Capítulo Único
null dirigia de volta para casa. Já havia feito aquele caminho tantas vezes na vida, que o carro poderia ir andando sozinho.
Mesmo sabendo quem o esperava, null não pisou fundo no acelerador, não tinha pressa para chegar em casa. Sua mãe prometeu cozinhar seu doce preferido naquela noite para compensar o fato de null ter tido de alugar um carro, já que seu irmão mais novo — que era sempre o encarregado de buscá-lo no aeroporto — havia quebrado a perna duas semanas atrás. Suas irmãs, por outro lado, tinham filhos pequenos, e naquele dia estavam ocupadas indo buscar os filhos na escola. Restou para ele, então, apenas a opção de alugar um carro barato, já que ficaria poucos dias com ele.
null parou no semáforo, e enquanto esperava pela luz verde, olhou para o banco de carona. Ali, ocupando o espaço, tinha algumas sacolas coloridas com fitas brilhantes — ele sempre levava presentes para os sobrinhos.
Inevitavelmente, pensou que aquele banco deveria estar ocupado de outra forma. Mas, infelizmente, as coisas não aconteceram conforme ele planejou.
E quando o semáforo abriu para ele, null pisou no acelerador, novamente no modo automático, sem prestar atenção nas casas à sua volta.
FLASHBACK
Depois de nove meses trabalhando, gravando seu último filme, sem pausa, null finalmente estava voltando para casa. Foi o maior tempo que ele já passou sem visitar sua família e sem ser visitado por eles. As ligações semanais de sua mãe passaram a ser quase diárias, e só diminuíram a frequência quando null prometeu passar um longo tempo no interior com a família quando as gravações, enfim, terminassem. E para cumprir a sua promessa, ele levava consigo duas malas gigantes e uma mochila que, definitivamente, estava prestes a explodir.
Scott o ajudava a descarregar as bagagens; os sobrinhos, a descarregar as sacolas coloridas, pois sabiam que havia grandes chances de ter presentes ali dentro.
null ficou para trás para descer a última mala do carro, quando uma pessoa parou ao seu lado.
— Precisa de ajuda com a mudança?
null olhou para trás com a testa franzida, confuso com a pergunta.
— Ah, essa é a última mala, obrigado. — e para provar o que acabara de dizer, fechou o porta-malas.
A mulher, contudo, deu uma risadinha.
— Não esperava ver você se mudar para o interior novamente.
Mais confuso do que antes, null a olhou de cima abaixo.
Os olhos da mulher lhe eram familiares e a risada dela lhe trazia um quentinho gostoso no peito, mas ele não sabia de onde a memória auditiva vinha.
Ele franziu a testa de novo, e antes que pudesse perguntar, a mulher revirou os olhos.
— Não está me reconhecendo, não é? Tudo bem, tudo bem… Confesso que mudei bastante. Até mesmo porque, vinte anos atrás, eu precisava acordar uma hora mais cedo, todos os dias, para conseguir alisar o meu cabelo. Hoje eu já não faço mais isso…
null nem deixou que ela terminasse de falar.
No momento em que ela falou dos cabelos, tudo fez sentido.
— null?
E a risada dela foi resposta suficiente para null ter certeza.
— Meu Deus do céu!
E num impulso, sem pensar se estaria sendo invasivo ou não, ele deu alguns passos e a abraçou, sendo retribuído de pronto. Não um abraço de “olá, bom te ver de novo”, que termina com um tapinha nas costas. Mas um abraço longo e demorado, apertado, do tipo, “caramba, que saudades!”.
— O que você está fazendo aqui? — ele perguntou ainda a segurando pelos ombros.
— O que eu estou fazendo aqui, como assim? — ela riu. — O que você, Sr. Astro-de-Hollywood, está fazendo aqui?
Foi a vez de null rir.
null foi sua vizinha e melhor amiga durante toda a infância e adolescência. Lembrava-se, muito bem, das lágrimas que ele precisou segurar no dia em que disse que estaria indo embora tentar a carreira de ator, e do quão surpreso ele ficou por não ver nem mesmo um resquício de choro no rosto de null.
— Estou visitando a minha família. — apontou para a casa.
null deixou o queixo cair.
— Fala sério! Sua mãe ainda mora aqui, depois de todo esse tempo?!
null riu de novo, dessa vez pelo tom surpreso dela.
— Sim.
null, então, bateu no braço de null e fez uma careta, não se importando com a reclamação dele.
— Você deveria comprar uma casa maior para a sua mãe. Péssimo exemplo de herói você é.
null faz uma careta, fingindo estar ofendido, antes de se defender.
— Eu até tentei fazer a minha mãe se mudar, até mesmo porque seria uma ótima desculpa para jogar fora todos os meus pôsteres da adolescência, mas ela não aceitou.
null riu jogando a cabeça para trás.
— Isso é mesmo a cara dela.
Os dois ficaram em silêncio por um instante, e então foi a vez de null perguntar o que ela estava fazendo ali — afinal, como ele bem se lembrava, null havia se mudado para outro bairro no início do terceiro ano do ensino médio. null passou a acordar mais cedo, todos os dias, para sair mais cedo de casa e passar na casa de null para que fossem juntos à escola.
— Vim visitar meu pai que, depois de quase vinte anos, comprou a nossa antiga casa de novo…
— Não… Sr. null está morando aqui de novo?
— Sim. Ele se mudou na semana passada.
— Caramba…
— Pois é. — ela concordou. E então, após mais um segundo de silêncio, comentou. — De todas as pessoas que eu esperava encontrar aqui no bairro… Você era a menos provável.
null balançou a cabeça em sinal de concordância, fechando o sorriso em seguida, interpretando de forma errada a fala dela.
— Estou feliz de ter te encontrado de novo. Até então eu não sabia, mas acabei de descobrir que senti sua falta.
null não respondeu nada de imediato, mas sentiu como se uma parte faltante do seu coração tivesse acabado de ser colocada no lugar.
★★★
Ainda absorto em memórias, null girou o volante para a esquerda, em vez da direita. E ele só se deu conta de que havia errado o caminho para casa, quando ele parou em frente a casa dela.
A luzes estavam apagadas, o que indicava que null já estava dormindo ou ainda não havia chegado em casa. E conhecendo-a como conhecia, ele imaginou que a segunda opção era a mais provável. null tinha uma rotina corrida o bastante para impedi-la de dormir antes das dez da noite, como ela mesma havia lhe mostrado nos meses em que passaram juntos, quando null ainda curtia as férias junto da família.
Perguntou-se o que estava fazendo ali. Por que tinha ido para lá. Não estava nos seus planos se desviar da rota para a casa de sua mãe, especialmente para visita… Ela. Ela, que havia deixado bastante claro que eles não poderiam continuar se vendo.
Então o que ele estava fazendo ali, afinal de contas?
FLASHBACK
null dava instruções, para null, de como chegar à sua casa — como se ele não soubesse onde ela morava.
— Acho que já vim aqui tantas vezes, no último mês, que poderia vir de olhos fechados. — e para provar o dito, fechou por olhos, mas apenas por um segundo.
null gritou dentro do carro.
— Você é louco, null null! Caramba!
null riu da histeria dela, mas pediu desculpas, afinal, aquela brincadeira tinha sido bastante irresponsável.
Ao chegar à rua de null, null diminuiu a velocidade, até parar de vez. Eles ficaram lá dentro, em silêncio, por um tempo, enquanto null fingia procurar alguma coisa dentro da sua bolsa, apenas para não precisar descer logo, quando encontrou o cartão fidelidade da cafeteria do Sr. John — cartão este, que já estava quase completo de carimbos.
— Olha isso. — ela mostrou o cartão a ele. — Não falta muito mais para ganharmos um café grátis.
null riu.
— A culpa desse monte de carimbo é toda sua, você sabe, né? Já que é uma viciada em cafeína…
null riu alto e bateu o cotovelo no dele.
— Olha só quem fala! Quem deu a ideia de termos o primeiro encontro lá?
null não gostou da pergunta.
— Aquele dia não pode ser considerado o nosso primeiro encontro.
— Ah, mas pode sim, com certeza! — ela disse rindo. — Porque foi um encontro completo.
— Como assim?
— Ué… Você me chamou para sair, e no final da noite me trouxe para casa, abriu a porta do carro para mim e roubou um beijo meu.
null deixou o queixo cair.
— Ei! Eu não roubei beijo nenhum não! — null abriu um sorriso com o som da risada de null. — Se bem me lembro, foi você quem pulou em cima de mim.
Sua tentativa de defesa, contudo, não funcionou.
— E você não se afastou. — ela disse dando de ombros, certa de que havia vencido aquela discussão.
null — que sabia que ela venceria qualquer discussão que eles tivessem, também riu.
— Você é inacreditável.
Desde o reencontro inesperado entre null e null, eles passaram a se encontrar frequentemente. E os seus encontros já tinham pouco mais de um mês.
Primeiro foi apenas uma caminhada no parque. Depois, um encontro não combinado no supermercado. E então null a viu na sorveteria, e pensou que seria uma ótima ideia encher os sobrinhos de açúcar antes do almoço.
Começaram com conversas nostálgicas, que envolviam os dois brincarem no jardim da casa dele, e jogar vídeo game na casa dele. E então passaram para fofocas envolvendo o pessoal do antigo colégio.
— Eu ainda tenho contato com a Trina, acredita? Mas nunca mais ouvi falar de Josh. — ela contou.
null ainda tinha contato com Tom, mas da última vez que encontrou Patrick, o rapaz fingiu que não o viu.
— Ele fingiu não te reconhecer?! — ela perguntou surpresa.
null riu, e então se aproximou mais dela para falar baixo — afinal, não queria que os sobrinhos escutassem:
— De início pensei que ele, de fato, não havia me visto. Mas então pensei, mesmo depois de vinte anos, se Patrick ainda é ressentido comigo por ter ficado com Noele na formatura do nono ano.
null ficou confusa.
— Mas por que Patrick iria achar ruim de você ficar com a Noele?
— Patrick era apaixonado por Noele. — e diante da cara de surpresa de null, null comentou. — Todo mundo sabia disso!
— Eu sempre achei que Patrick fosse gay.
As conversas sempre duravam muito tempo, mas não tanto quanto eles gostariam, já que sempre eram interrompidos por algum motivo: o cachorro de null ficava cansado de ficar deitado na grama do parque; os sobrinhos dele estavam com sono e queriam voltar logo para casa; o pai de null que ligava pedindo para que ela fosse arrumar a televisão dele… E então veio o primeiro convite.
— Para continuarmos a nossa conversa, é claro. — null garantiu.
Até porque, para o ator, tratava-se apenas de um convite para continuarem a fofocar, mas para null, foi um convite para um encontro.
E ainda que cada um tivesse uma ideia diferente daquela noite, foi, de fato, um primeiro encontro.
Porque depois que null não afastou os braços de null do pescoço dele, e retribuiu o beijo dela, o rapaz a convidou para um segundo encontro — ou a um primeiro encontro oficial, como ele gostava de dizer — e null o convidou para o terceiro, o qual acabou sendo na casa dela.
O relacionamento deles avançou tão rápido, que null não sabia como chamá-los, e null, mesmo incomodado pela falta de rótulo, não tinha coragem de perguntar a ela.
null, pelo que ele se lembrava, era uma mulher livre demais, que costumava tomar as decisões sozinha. Não gostava de títulos, não gostava de drama. Mas isso não fazia com que momentos como aqueles fossem menos constrangedores. null gostaria de poder se convidar a entrar na casa dela, e null desejava que null tivesse a iniciativa de tomar o próximo passo, mas nenhum deles dizia em voz alta o que sentiam, com medo de estragar o momento. Afinal, ambos sabiam que o momento deles tinha prazo de validade.
★★★
null estava com a mente longe, a concentração fragmentada, como se faltasse alguma peça para que ele se sentisse completo. Tinha tantos pensamentos tomando conta dele naquele momento — pensamentos estes que, nos últimos quatro meses, foram forçados para o canto mais distante da sua mente. As ligações para casa sempre terminavam do mesmo jeito: com um silêncio de alguns segundos, enquanto null pensava se deveria perguntar ao irmão se tinha notícias de null, ao mesmo tempo em que Scott se perguntava se deveria ou não dizer a null ter encontrado a garota na cafeteria do Sr. John.
No final, nenhum dos dois colocava em palavras seus pensamentos. null ainda pensou em ligar para ela, ou mandar uma mensagem, mas sempre se repreendia. Até o dia em que ele chegou em casa, depois de um longo e cansativo dia de gravação, e viu uma chamada perdida no celular dele.
null havia ligado para null, e ele não tinha visto.
Era uma sexta-feira à noite, e o rapaz tentou ligar de volta, mas o celular dela estava desligado.
Mandou mensagens, mas só veio a ter uma resposta no domingo à noite.
“Está tudo bem, null.”
“Acho que acabei ligando por engano.”
“Desculpe pelo incômodo.”
null garantiu a ela que não ficou incomodado com a ligação, mas apenas preocupado. E então null pediu desculpas de novo, e garantiu que isso não ocorreria mais.
“Pelo contrário, null… Acho que nós deveríamos conversar mais vezes.”
“Esses últimos dois dias me deixaram preocupado.”
A resposta da mulher demorou bastante para chegar. Tanto, que null chegou a pensar que ela poderia ter dormido enquanto digitava uma resposta.
“Eu nunca quis te preocupar.”
“Esse sempre foi o objetivo.”
null sentou na cama, digitando mais rápido do que os seus dedos conseguiam acompanhar. Para ela, null disse que sempre havia deixado claro que ele iria, sempre, se preocupar com ela, independentemente da distância em que estivessem.
“Independentemente do ponto final que você colocou, eu sempre vou me preocupar com você, null.”
null esperou enquanto null digitava uma resposta, mas então parou. A mulher voltou a digitar, e parou novamente. Essa dinâmica durou quase vinte minutos e, ao final, ela simplesmente lhe enviou:
“Não se preocupe comigo, está tudo bem.”
“Vamos apenas voltar a como estávamos antes.”
null sabia o que aquela mensagem realmente significava: que eles deveriam parar de pensar um no outro e, principalmente, voltar a não se falar. Cada um vivendo a sua vida, como sem pensar no que o outro poderia ou não estar fazendo a milhares de quilômetros de distância.
“Isso é impossível, null.”
“Eu estarei sempre pensando em você.”
Mas se null chegou a ler a mensagem dele, ela não respondeu.
Desde então, null não mandou mais mensagens para ela, e mesmo olhando a tela do celular todos os dias, nos seus momentos de folga, null também nunca mais recebeu um sinal de null.
FLASHBACK
null já nem se lembrava mais de como haviam chegado àquele ponto.
Em um minuto estavam conversando sobre o fim das férias dele e o novo trabalho que ele tinha pela frente, e no instante seguinte estavam falando sobre a melhor forma de terminar… O que eles tinham.
— Não existe melhor forma de terminar! — ela disse ao que parecia ser a quinquagésima vez.
— Esse nem é o ponto. O ponto é que nós não precisamos terminar. — ele argumentou novamente.
null olhou para null e abriu a boca para falar alguma coisa, mas desistiu. Pensou novamente, e então, tomando cuidado com a escolha de palavras, ela disse:
— null, terminar é a nossa única opção.
Ele jogou a cabeça para trás, frustrado. Passou a mão nos cabelos, bagunçando os fios, tentando entender de onde null tinha tirado aquela ideia, afinal de contas.
— Onde você está querendo chegar? — ele perguntou, cansado.
— Estou querendo dizer que não vou ser o tipo de garota que passa mais tempo preocupada com o namorado que mora em outro estado do que, de fato, com o namoro em si.
— Então o problema é o meu trabalho?
null não tinha a intenção de usar o tom de voz ríspido, mas foi inevitável. null estava criando desculpas desde que começaram aquela conversa sem sentido, e null estava ficando sem paciência.
— Não, null, o problema são os caminhos que as nossas vidas tomaram. Você seguiu o seu sonho e eu segui o meu, e olha onde nós chegamos!
— Então qual é o problema?!
null parou para respirar fundo, precisando soltar o ar com força algumas vezes para se acalmar. Suspirou uma última vez e colocou as mãos na cintura. Andou em círculos uma, duas, três vezes, e então parou na frente de null, com os olhos aflitos.
— O problema é que eu gosto de você, null. Muito. Muito mesmo. Gosto tanto que não quero ser a pessoa que te impede de continuar fazendo o que ama.
null ficou sem palavras. Não estava esperando por isso, definitivamente.
Não sabia nem por onde começar a pensar e responder. Quer dizer, ele deveria ficar feliz pela declaração de null, deveria se declarar de volta, ou ele iria questionar o que ela tinha dito? Porque a frase toda não fazia sentido nenhum.
— Como você poderia me impedir de fazer o que eu amo?
null nunca deixaria nada ficar no caminho da sua profissão.
— null… O que… — ele estava confuso.
— null, você negou fazer duas campanhas publicitárias só porque iríamos viajar naquele final de semana!
null parou para pensar por um segundo. null e ele estavam juntos, oficialmente, há oito meses. E quando chegaram neste marco, resolveram viajar para um hotel fazenda em uma cidade vizinha. null recebeu duas propostas de publicidade, mas negou, afinal, ele tinha compromissos naquela semana.
— null… Eu cheguei a um ponto, na minha carreira, em que posso escolher o que fazer e o que não fazer. — ele tentou explicar a ela da forma mais calma possível. — E eu, definitivamente, não quis deixar de viajar com você por conta de trabalho.
null estava pronta para responder, mas ele foi mais rápido e completou:
— Além disso, eu estava de férias! E a nossa viagem foi marcada antes de eu receber qualquer proposta de trabalho. Essa é a vantagem de ser chefe de si mesmo, sabe.
null ouviu cada uma das palavras dele, mas continuou com os lábios fortemente fechados, pensativa.
E foi então que null entendeu.
Lembrou-se de outras conversas que já haviam tido, sobre viagens e os muitos eventos dos quais ele participava, e sobre como ela gostaria de poder participar de alguns destes eventos, se não fosse tão difícil para ela deixar o seu posto de CEO da própria empresa recém-constituída.
E null entendeu, naquele momento, que null não queria prendê-lo. Que tinha medo de ser um impasse, um freio, para ele.
Mas isso era impossível, porque o ator nunca a vira dessa forma.
— null, o nosso relacionamento… O que eu sinto por você…
Como? Como ele poderia explicar a ela que o relacionamento deles era importante? Que null queria que null presente na sua vida, de qualquer forma?
—… Nunca vai atrapalhar a minha carreira. Eu te garanto isso.
— E como você sabe?
— Como eu sei…?
Ele pensou nas várias namoradas que já teve — e sim, foram muitas — e como isso nunca atrapalhou o seu trabalho… Exceto, talvez, das vezes em que o seu trabalho e a sua fama atrapalharam os seus namoros. Mas este, ele pensou, não seria o melhor comentário para se fazer no momento.
— Eu sei o que você deve estar pensando. — ela disse. — Você já teve outras namoradas, eu sei. Mas, null, todas elas eram do meio artístico, como você. Tinham rotinas parecidas com a sua e… E isso não vem ao caso. — ela balançou a cabeça, como se precisasse se forçar a manter o foco. — O caso é que eu, eu, null, não vejo como podemos continuar um namoro.
E respirando fundo, uma última vez, ela deu a sentença final:
— Não vejo futuro para nós, e por isso quero terminar.
— null…
— Vai ser melhor para nós dois, você vai ver.
★★★
A luz dos faróis foi o que chamou a atenção de null e o trouxe de volta à realidade.
O carro virou na mesma esquina que ele, minutos atrás, e entrou na garagem da casa de null.
O ator pensou que seria bastante imaturo da sua parte dar partida no carro e ir embora dali, fugir, antes que null notasse o carro dele parado na frente da casa dela. Mas era tarde demais.
null desceu do carro e o trancou, e foi até onde null estava parado, com as luzes apagadas, tentando passar despercebido — tarefa esta que ele, claramente, falhou.
Ele, então, fechou fortemente os olhos e abriu a porta do carro, xingando-se, mentalmente, por ter ido até ali sem nenhuma desculpa plausível. Foi ao encontro de null, que estava com os braços cruzados na frente do corpo, esperando-o em cima da calçada.
— Há quanto tempo você está aqui? — foi como ela o recepcionou.
— Acabei de chegar. — deu de ombros. E sim, era uma mentira, mas falar a verdade seria vergonhoso demais.
null olhou para baixo e chutou algumas folhas no chão. Ficou alguns segundos em silêncio, e então disse:
— Fiquei vários minutos parada na frente da sua casa. Talvez uma meia hora. Talvez uma hora inteira.
null deixou o queixo cair.
— Como…
— Scott me encontrou semana passada, na cafeteria do Sr. John, e disse que você estaria vindo para cá nesse final de semana.
null balançou a cabeça, concordando com a fala dela. Scott seu filho da mãe…
— Acho que tinha esperanças de ver você chegar em casa, como da última vez.
Foi a vez de null chutar as folhas no chão, como se estar ali, diante de null, e com o coração batendo em disparada, fosse nada demais.
— Por quê? — ele perguntou. — Quer dizer, você tem o meu número. Poderia ligar quando quisesse.
null deu de ombros.
— Pensei que, se nos encontrássemos de novo, como da primeira vez, poderíamos tentar recontar a nossa história, você sabe… Você descendo as malas do carro e eu oferendo ajuda… Você não me reconhecendo...
— Isso seria impossível. — ele disse, interrompendo-a. — Eu iria reconhecê-la em qualquer lugar.
— Sim, mas talvez a nossa história pudesse ser recontada de forma diferente e talvez… Talvez o nosso final também fosse diferente.
null suspirou, surpreso ao ouvir aquilo. Surpreso ao perceber que null, assim como ele, ainda pensava neles dois.
— Não acho que a nossa história teve um final, mas apenas… Apenas um ponto e vírgula.
null estreitou os olhos e sorriu de lado, um sorriso tímido.
— Um ponto vírgula? — ela perguntou rindo.
null também soltou uma risada, mas não um riso de diversão. Era uma risada constrangida. Porque sim, eles estavam constrangidos na presença um do outro, e isso nunca tinha acontecido antes. Afinal, null havia dito muitas coisas que não deveria ter dito, e null deixou de falar muitas coisas que ele desejava ter colocado para fora.
— O que você está fazendo aqui? — ela perguntou, mudando de assunto, deixando o tom de riso de lado.
null respirou alto e bufou.
— O seu plano não deu certo.
null enrugou a testa, perdida na resposta dele. null lhe explicou, então.
— O seu plano de terminarmos para que eu não ficasse preso em você. Esse plano não deu certo.
Esperou que null respondesse alguma coisa, mas ela não disse nada.
— Eu não consegui deixar para trás tudo o que vivemos. Tentei te esquecer, mas você sempre esteve no canto da minha mente, junto com as minhas melhores lembranças. — e, então, deixando o tom de voz mais rouco, mais intenso, null continuou. — E eu não quero que o que vivemos continue sendo apenas lembranças.
Involuntariamente, null mordeu o lábio inferior.
Era bem verdade que ela tinha muito o que falar para ele. No mínimo, ela lhe devia uma resposta. Um pedido de desculpas, talvez. Mas null não gostava de dramas, e preferia resolver os seus problemas — mesmo os amorosos — de outra forma.
E foi por isso que ela o convidou para tomar um chocolate quente, assim, sem mais nem menos.
— Estamos sem nos falar há quatro meses. Temos muita conversa para colocarmos em dia.
null ficou inseguro por um momento. Por mais que o seu coração gritasse para ele acabar com os poucos passos que ainda o separavam, e passar a noite toda na casa de null, sua mente, sua razão, pedia para ele ter cautela. Afinal, ele se lembrava muito bem de como as coisas haviam terminado da última vez.
— Não vou ficar por muito tempo. Minha folga acaba em quatro dias e então eu terei que voltar para Los Angeles.
Sim, null queria ficar com null. Queria passar a noite com ela, tomando chocolate quente, conversando, ouvindo sobre ela e sobre a sua vida. Matando a saudade… Mas ele precisava deixar claro, desde o início, que a sua vida, sua carreira e sua rotina ainda eram as mesmas. Que, dessa vez, sua vinda tinha um prazo de validade infinitamente mais curto que da outra vez. Que se null pretendesse se envolver com ele, e deixá-lo se envolver com ela, as coisas não poderiam terminar como da outra vez. Não de novo.
null mordeu o lábio inferior de novo, e demorou em respondê-lo, como se não encontrasse as palavras certas.
— Então você deverá conversar comigo todos os dias, e me atualizar sobre você e o seu dia-a-dia. Pelo menos até que eu consiga me programar para ir te visitar em Los Angeles, ou até que você consiga uma folga para vir me ver.
Apesar de null não ter falado expressamente o que null queria ouvir, ela tinha sido clara. E isso bastava para ele. Por esse motivo, ele começou a deixar um sorriso tímido aparecer.
— Mas vamos conversar sobre isso lá dentro. Aqui está frio, e eu finalmente aprendi a fazer o mesmo chocolate quente que o Sr. John.
null deu uma risadinha.
— Você está brincando!
null também riu, dessa vez nenhum pouco constrangida, mas quase aliviada.
— Não estou.
— Você deve ser mesmo uma cliente muito fiel para ira tantas vezes na cafeteria dele, a ponto de aprender a receita secreta do Sr. John.
null deu de ombros.
— O que eu posso fazer, se é o meu lugar preferido? Afinal, é onde eu tive o meu melhor primeiro encontro.
E enquanto caminhavam para a casa de null, null comentou que aquele dia não foi o primeiro encontro deles.
— Foi sim, você não pode negar.
— Não foi não. Não posso aceitar isso.
null deu uma risada.
— Foi sim, e não há nada que você possa fazer para mudar isso. Afinal, foi assim que eu comecei a me apaixonar por você.
Mesmo sabendo quem o esperava, null não pisou fundo no acelerador, não tinha pressa para chegar em casa. Sua mãe prometeu cozinhar seu doce preferido naquela noite para compensar o fato de null ter tido de alugar um carro, já que seu irmão mais novo — que era sempre o encarregado de buscá-lo no aeroporto — havia quebrado a perna duas semanas atrás. Suas irmãs, por outro lado, tinham filhos pequenos, e naquele dia estavam ocupadas indo buscar os filhos na escola. Restou para ele, então, apenas a opção de alugar um carro barato, já que ficaria poucos dias com ele.
null parou no semáforo, e enquanto esperava pela luz verde, olhou para o banco de carona. Ali, ocupando o espaço, tinha algumas sacolas coloridas com fitas brilhantes — ele sempre levava presentes para os sobrinhos.
Inevitavelmente, pensou que aquele banco deveria estar ocupado de outra forma. Mas, infelizmente, as coisas não aconteceram conforme ele planejou.
E quando o semáforo abriu para ele, null pisou no acelerador, novamente no modo automático, sem prestar atenção nas casas à sua volta.
FLASHBACK
Depois de nove meses trabalhando, gravando seu último filme, sem pausa, null finalmente estava voltando para casa. Foi o maior tempo que ele já passou sem visitar sua família e sem ser visitado por eles. As ligações semanais de sua mãe passaram a ser quase diárias, e só diminuíram a frequência quando null prometeu passar um longo tempo no interior com a família quando as gravações, enfim, terminassem. E para cumprir a sua promessa, ele levava consigo duas malas gigantes e uma mochila que, definitivamente, estava prestes a explodir.
Scott o ajudava a descarregar as bagagens; os sobrinhos, a descarregar as sacolas coloridas, pois sabiam que havia grandes chances de ter presentes ali dentro.
null ficou para trás para descer a última mala do carro, quando uma pessoa parou ao seu lado.
— Precisa de ajuda com a mudança?
null olhou para trás com a testa franzida, confuso com a pergunta.
— Ah, essa é a última mala, obrigado. — e para provar o que acabara de dizer, fechou o porta-malas.
A mulher, contudo, deu uma risadinha.
— Não esperava ver você se mudar para o interior novamente.
Mais confuso do que antes, null a olhou de cima abaixo.
Os olhos da mulher lhe eram familiares e a risada dela lhe trazia um quentinho gostoso no peito, mas ele não sabia de onde a memória auditiva vinha.
Ele franziu a testa de novo, e antes que pudesse perguntar, a mulher revirou os olhos.
— Não está me reconhecendo, não é? Tudo bem, tudo bem… Confesso que mudei bastante. Até mesmo porque, vinte anos atrás, eu precisava acordar uma hora mais cedo, todos os dias, para conseguir alisar o meu cabelo. Hoje eu já não faço mais isso…
null nem deixou que ela terminasse de falar.
No momento em que ela falou dos cabelos, tudo fez sentido.
— null?
E a risada dela foi resposta suficiente para null ter certeza.
— Meu Deus do céu!
E num impulso, sem pensar se estaria sendo invasivo ou não, ele deu alguns passos e a abraçou, sendo retribuído de pronto. Não um abraço de “olá, bom te ver de novo”, que termina com um tapinha nas costas. Mas um abraço longo e demorado, apertado, do tipo, “caramba, que saudades!”.
— O que você está fazendo aqui? — ele perguntou ainda a segurando pelos ombros.
— O que eu estou fazendo aqui, como assim? — ela riu. — O que você, Sr. Astro-de-Hollywood, está fazendo aqui?
Foi a vez de null rir.
null foi sua vizinha e melhor amiga durante toda a infância e adolescência. Lembrava-se, muito bem, das lágrimas que ele precisou segurar no dia em que disse que estaria indo embora tentar a carreira de ator, e do quão surpreso ele ficou por não ver nem mesmo um resquício de choro no rosto de null.
— Estou visitando a minha família. — apontou para a casa.
null deixou o queixo cair.
— Fala sério! Sua mãe ainda mora aqui, depois de todo esse tempo?!
null riu de novo, dessa vez pelo tom surpreso dela.
— Sim.
null, então, bateu no braço de null e fez uma careta, não se importando com a reclamação dele.
— Você deveria comprar uma casa maior para a sua mãe. Péssimo exemplo de herói você é.
null faz uma careta, fingindo estar ofendido, antes de se defender.
— Eu até tentei fazer a minha mãe se mudar, até mesmo porque seria uma ótima desculpa para jogar fora todos os meus pôsteres da adolescência, mas ela não aceitou.
null riu jogando a cabeça para trás.
— Isso é mesmo a cara dela.
Os dois ficaram em silêncio por um instante, e então foi a vez de null perguntar o que ela estava fazendo ali — afinal, como ele bem se lembrava, null havia se mudado para outro bairro no início do terceiro ano do ensino médio. null passou a acordar mais cedo, todos os dias, para sair mais cedo de casa e passar na casa de null para que fossem juntos à escola.
— Vim visitar meu pai que, depois de quase vinte anos, comprou a nossa antiga casa de novo…
— Não… Sr. null está morando aqui de novo?
— Sim. Ele se mudou na semana passada.
— Caramba…
— Pois é. — ela concordou. E então, após mais um segundo de silêncio, comentou. — De todas as pessoas que eu esperava encontrar aqui no bairro… Você era a menos provável.
null balançou a cabeça em sinal de concordância, fechando o sorriso em seguida, interpretando de forma errada a fala dela.
— Estou feliz de ter te encontrado de novo. Até então eu não sabia, mas acabei de descobrir que senti sua falta.
null não respondeu nada de imediato, mas sentiu como se uma parte faltante do seu coração tivesse acabado de ser colocada no lugar.
Ainda absorto em memórias, null girou o volante para a esquerda, em vez da direita. E ele só se deu conta de que havia errado o caminho para casa, quando ele parou em frente a casa dela.
A luzes estavam apagadas, o que indicava que null já estava dormindo ou ainda não havia chegado em casa. E conhecendo-a como conhecia, ele imaginou que a segunda opção era a mais provável. null tinha uma rotina corrida o bastante para impedi-la de dormir antes das dez da noite, como ela mesma havia lhe mostrado nos meses em que passaram juntos, quando null ainda curtia as férias junto da família.
Perguntou-se o que estava fazendo ali. Por que tinha ido para lá. Não estava nos seus planos se desviar da rota para a casa de sua mãe, especialmente para visita… Ela. Ela, que havia deixado bastante claro que eles não poderiam continuar se vendo.
Então o que ele estava fazendo ali, afinal de contas?
FLASHBACK
null dava instruções, para null, de como chegar à sua casa — como se ele não soubesse onde ela morava.
— Acho que já vim aqui tantas vezes, no último mês, que poderia vir de olhos fechados. — e para provar o dito, fechou por olhos, mas apenas por um segundo.
null gritou dentro do carro.
— Você é louco, null null! Caramba!
null riu da histeria dela, mas pediu desculpas, afinal, aquela brincadeira tinha sido bastante irresponsável.
Ao chegar à rua de null, null diminuiu a velocidade, até parar de vez. Eles ficaram lá dentro, em silêncio, por um tempo, enquanto null fingia procurar alguma coisa dentro da sua bolsa, apenas para não precisar descer logo, quando encontrou o cartão fidelidade da cafeteria do Sr. John — cartão este, que já estava quase completo de carimbos.
— Olha isso. — ela mostrou o cartão a ele. — Não falta muito mais para ganharmos um café grátis.
null riu.
— A culpa desse monte de carimbo é toda sua, você sabe, né? Já que é uma viciada em cafeína…
null riu alto e bateu o cotovelo no dele.
— Olha só quem fala! Quem deu a ideia de termos o primeiro encontro lá?
null não gostou da pergunta.
— Aquele dia não pode ser considerado o nosso primeiro encontro.
— Ah, mas pode sim, com certeza! — ela disse rindo. — Porque foi um encontro completo.
— Como assim?
— Ué… Você me chamou para sair, e no final da noite me trouxe para casa, abriu a porta do carro para mim e roubou um beijo meu.
null deixou o queixo cair.
— Ei! Eu não roubei beijo nenhum não! — null abriu um sorriso com o som da risada de null. — Se bem me lembro, foi você quem pulou em cima de mim.
Sua tentativa de defesa, contudo, não funcionou.
— E você não se afastou. — ela disse dando de ombros, certa de que havia vencido aquela discussão.
null — que sabia que ela venceria qualquer discussão que eles tivessem, também riu.
— Você é inacreditável.
Desde o reencontro inesperado entre null e null, eles passaram a se encontrar frequentemente. E os seus encontros já tinham pouco mais de um mês.
Primeiro foi apenas uma caminhada no parque. Depois, um encontro não combinado no supermercado. E então null a viu na sorveteria, e pensou que seria uma ótima ideia encher os sobrinhos de açúcar antes do almoço.
Começaram com conversas nostálgicas, que envolviam os dois brincarem no jardim da casa dele, e jogar vídeo game na casa dele. E então passaram para fofocas envolvendo o pessoal do antigo colégio.
— Eu ainda tenho contato com a Trina, acredita? Mas nunca mais ouvi falar de Josh. — ela contou.
null ainda tinha contato com Tom, mas da última vez que encontrou Patrick, o rapaz fingiu que não o viu.
— Ele fingiu não te reconhecer?! — ela perguntou surpresa.
null riu, e então se aproximou mais dela para falar baixo — afinal, não queria que os sobrinhos escutassem:
— De início pensei que ele, de fato, não havia me visto. Mas então pensei, mesmo depois de vinte anos, se Patrick ainda é ressentido comigo por ter ficado com Noele na formatura do nono ano.
null ficou confusa.
— Mas por que Patrick iria achar ruim de você ficar com a Noele?
— Patrick era apaixonado por Noele. — e diante da cara de surpresa de null, null comentou. — Todo mundo sabia disso!
— Eu sempre achei que Patrick fosse gay.
As conversas sempre duravam muito tempo, mas não tanto quanto eles gostariam, já que sempre eram interrompidos por algum motivo: o cachorro de null ficava cansado de ficar deitado na grama do parque; os sobrinhos dele estavam com sono e queriam voltar logo para casa; o pai de null que ligava pedindo para que ela fosse arrumar a televisão dele… E então veio o primeiro convite.
— Para continuarmos a nossa conversa, é claro. — null garantiu.
Até porque, para o ator, tratava-se apenas de um convite para continuarem a fofocar, mas para null, foi um convite para um encontro.
E ainda que cada um tivesse uma ideia diferente daquela noite, foi, de fato, um primeiro encontro.
Porque depois que null não afastou os braços de null do pescoço dele, e retribuiu o beijo dela, o rapaz a convidou para um segundo encontro — ou a um primeiro encontro oficial, como ele gostava de dizer — e null o convidou para o terceiro, o qual acabou sendo na casa dela.
O relacionamento deles avançou tão rápido, que null não sabia como chamá-los, e null, mesmo incomodado pela falta de rótulo, não tinha coragem de perguntar a ela.
null, pelo que ele se lembrava, era uma mulher livre demais, que costumava tomar as decisões sozinha. Não gostava de títulos, não gostava de drama. Mas isso não fazia com que momentos como aqueles fossem menos constrangedores. null gostaria de poder se convidar a entrar na casa dela, e null desejava que null tivesse a iniciativa de tomar o próximo passo, mas nenhum deles dizia em voz alta o que sentiam, com medo de estragar o momento. Afinal, ambos sabiam que o momento deles tinha prazo de validade.
null estava com a mente longe, a concentração fragmentada, como se faltasse alguma peça para que ele se sentisse completo. Tinha tantos pensamentos tomando conta dele naquele momento — pensamentos estes que, nos últimos quatro meses, foram forçados para o canto mais distante da sua mente. As ligações para casa sempre terminavam do mesmo jeito: com um silêncio de alguns segundos, enquanto null pensava se deveria perguntar ao irmão se tinha notícias de null, ao mesmo tempo em que Scott se perguntava se deveria ou não dizer a null ter encontrado a garota na cafeteria do Sr. John.
No final, nenhum dos dois colocava em palavras seus pensamentos. null ainda pensou em ligar para ela, ou mandar uma mensagem, mas sempre se repreendia. Até o dia em que ele chegou em casa, depois de um longo e cansativo dia de gravação, e viu uma chamada perdida no celular dele.
null havia ligado para null, e ele não tinha visto.
Era uma sexta-feira à noite, e o rapaz tentou ligar de volta, mas o celular dela estava desligado.
Mandou mensagens, mas só veio a ter uma resposta no domingo à noite.
“Está tudo bem, null.”
“Acho que acabei ligando por engano.”
“Desculpe pelo incômodo.”
null garantiu a ela que não ficou incomodado com a ligação, mas apenas preocupado. E então null pediu desculpas de novo, e garantiu que isso não ocorreria mais.
“Pelo contrário, null… Acho que nós deveríamos conversar mais vezes.”
“Esses últimos dois dias me deixaram preocupado.”
A resposta da mulher demorou bastante para chegar. Tanto, que null chegou a pensar que ela poderia ter dormido enquanto digitava uma resposta.
“Eu nunca quis te preocupar.”
“Esse sempre foi o objetivo.”
null sentou na cama, digitando mais rápido do que os seus dedos conseguiam acompanhar. Para ela, null disse que sempre havia deixado claro que ele iria, sempre, se preocupar com ela, independentemente da distância em que estivessem.
“Independentemente do ponto final que você colocou, eu sempre vou me preocupar com você, null.”
null esperou enquanto null digitava uma resposta, mas então parou. A mulher voltou a digitar, e parou novamente. Essa dinâmica durou quase vinte minutos e, ao final, ela simplesmente lhe enviou:
“Não se preocupe comigo, está tudo bem.”
“Vamos apenas voltar a como estávamos antes.”
null sabia o que aquela mensagem realmente significava: que eles deveriam parar de pensar um no outro e, principalmente, voltar a não se falar. Cada um vivendo a sua vida, como sem pensar no que o outro poderia ou não estar fazendo a milhares de quilômetros de distância.
“Isso é impossível, null.”
“Eu estarei sempre pensando em você.”
Mas se null chegou a ler a mensagem dele, ela não respondeu.
Desde então, null não mandou mais mensagens para ela, e mesmo olhando a tela do celular todos os dias, nos seus momentos de folga, null também nunca mais recebeu um sinal de null.
FLASHBACK
null já nem se lembrava mais de como haviam chegado àquele ponto.
Em um minuto estavam conversando sobre o fim das férias dele e o novo trabalho que ele tinha pela frente, e no instante seguinte estavam falando sobre a melhor forma de terminar… O que eles tinham.
— Não existe melhor forma de terminar! — ela disse ao que parecia ser a quinquagésima vez.
— Esse nem é o ponto. O ponto é que nós não precisamos terminar. — ele argumentou novamente.
null olhou para null e abriu a boca para falar alguma coisa, mas desistiu. Pensou novamente, e então, tomando cuidado com a escolha de palavras, ela disse:
— null, terminar é a nossa única opção.
Ele jogou a cabeça para trás, frustrado. Passou a mão nos cabelos, bagunçando os fios, tentando entender de onde null tinha tirado aquela ideia, afinal de contas.
— Onde você está querendo chegar? — ele perguntou, cansado.
— Estou querendo dizer que não vou ser o tipo de garota que passa mais tempo preocupada com o namorado que mora em outro estado do que, de fato, com o namoro em si.
— Então o problema é o meu trabalho?
null não tinha a intenção de usar o tom de voz ríspido, mas foi inevitável. null estava criando desculpas desde que começaram aquela conversa sem sentido, e null estava ficando sem paciência.
— Não, null, o problema são os caminhos que as nossas vidas tomaram. Você seguiu o seu sonho e eu segui o meu, e olha onde nós chegamos!
— Então qual é o problema?!
null parou para respirar fundo, precisando soltar o ar com força algumas vezes para se acalmar. Suspirou uma última vez e colocou as mãos na cintura. Andou em círculos uma, duas, três vezes, e então parou na frente de null, com os olhos aflitos.
— O problema é que eu gosto de você, null. Muito. Muito mesmo. Gosto tanto que não quero ser a pessoa que te impede de continuar fazendo o que ama.
null ficou sem palavras. Não estava esperando por isso, definitivamente.
Não sabia nem por onde começar a pensar e responder. Quer dizer, ele deveria ficar feliz pela declaração de null, deveria se declarar de volta, ou ele iria questionar o que ela tinha dito? Porque a frase toda não fazia sentido nenhum.
— Como você poderia me impedir de fazer o que eu amo?
null nunca deixaria nada ficar no caminho da sua profissão.
— null… O que… — ele estava confuso.
— null, você negou fazer duas campanhas publicitárias só porque iríamos viajar naquele final de semana!
null parou para pensar por um segundo. null e ele estavam juntos, oficialmente, há oito meses. E quando chegaram neste marco, resolveram viajar para um hotel fazenda em uma cidade vizinha. null recebeu duas propostas de publicidade, mas negou, afinal, ele tinha compromissos naquela semana.
— null… Eu cheguei a um ponto, na minha carreira, em que posso escolher o que fazer e o que não fazer. — ele tentou explicar a ela da forma mais calma possível. — E eu, definitivamente, não quis deixar de viajar com você por conta de trabalho.
null estava pronta para responder, mas ele foi mais rápido e completou:
— Além disso, eu estava de férias! E a nossa viagem foi marcada antes de eu receber qualquer proposta de trabalho. Essa é a vantagem de ser chefe de si mesmo, sabe.
null ouviu cada uma das palavras dele, mas continuou com os lábios fortemente fechados, pensativa.
E foi então que null entendeu.
Lembrou-se de outras conversas que já haviam tido, sobre viagens e os muitos eventos dos quais ele participava, e sobre como ela gostaria de poder participar de alguns destes eventos, se não fosse tão difícil para ela deixar o seu posto de CEO da própria empresa recém-constituída.
E null entendeu, naquele momento, que null não queria prendê-lo. Que tinha medo de ser um impasse, um freio, para ele.
Mas isso era impossível, porque o ator nunca a vira dessa forma.
— null, o nosso relacionamento… O que eu sinto por você…
Como? Como ele poderia explicar a ela que o relacionamento deles era importante? Que null queria que null presente na sua vida, de qualquer forma?
—… Nunca vai atrapalhar a minha carreira. Eu te garanto isso.
— E como você sabe?
— Como eu sei…?
Ele pensou nas várias namoradas que já teve — e sim, foram muitas — e como isso nunca atrapalhou o seu trabalho… Exceto, talvez, das vezes em que o seu trabalho e a sua fama atrapalharam os seus namoros. Mas este, ele pensou, não seria o melhor comentário para se fazer no momento.
— Eu sei o que você deve estar pensando. — ela disse. — Você já teve outras namoradas, eu sei. Mas, null, todas elas eram do meio artístico, como você. Tinham rotinas parecidas com a sua e… E isso não vem ao caso. — ela balançou a cabeça, como se precisasse se forçar a manter o foco. — O caso é que eu, eu, null, não vejo como podemos continuar um namoro.
E respirando fundo, uma última vez, ela deu a sentença final:
— Não vejo futuro para nós, e por isso quero terminar.
— null…
— Vai ser melhor para nós dois, você vai ver.
A luz dos faróis foi o que chamou a atenção de null e o trouxe de volta à realidade.
O carro virou na mesma esquina que ele, minutos atrás, e entrou na garagem da casa de null.
O ator pensou que seria bastante imaturo da sua parte dar partida no carro e ir embora dali, fugir, antes que null notasse o carro dele parado na frente da casa dela. Mas era tarde demais.
null desceu do carro e o trancou, e foi até onde null estava parado, com as luzes apagadas, tentando passar despercebido — tarefa esta que ele, claramente, falhou.
Ele, então, fechou fortemente os olhos e abriu a porta do carro, xingando-se, mentalmente, por ter ido até ali sem nenhuma desculpa plausível. Foi ao encontro de null, que estava com os braços cruzados na frente do corpo, esperando-o em cima da calçada.
— Há quanto tempo você está aqui? — foi como ela o recepcionou.
— Acabei de chegar. — deu de ombros. E sim, era uma mentira, mas falar a verdade seria vergonhoso demais.
null olhou para baixo e chutou algumas folhas no chão. Ficou alguns segundos em silêncio, e então disse:
— Fiquei vários minutos parada na frente da sua casa. Talvez uma meia hora. Talvez uma hora inteira.
null deixou o queixo cair.
— Como…
— Scott me encontrou semana passada, na cafeteria do Sr. John, e disse que você estaria vindo para cá nesse final de semana.
null balançou a cabeça, concordando com a fala dela. Scott seu filho da mãe…
— Acho que tinha esperanças de ver você chegar em casa, como da última vez.
Foi a vez de null chutar as folhas no chão, como se estar ali, diante de null, e com o coração batendo em disparada, fosse nada demais.
— Por quê? — ele perguntou. — Quer dizer, você tem o meu número. Poderia ligar quando quisesse.
null deu de ombros.
— Pensei que, se nos encontrássemos de novo, como da primeira vez, poderíamos tentar recontar a nossa história, você sabe… Você descendo as malas do carro e eu oferendo ajuda… Você não me reconhecendo...
— Isso seria impossível. — ele disse, interrompendo-a. — Eu iria reconhecê-la em qualquer lugar.
— Sim, mas talvez a nossa história pudesse ser recontada de forma diferente e talvez… Talvez o nosso final também fosse diferente.
null suspirou, surpreso ao ouvir aquilo. Surpreso ao perceber que null, assim como ele, ainda pensava neles dois.
— Não acho que a nossa história teve um final, mas apenas… Apenas um ponto e vírgula.
null estreitou os olhos e sorriu de lado, um sorriso tímido.
— Um ponto vírgula? — ela perguntou rindo.
null também soltou uma risada, mas não um riso de diversão. Era uma risada constrangida. Porque sim, eles estavam constrangidos na presença um do outro, e isso nunca tinha acontecido antes. Afinal, null havia dito muitas coisas que não deveria ter dito, e null deixou de falar muitas coisas que ele desejava ter colocado para fora.
— O que você está fazendo aqui? — ela perguntou, mudando de assunto, deixando o tom de riso de lado.
null respirou alto e bufou.
— O seu plano não deu certo.
null enrugou a testa, perdida na resposta dele. null lhe explicou, então.
— O seu plano de terminarmos para que eu não ficasse preso em você. Esse plano não deu certo.
Esperou que null respondesse alguma coisa, mas ela não disse nada.
— Eu não consegui deixar para trás tudo o que vivemos. Tentei te esquecer, mas você sempre esteve no canto da minha mente, junto com as minhas melhores lembranças. — e, então, deixando o tom de voz mais rouco, mais intenso, null continuou. — E eu não quero que o que vivemos continue sendo apenas lembranças.
Involuntariamente, null mordeu o lábio inferior.
Era bem verdade que ela tinha muito o que falar para ele. No mínimo, ela lhe devia uma resposta. Um pedido de desculpas, talvez. Mas null não gostava de dramas, e preferia resolver os seus problemas — mesmo os amorosos — de outra forma.
E foi por isso que ela o convidou para tomar um chocolate quente, assim, sem mais nem menos.
— Estamos sem nos falar há quatro meses. Temos muita conversa para colocarmos em dia.
null ficou inseguro por um momento. Por mais que o seu coração gritasse para ele acabar com os poucos passos que ainda o separavam, e passar a noite toda na casa de null, sua mente, sua razão, pedia para ele ter cautela. Afinal, ele se lembrava muito bem de como as coisas haviam terminado da última vez.
— Não vou ficar por muito tempo. Minha folga acaba em quatro dias e então eu terei que voltar para Los Angeles.
Sim, null queria ficar com null. Queria passar a noite com ela, tomando chocolate quente, conversando, ouvindo sobre ela e sobre a sua vida. Matando a saudade… Mas ele precisava deixar claro, desde o início, que a sua vida, sua carreira e sua rotina ainda eram as mesmas. Que, dessa vez, sua vinda tinha um prazo de validade infinitamente mais curto que da outra vez. Que se null pretendesse se envolver com ele, e deixá-lo se envolver com ela, as coisas não poderiam terminar como da outra vez. Não de novo.
null mordeu o lábio inferior de novo, e demorou em respondê-lo, como se não encontrasse as palavras certas.
— Então você deverá conversar comigo todos os dias, e me atualizar sobre você e o seu dia-a-dia. Pelo menos até que eu consiga me programar para ir te visitar em Los Angeles, ou até que você consiga uma folga para vir me ver.
Apesar de null não ter falado expressamente o que null queria ouvir, ela tinha sido clara. E isso bastava para ele. Por esse motivo, ele começou a deixar um sorriso tímido aparecer.
— Mas vamos conversar sobre isso lá dentro. Aqui está frio, e eu finalmente aprendi a fazer o mesmo chocolate quente que o Sr. John.
null deu uma risadinha.
— Você está brincando!
null também riu, dessa vez nenhum pouco constrangida, mas quase aliviada.
— Não estou.
— Você deve ser mesmo uma cliente muito fiel para ira tantas vezes na cafeteria dele, a ponto de aprender a receita secreta do Sr. John.
null deu de ombros.
— O que eu posso fazer, se é o meu lugar preferido? Afinal, é onde eu tive o meu melhor primeiro encontro.
E enquanto caminhavam para a casa de null, null comentou que aquele dia não foi o primeiro encontro deles.
— Foi sim, você não pode negar.
— Não foi não. Não posso aceitar isso.
null deu uma risada.
— Foi sim, e não há nada que você possa fazer para mudar isso. Afinal, foi assim que eu comecei a me apaixonar por você.
Fim
Nota da autora: GALAXY DEFENDER STAY FOREVER!
Mais um ficstape no ar, e dessa vez um ficstape da banda que me faz de trouxa desde 2007. Amo McFLY e vou continuar sofrendo por eles sim!
E agora, sobre a fic... espero que tenham gostado. Sério. De verdade. Chris Evans sendo minha inspiração desde sempre.
Deixem um comentário cheio de amor, e recomendem a fanfic para todas as suas amigas que também são lindas e perfeitas ❤️
Beijos de luz
Angel
Outras Fanfics:
Longfic:
Ainda Lembro de Você ● It’s Always Been You
Shortfics:
21 Months ● Accidentally in Love I ● Accidentally in Love II ● Ainda Lembro de Nós ● Babá Temporária ● Beautifuly Delicious ● Because of the War ● Café com Chocolate ● Elemental ● O Amor da Minha Vida ● O Conto da Sereia ● O Garoto do Metrô ● Reencontro de Natal ● Refrigerante de Cereja ● Rumor ● She Was Pretty ● Sorry Sorry ● Suddenly Love I ● Suddenly Love II ● Welcome to a new word ● When We Met
Ficstapes:
02. Cool ● 05. Paradise ● 06. Every Road ● 07. Face ● 10. What If I ● 12. Epilogue: Young Forever ● 15. Does Your Mother Know
MVs:
MV: Change ● MV: Run & Run ● MV: Hola Hola
Você e suas fanfics sempre apaixonantes, né Angel? Impossível falar uma que eu não gosto. ♥
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Mais um ficstape no ar, e dessa vez um ficstape da banda que me faz de trouxa desde 2007. Amo McFLY e vou continuar sofrendo por eles sim!
E agora, sobre a fic... espero que tenham gostado. Sério. De verdade. Chris Evans sendo minha inspiração desde sempre.
Deixem um comentário cheio de amor, e recomendem a fanfic para todas as suas amigas que também são lindas e perfeitas ❤️
Beijos de luz
Angel


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MVs:
MV: Change ● MV: Run & Run ● MV: Hola Hola
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.