Capítulo Único
Nova York, 4 de julho de 2009.
- Feliz Dia da Independência! - Falei abraçando a garota ao meu lado.
O céu estava tomado por fogos de artifício de variadas cores e tamanhos, se podemos assim dizer, a noite de julho estava num clima frio como a maioria das noites da famosa cidade que não dorme. E em um gesto doce, virou-se para mim e selou nossas bocas.
- Feliz Dia da Independência! – Ela encostou seu rosto no meu pescoço e sussurrou: - e feliz aniversário de namoro.
- Feliz aniversário de dois anos, os deuses deveriam me abençoar com algum poder por ter te aguentado tanto tempo. Espero que daqui a um ano os deuses nos separem. – Rimos, ela pensara que aquilo era uma brincadeira boba, enquanto eu me martirizava por não a ter dito antes o que estava me matando por dentro. Beijei sua boca notando a delicadeza com a qual ela segurava meu rosto com as mãos, eu nunca iria me cansar disso.
- Me promete uma coisa? – Ela perguntara enquanto selava novamente nossas bocas e entrelaçava seus dedos aos meus – me promete que nunca vai me deixar?
Eu não tinha palavras, eu não sabia o quê dizer naquele momento. Eu fiquei em silêncio olhando para nossas mãos, sabendo que não poderia prometer tal coisa. Olhei para o relógio e já era tarde, resolvi que era hora de irmos embora, resolvi que era hora de dizê-la a verdade.
O caminho todo foi repleto de um silencio constrangedor, ela sabia que algo estava errado, de alguma forma ela sabia quando algo iria sair dos eixos.
Abri a porta dando espaço para ela passar e entrando logo em seguida. Seguimos para o meu quarto e como eu continuava em silêncio, ela não me pressionou, ela esperou eu me sentir a vontade. Ela se sentou na minha cama e eu fiquei observando cada detalhe do seu rosto, tentando memorizar cada detalhe, cada sinal. Ela era linda. Merda, eu a amo tanto. Ela deitou-se na cama se levantando logo após a ação, apalpando a colcha, como se estivesse procurando algo. E como diz o ditado: quem procura, acha. Meu coração parou no momento em que ela começou a ler o papel em suas mãos, que agora tremiam sem parar.
- Era isso que estava te deixando nervoso? – Ela me olhou interrogativa, eu apenas balancei a cabeça assentindo. – Foi por isso também que você não respondeu a minha pergunta quando estávamos no parque? – Perguntou, seus olhos estavam nebulosos, raivosos, mas acima de tudo eles estavam tristes, desolados.
- Me desculpe, e-eu queria ter falado com você sobre isso antes, mas foi tudo tão rápido, eu não consegui pensar direito! – Falei levando minhas mãos ao meu cabelo o bagunçando numa forma de expor minha confusão.
- Você vai para Sydney! Isso é, tipo, o outro lado do mundo e você não estava conseguindo pensar direito? É essa sua desculpa? Nós temos um relacionamento aqui, , nós temos uma vida! – E o momento que eu mais tinha repudiado da minha mente aconteceu, ela chorou.
Ela soluçou e tremeu, eu era o causador de toda a sua dor. Tudo que eu menos queria era isso, eu não queria vê-la sofrer, eu não queria ir.
- Desculpe por isso, eu também não queria isso, eu não quero ir. Eu te amo tanto! Por favor, anjo, não chora. – Abracei a garota que tanto amava enrolando meus braços no seu corpo esguio.
I’ve got a ticket to another world
I don’t wanna go
I don’t wanna go
Minha garganta parecia se fechar, não consegui falar, não consegui agir, uma onda de sensações e emoções bateu em mim sem pena. Eu não conseguia mais segurar, eu chorei, chorei por estar indo embora, chorei por ter que deixar a garota que amo, chorei por sofrer com as consequências do emprego do meu pai.
When your thoughts are all I see
“Don’t ever leave” she said to me
Ela me beijou e foi me colocando sobre a cama, tirou meus sapatos e se juntou a mim me beijando novamente. Eu estava numa linha tênue entre uma pessoa adormecida e uma pessoa acordada, eu a ouvi pela última vez naquela noite.
To the beats o four hearts at the same time
So close but so far away
(Can you hear me?)
Nova York, 7 de julho de 2009.
Chegou o maldito dia, o da viagem. Depois daquela noite, eu e conversamos melhor, expliquei-lhe tudo que estava se passando e ela entendeu que eu tinha que voltar para meu país e o porquê. Ela chorou os dois dias anteriores, chorou toda vez que nos encontrávamos, chorou quando eu ligava para lhe desejar boa noite. Ela chorou como eu nunca tinha visto-a chorar nesses dois anos que estávamos juntos. E cada soluço que eu ouvi, cada lágrima que eu limpei de seu rosto, quebrava uma parte do meu coração, me deixando mais do que machucado.
Eu estaria voltando para Sydney depois de 7 anos, eu estaria deixando minha namorada aqui. Seria difícil para nós. Ainda não chegamos numa decisão, então manteríamos tudo do jeito que estava. Sem mudanças, tudo na normalidade. Se era que isso poderia ser normal.
Não faz nem uma hora que cheguei no aeroporto e já contemplei várias despedidas, algumas mantinham o sorriso no rosto, já outros nem conseguiam falar de tantos soluços. A cada abraço de despedida dado, a cada beijo roubado ali, antes daqueles embarques, eu sabia que uma parte do coração ficaria e a outra iria. Teoricamente.
Os casais que eu assistia passando por ali me lembravam a . Eles se beijavam. . Se abraçavam. . Trocavam carinhos. . Trocavam sorrisos. . . . . . . Aquela palavra piscava em neon colorido em minha mente.
Eu não sabia se ela viria se despedir. Ela não disse. Também não perguntei. Eu não queria ir embora. Ela não queria que eu fosse. “Você se apaixonará mais vezes”, disse minha mãe. Mas quem disse que eu queria outras paixões?
- Olá. – Eu reconheceria aquela voz em qualquer lugar, com qualquer barulho. Me virei notando que a dona da voz era a .
Vestida com apenas um vestido azulado e um casaco branco, acompanhados com meu gorro em sua cabeça. Tão linda, tão fofa, tão minha. A abracei forte com medo de que a qualquer momento ela simplesmente evaporasse ou fosse arrancada dos meus braços, o que era em possível. Eu a amava tanto.
- Olá. – Beijei-lhe os lábios e sorri. – Como está?
- Bem triste, - sorriu-me tristemente enquanto eu lhe fazia um singelo carinho em seu rosto – meu garoto está indo embora, quem irá lembra-lo de levar um casaco sempre que for sair?
- Minha mãe será sua substituta. – Ri percebendo que ela não poderia ser substituída, muito menos ser atualizada.
Encostei meu queixo no topo da sua cabeça e a abracei com todas as minhas forças, eu queria dizer-lhe tanto o quanto ela significava para mim, o quanto ela era importante, o quanto ela me faria falta, o quanto eu a amava. Escutei um fungar e olhei para baixo, ela estava chorando de novo. Levantei seu queixo com os meus dedos e olhei em seus olhos, tão brilhantes, tão lindos, tão tristonhos. A beijei mais uma vez, dessa vez mais forte, mais intenso.
- Me promete uma coisa. – Falou, acenei com a cabeça.
- Você me pede para te prometer muitas coisas – rimos – e eu prometo tentar cumprir.
- Me prometa que nunca se esquecerá de mim, mesmo se nós nos afastarmos. Por favor.
- Você não precisava nem pedir. – Falei – isso será automático.
E então ficamos nisso de beijar, abraçar e se acariciar até que o som da voz mecânica tomou o espaço de embarque chamando os passageiros do meu vôo.
A cada segundo eu falava que a amava e ela sempre afirmava com a cabeça dizendo que também me amava, a cada eu te amo dito era mais um beijo de despedida.
A última chamada para meu vôo foi dada, eu tive que soltá-la. Eu fui andando devagar, com medo do que ia acontecer a seguir. Eu iria entrar naquele avião, mas, e depois? O quê aconteceria comigo? O quê aconteceria com ela? O quê aconteceria conosco?
Meu coração pulsava mais forte a cada passo que eu dava, a cada passo que eu ficava mais próximo do embarque, a cada passo que eu ficava longe da minha garota. Olhei para trás e a vi com várias lagrimas manchando seu rosto angelical. E não demorou muito para que elas também invadissem meus olhos e sem pedir passagem elas desceram até minha boca, lágrimas gordas e sofridas, lágrimas como essas, não precisavam existir.
- Eu te amo. – A vi falando, não escutei sua voz, mas sei que aquele “eu te amo” foi real, não só aquele como todos os outros.
- , - gritei chamando sua atenção fazendo-a abrir seus olhos – Eu te amo, não importa a distância, eu sempre te amarei, por favor não esqueça disso.
Quando terminei minha pequena declaração uma pequena massa de pessoas que estava por perto ouviu e bateram palmas fracas. Abaixei a cabeça e sussurrei mais um “eu te amo”, ela estava com as mãos na boca e agora chorava com mais intensidade. Minha passagem foi entregue e eu dei mais uma última olhada em sua direção. Ela se despedia de mim com uma mão e com a outra continuava escondendo a boca, tampando seus soluços.
Aquela cena não parou de passar pela minha cabeça, várias e várias vezes durante o vôo, até a sonolência me vencer.
My heart wants to come home
I wish I was I wish I was
Beside you
Trying to find the words to say
I wish I was, I wish I was
Beside you
Nos meses a seguir da viajem, continuamos nos falando por Skype e, às vezes, por e-mails. Porém, entre esses meses, nossas conversas foram se tornando cada vez mais escassas, cada vez nos falávamos menos. E a cada dia que se passava eu começava a me recuperar, a cada dia mais eu saia com alguns amigos, festejava, a esquecia. Ou pelo menos guardava o meu sentimento em um potinho.
Em dezembro, quase não nos falamos e eu cheguei a uma decisão, pedi um tempo para ela, ela disse que sim, mas que sempre estaria me esperando, logo em seguida desligou. E não nos falamos desde então. Às vezes eu vejo suas fotos recentes em suas redes sociais, nada de garotos novos em sua vida.
Já eu, segui em frente. Sai com mais frequência com os garotos, bebia e aproveitava a noite com variadas garotas. De turistas à garotas do bairro, todas elas.
Quando meu aniversário chegou, eu pensei sobre voltar para os EUA, eu já era de maior, poderia responder por mim. Eu tinha um tio nos Estados Unidos, em Nova York. Tinha a e sua família lá também.
Mas eu escolhi não voltar para os Estados Unidos, não voltar para meus amigos antigos e, acima de tudo, escolhi não voltar para a .
Ela me ligou para desejar felicidades, eu sentia saudades da sua voz e ela sentia a minha falta. Ela era tudo para mim antes, como isso tudo poderia ter simplesmente passado?
Parei de pensar sobre isso no momento que os caras chegaram no mirante com bebidas.
.
“, pare de pensar nele... ele foi só um amor adolescente. ” “Você tem que se acostumar a viver sem ele, paixões como essa acontecem todos os dias e acabam todos os dias, siga em frente”, essas eram duas das muitas frases que me diziam sempre que me viam chorando pelos cantos, com saudades dele.
Ele não era só um amor adolescente, era mais, muito mais. Eu mataria por ele. Morreria por aquele garoto. Eu queria ligar para ele, falar tudo o quê tinha em mente, dizer o quanto sinto sua falta e o quanto o amo. Mas as palavras são difíceis de organizar, difíceis de falar, então eu escolhi me calar e seguir em frente, mesmo que esteja triste e se roendo de saudades de alguém que não está nem aí para você.
Sydney, 02 de fevereiro de 2015.
.
Eu estava doente, muito doente. As palavras ditas a dois dias pelo doutor não saiam da minha cabeça, “, temos um caso raro aqui; um garoto tão jovem com o fígado tão mau, é novidade, eu sinto muito ter que te dizer isso, mas você precisa de um transplante de órgão”, e esse nem é o problema maior, não é nem um pedaço dele.
Meus pais não eram compatíveis comigo para o transplante.
Estávamos voltando para os Estados Unidos.
Perdi o emprego recentemente.
Todas as merdas de uma só vez. Eu não aguentava tudo isso.
Estávamos voltando para os EUA para tentar um exame de compatibilidade com meu tio. Eu esperava que o resultado do exame fosse positivo, eu não queria morrer. Eu estava com medo.
Nova York, 04 de junho de 2015.
A viagem foi calma e silenciosa, meus pais não falavam nada sobre os exames e a doença, eu agradeci a eles por isso.
Quando chegamos na nossa antiga casa, eu me senti acolhido. Há cinco anos não vinha aqui, a madeira da escada continuava rangendo, a cozinha da mamãe tinha aquela mesma cor feia e os vizinhos eram os mesmos. Ver o irmão da me lembrou disso. Ele cresceu muito, não era mais o pequeno pirralho.
... eu precisava vê-la.
Já era noite quando saí de casa, andei duas quadras e estava na frente de sua porta. Prestes a bater, me faltou coragem. Eu dispensei a garota, nesses cinco anos eu não ligava no seu aniversário, ela sempre ligava nos meus, não procurei saber se ela estava bem, ela sempre ligava para minha mãe perguntando como eu estava e cinco anos depois eu estava ali de pé, em frente da casa da garota que me acolheu e que depois eu lhe chutei para longe.
Eu não tinha coragem, não. Comecei a caminhar em direção a calçada quando ela abriu a porta.
O tempo só lhe fez bem, os cabelos brilhosos e o sorriso brilhante dançava em seus lábios como cinco anos atrás antes das turbulências em nossas vidas. Ela desceu as escadas da varanda rápido, tropeçando em uma raiz quando chegou perto de mim, eu a segurei. Ela riu e me abraçou. Era como se eu tivesse aberto o pote, o pote com meus sentimentos por aquela linda garota que deixei para trás.
E, pela primeira vez depois de muito tempo, eu chorei, chorei de saudades, chorei por não saber o quê fazer com aquele fígado podre, chorei por finalmente estar de volta nos braços da garota que amava.
Senti falta do seu cheiro, da sua pele macia, dos seus cabelos enroscando nos meus braços quando nos abraçávamos. Eu senti falta de tudo isso, só não queria ver o que estava sentindo.
Ela me abraçou mais forte e me guiou para o nosso mirante. Perto das nossas casas, havia uma pequena montanha e lá podíamos observar boa parte de Nova York. Ficamos lá, sentados e quietos, ela fazendo carinho em meus cabelos e eu olhando para seu rosto imaginando se eu teria mais alguns bons anos de vida para olhá-la, para amá-la.
Under every city light
And the shining as we fade into the night
- Claro. – Respondeu e sorriu.
- Eu estou com medo, nunca senti tanto medo de morrer como agora. Tenho medo de não acordar amanhã por causa desse raio de infecção no fígado, medo de tanta coisa, mas o pior é o de te perder novamente. Me desculpe se eu não dei a mínima para você nesses últimos anos, eu não sei onde estava minha cabeça quando deixei de falar com você, quando deixei de me importar com você, me desculpe, por favor. – Eu soluçava, ela me abraçou e fazia carinho em minhas costas.
- Vai ficar tudo bem. Tudo sempre fica bem. – Ela agarrou meu rosto entre suas mãos e me fez olhar em seus olhos. – Não chore, também não sinta medo, eu estou aqui por você, com você.
E então me abraçou até que eu me acalmasse.
Quando abri a porta de casa, fui bombardeado por perguntas da minha mãe sobre onde eu estava, com quem e o quê eu estava fazendo. Mas quando ela viu passando pela porta após eu entrar, ela se acalmou, cumprimentou a e disse que havia colchas limpas no meu guarda-roupas.
Olhei meu antigo-novo-quarto, não tinha nada fora do lugar desde a última vez que estive aqui, a cama continuava sob a grande janela, essa janela era uma velha amiga dos anos em que eu fazia visitas noturnas à , sorri com o pensamento, já estava sentada na minha cama me observando.
Aquela cena era cômica, tentando me desvendar, saber meus pensamentos enquanto ela era a fonte deles.
Sentei ao seu lado e a abracei. E eu repeti para mim mesmo naquele momento que, não importava como, onde, ou o porquê, sempre voltaríamos a ficar juntos. Sempre.
- Obrigada por estar aqui. – Falei fechando os olhos, eu só queria aproveitar o momento com minha garota novamente.
- Sempre estarei ao seu lado se você prometer estar ao meu lado a partir de agora. – E eu prometi, prometi estar ao seu lado.
Olhando para a janela eu vi uma estrela cadente.
- Uma estrela cadente, você viu? – Perguntei.
- Se você está falando do meteorito que passou, sim, eu vi. – Me respondeu.
- Pare de ser tão chata e faça um pedido a estrela cadente! – Ordenei ouvindo-a rir.
- Sim, general. – Ela fechou os olhos e ficou em silencio por um momento. – Pronto, você queria um pedido, eu fiz um pedido. E o seu qual foi?
- Se eu contar não vai se realizar. – Ri fazendo cócegas nelas.
- Mas eu quero saber! Vamos, me fala! – Pediu batendo nos meus braços.
- Quando ele se realizar, eu irei te contar. – Falei subindo um pouco mais na cama até ficar com a cabeça nos travesseiros, ela fez o mesmo.
E foi como se estivéssemos voltando no tempo, ela colocou Coldplay no iPod e deitou ao meu lado me envolvendo com seus braços. Há muito tempo eu não me sentia assim, completamente feliz. E como nos velhos tempos, nós dormimos juntos.
Nova York, 05 de junho de 2015.
E chegou o grande dia, aquele que eu vou saber se meu único parente restante é compatível comigo ou não, se ele for, ótimo, se ele não for, eu vou ter que esperar alguma doação. E existe milhares e milhares de pessoas precisando de uma nesse exato momento.
segurava forte minha mão, transmitindo força. Meu tio chegara mais cedo e já tinha feito todos os processos de coleta. Estávamos só esperando o resultado.
Trinta minutos depois, uma enfermeira nos direciona a outra sala, entrei puxando uma hesitante pela mão e meu tio entrando logo atrás de .
- Olá, Sr. , eu sou o Doutor que o Dr. Chavez recomendou para acompanhá-lo aqui. – Falou apontando para as cadeiras para que sentássemos, apertei sua mão e sentei-me.
- Sim, obrigado por aceitar a me acompanhar aqui, Dr. Robberts.
- Eu que agradeço pela confiança. – Sorriu e virou-se para abrir um dos grandes arquivos. – Aqui, aqui está o resultado do exame. Sra. ? Quer fazer as honras?
- Ela nã... – Disse, porém, fui cortado pela .
- Claro, com o maior prazer. – Falou sorrindo, meu tio me lançou um sorriso sapeca e eu apenas abaixei a cabeça passando a mão na nuca.
beijou minha bochecha e sussurrou um “vai ficar tudo bem” e eu acreditei.
Ela abriu o envelope aos poucos e leu devagar fazendo uma careta. Eu não queria olhar, eu estava com medo, muito medo.
- Me desculpe, mas não estou entendendo. – Ela falou arrancando uma risada de todos.
Ela entregou o papel ao doutor e ele leu, fazendo a expressão feliz se desfazer do seu rosto dando lugar a uma expressão séria.
- Sr. , todos nós achávamos que ele seria a melhor opção para o transplante, já que seus pais não são compatíveis, mas infelizmente ele não é compatível com você.
Essas palavras foram como um soco no estômago, eu não estava esperando aquilo. Tio Sam olhou-me com pena, já me abraçava e dava pequenas batidas nas minhas costas, eu senti meu mundo cair naquele mesmo momento. pediu para que saíssemos da sala, eu saí lentamente do consultório, tudo estava mais lento que o normal, tio Sam me apoiava até as cadeiras falando baixinho o quanto sentia muito e pedindo desculpas. Ele não tinha culpa.
saiu do consultório, deu um beijo em minha bochecha e disse que voltaria logo. Ela voltou dez minutos depois me pedindo para acompanhá-la, ela me levou a uma sala onde a enfermeira coletou meu sangue, não entendi o porquê.
Saímos da sala de coleta e sentamos nas cadeiras novamente. Tio Sam estava tomando um café, flertando com a secretária.
- Vai dar tudo certo, ok? Falei com o médico, pedi um exame de compatibilidade com você, nem tudo está perdido, certo? Temos várias opções, não deixe a doença te tomar. – Falou dando-me esperanças para lutar contra isso. E essa batalha, eu esperava vencer.
Mais trinta minutos tomando chá de cadeira e então fomos novamente chamados para o consultório do Dr. Robberts.
- Hm, doutor... – Falou . – A compatibilidade?!
- ... recebi os resultados há poucos minutos, e pelo o que acabei de ler, vocês dois tem uma grande compatibilidade, - Olhei para cima, meus olhos brilhando de emoção, olhei para , ela parecia querer chorar. – Quero fazer mais alguns exames, espero vocês aqui amanhã para os exames. E meus parabéns.
Passamos pela recepção para marcar tudo para amanhã.
Fora do hospital, meu tio me abraçou e foi embora prometendo voltar aqui amanhã para nos acompanhar, eu sabia o principal motivo para ele voltar aqui amanhã, e não era eu.
Puxei pela mão e seguimos para o carro, mas parei no meio do caminho. Me virei para e a suspendi nos meus braços, ela deu um pequeno gritinho e quando a coloquei no chão segurei seu rosto em minhas mãos como ela tinha feito ontem, mas hoje eu não fazia isso para lhe passar segurança como ela fez.
Beijei-a, beijei com calma e fazia um carinho singelo em suas têmporas, ela retribuiu o beijo, puta merda como eu tinha saudades daquilo.
Nova York, 05 de junho de 2015.
Depois de várias comemorações por parte de minha mãe, meu pai e , já era noite quando finalmente eu e estávamos a sós no meu quarto, ela sorriu para mim.
- Você não está feliz? – Me perguntou.
- Claro que estou. – Respondi. – Mas... não é com meu pai e minha mãe que eu quero comemorar.
E a nossa noite foi passada sob os lençóis, festejando como só nós dois poderíamos, e depois de todo esse tempo eu quase esqueci como era estar com ela, como era estar envolto dela.
Nova York, 06 de junho de 2015.
Eu estava muito energético, muito animado, eu só queria chegar logo naquele hospital e fazer os exames.
Eu e tomamos o café da manhã com olhares interrogativos dos meus pais, minha mãe não se segurou e perguntou:
- Vocês passaram a noite juntos?
Todo sangue da estava em suas bochechas meu pai riu e eu o acompanhei.
- Desculpe, eu não queria envergonhar ninguém. – Desculpou-se.
terminou rapidamente de comer e me apressou dizendo que teria que passar em sua casa.
Chegamos no hospital faltando apenas dez minutos para os exames. Fizemos todos os exames e fomos almoçar enquanto esperávamos os resultados.
estava nervosa, as pequenas coisas que ela fazia me diziam isso: roía as unhas, mordia os lábios, olhava para os lados inquieta. Nervos à flor da pele. Coloquei suas mãos geladas entre as minhas e olhei em seus olhos sorrindo, tentando passar um pouco de positividade para ela naquele momento de tensão.
Voltamos ao hospital uma hora depois e fomos avisados que os resultados já estavam no consultório do Dr. Robberts, logo estávamos sendo levados para lá.
- Boa tarde para os dois, como estão hoje? – Perguntou apertando nossas mãos.
- Estamos bem. – Respondemos juntos.
- Ótimo. – Falou e sorriu pegando mais alguns papeis. – Estava lendo os resultados dos exames e vi que está tudo maravilhosamente bem com os dois.
E então assinamos alguns papéis que tratavam do processo de transplante, eu estava mais do que feliz, sentindo algumas dores, mas estava feliz e minha família estava reunida novamente.
- Você quer tomar sorvete? – Perguntei.
- Como nos velhos tempos?
- Sim, como nos velhos tempos.
Ah, nos velhos tempos nós saíamos da escola e seguíamos para o parquinho perto de lá, comprávamos sorvetes e ficávamos o resto da tarde sentados nos bancos, era bom sentar e relaxar com a garota que você gostava.
A tarde foi passada com várias risadas e comentários hilários sobre quem passava por lá, nem mesmo as crianças escapavam. Como nos velhos tempos.
Já era noite quando voltamos para o carro e nossos celulares não paravam de tocar lá dentro, apenas no meu haviam mais de 15 chamadas perdidas.
Papai. Papai. Papai. Tio Sam. Tio Sam. Rose, a vizinha. Owen, irmão da . Até mesmo a mãe de tinha me ligado.
já falava com sua mãe explicando por que sumimos e eu ligava para meu pai.
- Oi velho, eu sumi, eu sei, vocês estavam preocupados, mas nós só estávamos comemorando, a tem tudo ok para o transplante e eu também então...
- , sua mãe faleceu, não é nada sobre você e seus sumiços dessa vez.
- Você tá de brincadeira? Pai, não brinca com isso. – Perguntei rindo.
- Deus sabe como eu desejava que isso tudo fosse uma brincadeira. – Disse, eu o ouvi fungar, não era uma brincadeira.
O meu coração gelou e eu desabei no banco do carro, naquele momento já devia saber... ela já estava com lágrimas nos olhos e me abraçou, eu não sabia o quê fazer, era minha mãe.
tentava me acalmar enquanto eu só conseguia pensar que eu poderia ter dito mais vezes que a amava, a abraçado mais vezes, ter passado mais dias em casa do que bebendo, assim seria dois problemas a menos. Eu queria que ela falasse aqueles comentários vergonhosos na frente da novamente, eu não reclamaria, queria que ela enchesse meu saco para arrumar o quarto ou até mesmo para arrumar um emprego. Eu queria que ela estivesse ao meu lado.
A morte da minha mãe era uma ferida que nunca cicatrizará.
Nova York, 12 de junho de 2015.
Quase uma semana depois da morte da minha mãe, eu ainda chorava pelos cantos. No dia do enterro, não saía da minha cola e sempre estava comigo, me apoiando e falando palavras doces no meu ouvido. Parecia mais que ela tinha se mudado para minha casa, havia roupas dela na minha gaveta e fios de cabelo no meu travesseiro. Se a situação que nos colocou assim não fosse tão ruim, eu estaria feliz por estarmos dessa maneira novamente.
Hoje à noite nós dois iríamos para o hospital para começarmos o processo para o transplante, que seria amanhã de manhã.
- Boa noite, . – Falou beijando minha testa.
- Boa noite. – Dei um fraco sorriso e esperei tio Sam e papai entrarem no carro para dar partida.
Na manhã seguinte, o primeiro a entrar no meu quarto foi o tio Sam.
- Oi, velhote. – Falei.
- Não sou eu que estou com o fígado podre.
Autch.
- Tsc, tsc, essa foi muito malvada. – Rimos.
- Seu pai está bem mal, ele tem medo de que dê algo errado, você sabe... seu pai nunca foi o maior fã de cirurgias.
- Quando você sair ele entra?
- Aham.
Conversamos por mais cinco minutos e depois ele saiu. Meu pai entrou e sentou na poltrona que ficava ao lado da minha cama. Não falou nada, apenas ficou me observando.
- Parece que foi ontem que você deu os primeiros passos, sua mãe gritou tanto. – Riu. – Eu me lembro como se fosse ontem a primeira vez que sua mãe te pegou no quarto com a . – Dessa vez rimos juntos. – Você tinha que ver a cara de pânico quando ela chegou no nosso quarto contando.
- Eu posso não lembrar desse momento, mas lembro quando ela, numa manhã de domingo, disse que queria falar comigo e com a . Ela falou sobre como colocar uma camisinha! E ensinou a como deveria tomar os anticoncepcionais! Foi o dia mais vergonhoso da minha vida.
- Eu sinto falta dela.
- Eu também.
E então eu vi o quanto a mamãe era importante para o papai, eles passavam a maior parte do dia separados, mas eu lembro de quando ele chegava em casa e ela lhe dava um beijo de boa noite e ele a abraçava. Olhei novamente para o meu pai e ele estava limpando algumas lágrimas.
- Eu não lembro se te contei como eu e sua mãe acabamos juntos. Mas isso demorou a acontecer, eu era um cabeça dura e ela era chata e bonita demais. Eu não me tocava que a amava e ela tinha um orgulho gigante. O ponto que eu quero chegar, é que você deve aproveitar a sua vida ao lado de quem você ama, aproveitar fazendo coisas boas. – Deu um beijo em minha testa e saiu do meu quarto.
Aquela conversa ficou rondando minha cabeça até a sala de cirurgia, onde eu vi a apagada ao meu lado. Os médicos disseram que ela havia sido sedada há pouco tempo. E já estavam me preparando também. Fiz um esforço para segurar a sua mão, o quê eles colocaram na minha veia? Eu não consegui segurar uma mão.
- Eu te amo e obrigada por tudo. – E essas foram as últimas coisas que lembro de dizer antes de tudo ficar escuro.
Nova York, 08 de maio de 2072. Sentado no banco do cemitério, eu penso que aos 22 anos eu não imaginaria o quanto minha vida iria mudar após o transplante.
Tudo correu bem na cirurgia, tive uma vida feliz e sem bebidas, ao lado da . Depois da época que passei no hospital, pensei melhor na conversa que tive com meu pai e cheguei à conclusão que precisava da em minha vida. Ela já era muito mais que uma simples namorada de colégio.
A vida foi passando, nós nos casamos e tivemos gêmeos, um casal. E aquele foi o dia mais feliz da minha vida, competindo apenas com o dia do meu casamento. Quando segurei o pequeno Aiden meu coração bateu mais forte, e a minha garotinha, Wendy, minha eterna bebê. Mesmo que eu esteja agora com 79 anos, ainda os amo com todo o meu coração. Aiden, Wendy e .
Hoje, com 79 anos, vejo como tive uma vida boa e confortável ao lado de quem eu amava. faleceu ano passado, nesse mesmo dia, hoje fazia um ano que ela faleceu, eu, Wendy e Aiden chegamos cedo ao cemitério. Queria me despedir da minha amada. Não era de ontem que venho ficando fraco, não posso andar direito que já estou cansado demais para fazer as demais coisas, depois que ela se foi tudo ficou assim, abatido. Depois que as crianças saíram de casa, crianças que já não eram mais crianças, a alegria e luz da casa vinha toda dela. Ela que animava os dias que ficavam triste por algum motivo bobo. Ela que recebia quem quer que fosse com um sorriso no rosto. Sabe aquela mulher que quando você vê, um sorriso abre em seu rosto? Aquela que quando anda em sua direção, suas pernas logo tremem? Aquela que tem um cheiro único para você? Aquela que faz seu dia ser mais especial? Aquela que não te deixa na mão mesmo depois de anos juntos? Aquela que te faz feliz? Aquela que você ama? Essa mulher era ela. Ela era e sempre será minha garota especial. Aquela mulher especial que faz meu coração bater mais forte e chorar de saudades quando vejo uma foto, é ela.
Deixo as rosas brancas em seu túmulo e olho sua foto, a foto que foi tirada no nosso casamento, passo os dedos sobre a imagem e fechei os olhos sorrindo.
Andei em direção ao carro onde meus filhos me esperavam, o pequeno James balançava no colo da mãe ao meu lado, fiz um breve carinho nas bochechas do meu neto e coloquei o cinto.
Na hora de dormir penso em como queria estar eternamente ao lado de . Penso no dia da minha ida para a Austrália e no dia da minha volta.
Penso na vida.
Nossas vidas são feitas de momentos felizes e tristes, para um deles existir, o outro tem que acontecer. E, sem cada um dos sofrimentos, sem cada uma das felicidades da vida, nós não seríamos os mesmos, nós seriamos pessoas vazias de experiências. Por isso, quem quer que esteja no comando nos faz passar por cada uma dessas experiências, e essa é a única certeza que tinha da vida: que vamos sorrir e chorar, sentir dor e sentir prazer, que vamos viver e morrer.
Fim.
Queria agradecer desde já a quem leu, essa é a minha primeira participação num ficstape. Essa música é uma das minhas favoritas e eu espero que tenham gostado da história que dela “tirei”, haha.
Beijos xx
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