todo aquele dinheiro.
— O cheiro da felicidade — ele disse ao colocar algumas notas sob seu nariz e inalar o odor delas.
Eu segurei uma nota contra a luz, analisando os detalhes do desenho. me surpreendeu e me agarrou pela cintura, jogando-me sobre a mala. O impacto do meu corpo fez o colchão balançar e notas de dinheiro saíram flutuando pelo ar.
No meio daquelas notas que caiam ao nosso redor, com o corpo ainda cheio de poeira e um pequeno vestígio de adrenalina nas veias, e eu nos beijamos intensamente.
Beijamos, sentimos, saboreamos um ao outro como nunca.
Com misto de felicidade, excitação e perigo, tivemos a mais prazerosa manhã de nossas vidas.

O INTERROGATÓRIO (02/AGO/17 - 13h00)

Os investigadores jogaram um saco marrom em cima da mesa. A sala logo se incendiou com o cheiro de comida, fazendo meu estômago roncar e minha boca salivar.
— Está com fome? — O mais velho perguntou.
Eu estava faminta, não era capaz de recordar minha última refeição.
O investigador mais novo abriu o saco e retirou uma batata frita de lá. Aproximou-a de mim e colocou entre meus dedos. Eu respirei fundo, mas não consegui resisti o impulso de levar a comida até minha boca.
— Quer mais?
Acenei afirmativamente com a cabeça.
— Que tal abrir a boca para falar então? Depois deixamos abri-la para comer.
Era óbvio que eles não iriam me dar comida, ainda assim, por um momento, fiquei esperançosa. Eu estava faminta, cansada e sem ver há umas 48 horas.
. Era por ele, por nós que eu tinha que ser firme. Era por nós dois que eu tinha que aguentar qualquer provocação.
Eu aproximei meu tronco da mesa e estiquei meus braços algemados com força para empurrar o saco de comida para o chão. Simultaneamente, senti meu ombro reclamar e vi as batatas se espalharem pelo piso de cimento queimado. Eles me olharam enfurecidos e, apesar da dor, eu sorri.

O ROUBO (31/JUL/17 - 11h40)

bateu com o cotovelo na janela do carro, quebrando o vidro e logo em seguida colocando a mão por dentro para abrir a porta.
Com a porta aberta ele entrou e passou para o banco de carona. Eu sentei no banco do motorista, abri um pequeno painel ao lado do volante, procurando os fios certos para fazer a ligação. Assim que o carro ligou, saímos daquele lugar em direção à cidade outra vez.
— Você se lembra de tudo? — Perguntou-me.
— Te deixar na rodoviária e ir direto para o aeroporto — respondi.
— E depois?
— Comprar uma passagem e despachar a mala para o Brasil — desviei o olhar da estrada por um segundo para encará-lo — Como vão pegar o dinheiro no aeroporto de lá? Como podemos confiar nessa pessoa?
— Você confia em mim? — Ele segurou meu queixo com suas mãos.
Afirmei com a cabeça.
— Então isso é tudo que precisa saber — disse e em seguida soltou meu rosto.

O COMEÇO (16/ABR/14 - 01h40)
And I wanna say
Nobody understands what we've been through
I rather give up everything
Than to live my, live my life without you


— É melhor você ir para casa agora — disse depois de colocar o homem para correr.
Eu apenas o encarei, sem dizer nada.
— Você me ouviu? — Irritou-se.
— Eu não tenho mais casa.
Dessa vez foi ele quem encarou, analisando-me.
— Afinal, o que você está fazendo aqui? — Perguntou com os olhos semicerrados.
— Estou procurando Carl Higgins.
Ele pareceu surpreso com a menção daquele nome.
— E o que você quer com Carl? — Estava intrigado — Não vá me dizer que realmente é uma prostituta?
Fechei os olhos por um segundo, acalmando-me. Não estava ali para ser interrogada por ninguém, mesmo que essa pessoa tivesse acabado de me ajudar.
— Você pode me levar até ele?
— Se você me responder, quem sabe.
Serenamente, o homem à minha frente tirou uma cartela de cigarros do bolso, colocou um entre seus lábios e o acendeu. Cada movimento que ele fazia era natural e lento, e me senti hipnotizada por aquele estranho.
Balancei minha cabeça de um lado para o outro, espantando aquela sensação e virei-me de costas.
— Ei! Ei! — Ele veio atrás de mim ao perceber que eu me afastava. — Você é uma garota de poucas palavras, não é!?
Alcancei-lhe um olhar de canto em resposta.
— Bom, se você procura Carl, está indo na direção errada — informou.
Eu parei de andar.
— Por onde? — Perguntei.
— Você é ou não uma das prostitutas dele?
Eu o encarei, com a expressão séria.
— Não — respondi.
— E qual seu nome?
Não-é-da-sua-conta Smith.
— Boa sorte procurando Carl sozinha.
Dessa vez, ele quem me deu as costas para se afastar.
— respondi, revirando os olhos.
— Muito bem, — virou-se para mim novamente e sorriu — Por aqui — indicou exatamente o caminho que eu fazia alguns minutos atrás, e não pude evitar revirar os olhos outra vez.
Andamos alguns metros até um carro velho, um Impala 1967 que parecia estar caindo aos pedaços. o adentrou e fez menção para que eu também entrasse. Eu balancei a cabeça em negação quando ele ligou o motor e roncou com o carro.
— Você quer ou não ir até Carl? — Ele gritou para que pudesse ouvi-lo acima do som do motor.
Eu olhei para os lados, a rua começava a se esvaziar e não parecia que eu seria capaz de ir até Carl sozinha.
— Se eu quisesse fazer mal a você, tinha lhe deixado com os dentes de ouro — ele disse assim que eu sentei no banco do carona.
— Não tenho medo de você — informei — Mas esse carro... ele está caindo aos pedaços. As rodas estão com o aro errado, o som do motor está mais agudo do que deveria, você tentou turbinar e não deu certo. E você deveria checar seu reservatório de água antes que essa sucata acabe frita.
— Como…Como você sabe? — Ele me encarava surpreso e eu dei de ombros — Você mal diz uma palavra e quando abre a boca é para detonar meu carro?
Ao perceber que eu não iria responder àquela ou a qualquer outra pergunta, ele balançou a cabeça decepcionado.
O trajeto todo foi silencioso e eu percebi que estava incomodado com isso, não que eu estivesse. Preferia as coisas assim, pensar que ele era apenas um estranho me fazendo um favor.
Em vinte minutos chegamos a uma longa rodovia no meio do deserto. Muitas pessoas, muitos carros e motos, muita bebida e muita droga. A música estava alta, mas ainda assim era possível ouvir os motores dos carros que pareciam competir entre si.
Andamos entre a multidão, chegando a uma parte que parecia uma oficina mecânica improvisada. Eu reconheci as ferramentas e os materiais ali, estavam injetando os carros com substâncias que podiam fazê-los correr mais rápido. Ou explodir.
— Fique aqui — disse.
Ele começou a se dirigir para um aglomerado de homens que estavam parados perto de um Camaro 1967 Z28. Apesar de sua ordem, eu o segui.
— Eu disse para você ficar lá! — Parou ao perceber que eu estava alguns passos atrás dele.
Não dei ouvidos e acelerei à sua frente, até que um homem enorme entrou em meu campo de visão, impedindo-me de seguir adiante.
— Ele não quer me deixar passar — informei quando me alcançou.
— Jura? — Disse em tom debochado.
Então ele puxou a gola de sua blusa para o lado, deixando visível a pele da área que fica entre o pescoço e o ombro. Tinha um desenho ali, sua única tatuagem, uma cobra de duas cabeças.
O segurança se aproximou de e cochichou alguma coisa em seu ouvido. Ele concordou com a cabeça algumas vezes e em seguida se virou para mim.
— Fica aqui! — Ele disse — Dessa vez estou falando sério, não se mexa!
Mesmo contrariada, eu concordei com a cabeça.
O segurança abriu passagem para que seguiu em frente, direto para os homens perto do Camaro. Instintivamente, dei um passo, mas o segurança brutamontes me impediu de avançar mais.
balançou a cabeça em reprovação ao ver que eu tentava segui-lo.
Alguns minutos depois, ele voltou parecendo irritado.
— Você me deve uma! — Disse parando à minha frente — Você... — ele me encarava irritadiço.
— Conseguiu falar com Carl?
— Da para me dizer o que você está fazendo aqui?
— Eu vou poder falar com ele?
— Eu perguntei primeiro.
Eu olhei para o chão e respirei fundo.
— Volte lá e diga ao Carl que quer falar com ele — anunciei.
— Você é muito mandona para uma garota que parece mal ter saído do colo da mãe.
Eu o encarei com fúria nos olhos, mas antes que pudesse dizer ou fazer qualquer coisa, o segurança me interrompeu.
— Você disse “"? — O brutamontes perguntou.
Eu concordei com um aceno de cabeça.
, volte lá e diga que está procurando-o — o segurança mandou.
— O que? — Ele perguntou sem entender o que aquilo tudo significava — Quem é esse tal de ?
Eu respirei fundo tentando não me irritar com a lerdeza de .
Eu.
— E porque você…
— Rapaz, você faz perguntas demais, dá para ir chamar Carl logo? — O segurança o interrompeu.
Contrariado, andou novamente até o aglomerado de homens e quando saiu de lá, Carl o seguiu.
Carl Higgins era uma pessoa de estatura baixa, com cabelos descoloridos que contrastavam com seu bigode preto chamativo. Assim que ele se aproximou o suficiente para me ver, abriu um sorriso.
Meu falecido padrasto conhecia aquele homem desde a infância. Dois anos atrás, quando Carl soube que eu era um gênio da mecânica, pediu ajuda para turbinar alguns carros. Ele me pagou razoavelmente bem na época, mas logo depois que meu padrasto morreu, Carl sumiu.
Eu não tinha mais a quem recorrer depois de ter sido expulsa de casa. A faculdade me denunciou por furtos e outras infrações à instituição, cortando minha bolsa de mestrado. Eu deveria ter me apresentado à polícia às 15h00 do dia anterior. Mas ao invés disso ali estava eu, frente a frente com quem eu acreditava ser a única pessoa que poderia me ajudar.
— Infelizmente nós já temos mecânicos o suficiente, — Carl disse quando terminei de explicar a situação a ele.
— Então você turbinou o primeiro carro de Carl? — ainda digeria a história. — Inacreditável!
— Deve ter alguma coisa... — ignorei — Eu não te deixei na mão, Bill nunca te deixou na mão — referi-me ao meu padrasto.
Ele pareceu pensar um pouco, então aproximou-se, passando a mão pela lateral de meu rosto. Senti meus músculos retesarem e, atrás de mim, pude ouvir dar um passo em minha direção.
— Você sabe dançar? — Ele perguntou olhando-me de cima a baixo com um sorriso insinuante.
Meu sangue ferveu. Fechei a minha mão com força e avancei na direção daquele baixinho oxigenado.
— Acho que está na hora de ir — me segurou.
— Me solta — eu disse com os dentes cerrados.
— Quando tiver uma resposta, me procure — Carl finalizou e voltou para perto do velho Camaro.
Eu respirava rapidamente. Sentia a raiva borbulhar em minhas veias.
Se não fosse por mim, Carl Higgins nunca teria construído aquele império. Ainda assim, depois de tudo o que eu e Bill havíamos feito por ele, ele me virou as costas.
Eu estava com tanta raiva que mal percebi as pessoas em nosso entorno começarem a se agitar mais. também falava alguma coisa para mim, mas eu não prestava atenção. Meu cérebro se dividia entre a vontade de matar Carl e a necessidade de criar um novo plano.
Foi quando eu vi o motivo da agitação. Dois carros estavam posicionados lado a lado, os pilotos e copilotos estavam para fora fazendo a multidão se animar. Eu comecei a andar na direção de um dos carros.
— Onde você está indo? — correu atrás de mim.
Eu acelerei o passo, desviando das pessoas que pareciam estar cada vez em maior número.
! — me segurou novamente.
Eu tentei me desvencilhar, mas ele me encarou como naquela primeira vez, intenso e misterioso.
— Dá para me dizer o que você vai fazer?
Olhei novamente para os carros e depois voltei a mirar .
— Eu vou correr.
— Você o quê? — Seu olhar era confuso. — Nem carro você tem.
— Vou conseguir um.
— Você quer dizer roubar um?
Dei de ombros.
— Você sabe dirigir? Dirigir de verdade, como esses caras dirigem? — Ele apontou para os pilotos.
— Quem você pensa que testava os carros de Carl?
Ele continuava me encarando, como se procurasse a veracidade daqueles fatos na minha expressão.
— Tudo bem, então você vai precisar de um copiloto.
Eu o encarei com os olhos semicerrados.
— Isso mesmo, eu vou te ajudar. De novo.
— Por quê? — Pela primeira vez, era eu quem estava curiosa.
— Porque eu tenho o pressentimento de que você vai me surpreender — ele sorriu chegando extremamente perto de mim — De novo.
Nós nos encaramos perigosamente próximos um ao outro. Nossas respirações se misturavam e, quando ele entreabriu os lábios, pude sentir seu hálito. Menta e tabaco.
Naquele momento eu também tive um pressentimento: aquela não seria nossa única corrida juntos.

O ROUBO (31/JUL/17 - 18h11)

Eu podia ver esperando no lugar em que havíamos combinado. Ele tinha trocado de roupas, assim como eu, e estava de pé perto de um Nissan Altima prata.
Eu me aproximava dele quando ouvi o barulho de tiros. Enquanto me virava para ver, senti um impacto tão forte em meu ombro que cambaleei uns passos para trás. Uma dor excruciante inundou meu corpo e lentamente eu fiquei de joelhos, sentindo um líquido viscoso escorrer pelas minhas costas. Alcancei o olhar de , ele estava preocupado demais e parecia gritar alguma coisa, mas eu só conseguia ouvir um chiado dentro de minha cabeça.
Quando minha audição limpou, pude distinguir o barulho de mais tiros vindos de todos os lugares. tentou chegar até mim e não conseguiu. A dor queimava cada vez mais e, antes de tudo se apagar, eu vi luzes vermelhas e azuis serem refletidas no carro de .

Eu estava em um quarto branco e claro demais para meus olhos. Sentia-me tonta e, ao tentar me levantar, percebi que minhas mãos estavam presas. Eu estava algemada a alguma coisa.
— Você deu muita sorte — olhei na direção de onde vinha a voz vi um homem de terno — Um centímetro para o lado e essa bala teria te matado instantaneamente — ele completou.
— Onde…
— Se bem que, na sua situação atual, morrer não seria nada ruim, não é?
Eu puxei meu braço novamente, sentindo a algema ligada à maca me limitar. Tentei com o outro braço e gritei com a dor que me inundou.
— Não adianta tentar fugir, você foi baleada no tiroteio e te abandonaram lá — ele se inclinou na cadeira que estava sentado — Você já era — o investigador sorriu sádico.

A PROPOSTA (05/MAI/17 – 21h40)
'Cause I'd rather die young
Than live my life without you


— Você não se cansa de me surpreender, — Carl disse.
Endireitei minha postura e fechei o capô do carro. Andei até o balcão, procurando um pano para limpar minhas mãos sujas.
— Eu acho que não devia ter te tratado daquela maneira quando veio me pedir ajuda, não é?
Encarei-o com a sobrancelha erguida.
— Talvez estivéssemos competindo juntos.
— Nós estamos — respondi — Sou sua principal piloto.
Ele se aproximou de mim lentamente, fazendo-me sentir incomodada. Estávamos sozinhos em uma das oficinas, eu estava fazendo alguns reparos no carro da próxima corrida antes de ser abordada pelo meu chefe.
— Eu estava pensando em algo mais, digamos, profundo que isso — sua boca se arqueou em um sorriso e seus dedos roçaram minha perna levemente — Poderíamos expandir nosso negócio. Juntos.
e eu…
— Você não precisa do , sabe disso, ele é apenas um atraso. Já eu... eu poderia te fazer uma rainha. Minha rainha.
Carl passou o braço por trás de minha cabeça e eu senti cada músculo do meu corpo se retesar. Ele teve de se apoiar nas pontas de seus pés para alcançar meu rabo de cavalo e soltar meus cabelos.
— Rainha — ele repetiu conforme os fios caiam soltos por meus ombros.
?
Olhei para a porta e vi a silhueta esbelta de contra a luz.
— Pense nisso — Carl disse antes de se afastar.
Meu estômago se revirou.
Todo aquele tempo eu controlei minha repulsa em relação a Carl. Mesmo quando descobri que ele era o responsável pela morte de Bill, mesmo quando ele tentou me tirar das corridas, mesmo quando ele decidiu usar não só meu talento, mas minha aparência para atrair mais “investidores". Durante todo esse tempo eu fui firme e eu tive ao meu lado.
Naquele momento, eu fui tomada por todo ódio e nojo acumulados.
se apressou até mim e me segurou em seus braços. Se não fosse por isso, eu não teria deixado Carl sair dali ileso, como se ele não tivesse acabado de me pedir para trair a pessoa mais importante da minha vida.
— Isso não vai ficar assim, afagou meus cabelos assim que contei tudo para ele — Confie em mim.
Eu confiava. Confiava a minha vida. E minha morte.

O FIM (02/AGO/17 - 15h23)

Os investigadores haviam me deixado sozinha após mais uma tentativa frustrada de me fazer falar. Eu... eu nunca havia me sentido tão cansada como naquele momento. Qualquer vestígio da adrenalina de tempos atrás tinha se esvaído de meu corpo.
Olhei para o chão, para onde as batatas ainda estavam jogadas. Meu estomago roncou, meus olhos lacrimejaram e por um instante minha visão se tornou escura.
Onde estava ? Eu precisava dele!
Como se tivesse lido meus pensamentos, um corpo magro chutou a porta que me separava do resto do mundo. O ambiente foi inundado com o som da zona que se instalava naquela delegacia.
— Calem a boca! — gritava para as pessoas lá fora enquanto apontava uma arma para elas — Vai! — Ordenou.
Uma mulher se aproximou de mim às pressas, suas mãos tremiam e seus olhos transmitiam um desespero sem fim. Ela me desalgemou e eu me apressei na direção de .
Queria abraçá-lo. Precisava abraçá-lo, mas ele se afastou de mim.
Por um momento fiquei confusa, mas quando meu cérebro processou aquela imagem, o corpo de envolto em explosivos, eu entendi o que acontecia ali. Ele nunca conseguiria invadir um lugar cheio de policiais e pessoas treinadas apenas com uma arma de pequeno porte, então ele se tornou a arma.
— Qualquer movimento suspeito e eu detono tudo! — Ele disse quando, finalmente, as pessoas se aquietaram.
Eu sorri ao ser inundada por uma felicidade sem tamanho e aproximei-me do homem de minha vida. Ergui as mãos e passei-as gentilmente pelo rosto de . Ele não desviou o olhar das pessoas, mas sorriu ao sentir meu toque.
Calmamente, eu retirei a arma de e procurei por meus interrogadores. Quando os avistei, me aproximei.
— Eu disse que ele não tinha me abandonado.
— Vocês não vão sair dessa — o mais novo disse.
Eu ergui a arma para ele, encarando-o sem nem mesmo piscar. Abri meu maior sorriso, mostrando todos os dentes, para que ele tivesse certeza de como aquele momento me deixava feliz.
Apertei o gatilho.
O barulho fez com que toda a agitação de antes se aflorasse outra vez. Eu ouvi as pessoas entrarem em desespero, temerem por suas vidas e aquilo me satisfez.
Aproximei-me do investigador baleado.
— Você deu muita sorte, um centímetro para o lado e essa bala teria te matado instantaneamente.
Ele abriu a boca para me responder, mas respirava com dificuldade e eu vi seus olhos virarem para trás. O corpo do investigador amoleceu e, em seguida, ele desmaiou.
— O que você está fazendo aí? — Meu momento de júbilo foi interrompido pelo grito de .
Virei-me e vi que ele falava com uma senhora de cabelos grisalhos. Ela estava com um celular na mão, uma chamada estava ativa.
Fui até a ela, retirei o celular de sua mão e desliguei a chamada, mas sabia que era tarde demais.
Andei até , parando a sua frente e ignorando o resto do que acontecia ao nosso redor. Eu desliguei minha mente do mundo e me concentrei apenas naqueles olhos profundos. A mesma pele lisa, o mesmo cabelo penteado para trás, o mesmo olhar intenso e misterioso de quando nos vimos pela primeira vez.
Eu amava e essa era a única certeza da minha vida. Eu preferiria morrer a viver sem ele, mas eu não estava pronta para nenhuma das duas opções.
Inclinei o queixo na direção dele e depois joguei a cabeça para o lado, indicando o outro investigador que havia me interrogado. Os lábios finos de curvaram-se em um sorriso de entendimento.
Andei até o investigador e mandei que ficasse de pé.
— Vamos vovô, é a sua vez.

Alguns minutos depois pudemos ouvir o barulho de sirenes se aproximando. e eu nos entreolhamos, cada um terminando o que tinha de fazer.
— Aqui é o esquadrão antibombas… — ouvimos uma voz amplificada vir do lado de fora.
O telefone tocou, o que já esperávamos. Atendi e informei que liberaríamos onze reféns em troca de Carl Higgins. Eles protestaram, mas sabia que Carl havia sido apreendido pela polícia e só não estava no mesmo local que eu, devida sua influência com as autoridades da cidade.
Trinta minutos foi o tempo levado para que aparecessem com Carl, mas eles disseram que não fariam a troca. Eu informei que queria ver Carl, queria olhá-lo nos olhos ou nada feito.
— Nós podemos nos aproximar com ele até o meio do caminho, então você libera as pessoas.
Protestei, mas por fim aceitei. me lembrou que não poderíamos demorar muito.
— Se vocês disserem uma palavra, se fizerem um movimento suspeito, nós explodimos tudo! — Ameacei.
Com o meu sinal, as onze pessoas enfileiradas e algemadas umas às outras, começaram a andar porta a fora. O investigador mais velho estava bem no meio.
e eu agimos rápido, as outras pessoas já estavam trancadas na sala em que eu havia sido interrogada, então apenas corremos para o fundo da delegacia, o mais distante da porta possível.
Um celular estava posicionado de modo que filmasse, pela janela, o que ocorria do lado de fora. Um outro estava conosco e, com uma chamada de vídeo entre os dois, pudemos ver Carl perto dos recém liberados e, também, o esquadrão antibombas se aproximando dessas pessoas. Sabíamos que a primeira coisa que fariam seria revistá-las, mas não demos a chance.
Encarei sentindo a certeza em seu olhar antes que ele apertasse o botão.
Vovô tentou alertar as pessoas, mas foi cortado no meio de sua fala quando os explosivos em seu corpo explodiram. Em um momento glorioso foi possível ver um clarão e, com segundos de atraso, como um raio que vem do céu, ouvimos a explosão. Tudo em volta daquelas onze pessoas sucumbiu a força da bomba. Policiais, viaturas, ambulâncias, o esquadrão, vovô e Carl. Tudo. Todos.
Até mesmo nós dois fomos jogados com a força emanada, tijolos voaram e paredes se desfizeram. Um zumbido crescente cantou em meus ouvidos e meu ombro latejou profundamente, até que senti a mão de na minha. Sua voz era urgente e agitada.
— Vamos, , vamos!
Ele me puxou e saímos correndo. Paredes estavam pela metade, janelas estraçalhadas e fios de energia pegavam fogo. Lá fora a poeira estava alta, carros em chama e os homens que, se antes cercavam o prédio, agora saiam correndo para ajudar os atingidos pela explosão.
me ajudou a passar por uma janela lateral e seguiu logo atrás de mim. O zumbido da explosão, que continuava em meu ouvido, foi cortado pelo som de tiros vindo de algum lugar alto. Sabíamos que aquele momento era crucial, nossas opções resumiam-se a duas: morrer ou escapar. Então corremos.
Corremos lado a lado, o mais rápido que podíamos.
Corremos em meio a sangue, poeira e fogo.
Corremos ao som do caos e de tiros.
Corremos juntos em direção a nosso futuro.
Fosse ele qual fosse, estaríamos juntos, ligados pelo nosso amor.
Um amor que valia muito mais do que qualquer vida.

I rather not live at all
Than live my life without you





FIM



Nota da autora: Sem nota.



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


comments powered by Disqus