Capítulo Único
Existem tantas coisas brilhantes nesse mundo
Mas entre todas elas, você é a mais preciosa
Mas entre todas elas, você é a mais preciosa
— Você vai mesmo fazer isso? — Maybeline me perguntou torcendo o nariz. — É higiênico?
— Um anel de noivado não foi a coisa mais esquisita que já me pediram para colocar num drink. — dei de ombros e encaixei a aliança num dos morangos da bebida mais importante da vida de alguém.
— Brega. — Dahlia decretou, revirando os olhos. — Não existe nada mais cafona do que pedido de casamento com o anel no champanhe. — ela adicionou uma tira de casca de maçã em volta da taça para compor a apresentação da bebida. — Se eu fosse ela, eu diria não.
Empurrei Dahlia de leve, repreendendo-a. Ela resmungou e roubou alguns morangos que sobraram antes de se afastar para o seu lugar na bancada e entregar o drink ao maître. Dahlia, Maybeline e eu trabalhávamos no Love Shot como bartenders há pouco mais de um ano e acompanhamos o sucesso da empreitada nova na cidade bem de perto: o conceito era um gastrobar refinado e cheio de requinte, mas com uma proposta romântica e um ambiente discreto que atraiu os amantes milionários do Upper East Side. Fomos contratadas numa abordagem calorosa e receptiva pelo próprio dono do estabelecimento, o charmoso Park , que justificava sua presença constante no bar com o velho ditado “o olho do dono é que engorda o negócio”. Mas tanto eu quanto Dahlia sabíamos que o olho do dono estava também num negócio que começava com “May” e terminava com “beline”.
É claro que não foi o incontestável interesse do patrão em uma de nós que nos garantiu aquelas cobiçadas vagas. Tínhamos nossos títulos de especialização e os cursos formadores, e eu seguia me atualizando sobre gastronomia e enologia sempre que possível, mas, para mim, preparar bebidas não era meramente um trabalho. Por mais clichê que fosse, eu sempre quis criar experiências, propiciar momentos inesquecíveis na vida das pessoas, harmonizar as conquistas e as comemorações delas com o gole perfeito. Queria participar, ainda que indiretamente, de acontecimentos marcantes, e ser bartender me permitia o doce sabor de ver a vida dos outros se movendo e se desenrolando, fosse para o bem ou para o mal. Houve uma noite em que eu fiz um dry martini que foi atirado na cara de um famoso deputado que traiu a esposa com a assessora parlamentar e, logo depois, um cosmopolitan que celebrou as bodas de ouro de um casal adorável e perfeitamente feliz. Nunca se sabe a verdadeira história de uma bebida até que ela seja tomada e esse fluxo de possibilidades era uma das coisas que eu mais amava na minha profissão.
Limpei meus utensílios e chequei o próximo pedido. Felizmente, não havia nenhum, e o baixo movimento daquela noite me permitiu acompanhar a repercussão do champanhe com a aliança de noivado dentro. A princípio, a moça não notou nada de diferente na taça. O rapaz, no entanto, estava rígido e tenso, perdendo a cor a cada pouquinho que a mulher tomava até ela, enfim, chegar ao morango premiado. Quatro ou cinco clientes curiosos repararam quando o estranho ajoelhou para fazer a pergunta de milhões e criou-se uma torcida silenciosa, genuína, pelo tão esperado sim daquele casal de desconhecidos. Eu continuei observando a cena, até que uma silhueta bem ao fundo do salão se sobressaiu. E o que eu estava vendo ali, sentado sozinho numa mesa intimista, com uma camisa de gola alta e um óculos preto parecia muito mais atrativo para os meus olhos que o noivado em andamento.
A meia-luz me enganou por um momento, mas o que havia por trás das lentes era um belo par de olhos amendoados cerrados num semblante fechado. Com o cenho franzido e uma sobrancelha erguida, o rosto que me chamou a atenção acompanhava o evento do champanhe — a moça aceitou, mas o noivo ainda estava tendo dificuldades em limpar a aliança escorregadia para colocar no dedo dela — e ele aplaudiu educamente junto com os poucos presentes, sem esboçar nenhum sorriso ou reação mais enérgica. Era de fato uma figura misteriosa que se confundia com a penumbra quente do lugar e, quando ele puxou a manga da camisa, revelando um pulso nu e uma mão grande e venosa, eu deixei um suspiro involuntário escapar.
— Óbvio que ela disse sim. — Dahlia reportou com tédio e eu voltei a mim. — Ele deve ser rico.
— Se ele trouxe ela aqui, com certeza ele é. — Maybeline completou. — A clientela do é de platinum card pra cima. — ela corou quando disse o nome.
— Ou vai ver, num plot twist inesperado, eles se amam, né? — sugeri e recebi um pedido de outra bebida.
— Claro, Amber. Porque no seu mundinho açucarado tudo tem que ter um final feliz e todo mundo tem o amor perfeito.
— De amarga basta a vida, Dahlia. — repeti a frase de sempre para a minha amiga. — E essa cachaça coreana que acabaram de me pedir.
— Com certeza foi o enjoadinho lá atrás. — Maybeline observou, apontando o cara de gola alta que eu estava admirando há pouco. — Qual é a dele com essa cara de quem comeu e não gostou?
— Ele tomou um bolo. — sentenciei, pegando a garrafa de soju.
— Quem disse? — Maybeline agravou a expressão.
— O ambiente, amiga. — continuei. — A mesa é para duas pessoas, ele ainda não pediu nada para comer, não para de olhar o relógio e o celular…
— Coitado. — Dahlia balançou a cabeça. — Por que será que ela desistiu?
— Porque ela deve ser cega ou doida. — entreguei a dose de soju ao garçom. — Ele é uma delícia! — arrisquei mais uma olhada. — Queria pedir pra embalarem ele no papel alumínio e levar pra comer em casa…
— Já tem um tempão que ele tá de molho aí, deu pra entender que ela não vai aparecer, não é? — Dahlia checou as chamas do seu maçarico gourmet.
— Ele vai esperar. — decretei convicta.
— Você é fora da casinha. — Maybeline me provocou. — Aposto que ele vai embora em cinco minutos.
— Eu aposto que ele espera uma hora. — ponderei mais um pouco. — E meia.
— 50 pratas? — as duas disseram em coro, erguendo as sobrancelhas para mim.
— Feito.
A dose chegou ao seu destino, foi recebida com uma reverência e entornada de uma só vez, obrigando o belo moço a arquear o pescoço comprido e alvo, que ficaria ainda melhor com a marca do meu batom vermelho nele. Ao bater o copo na mesa e estalar a língua, o rapaz fez um gesto pedindo mais uma e orientando ao garçom que deixasse a garrafa dessa vez. Acompanhado do vidro esverdeado com um rótulo em coreano, ele aguardou algum tempo, levantando os olhos castanhos para a entrada e para o bar, sem esperança. Esfregou as coxas, puxando a calça social, pagou pelo soju do qual restava menos de um terço e preparou-se para ir embora, já esquadrinhando a chapelaria em busca do seu casaco. Maybeline e Dahlia me olharam de soslaio, vitoriosas, e eu conferi no relógio de parede que ainda restavam longos quarenta minutos para que eu ganhasse a aposta.
— Inferno! É 50 pra cada. — resmunguei entre dentes. — Vou perder cenzinho?
Os passos dele foram aumentando e, quanto mais ele se aproximava, mais eu precisava olhar para cima. Ele era alto. Absurdamente alto. Com aquela quilometragem de perna, logo ele apanharia o agasalho e se mandaria do Love Shot me deixando 100 dólares mais pobre e 100% mais triste por sequer saber o seu nome. E esse segundo cenário foi o que mais me incomodou e me impeliu a descolar do balcão de granito preto contornado por leds vermelhos.
— Boa noite! — me meti na frente dele, que se freou bruscamente a centímetros de mim. Era perto o suficiente para eu ver a textura da malha grudada no peito, pequenos padrões de losangos e linhas, e para sentir um cheiro marcante que eu não soube decifrar. — Sou a Amber, eu trabalho aqui. Como estava o seu soju?
Os lábios finos dele permaneceram contraídos, evidenciando um nariz que, por algum motivo, eu tive vontade de apertar e morder na hora. As sobrancelhas uniram-se mais um pouco numa reação de estranhamento à minha abordagem repentina, da qual eu me arrependi, e ele me respondeu com uma voz grave que me fez tremer na base.
— Ahn… Boa noite. — ele deu um discreto passo para trás e enfiou as mãos nos bolsos, recuperando-se da minha intromissão. — Estava excelente. — outra reverência tímida. — Muito obrigado.
Ouvi o rangido dos armários na chapelaria, deduzindo que a recepcionista (que se achava melhor do que nós por trabalhar de salto e ter preenchimento labial) já tinha identificado o casaco do bonitão de saída. Me ocorreu uma ideia maluca para fazê-lo ficar e eu adoraria dizer que a minha cara de pau foi motivada pelo dinheiro, mas, na verdade, ela foi movida por um único e forte pensamento:
O nome, porra! Não deixa ele ir embora sem pelo menos dizer o nome!
— Me desculpe o mau jeito, é que… — me coloquei diante dele, obedecendo a ordem impulsiva do meu cérebro e detendo-o outra vez. — Eu não preparo muitas bebidas coreanas. — menti. A maioria do público do Love Shot era asiática e uma das primeiras providências de foi nos pagar um workshop para nos instruir sobre os destilados do seu país. — Você se importaria em me servir de cobaia para alguns drinks por conta da casa? — dei meu sorriso mais profissional. — Prometo não ofender o seu paladar nem tomar muito do seu tempo.
A boca pequena e rosada abriu um círculo, procurando o que dizer. De fato, a proposta soava um tanto esquisita, mas ele era educado demais para recusar. Ele olhou por cima do meu ombro e ergueu a mão, sinalizando para a recepcionista que não mais precisaria do casaco. Um sorriso de satisfação formou-se no meu rosto só de imaginar a cara de tacho daquela metida tendo que guardar o sobretudo de volta, e ele prontamente me seguiu até o bar, meio desconfiado.
— Vamos nos manter com a cachaça, mas primeiro precisamos forrar o seu estômago. — expliquei, assumindo meu posto na bancada enquanto ele tentava caber na banqueta. — Eu estive observando e percebi que você ainda não comeu.
— É. O bolo que eu tomei não era comestível. — ele sorriu contido, sem mostrar os dentes.
— Isso acontece com todo mundo. — quis confortá-lo tocando a mão dele e desisti. — Felizmente, nós temos um cardápio tão incrível que vai melhorar o seu humor. Acho que um frango agridoce apimentado vai tirar esse gosto amargo, certo?
— Parece ótimo. O dakgangjeong daqui é muito bom. — ele falou com naturalidade, tirando a carteira e as chaves do bolso.
Anotei o pedido pelo número, o nome do frango tinha letras demais e eu não sabia direito o lugar delas, e encaminhei o papel para a cozinha. Separei a soda de maçã verde e o leite fermentado para começar o drink dele, imaginando que o açúcar diminuiria o efeito do álcool, afinal, a intenção não era embriagá-lo. Eu só queria que ele ficasse os quarenta minutos. Ou mais.
— Então não é sua primeira vez aqui?
— Um amigo me convidou para a inauguração há três anos, e eu vim mais uma vez alguns meses depois, numa confraternização do laboratório. — ele me respondeu, apoiando os cotovelos no granito e ficando mais à vontade aos poucos.
— Laboratório? — perguntei para me distrair dos dedos dele entrelaçados à altura do queixo, com o indicador desenhando a própria boca. — Você é cientista?
— De certa forma… — ele balançou a cabeça. — Você é a observadora, o que acha?
— Bom, de primeira, eu achei que você era professor de Literatura. O óculos e a gola alta, sabe? — fiz uma linha em volta do meu pescoço. — Mas agora eu notei que tem um berloque de tubo de ensaio no chaveiro do seu carro, então eu vou arriscar... Químico?
— Passou bem perto. — ele cruzou os braços sobre o peito, impressionado. — Sou perfumista.
— Perfumista? — repeti, incrédula. Era um trabalho bem...
— Raro, eu sei. — ele completou meu pensamento. — Mas, sim, é uma profissão de verdade. Sim, eu crio perfumes. Não, eu não seduzo virgens para roubar a essência delas.
— Que pena. — lamentei em tom de brincadeira. — Seria mais poético que mexer tubos de ensaio. Sem ofensa.
— Você também mexe nos seus tubos de ensaio. — rebateu, apontando os copos de vidro na minha bancada. — Onde está a sua poesia?
— Nas pessoas. — respondi simples, empurrando a primeira dose na direção dele. — Eu sou apaixonada por histórias. Mexer nesses tubos me rende várias delas.
— Bom, os perfumes também têm histórias. — ele virou o shot e lambeu os lábios. — Sabia que o perfume se ajusta a quem usa? Uma fragrância, mesmo que seja repetida em laboratório com uma fórmula exata, reage diferente em cada pele.
— Eu entendo. — concordei. — Eu já fiz esse drink várias vezes, exatamente igual, mas a história nunca foi a mesma.
— Jura? — ele arqueou uma sobrancelha e me encarou com um meio sorriso enigmático. — Se você já fez várias vezes, por que precisa de mim como cobaia?
Congelei, apertando os dedos na lata suada da soda. O desespero por ter sido pega em flagrante paralisou meu fluxo de pensamento e eu não conseguia elaborar uma mentira rápida para encobrir a anterior. Sorte a minha, o frango ficou pronto em tempo recorde e eu agradeci em silêncio por aquele milagre culinário que eu esperava que desviasse a atenção dele da minha gafe.
— Ah, Amber. — o rapaz manuseou os palitos de metal facilmente, misturando mais os cubos da carne ao molho. — Você estava indo tão bem. Eu nem estava sentindo o tempo passar. — ele olhou o relógio caro. — Quanto ainda falta?
— Eu não entendi… — enchi um copinho de soju puro e tomei. A cachaça me ajudava a raciocinar. E a disfarçar meu nervosismo quando ele falou meu nome.
— O amigo que me convidou para a inauguração é o . — ele revelou sua relação com meu chefe. — Não tenho tanto tempo para visitar o negócio dele, mas nos vemos frequentemente. Ele me fala muito sobre vocês e sobre o quanto vocês, digamos… — ele escolheu um pedaço de frango e mordeu. — …gostam de fazer jogos envolvendo os clientes.
— Não acredite nele. — meu espírito retornou ao corpo com a bebida. — Um patrão tende a reclamar dos funcionários, sabia?
— Pelo contrário. Ele fala das três com bastante carinho e respeito. E ele acha esse negócio das apostas bem engraçado.
— Olha, eu sinto muito… — preparei mais um shot para ele, cogitando fazer mais forte para que ele esquecesse aquilo tudo. — A gente faz mesmo isso, mas é inofensivo e só pela diversão, não é como se eu estivesse torcendo pela sua desgraça, sabe?
— Quanto você apostou? — ele quis saber antes de entornar o líquido.
— Deixa isso pra lá… — murmurei, envergonhada. Ao contrário do que a cara fechada sugeria, o perfumista era perfeitamente simpático e agradável. Além de muito bonito, é claro.
— Quanto, Amber? — insistiu, cantando meu nome novamente.
— 100.
— Dobre. Eu fico.
— O quê? — perguntei, consternada. Qualquer outra pessoa bateria os pés e sairia ofendida.
— Eu vou ficar aqui pra você ganhar a aposta.
— Por quê?
— Porque conversar com você foi a melhor parte da minha noite. — a declaração, acompanhada de um sorriso ilegível, me causou uma satisfação estranha.
— Eu aceitaria o elogio, mas você não conversou com mais ninguém hoje. Além do mais, só eu falei. Eu sou a bartender, você deveria desabafar comigo.
— Ok. Eu posso fingir que estou triste por ter tomado um fora. — o rapaz deslizou o copo vazio pelo balcão, pronto para a próxima dose, e o olhar dele, que se demorava em mim, começava a dar sinais de sonolência. — Puro agora, por favor.
— Você não sabe se tomou um fora mesmo. — atendi o pedido. — Pode ter acontecido um imprevisto, uma emergência...
— Igual à garotinha vestida de estrelas… — ele se lamuriou e bebeu.
— Garotinha vestida de estrelas? —sorri. O álcool estava começando a soltar a língua dele.
— É uma história de amor antiga…
A voz dele saiu arrastada, mas ainda numa cadência que era, de algum modo, sensual. Ele estreitou mais a vista, me estudando ou tentando vencer a ardência do sono. Era difícil saber. Os olhos dele, como tudo que o compunha, levantavam mais perguntas do que respostas. E eu já estava ficando mais do que envolvida.
— Eu gosto de histórias de amor antigas também. — me debrucei mais um pouco, esfregando a bancada com um pano de copa como faziam nos filmes. — Vamos lá, abra o livro.
— Quando eu era criança… — ele soluçou fofo por causa do soju no meio da frase. — …eu brincava num parque perto da minha casa. Tinha essa garotinha no balanço, ela quase sempre usava um vestido de estrelas… Eu lembro porque, de todas as coisas ali, era ela a mais preciosa. — o rosto dele se iluminou. — Eu prometi a mim mesmo que eu me declararia pra ela, então, um dia, eu finalmente tomei coragem.
— E o que houve?
— O tempo fechou terrivelmente. Começou a chover muito e ela teve que ir embora. Eu nunca mais a vi. — ele fez um beicinho triste que eu tenho certeza que saiu sem querer. — Ela é meu amor imperfeito.
— Sinto muito. — reabasteci o copo. — Teria sido um belo romance se você tivesse dito alguma coisa.
— Eu não sou muito bom com palavras. — ele tomou antes que eu terminasse de servir, já levemente descoordenado.
— Eu percebi. — mordi o lábio para evitar o riso. — Inclusive, acho que você só está conversando comigo porque está meio bêbado.
— Na verdade, estou sóbrio o suficiente para te fazer uma proposta de trabalho. — ele batucou no granito e estalou os dedos.
— E desfalcar a equipe do seu amigo? — pus as mãos na cintura.
— É só por uma noite. — ele suspirou pesado e fez uma expressão de dor. — Eu estou sendo obrigado a dar uma festa privada…
— Uau. — cortei. — Estou sentindo o sofrimento no tom da sua voz. Qual a ocasião?
— Um coquetel de trabalho, lançamento de um perfume que eu assinei para uma marca. disse que eu poderia usar vocês. Quer dizer, na verdade eu poderia usar só você. — ele balançou a cabeça, atrapalhado, e riu pela primeira vez. Foi lindo. Os olhos quase sumiram e o nariz franziu. — Eu quero contratar você, é isso.
— Estou tentada a aceitar, mas preciso saber para quem eu estou trabalhando. E você ainda nem me disse o seu nome.
— . — outro soluço. — .
“ ”, repeti internamente, juntando de imediato, sem me dar conta, meu nome ao sobrenome dele para ver como ficaria. E aí a risada que eu segurei fugiu. era quem estava bêbado, mas quem estava delirando claramente era eu. Quando me voltei para ele, encontrei um homem enorme deitado sem jeito e sem conforto algum na minha bancada. O rosto amassadinho descansava no antebraço, as pernas cruzadas ficaram para fora do assento e, indiferente ao descômodo, ele dormiu derrotado pelo soju.
— Você apagou o cara? — Dahlia aproximou-se, cochichando. — O que tinha nesses drinks, sonífero?
— Não vale, Amber! — Maybeline juntou-se a nós. — Você enfiou uns 15 shots na fuça dele.
— Tomou porque quis. Olha só pra ele, é bem grandinho, sabe se cuidar. — me defendi.
— Você é quem pensa.
A fala veio de , num tom de repreensão muito mais brincalhão do que qualquer outra coisa. O patrão, na sua jaqueta de couro legítimo e calças apertadas, tinha um tratamento descontraído e amigável com todos ali. Para algumas pessoas, no entanto, aquela simpatia toda não era apenas uma cortesia da sua boa educação e, quando ele lançou seu sorriso galante revelando uma covinha, Maybeline derreteu no lugar dela.
— Eu não posso deixar esse bebezão sozinho nem mesmo num encontro… — suspirou, batendo de leve nas costas do amigo, que permaneceu adormecido. — Cadê a garota?
— Não apareceu. — dei de ombros, brincando com a caneta.
— Quantas ele tomou?
— Perdi as contas. — observei as garrafas vazias. — Eu continuei servindo shots no automático enquanto conversávamos, achei que quando ele não quisesse mais, ele ia me dizer.
— só tem tamanho e cara de mau, Amber. — riu, coçando a pontinha da orelha. — Ele aceitaria até pedra se você oferecesse. E ficaria até amanhã tentando comer.
— Bom saber. Na próxima vez que ele vier, eu vou apostar bem mais alto.
acertou delicadamente a minha mão, fazendo a caneta que estava nela ir parar na sua, e rabiscou um endereço num guardanapo:
— Coloca ele num táxi pra mim? — me pediu com olhos que eu julgava inocentes até saber o que ele fazia com a Maybeline na adega. — Eu queria deixá-lo em casa, mas eu tô de moto.
— Põe ele na garupa, ué. — cruzei os braços.
— Eu tenho um compromisso… — ele mirou Maybeline rapidamente.
Dahlia gargalhou sem pudor algum e Maybeline quase enfiou a cara no liquidificador, vermelha. Não era segredo que ela e nosso chefe mantinham um lance e, convenhamos, nenhum dos dois sabia disfarçar. Mesmo sendo um adulto solteiro (e pegador) que não estava fazendo absolutamente nada de errado, perdia um pouco a postura quando se tratava da minha amiga e chegava a ser fofa a falta de jeito dele quando Dahlia e eu abordávamos o assunto.
— É muito importante esse seu compromisso? — sondei, aproveitando a oportunidade. — Quanto, mais ou menos?
— Mercenária. — ele murmurou, vencido, e mexeu no bolso de trás para tirar a carteira.
— Sobrevivente. — corrigi e enfiei as notas que ele me deu no sutiã. — E vem comigo até lá fora, eu não posso com ele. O seu compromisso vai ficar te esperando aqui, não é, May?
soltou um ronco alto e eu recebi uma careta de como resposta. Chamei a recepcionista enjoada e pedi que ela adiantasse o táxi enquanto fazia o trabalho pesado de levantar o conjunto de músculos que o amigo era, passando um dos braços malhados dele pelo seu pescoço e indicando que eu fizesse o mesmo do outro lado. Caminhamos com alguma dificuldade até a calçada fria, onde um carro já nos aguardava, e resmungava coisas sem sentido apoiado em nós dois, se deixando guiar.
— Se eu vim até aqui com você, por que eu tô te pagando? — reclamou quando o motorista do táxi abriu a porta traseira e ele sentou o amigo, afivelando o cinto nele.
— Porque carregar clientes sonâmbulos daqui pra fora não está na minha descrição de cargo. — arrumei as pernas de dentro do veículo.
— Amber… — analisou dormindo profundamente com a boca pequenininha formando um bico adorável. — Vai com ele.
— Por que eu faria isso, chefinho? — me apoiei na porta ainda aberta.
— Porque aqui tem mais uma nota de 50, por isso. — ele bufou divertido antes de alcançar a carteira outra vez. — Sorte a sua que eu gosto de você.
— E da minha amiga. — arrematei. — Vou buscar minha bolsa e o casaco e venho escoltar o seu bebê.
— Use a digital do polegar direito dele para abrir a fechadura eletrônica. — me orientou. — E cuidado com o , é o cachorro do . Mas ele só vai pular em você e te lamber.
— Alguma chance de o dono dele fazer isso também? — pisquei.
— Amber! — deu risada.
— Fica tranquilo, eu não vou avançar no bonitão. — comecei o caminho de volta para o Love Shot para apanhar minhas coisas. — No pior dos cenários, eu pego a carteira e esse puta relógio dele e deixo ele largado em alguma sarjeta.
rolou os olhos e eu entrei rapidamente, me despedindo de Dahlia e Maybeline e aproveitando que a recepcionista estava de costas para mostrar a língua para ela. Voltei para o táxi, calculando mentalmente como eu faria para carregar os quase dois metros de casa adentro sem a ajuda do meu patrão e fui recebida com os braços cruzados e uma cara de reprovação.
— Você não ia pegar a bolsa e o casaco, Amber ? — ele balançou a cabeça.
— Era, mas eu esqueci o casaco. — respondi sem ter tempo de outra ação, porque livrou-se da jaqueta de couro e a colocou sobre meus ombros.
— Cuida bem do meu amigo, tá?
— Cuido. Não como você vai cuidar da minha amiga, mas cuido. — entrei no carro e o taxista partiu.
Como eu esperava, morava numa casa chique e moderna, daquelas que pareciam ter saído das páginas de uma revista de arquitetura para ricos. O motorista, um poço de amabilidade com quem eu tagarelei a viagem toda, me ajudou a descer o belo adormecido que, com muito esforço, conseguiu ficar em pé sozinho, totalmente aéreo àquela movimentação de estranhos bem na porta dele.
— Você tá encrencado, rapaz… — o gentil taxista advertiu. — Que coisa feia sair com a namorada e encher a cara desse jeito!
Eu desmentiria o namoro, mas seria complicado demais explicar porque eu tinha passe-livre para entrar na casa de um solteiro milionário sem causar suspeitas que eu não tinha tempo de esclarecer. Aceitei o grato papel que me foi designado e abracei pela cintura, que era fina demais em comparação ao trapézio largo e o peito alto.
— Vem, amor. — apoiei os passos dele como uma criança aprendendo a andar. — Eu vou te colocar na cama.
Paga a corrida, agradeci ao bom senhor e cambaleei com meu “namorado” até a porta, fazendo conforme me avisou. Assim que o trinco destravou e liberou nossa entrada, o segundo aviso do meu chefe veio correndo em nossa direção e pulou no dono dele primeiro.
— ! Que saudade! — soltou-se de mim e abaixou-se para cheirar o cachorrinho.
O homem que tinha a altura de um poste de luz, os músculos de um ator da Marvel e o semblante mais impenetrável e intimidador que eu já tinha visto na vida era, simplesmente, dono de um bichon frisé — embora parecesse mais que o bichon frisé fosse o dono dele. , o verdadeiro proprietário do casarão, deixou de lado para me farejar com o focinho úmido, um pouco confuso pelo cheiro de em mim e pela jaqueta do melhor amigo dele no meu corpo. Fui aprovada na inspeção canina com uma lambida generosa e enfim entendeu seu paradeiro.
— Como eu cheguei em casa? — ele perguntou mais para do que para mim. — Cadê o ?
— Tá vindo. — abracei o tonto alto outra vez. — Por que você não espera ele deitadinho lá no seu quarto, hein? Vem, , me mostra onde eu estaciono o gostosão.
O cachorro estava em melhores condições de me compreender do que e eu segui pelos corredores amplos, que acendiam as luzes por um sensor de movimento. Chegamos ao quarto dele, com uma cama king size de lençóis brancos bem arrumados e algumas anotações espalhadas. Eram folhas soltas com números e gramaturas, além de algumas fórmulas químicas que pareciam importantes demais para serem amassadas. Encostei numa das paredes e recolhi a pequena bagunça para que ele deitasse de uma vez e eu pudesse dar por finda a minha missão, mas quando terminei, ele não estava mais onde eu tinha deixado.
— Eu fiquei preso. — surgiu atrás de mim rindo com a voz abafada pelo tecido grosso da gola alta, que enganchou no rosto e nos óculos dele.
— E quem te mandou tirar a roupa? — censurei, mesmo sabendo que não adiantaria. — Eu sabia que você queria me seduzir para roubar a minha essência, perfumista.
Ajudei a se livrar da peça, tentando administrar todos os maravilhosos detalhes daquele tronco nu, alvo, marcado e dividido em músculos demais. Passei a gola apertada cuidadosamente pelo rosto dele, mais bonito ainda de pertinho e sem as lentes, e ele ficou me encarando enquanto eu tentava convencer meu coração a bater no ritmo certo e minha barriga a não borboletear com a proximidade daquela pele morna e cheirosa. Toquei os braços fortes, escorregando pelas curvas das veias aparentes e o tomei pela mão, conduzindo-o até a cama, onde ele se deitou sem me dar muito trabalho. Tirei os sapatos dele e o cobri, fazendo um carinho em , que achou também o seu lugar no colchão macio.
— É. Eu teria feito isso de graça. — contemplei descansando. — Mas o já me pagou, não é, ?
— … — chamou o amigo num espasmo de sono. — Não me deixa beber demais, tá? A Amber é muito bonita e eu não consigo dizer não pra ela.
A luz do sol dessa felicidade
Brilhou nesse mundo escuro
Tornou-se uma estrela e veio para mim
Brilhou nesse mundo escuro
Tornou-se uma estrela e veio para mim
O toque do meu celular me acordou mais cedo do que eu pretendia, mas não foi o bip irritante do meu despertador que ecoou pelo meu quarto, já claro por causa do pouquinho de sol que atravessava as cortinas finas. Tateei pela cômoda e peguei o aparelho, que acusava uma chamada de um número que eu não tinha salvo.
— Pois não? — atendi.
— Amber? Amber ? — uma voz encorpada de ressaca perguntou.
— . — reconheci. — Bom dia, dorminhoco.
— Ah, sobre isso… contou que eu me comportei mal. — riu melódico do outro lado da linha.
— Você é um bêbado atrapalhado, é uma gracinha. — me espreguicei, girando meu anel de pedra de estrela no dedo, um tipo de amuleto do qual eu não me separava. — Só não me diga que o fez você me ligar para pedir o dinheiro dele de volta.
— Eu não faria isso, você cuidou muito bem de mim. Tão bem que eu te liguei para oferecer mais dinheiro. Mas não para você cuidar de mim, é claro. Céus, isso está saindo tão errado… — ele errou a respiração e eu ri só de imaginar o quanto ele deveria estar nervoso.
— Você quer me contratar para o coquetel na sua casa. Eu lembro. — o tranquilizei. — Mas eu vou precisar da Dahlia e da Maybeline.
— Combinado. acerta as bebidas e me passa o seu orçamento?
— É bem alto. — brinquei. — E eu quero um intervalo para brincar com o .
— Ou nós cancelamos a festa e podemos fazer só isso. — ele sugeriu, genuinamente mais animado.
— Você teria que ver se o concorda com a mudança na programação. Ele tem você mais do que você tem ele.
— Ele vai ficar feliz de saber que você vem. — ele fez uma pequena pausa. — E eu também.
— Então eu acerto os detalhes e vejo você na…
— Sexta. — ele confirmou o dia do coquetel. — Obrigado. E até logo, Amber.
Encerrei a ligação apertando o celular contra o peito, um tanto ofegante. Era sempre um evento dentro de mim quando dizia meu nome, eu me sentia enfraquecida e febril. Levantei para uma ducha e levei o notebook para a cozinha, preenchendo o e-mail profissional com o orçamento de enquanto tomava o meu café. O ícone do meu aplicativo de desenho pedia uma atualização e eu aproveitei para dar alguma atenção à minha mesa digitalizadora, continuando ilustrações encostadas há meses. Minha aptidão para desenhar era o meu hobby preferido, eu investia horas e horas do meu tempo livre brincando com traços, formas e cores, mas naquele momento eu estava mais preocupada com o que vestir do que com os esboços esquecidos nos arquivos do meu computador.
— Quem sabe um pretinho matador? — falei sozinha com uma das plantas que eu tinha em casa e gastei o resto da manhã entre desenhar e montar o look.
Na sexta-feira, nos dispensou do bar e se encarregou da logística das bebidas e dos equipamentos, assim, quando eu, Dahlia e Maybeline chegamos ao rooftop onde aconteceria o coquetel, o trabalho pesado de estruturas, máquinas e luzes já tinha sido feito. Organizamos as nossas coisas e eu me pus a acompanhar o movimento pré-festa, me perguntando internamente onde estaria o anfitrião, enquanto minha perna ansiosa balançava sozinha.
— Deveríamos apostar hoje, Dahlia? — a voz de May me despertou e me fez perceber que além do balanço, eu batucava a pedra do meu anel na bancada. — Quantos ataques a Amber vai ter até resolver dar as caras?
— Quantos vestidos será que ela provou até chegar nesse? — Dahlia provocou, olhando meu tubinho de manga única e recorte lateral na cintura.
— Não sei por que eu trouxe vocês duas. — desdenhei. — Na próxima, eu fico com o dinheiro só pra mim.
O local se encheu aos poucos e o DJ, que chegou logo depois de nós, começou seu set de músicas lounge. O pôr do sol foi se completando até o céu alaranjado dar lugar a uma noite bonita e estrelada, criando uma atmosfera gostosa e receptiva na cobertura iluminada por luzes frias e enfeitada com arranjos minimalistas. Eram vasos de vidro com rosas vermelhas de cabo longo, além de algumas pétalas espalhadas pelo chão. A decoração toda remetia ao perfume que havia criado para uma grife famosa, a Obsession, muito conhecida pelo uso da cor rubra e por um batom vermelho tinto chamado Eletric Kiss que eu cobiçava há séculos.
Abrimos o bar com a primeira e generosa rodada de Absolut na cor predominante do evento, um drink a base de vodca com frutas vermelhas, batizado por Dahlia com o nome do batom. A bebida fez sucesso entre os presentes, mas não tanto quanto uma aparição ilustre que causou burburinho e movimentação dos fotógrafos autorizados: um belo rapaz de pele caramelada e cabelo loiro mel chegou vestindo um terno que evidenciava o peitoral bronzeado, atraindo para si os olhares e os flashes.
— Quem diria... — May apontou o recém-chegado vestido fatalmente de vermelho. — Alguém com um decote maior que o seu, Dahlia!
— Será? — Dahlia espiou. — Ele vai ter que chegar mais perto para eu conferir.
— Mais perto tipo na sua boca? — brinquei com uma das tranças longas que ela sempre usava.
— Fica quieta. — ela jogou o cabelo para trás e as tranças balançaram nas costas dela. — Ele tá olhando pra cá?
— Ele tá olhando muito pra cá. — respondi, indicando a fenda no body que Dahlia usava.
— Ele é lindo, amiga. — Maybeline elogiou o moreno.
— Você acha, é? — apareceu, dando uma rápida varrida no ambiente e surpreendendo May com um selinho.
— Park ! — Maybeline repreendeu baixinho, puxando a orelha dele de leve. — Eu tô trabalhando.
— Mas eu não. — ele arriscou outro selar, vendo que só eu e Dahlia estávamos presentes. — Não posso subestimar o , o modelo da campanha do novo perfume da Obsession é concorrência demais até pra mim.
— Não precisa marcar território, o gostosão já escolheu o alvo dele. — ela olhou para Dahlia. — E modelos não são meu tipo.
Fiz careta para o projeto de casal somente pela implicância, porque, no fundo, achava a combinação da loira barbie com o motoqueiro a coisa mais adorável do mundo. Trocamos algumas figurinhas sobre , que continuava lançando olhares encantados para Dahlia, e Maybeline cutucou meu ombro discretamente, sussurrando uma aposta que eu aceitei. A movimentação foi crescendo e, entre uma bebida e outra, minha mente alçava vôo e se perguntava por onde andava o perfumista enjoadinho, quando ele, enfim, surgiu.
E eu fiquei com palpitações. Pelo corpo todo.
— Uma rosa pelos seus pensamentos. — encostou o braço vestido por uma camisa social branca na minha bancada e deixou a flor nela.
As borboletas e a febre voltaram. Era só uma camisa de botão com as mangas dobradas, mas era uma camisa de botão com as mangas dobradas em e isso fazia toda a diferença.
— Você veio! Estava começando a achar que o tinha te convencido a ficar lá dentro. — aceitei a gentileza e arrumei a armação de aro fino e redondo na ponte dele. — Gostei do seu novo óculos.
— Foi presente da Obsession para combinar com o tema. — ele sorriu tímido atrás das hastes vermelhas. — Era isso ou usar o batom deles.
— Se você também tiver ganhado um, eu aceito.
Falei esperando que ele levasse a sério, mas ele abriu o sorriso que diminuía os olhos, encolhia o nariz e me quebrava. não sorria tanto, o que era uma pena, porque era o mais lindo que eu já tinha visto na vida. Também não gastava muitas palavras, nem precisava de qualquer uma para me fazer desmoronar por dentro, só a presença dele era intensa o suficiente para turvar todos os meus sentidos. Ele era ilegível e esboçava movimentos que eu não conseguia prever. Quando eu achei que ele fosse se fechar em si, matando a linguagem corporal e enfiando as mãos nos bolsos, ele deixou um toque delicado nas juntas da minha mão em vez disso, contornando despretensiosamente a gema azul-escuro do meu anel enquanto conversávamos.
— Apostando alguma coisa hoje? — ele perguntou.
— Sim. — me esforcei para me manter alheia ao contato inesperado. — Quanto tempo o moreno maravilha vai levar para cantar a Dahlia. Ele tem cerca de cinco minutos ou eu vou perder.
— O não precisa de mais do que isso para fazer uma mulher cair por ele.
continuava interessado na minha pedra de estrela e minha pele já estava entendendo aquilo como um carinho. Mais do que entender, minha pele começou a gostar. Havia algo ali, nas mãos quentes e compridas, que me despertava pensamentos nos quais eu não podia me perder no momento. Fui salva da minha própria mente por , que se aproximou do bar justo na hora que Dahlia tinha saído para buscar mais garrafas no refrigerador. Pedi a todas as divindades que eu conhecia para que ela voltasse logo e Maybeline, mesmo mais distante e ocupada, se deliciava da minha agonia, rindo e verificando seu relógio de pulso rosa. Se Dahlia não retornasse, eu seria obrigada a atender o modelo e com isso nós dois sairíamos perdendo. No entanto, meu milagre foi concedido e eu ouvi o barulho das botas de Dahlia riscando o tablado e os cascos de vidro sendo depositados no apoio. tomou um fôlego e, umedecendo os lábios, caminhou decidido até minha amiga.
— Com licença. — ele escorou na bancada numa pose de ataque. — Eu queria um beijo. — soltou, galante.
— Perdão? — Dahlia inclinou-se em resposta.
— O drink vermelho, por favor. — ele coçou o peito exposto. — Tem beijo no nome, certo?
— Tem sim. — Dahlia riu, amolecida. — Forte ou fraco?
— Como você quiser, querida. O beijo é pra você. — arrumou o cabelo para trás. — Me acompanha?
— Eu adoraria. — Dahlia gargalhou, incrédula da jogada. — Infelizmente, eu não posso beber em serviço.
— Nem eu. — o modelo piscou. — Mas por você, eu correria o risco.
— Você tinha razão, menos de cinco minutos. — cochichei para , que acompanhava a interação comigo. — E eu ganhei outra vez. — mostrei a língua para May, do outro lado da ilha, que me respondeu discretamente com um dedo do meio.
— Qual o seu segredo, hein? — perguntou.
— Você acredita em sorte? — olhei para o anel na minha mão, percebendo que ainda não tinha me soltado.
— Eu faço a minha própria sorte. — ele me encarou intensamente antes de estreitar o enlace dos nossos dedos. Eu queria saber o que esperar, o que os olhos dele me diriam, mas a boca pequena falou primeiro e me surpreendeu. — Amber, você quer sair comigo?
— Achei que você nunca fosse perguntar, senhor “eu não sou muito bom com palavras”. — o encarei de volta.
— Não posso cometer o mesmo erro de quando eu era criança. — ele procurou a minha outra mão. — O tempo pode fechar e você pode ir embora.
— Eu aceito. — sorri. — Não importa o tempo que faça.
Eu permanecerei como a profunda fragrância
Até se tornar perfeito amor
Até se tornar perfeito amor
— Como eu estou? — perguntei para a tela do meu tablet dividida em três frames.
— Gata! — Dahlia respondeu e May fez um joinha.
O espelho e minhas duas melhores amigas não estavam mentindo, no entanto, por mais bonita que eu estivesse, não conseguia evitar o nervosismo. Por que eu estava tão nervosa, afinal? Por que foi o primeiro cara que me conheceu no bar e não me olhou como um pedaço de carne? Por que ele tinha o semblante indecifrável que me confundia e me incitava? Por que eu queria descobrir se ele beijava tão macio quanto me tocava ou se os rumores sobre caras com nariz grande eram verdadeiros?
Sim. Para todas as perguntas. Qualquer coisa relacionada a era um sim fácil para mim.
Encerrei a chamada com as meninas e apliquei mais um pouco de rímel, ouvindo em seguida uma batida ritmada na minha porta. Apertei o couro da bolsa e meu salto marcou meus passos na madeira do piso até abrir e dar de cara com um arranjo de copos-de-leite ambulante.
— Pra você. — estendeu o buquê branco na minha direção.
— Obrigada. Se ao menos eu pudesse ver quem fez esse gesto tão romântico que tapou toda a minha visão… — suspirei para o maço gigante.
— Boa noite, Amber . — ele baixou as flores e me cumprimentou com um braço apoiado na soleira da porta.
— Boa noite, . Você quer entrar? Ou beber alguma coisa antes de ir? — sorri involuntariamente quando vi mais uma camisa social para a conta. Preta. E com dois botões a menos, graças a Deus.
— Na última vez que você me deu alguma coisa para beber, eu acordei na minha cama nu da cintura pra cima.
— E desde quando isso é uma coisa ruim? — soltei os braços, mais relaxada com a risada que ele deu, e coloquei os copos-de-leite sobre a mesa.
— Desde que eu acordei com o lambendo a minha cara.
Outra risada. Acontecia bastante quando ele estava comigo, o que deveria ser um bom sinal. Durante a festa na casa dele, parecia meio rígido e retraído com a grande maioria das pessoas, exceto comigo e com , o que, no meu entendimento, significava que ele gostava de mim — ou que era apaixonado pelo melhor amigo. No entanto, meu patrão e aquele encontro em andamento me asseguraram das preferências de , especialmente quando eu peguei os olhos dele caindo no meu decote, cirurgicamente pensado para ele: nada muito revelador, apenas convidativo o suficiente.
— Para onde vamos? — perguntei, fechando a porta atrás de mim.
— Você conhece um lugar chamado Love Shot? — ele me estendeu o braço com a manga dobrada e eu recusei com uma cara de tédio. — É brincadeira. Na verdade, antes de jantarmos, eu preciso desviar um pouco o caminho. Me desculpe.
— O que houve? — aceitei o braço, sentindo novamente o choque gostoso contra as veias expostas.
— Recebi um alerta do laboratório. — ele explicou enquanto descíamos as escadas. — Um dos estagiários esqueceu um equipamento ligado e eu preciso passar lá para desligar antes que tudo exploda.
— Eu devo me assustar? — chegamos à rua. — É que eu arrumei a bolsa e tirei meu extintor portátil justo hoje…
— É uma centrífuga, estamos seguros. — ele abriu a porta do passageiro e eu entrei no carro dele. — Mas, se algo inflamar, eu me jogo na sua frente e te protejo.
A porta bateu e e deu a volta, assumindo seu lugar ao volante revestido de couro. Sem aviso, ele avançou sobre mim e passou a mão ao lado da minha cabeça, me arrancando um suspiro tão forte que embaçou o vidro por alguns instantes.
— Não se preocupe, Amber. — ele puxou o cinto de segurança sobre meu tronco e me afivelou, explicando a aproximação repentina. — Eu vou esperar até o final da noite para te beijar. — sussurrou.
— Duvido. — provoquei baixinho.
— Quer apostar? — ele sugeriu, ainda a poucos centímetros de mim.
— Você faz a sua própria sorte, certo?
Ergui a destra, brincando com o anel e tentando ser intimidadora. Não estava acostumada a perder, mas sempre que eu estava na companhia de eu perdia. Perdia a compostura, o controle da situação, o ritmo do meu próprio fôlego. Ele mexia comigo de um jeito inexplicável, talvez por eu nunca saber o que ele faria a seguir. Mas eu gostava daquilo. Me mantinha interessada. umedeceu os lábios, me esquadrinhando, e deu a partida. Usava apenas a mão direita para dirigir, a esquerda servia de apoio quando ele engatava a marcha, e eu estremecia a cada encostar acidental das nossas mãos quando mexíamos no som ou no ar-condicionado no painel.
— Chegamos. — ele avisou, colocando o carro na vaga privativa de um belo prédio comercial. — Bem-vinda ao Exo Lab.
— Só pra você saber, Dahlia tem minha localização em tempo real. — esperei ele abrir a porta para mim para terminar a frase. — Então se isso for uma armadilha sua para me amassar até fazer um perfume ou sei lá o quê, ela tem ordens de mandar a polícia.
— Não é assim que se faz um perfume. — ele riu, apoiando a mão na minha cintura enquanto me mostrava o caminho. — É preciso amassar um pouco algumas coisas, mas definitivamente não uma pessoa. Eu vou te provar que não sou nenhum alquimista maluco e depois teremos um belo jantar, certo?
Acreditei na promessa e entramos no edifício onde, com exceção do vigia noturno, e eu éramos os únicos. Caminhamos pelas alas decoradas com peças brancas e em perfeita ordem de organização até pararmos diante da porta com uma placa de metal que ostentava o nome ao lado do título de doutor em Química.
— Acabou que meu palpite inicial estava certo. — apontei a identificação.
— É um dos requisitos para ser perfumista. — ele abriu a carteira e destravou a porta do laboratório com um cartão magnético. — Isso e uma excelente memória olfativa.
Havia um ruído incessante de maquinário rodando em alta velocidade quando entramos e, por mais caricata que fosse a comparação, a centrífuga do laboratório fazia o mesmo barulho da minha máquina de lavar. pediu licença e levou três ou quatro passos largos para chegar ao aparelho, desligando-o e mergulhando a sala em silêncio outra vez. Cruzei os braços quase num reflexo ao notar a grande quantidade de prateleiras lotadas de frascos de diferentes cores, rotulados com etiquetas detalhadas, morrendo de medo de quebrar algum. Em cima de uma mesa, uma pequena balança acompanhava as anotações que eu vira outro dia na cama de junto com um único vidro, de bico longo e fino, vedado por um cristal na ponta e amparado por uma pequena fonte de calor.
— Amor Imperfeito. — li a identificação em voz alta. Ao contrário das outras, estava manuscrita e não parecia definitiva. — Próximo lançamento?
— Um dia, quem sabe.
O tronco dele encostou nas minhas costas nuas quando ele tentou alcançar o recipiente, passando os braços por entre os meus e me prendendo numa espécie de abraço por trás que nos encaixou perfeitamente. A ausência de tecido ali tornou o atrito com os botões da camisa dele ainda mais perigoso, a respiração dele se adensou perto do meu ouvido e ele modulou a voz para me explicar para o que eu estava olhando.
— Essa é a minha criação inacabada. — ele passou o dedão pelo rótulo envelhecido, segurando-o à minha frente. — Acho que ela será minha obra-prima.
— O que falta para você terminá-la? — perguntei, me virando.
— A nota de coração. — estudou o conteúdo do vidro, tentando desvendá-lo, enquanto eu tentava fazer exatamente a mesma coisa com ele. — É a matéria principal que dá corpo ao perfume, o aroma mais memorável e predominante. Eu já testei uma série de elementos, mas ainda não achei nada que harmonize com a canela ao fundo.
Abri um meio sorriso ao constatar as semelhanças entre nós. Boa parte do meu trabalho envolvia combinar substâncias, equilibrar teores, misturar os ingredientes certos. Era tudo sobre criar sinestesias, imprimir sensações. Eu marcava o gosto, marcava a pele, e a minha já começava a arder e a pedir por mais contato. Os toques tímidos de cavalheirismo já não eram mais suficientes, eu queria que ele me destrinchasse e me recompusesse feito um perfume assinado por ele.
— Espero que seu amor fique perfeito logo. — desejei, encarando-o.
— Talvez eu precise mesmo amassar uma pessoa. — ele brincou e estreitou os olhos logo em seguida, como se tivesse acabado de ser acometido por um insight.
— Ah, não. — desconfiei. — Você não vai me colocar num vidrinho desses, vai?
— Claro que não. — ele meneou a cabeça, divertido. — Quer dizer, mais ou menos.
— … — cantarolei, censurando-o.
— Você me deu uma ideia, Amber . — ele trocou o vidro por mim e me puxou pela mão com mais um sorriso atravessado. — Me inspirou.
Um pouco mais ao fundo da sala, algumas flores e outras plantas suadas de vapor desidratavam embebidas em soluções de álcool. Era bem bonito, na verdade, aquele processo de extrair o aroma de alguma coisa, capturá-lo e eternizá-lo num perfume, e eu gostaria de ter me demorado mais nas pétalas apurando o melhor de sua fragrância, mas passou por elas, me levando junto de si até outro móvel suspenso com mais frasquinhos enfileirados por tamanho. Analisou as opções que tinha e escolheu uma delas antes que minha mente curiosa pudesse ler a etiqueta.
— Esse componente é controverso. — começou. — É uma nota poderosa, o perfume encorpa denso. A baunilha dá um grau de calor e arredonda as pontas, mas ainda é forte. Definitivamente para um perfume de mulher… — ele abriu o vidro devagar, mostrando o óleo dourado deslizando pelo conta-gotas. — Mas não qualquer mulher. — ele me riu ladino. — Posso testar em você?
Estendi o pulso, facilmente vencida. aplicou uma ínfima quantidade e esfregou delicadamente a área. A sensação foi de calor e solidez, o óleo espalhou-se pelo meu punho e foi absorvido por completo ao movimento circular dos dedos alheios. O líquido estava seco quando levantou minha mão à altura do próprio rosto, mantendo o olhar firme no meu num pedido de permissão. Assenti sem emitir som algum, segurando o ar involuntariamente pela iminência do contato que eu tanto ansiava, e ele respirou forte contra o meu pulso, aspirando o aroma que cingiu ali.
Derreti por dentro, procurando responder normalmente àquele ato de intimidade que era o nariz de enterrando-se na minha pele e eriçando cada centímetro dela. O bálsamo acetinado esfriou e ele afastou o rosto, ponderando os resultados de sua experiência com uma expressão inconclusa. Eu permaneci imóvel, entorpecida pela condição de musa em que ele me colocou, e tomou novamente o dosador eleito e afastou o cabelo dos meus ombros, afundando os dedos nas mechas para que meu pescoço ficasse à mostra.
Naquele momento, até meus olhos pesaram. Me permiti fechá-los, queria me privar de qualquer outra exigência sensorial e me concentrar apenas nos dedos afáveis dele me massageando o óleo atrás da minha orelha, abaixo do lóbulo. apertou o cerco em volta da minha cintura e encaixou-se na curva do meu pescoço, provando dali a essência que eu não sabia qual era, e eu, sensível, relaxei nos braços dele enquanto ele me inebriava.
— Tem cheiro da primeira chuva do dia. Aquela que levanta o mormaço da terra. — ele sussurrou o veredito como um segredo ao deslizar o nariz pelo meu pescoço. Um arrepio delicioso quando ele agarrou mais do meu cabelo, me livrando a nuca e aumentando a derme exposta. — É refrescante na tua pele, Amber. Corpulento. Doce. Quente… Tem alma.
— Então além de histórias, os perfumes têm alma? — soprei, enfiando as unhas nas minhas coxas trêmulas.
— Tudo tem uma alma, Amber. Esse é o segredo da nota de coração. — me fitou, mantendo a mão no meu perfil. — Cabe ao perfumista buscar o âmago, a matéria bruta. Eu procuro a essência das coisas.
— Então, me diga, perfumista… — inalei intensamente o cheiro da chuva, espremendo os lábios formigando. — Qual a essência de um beijo?
— É difícil explicar. — nossos corpos colados não encontravam mais resistência. — Eu teria que mostrar a você.
— Você disse que esperaria até o final da noite para me beijar. — respirei o mesmo ar que , tão perto a boca dele já estava da minha.
— Eu menti.
O toque brando percorreu timidamente a minha tez. Minha agitação interna diminuiu de repente, eu só sentia o cheiro do sereno que ele me passou no pulso e o nariz dele encostando no meu, uma aproximação forte e, ao mesmo tempo, suave, tal qual a essência que ele me descreveu ao pé do ouvido. Brincou um pouco ali, deixando os lábios rasparem pelos meus numa provocação gostosa, e finalmente me tomou com a boca aveludada. beijava da mesma forma como falava, devagar e firme, e ele me revestiu a língua gentilmente a ponto de quase me fazer implorar por ele ali mesmo no meio das vidrarias. Percorri os braços fortes dele, passeando pelos ombros e pelo trapézio, e apoiei minhas mãos no peito morno, cortesia da camisa entreaberta. prolongou o beijo mordendo meu lábio inferior e aquilo me lançou num estado vertiginoso do qual eu não queria sair.
— Eu acho… — ele desgrudou da minha boca minimamente. — Eu acho que finalmente encontrei a nota de coração do Amor Imperfeito.
— E qual é? — roçamos os lábios.
— Você, Amber. — um selar. — A essência que eu testei em você é o âmbar.
Talvez esse amor ainda não esteja perfeito
Mas eu quero criar uma história infinita
Que ficará guardada em um livro antigo
Mas eu quero criar uma história infinita
Que ficará guardada em um livro antigo
Levou alguns dias para que extraísse o âmbar e adicionasse a nota de coração do Amor Imperfeito, finalizando enfim o que ele chamou de “o melhor trabalho da sua vida”. O perfume recebeu sua alma e eu recebi novamente a oferta de colocar na cama, com a condição, acordada por ambos, de que agora eu estivesse nela. Depois do primeiro encontro e do primeiro beijo trocado antes mesmo do jantar, o meu destino aos finais de semana passou a ser o loft de .
Acontece que a visita ao Exo Lab se repetiu e, além de conhecer o laboratório em pleno funcionamento, eu fui apresentada à criação de arte, setor responsável por desenvolver as identidades visuais dos produtos, o que me despertou um sonho antigo. não gostou muito a princípio, mas me deu total apoio quando decidi reduzir meu horário no Love Shot para voltar para a minha faculdade de Design, iniciada há anos e abandonada pela metade. Minha mesa digitalizadora voltou a ser usada com mais frequência e, além disso, tornou-se itinerante entre a minha casa e a casa do meu, quem diria, namorado.
Deitado ao meu lado, puxava o ar manhoso e dormia plenamente com o carinho que eu fazia pelas costas largas, desenhando linhas sem sentido com a ponta das unhas e fazendo-o suspirar no meio do sono de vez em quando. Fora do quarto, a tempestade que o jornal previu se agravou e os primeiros clarões dos relâmpagos anunciaram que os trovões iam começar. Escorreguei pelas cobertas tentando não acordar o perfumista e saí da cama procurando por com a luz do meu celular, temendo que o barulho de chuva pesada o assustasse.
Encontrei o grande amor da vida agitado no seu almofadão, quando ele percebeu minha presença e, meio bambo, correu para o meu colo, esbarrando numa estante e derrubando um dos livros nela. Agachei para abraçar contra o peito, alisando a pelagem branca até acalmá-lo, e sentei no piso frio com ele ainda aninhado em mim.
— Você tem que ter mais cuidado, . Que bom que você não se machucou. — falei, coçando a cabeça dele e olhando o objeto caído e aberto no chão. — O livro abarrotou todo, mas antes ele do que você, certo?
Peguei a capa dura pelo miolo e algo soltou-se das páginas amassadas. Era uma foto de um parque bonito, ensolarado e de clima perfeito, com um menininho com uma carinha de enjoado que eu reconheceria em qualquer lugar. , para variar, não sorriu para a pose, apenas agarrou-se à mulher que, pela semelhança, eu julguei ser a mãe dele. Fiquei admirando o abraço, comparando o rosto de ao da mãe e ao que ele era hoje: pouca coisa tinha mudado, a boquinha ainda era pequena e o nariz ainda me dava vontade de morder. Lá no outro canto da fotografia descentralizada havia um balanço e uma pessoinha desfocada, vestida com uma estampa que me era estranhamente familiar.
— Amor? — surgiu, metido na calça de moletom e mais nada. — Ouvi um barulho e acordei sem você. — ele reclamou, dengoso. — Tudo bem por aqui?
— Vim checar o . — avisei e ele sentou-se ao nosso lado, afagando as orelhas do cachorro e meu joelho em seguida. — O barulho foi o desastrado derrubando isso aqui. — apontei o livro e mostrei a foto. — Essa lá atrás é a sua garotinha vestida de estrelas?
— Sim. Meu pai era um péssimo fotógrafo… — ele riu. — Mas graças ao terrível enquadramento dele, eu tenho uma foto do meu primeiro amor.
— … — procurei pelo meu celular esquecido embaixo de e acessei rapidamente meu arquivo de fotos escaneadas, abrindo uma foto minha aos 7 anos de idade, sentada num balanço e usando exatamente aquele vestido estrelado. — Essa sou eu eu quando era criança! Esse era o balanço em que eu brincava! Eu nunca mais voltei lá porque, no dia seguinte, nós nos mudamos!
piscou várias vezes, observando minuciosamente a tela. Ele sorriu nostálgico, como se todas as lembranças daquele tempo estivessem voltando devagarinho e se materializando ali na frente dele. Nossa sonora risada preencheu a sala e se sobrepôs à chuva, que agora caía praticamente como uma ironia, fazendo graça de nós. A mesma chuva nos separou uma vez, depois de anos de desencontros, voltava a cair quando eu e estávamos descobrindo, juntos, que eu era o seu amor imperfeito.
— Você não sabe quanto tempo eu esperei por você, Amber. — ele me apertou contra si e me embalou num beijo apaixonado. — Meu amor está perfeito agora.
Fim...
Nota da autora: Oi, meu amor! Obrigada por chegar até aqui! Espero que esse clichê açucarado tenha esquentado seu coração!
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