07. I Refuse

Postado em: 29/06/2017

Capítulo Único



There's something wrong with you, why don't you disapear?


null não entendia como tudo havia saído do controle daquele jeito. Uma foto de um paparazzo e agora não somente sua vida, como sua carreira, estavam ameaçadas. null não atendia suas ligações, mas seu celular não parava de tocar já que sua empresária, sua assessoria e sua família estavam desesperados para entender o que estava acontecendo. null só queria descansar e encontrar null o mais rápido possível para tentar salvar o que havia restado daquele relacionamento.
Uma viagem de férias para a Riviera Francesa com a namorada havia saído totalmente errado. null era bissexual e namorava null null, a estilista londrina, há quase um ano. Contudo, ela precisava manter o estereótipo de caçadora de homens que tanto odiava. Seus namoros com homens sempre foram incentivados, divulgados e se tornavam produtos sem ao menos ela querer. Já o relacionamento mais feliz que ela teve até aquele momento tinha que ser mantido em segredo para todos, inclusive para seus pais. A atriz discou os números da namorada e aguardou até – novamente – cair na caixa postal.

- null, por favor – ela disse com uma voz embargada – Nós podemos dar um jeito nisso. Só me ligue para conversar.

null estava presa em seu apartamento em New York há um dia, já que a rua estava repleta de paparazzi querendo desesperadamente uma foto da atriz ou de qualquer pessoa que chegasse até lá para vê-la. Ela sabia que uma hora ou outra precisaria lidar com todo o resto, mas não tinha um pingo de vontade.

- Droga! – ela xingou e começou a chorar sentada no sofá sentindo-se sufocada dentro daquelas paredes. Pegou o celular e ligou para sua melhor amiga, Melina – Mel, você pode vir aqui?
- Como eu vou chegar ao seu prédio, null? – a amiga perguntou – Sua rua está fechada.
- Você consegue dar um jeito – ela explicou e fungou – null não fala comigo.
- Eu estou indo para aí, só avise que eu estou chegando.

Meia hora depois null ouviu batidas na porta e sua melhor amiga desde o colégio estava lá parada. Elas se abraçaram apertado e sentaram no sofá.

- Quer chorar? – Melina perguntou – Você sabe que pode, não é?
- Eu estou cansada de chorar e ficar presa aqui – null explicou – null não fala comigo, Susan não me deixa em paz e Elliot me manda e-mails com sugestões para reverter tudo isso.
- Você precisa lidar com todos eles, você sabe, não é? – a amiga disse – Fale para Elliot e Susan virem aqui hoje ou amanhã.
- E null? E meus pais? – a atriz perguntou – Ela está agindo como se eu fosse a culpada por tudo isso. E talvez eu seja mesmo.
- Claro que não, null! – Melina disse – Você não tem culpa de que a cada metro que você dá tem alguém atrás tirando fotos. Você não tinha como saber que iriam tirar aquelas fotos suas e da null.
- Os comentários nas redes sociais – null disse pegando o celular e entrando no instagram – Eles são os piores. “Sua imoral, não acredito que cheguei a um dia dizer que você era minha atriz preferida!” “Esse comportamento é o de uma vadia que merecia morrer!” “Por que você ainda está viva? Você deveria desaparecer da face da Terra, sua imprestável.” “Péssima atriz antes e mais ainda agora que se mostrou uma sapatão nojenta!” Esses são os mais leves. Fora aqueles que colocam eu e null em um cenário sexual nojento.
- Eu sinto muito por isso, null – Melina disse – Eu jamais vou poder entender isso o que você está passando, mas eu estou aqui para você.
- Eu sei que você está, obrigada pelo apoio – a atriz disse – Susan disse que posso perder alguns contratos por causa disso.
- Ela está certa – a amiga disse – Porém, se te recusarem por você ser bi, só mostra que você não precisa trabalhar com pessoas assim.
- Eu sei disso – a atriz explicou – Mas eu ainda fico me perguntando o que isso vai causar na minha carreira ou na da null. Ela não estava pronta para se assumir.
- Nem você estava, null – Melina disse – Mas isso aconteceu e você precisa lidar com isso.
- Eu só queria que ela falasse comigo – null disse – Só queria uma mensagem de texto, um áudio, queria saber se ela está bem.
- Eu tentei falar com ela também, mas ela não me atendeu – a amiga disse – Isso é difícil para vocês, deveriam estar juntas agora.
- Eu sinto falta dela – null disse com os olhos cheios de lágrimas – Como uma viagem de férias se tornou essa confusão?

Três dias antes, Riviera Francesa

Why should be all be stereotypes? Why don't we all just stand up and fight?

O sol queimava sua pele de um jeito gostoso. Depois de um ano cheio de filmes, entrevistas e fotos, null só agradecia por estar naquele lugar tirando as merecidas férias e agradecia ainda mais por estar ali com quem ela realmente amava. Olhou para o lado e viu null com os olhos fechados, deitada na espreguiçadeira também aproveitando a praia deserta que o hotel havia indicado para elas poderem ter privacidade. Seu coração se aqueceu ao observar cada detalhe da namorada: os cabelos cacheados bagunçados, a pele negra que brilhava por causa do sol, os lábios grossos e as mãos delicadas. Como null a amava!

- Por que está me olhando com essa cara? – null perguntou com os olhos fechados.
- Como sabe que eu estou te olhando? – null perguntou.
- Não sabia – a namorada respondeu – Agora eu sei.
- Você é muito esperta, null – a atriz respondeu e sorriu – Sua pele brilha no sol.
- O sol daqui é diferente – null comentou – Faz minha pele brilhar muito mais que o sol da Inglaterra.
- Deus abençoe esse lugar – null respondeu deitando na espreguiçadeira – Olha esse mar, null. É um azul que eu nunca tinha visto na vida.
- É lindo demais, não é? – a namorada respondeu finalmente abrindo os olhos – Não tão lindo quanto você, mas ainda sim lindo.
- Você é tão clichê e continua sendo maravilhosa – null disse entrelaçou seus dedos aos da namorada – Meus pais iriam amar esse lugar.
- Traga-os para cá – null disse – Simples.
- Eu queria que eles estivessem aqui conosco – null explicou – Agora.
- Mas você sabe que isso seria impossível – null disse suspirando – Você sabe que seus pais não iriam te aceitar. Nem os meus.
- Eu sei, eu disse para eles que estava com minha amiga null – a atriz disse – Eu odeio me referir a você como amiga. Você é minha namorada.
- null, não vamos estragar nossa viagem com isso – null pediu sentando e encarando a parceira – Está tudo tão bom, meu amor.
- Eu sei que está tudo tão bom, mas podia estar melhor – null disse e levantou – Eu queria ter a liberdade de andar com você de mãos dadas, poder postar uma foto com você me declarando, gritando para o mundo que eu te amo.
- Você pode fazer isso aqui – null disse e levantou indo até perto da água – EU AMO A !
- Você é louca – null disse, mas levantou e foi até a namorada – EU AMO A !
- É isso que importa, null – null disse envolvendo a cintura da parceira com as mãos – Nosso amor e só isso.
- Eu sei – null disse sorrindo – Apenas o amor.

Elas se beijaram e foi como estar em casa. null sabia que pertencia àquele lugar, aqueles braços e àquela garota. Elas finalizaram o beijo com vários selinhos e logo depois trocaram o momento por passarem o resto do dia dando estrelinhas na areia ou nadando no mar azul da Riviera.

- Se pudesse mudar algo da tua carreira, o que seria? – null perguntou enquanto elas jantavam em um restaurante.
- O estereótipo de femme fatale, de caçadora de homens e quebradora de corações – null respondeu – Eu não sou uma femme fatale e você sabe. Eu chorei quando o James Franco me deu um fora.
- Você era tão apaixonada por ele – null disse – Isso foi bem triste.
- Exatamente – elas riram juntas – Eu gosto de gatinhos e namorar sério, passar a noite vendo netflix e não colecionando homens em uma listinha.
- O que mais?
- O fato de que os figurinos que eu uso sempre mostram demais meu corpo – null disse – Eu participei de Piratas do Caribe e todos os meus vestidos mostravam meus peitos de um jeito que seria considerado vergonhoso para a época.
- Eu tenho um bom – null disse – Eu mudaria o fato de que para a mídia eu sou apenas a estilista que namorou um jogador de futebol do Chelsea. Eu fiz roupas para gente importante, a condessa de Cambridge usa meus vestidos e só o que eles sabem dizer é que eu namorei o Izzy Brown.
- Meu bem, você sabe que eu não entendo nada de realeza – null disse – Seja menos britânica.
- A Kate Middleton, esposa do príncipe Willian – null explicou – Droga e eu acabei de fazer o mesmo com ela.
- Agora eu sei quem é – null disse – Nós não nos livramos do machismo, temos um caminho longo de desconstrução.
- Nem me fale – null disse depois de dar uma garfada no macarrão que comia – Eu ainda não tive coragem de me assumir e eu tenho 25 anos.
- Nós somos uma farsa, meu amor – null disse dando risada – Nós duas.
- Não, somos ótimas mentirosas – null brincou e elas riram.

As duas voltaram para o hotel caminhando uma ao lado da outra, mas sem entrelaçar suas mãos. Algumas pessoas pararam null para fotos e autógrafos, mas sem tumulto, somente pessoas curtindo suas férias. null estava feliz naquele lugar, ela estava sendo ela, estava com quem ela amava e curtindo as férias que tanto queria. Apesar de ter que fingir para o resto do mundo, ela conseguiu uma pausa no tempo para simplesmente ser. Os dias estavam bons e nada destruiria aquela sensação de paz. Pelo menos foi isso que ela achou, até null a acordar com o celular na mão e uma expressão de pânico.

- Eu estou acabada – ela disse enquanto chorava – Minha carreira acabou.
- O que houve, null? – null perguntou enquanto sentava na cama e encarava a namorada – O que foi? Por que você está chorando?
- Olha o celular, null – a namorada pediu entregando o telefone para a outra – Só olha.

null abaixou o olhar e o que viu fez um calafrio percorrer sua espinha. Aquilo não poderia estar acontecendo. Uma manchete chamativa com os dizeres: null null é vista beijando uma garota!” piscava em sua direção e as fotos dos momentos na praia estavam ali para qualquer pessoa ver. A praia era deserta, o hotel garantiu, era um lugar difícil de chegar, não tinha como ter paparazzi ali. Aquilo não era verdade, não podia ser. Elas haviam sido cuidadosas. Encarou null que estava sentada em uma poltrona longe dela e ela chorava sem parar.

- Calma, null – null disse e se aproximou – Nós podemos dar um jeito nisso, nós...
- Não tem jeito, null! – null disse – Você tem ideia de como isso vai ser pra mim? Eu já convivo com o racismo todos os dias e agora vou ter que conviver com a homofobia também!
- Eu sei, eu sei – null disse – Eu sinto muito, o hotel garantiu que não teria ninguém naquele lugar. Nós vamos resolver, podemos lutar contra isso, nós vamos sofrer um pouco no inicio, mas...
- Você não tem ideia de como vai ser pra mim agora – null disse – Você tem a vida fácil, já está com tudo estabelecido, eu estou começando, isso vai arruinar minhas vendas.
- null, por favor – null disse – Nós vamos pensar em alguma coisa, só não se desespere, eu preciso de você.
- Não, você precisa ser menos famosa – null disse se levantando e caminhando até sua mala – Eu vou voltar para Londres, preciso ver como está o ateliê.
- Eu não tenho culpa se nos seguiram – null disse – Ainda mais aqui, eu não sabia!
- Não seja ingênua, null – null disse enquanto abria a mala e colocava em cima da cama – Você sabe que não tem lugar seguro para quem é famoso, foi uma péssima ideia termos vindo aqui.
- Eu não vou deixar de viver por causa deles – null retrucou – E nem você deveria parar. Eles descobriram que somos bi. E daí? Agora poderemos andar juntas na rua como namoradas, poderemos nos assumir para os nossos pais, você precisa enxergar mais além.
- Não tente ser positiva agora – null respondeu sem olhar para a namorada – EU NÃO ESTOU PRONTA PARA ESSE PASSO, VOCÊ NÃO ENTENDE ISSO?
- Então quando você vai estar, null? – null perguntou – Quando você vai estar pronta para ser quem você é?
- Eu não sei, não quero saber disso agora – null respondeu enquanto colocava as roupas na mala – Eu só preciso saber como isso vai repercutir nas minhas vendas.
- Como você consegue pensar nisso agora? – null disse – Se dinheiro é problema, eu te ajudo até as coisas voltarem ao normal...
- Só para de querer resolver tudo com a sua fama e dinheiro, null – null retrucou – Eu vendo para as senhoras da alta sociedade britânica. Senhoras conservadoras e que NUNCA voltarão a comprar na loja de uma lésbica.
- Eu sinto muito por isso tudo, mas eu não tenho culpa – null disse – Você começou a namorar comigo sabendo que eu sou famosa, isso poderia acontecer.
- Mas eu nunca pensei que fosse de fato acontecer! – null disse e encarou a namorada – Eu preciso ir.
- Você vai terminar comigo? – null perguntou já chorando – Você não vai nem ao menos tentar?
- Eu não sei, null – null disse enquanto fechava a mala – Eu não sei de mais nada.

How can I make it clear? You're just a big mistake.

- Ela está assustada, Mel – null disse limpando as lágrimas depois de ter contado para a amiga como tudo tinha acontecido – Ela simplesmente deu as costas e foi embora.
- Eu sinto muito – Melina disse apertando a mão da atriz – Eu sinto muito pela null ter reagido desse jeito.
- A única pessoa que eu de fato amei, não quer falar comigo – null disse – Eu pensava em me casar com ela, Mel.
- Eu jamais vou saber como você está se sentindo, mas eu estou aqui e ficarei pelo tempo que você precisar – Melina disse e elas se abraçaram.
- Obrigada – null respondeu – Eu acho que já está na hora de eu começar a agir, não acha?
- Sim, vai tomar um banho e tirar esse moletom que já está grudando em você – Melina disse e elas riram – E depois?
- Bem, acho que vou ligar para os meus pais – ela disse – Eles merecem uma explicação primeiro.

null tomou o banho mais devagar da sua vida tentando de um modo infantil adiar o inadiável. Ela não conseguia prever o que seus pais diriam ou o resto de sua família. A ansiedade tomava conta de seu corpo e ela só queria que tudo fosse de outro jeito. Quando imaginou aquele momento seria em um dia calmo, com ela indo visitá-los em Chicago e dizendo aquilo tudo pessoalmente. Porém, a realidade era uma cretina e fez tudo ser ao contrário. Eles não iriam negá-la, certo? Ela era a única filha do casal, eles não fariam aquilo. Bem, pelo menos ela queria acreditar naquilo. Colocou outra calça de moletom, uma camiseta qualquer e com os cabelos molhados caminhou até a sala encontrando Melina recolhendo os potes de comida oriental e as embalagens de salgadinho.

- Enquanto você tomava banho eu coloquei as louças na máquina, coloquei ração para seus gatos e desfiz sua mala de viagem antes que as roupas mofem lá dentro – Melina disse com um sorriso no rosto – Não precisa agradecer, eu sei que você passou esse dia só chorando e vendo série.
- Você é a melhor amiga de todas – null respondeu e sentou-se no sofá segurando o telefone – É agora.
- Sim – Melina disse – Eu vou jogar essas coisas fora, tudo bem? Qualquer coisa me chame.
- Tudo bem.

Melina foi para a cozinha e null ainda não tinha parado de encarar o telefone. O que ela iria dizer? O que ela diria para remendar aquilo? Será que ela estava pronta para assumir sua bissexualidade de vez ou iria se esconder atrás de outra mentira? Com certeza, Elliot, seu assessor de imprensa, teria alguma história pronta. Um dos seus gatos, Cookie, veio até ela e a encarou com seus grandes olhos verdes.

- O que eu digo, Cookie? – ela disse enquanto acariciava o gato – O que eu vou falar para eles?

Seu outro gato, Teddy, também veio até ela e fez massagem em suas coxas em um gesto de carinho. Em um gesto mudo, ela sabia que eles estavam ali para ela. null respirou fundo e discou os números de sua casa em Chicago.

- null? – sua mãe disse e sem perceber a atriz já estava chorando – Filha, o que aconteceu?
- Oi, mamãe – ela respondeu com a voz embargada.
- Aquelas fotos são reais, minha filha? – sua mãe perguntou – São montagens, não é?
- Elas são reais, mamãe – null disse – null é minha namorada e fotografaram nós duas nas férias.
- Meu Deus – sua mãe disse – Meu Deus, eu não posso acreditar que você é esse tipo de gente.
- Mãe, eu sinto muito – null disse – Me perdoe por não ter contado antes, mas é que eu sabia que vocês não iriam reagir bem.
- Eu não sei nem o que falar para você, null – a mais velha disse – O que eu vou dizer para as minhas amigas?
- Diga que sua filha é uma ótima atriz – null disse – Diga que sua filha é embaixadora da ONU pelas mulheres, diga que ela ajudou a família toda quando ganhou muito dinheiro. Diga o que quiser, eu não me importo com suas amigas. Eu sou muito mais do que aquelas fotos.
- Você é... – a atriz percebeu que sua mãe travou – Eu não consigo nem falar. Mas e todos os rapazes que você namorou?
- O que têm eles?
- Mas você namora uma menina agora – era nítida a confusão na cabeça de sua mãe.
- Eu não sou lésbica, mãe – ela tentou explicar – Eu sou bissexual, gosto tanto de homem como mulher.
- Isso é loucura, é confusão da sua cabeça – sua mãe disse – Eu não entendo isso.
- Você não precisa entender, precisa aceitar – null disse – Mamãe, ainda sou eu, sua menininha. Sua null.
- Não, você não é – a mãe respondeu – Você mentiu para mim e seu pai, null.
- Eu sei e eu sinto muito por isso – ela respondeu – Eu não deveria ter mentido durante tanto tempo, mas eu sabia que você iria reagir assim. Como está o papai? Eu posso falar com ele?
- Ela não quer falar com você, null – sua mãe explicou – Ele está muito magoado com você.
- Diga para ele que eu sinto muito – ela disse – Mas essa é quem eu sou e eu não vou pedir desculpas por isso.
- Você me decepcionou, null – sua mãe disse – Eu não quero mais falar com você. Eu e seu pai precisamos de um tempo.
- Tudo bem, mas eu ainda sou eu – ela disse – Continuo sendo a null bagunceira, comilona, que sempre se lembrou de tudo, a null que viajou para Los Angeles com você e se tornou uma atriz.
- Não importa mais – sua mãe disse – Se resolva e depois venha falar conosco.

E assim sua mãe desligou o telefone. As palavras proferidas sempre ficariam marcadas em sua alma, a rejeição sempre seria uma ferida em seu peito. Seu pai se recusava a falar com ela e sua mãe disse para ela “se resolver”. O que seria isso? Deixar de ser quem era? A filha prodigiosa caiu por terra e se tornou uma imoral aos olhos de seus pais. A atriz não conseguia parar de chorar e não notou quando Melina veio até ela e a abraçou apertado.

- Eu sou um erro, Mel – null disse enquanto chorava – Um erro para eles.
- Não, você não é um erro, null – a amiga respondeu enquanto fazia um carinho no topo da cabeça de null – Você é a melhor pessoa que eu conheço, possui o melhor coração e é muito amada. Eles não entendem isso agora, mas vão entender um dia. Você só precisa esperar um pouco mais.
- E se eles não me aceitarem nunca mais? – a atriz perguntou encarando a melhor amiga – E se eles nunca mais falarem comigo?
- Então, eles serão uns bobos por te deixarem ir – Melina respondeu dando um sorriso – E eles jamais ficariam sem você. Eles te amam.
- Eu espero que eles se lembrem disso – null disse encarando o chão, totalmente desolada.

O dia passou devagar naquele apartamento, mas null precisava distrair sua mente e, por isso, limpou todo o apartamento com Melina. Elas colocaram uma música alta, só assim null conseguiu se distrair por um tempo. Elliot ainda estava atrás dela junto com Susan, mas ela ignorou os dois e até parou de correr atrás de null. null precisava de uns momentos sem pensar em nada, sem sentir nada de negativo. No começo da noite, Melina saiu para pegar algumas roupas e null viu-se sozinha pela primeira vez. Sem resistir, ela pegou seu celular e checou suas redes sociais e, pela primeira vez, algo de bom acontecia por lá. A comunidade LGBT junto com seus fãs se uniu e mandou uma rede de amor para a atriz através de hashtags de apoio nas redes sociais e ela se sentiu um pouco melhor. Assim como Melina dissera, muitas pessoas iriam se afastar, mas as verdadeiras ficariam.

null, você é maravilhosa, não ligue para o ódio, o amor vence tudo!”

“Acho justo com o mundo a null null ser bi. Uma deusa dessa não pode ficar só com homens, nós mulheres também merecemos um pouco de amor dessa gata.”

null, nós temos orgulho de você!”

E quando ela percebeu, null chorava de alegria por ler tantas mensagens boas vindo de desconhecidos. Seus fãs estavam ali por ela e, apesar de tanto ódio, o carinho e o apoio ainda estavam ali. Distraída pelas mensagens, ela tomou um susto quando viu o rosto de null em seu celular.

- null? – ela disse apreensiva – Como você está?
- Eu estou bem, null – a outra respondeu – Apesar de toda essa confusão. Eu conversei com meus pais.
- E o que aconteceu?
- Eles aceitaram melhor do que eu achei que iriam – ela explicou e null sorriu – Eu estou aliviada.
- Isso é muito bom, null – null respondeu – Eu fico muito feliz por você. E como está o ateliê?
- Por incrível que pareça, as vendas aumentaram – null explicou – Eu não achei que isso aconteceria, mas muito mais gente está vindo, inclusive muitas da comunidade LGBT que passaram a comprar porque se sentem representadas.
- Isso é ótimo, null! – null respondeu – Bem, tudo aconteceu ao contrário do que você pensou.
- Ainda bem – ela disse dando uma risada – Eu queria te pedir desculpas pela minha reação, eu fiquei apavorada e acabei descontando em você. Você não tem culpa de nada, é tão vítima quanto eu.
- Está tudo bem, null – null respondeu – Tem como você vir para New York?
- Eu vou ver o que eu posso fazer, as vendas aumentaram e está uma loucura aqui em Londres – null disse – Você falou com seus pais?
- Bem, só com minha mãe – respondeu – Meu pai não quer falar comigo.
- Eu sinto muito, null – a namorada respondeu – E sua mãe?
- Ela não foi muito gentil comigo ao telefone – explicou – Não quis me deixar explicar muita coisa e, claro, pensou primeiro no que os outros iriam pensar.
- Eu não sei o que falar, null – null disse com uma voz triste – Eu estou aqui para o que você precisar, tudo bem?
- Eu sinto a sua falta – a atriz disse – Você me ignorou quando eu mais precisei de você, null.
- Você devia se colocar no meu lugar, null – a estilista argumentou – Eu não sou famosa, não sei lidar com toda essa atenção.
- Mas isso não justifica você ter sumido – null disse – Nós deveríamos ter ficado juntas.
- Eu precisava de um tempo sozinha para saber o que fazer, você consegue entender isso? – null respondeu – Caramba, null! Eu sempre fui anônima, somente fui lembrada por um tempo e esquecida novamente logo depois. E de repente meus seguidores explodem, tem pessoas falando mal de mim e outras me elogiando, pessoas dizendo que vão acabar com minha carreira, isso é muito para uma pessoa só. Eu sei que eu errei em ter sumido esses dias, mas eu estava com medo.
- Eu sei, eu sei – null disse e soltou um suspiro – Eu só precisava de você, precisava saber o que estava acontecendo, como você se sentia e todas essas coisas. Poderia ter mandado uma mensagem.
- Me desculpe por isso, eu errei – null disse – Eu vou resolver algumas coisas e vou para New York, eu também sinto a tua falta.
- Só não desapareça de novo, tudo bem? – null pediu e deu um sorriso – Bem, agora só falta uma coisa para resolver.
- O quê?
- Minha carreira.

You don't control me, this is my life[...] I can do anything, no matter what you say.

null não se lembrava de quando tinha parado de prestar atenção. Susan e Elliot brigavam em sua frente por causa de divergências sobre o que fazer a respeito das fotos, brigavam por causa dos contratos e das desistências e claro, brigavam a respeito dos próximos passos da carreira de null. Tudo isso sem ao menos perguntar para a atriz o que ela queria. Então, ela simplesmente passou a prestar atenção no programa sobre filhotes que passava no Animal Planet.

- null, você está ao menos prestando atenção? – Susan perguntou desligando a televisão – Isso é muito importante para nós.
- Eu estou vendo – null respondeu – Mas até agora vocês não me perguntaram o que eu acho sobre tudo isso.
- Querida, nós sabemos lidar melhor com isso do que você – Elliot disse – Nós somos preparados para esse tipo de coisa.
- Mas eu quero opinar – null disse – É a minha carreira que está em jogo, sou eu que não serei aceita pela sociedade e não vocês.
- Não fale isso, nós vamos reverter a situação – Susan disse e voltou a conversar com Elliot como se a atriz não tivesse dito nada.

null levantou do sofá e caminhou até a janela, observando Manhattan embaixo de si e suspirou desejando saber o que fazer. Susan começou o assunto dizendo que algumas marcas já haviam cancelado o contrato, principalmente uma marca de lingerie que precisava da “caçadora de homens” para vender. Em seguida vieram alguns diretores de filmes de romance que também disseram que preferiam não trabalhar com pessoas envolvidas em escândalos. Susan estava desesperada com o rendimento da carreira de null caindo aos poucos e queria que Elliot tirasse alguma solução como um mágico tira um coelho da cartola.

- Eu acho que se null simplesmente não falar nada – Susan sugeriu – As pessoas esquecem.
- Claro que não – Elliot retrucou – Eu acho que a melhor solução é soltarmos uma nota dizendo que null está passando por problemas sérios e está confusa.
- Eu não estou confusa – null disse, mas eles não ouviram e continuaram a discutir – EU DISSE QUE NÃO ESTOU CONFUSA.
- O quê? – os dois disseram juntos.
- Eu sou bissexual – null – Eu não estou confusa ou indecisa. Eu namoro uma linda mulher que me ama e eu não tenho vergonha disso.
- null, na sua idade eu também confundia atração com sentimento – Susan disse e a atriz bufou nervosa.
- Você não vai dizer que meu namoro de quase um ano é atração – null disse – Isso é desrespeitoso comigo e com null. Caramba, vocês sempre souberam disso!
- Sim, mas é uma coisa totalmente diferente, nós sabermos e o mundo – Elliot disse – Eu não tenho problema com você ser bi, null, só acho que isso vai custar muitas coisas para você.
- E qual é o problema disso? – null perguntou – Qual é o problema de eu perder o apoio de marcas e diretores preconceituosos?
- Não acho que você deve arriscar sua carreira por uma fase da sua vida – Susan disse – Nós sabemos que depois você vai encontrar um rapaz e se casar.
- Na boa, vocês são péssimos – null disse – Eu sou bissexual e não tenho vergonha disso! Já passou da hora das pessoas pararem com essa besteira de preconceito. E vocês também.
- Então, o que você pretende fazer? – Elliot perguntou com tom de desafio – Vai para a parada gay e usar arco-íris?
- É exatamente isso que eu vou fazer – null disse – Eu estou cansada de ser essa mulher que vocês me venderam para a mídia, eu não sou assim!
- Jura que você quer mudar toda a sua imagem a essa altura? – Elliot perguntou – null, isso vai ser muito difícil.
- Eu sei, eu só não quero mais ser uma mentira – ela respondeu suspirando – Eu vou escrever uma carta aberta sobre esse assunto e ver no que vai dar.
- Bem, ela pode atingir um público muito maior agora – Elliot disse – A comunidade LGBT tem crescendo mais e mais sua influência.
- Claro que não, isso é um absurdo! – Susan disse – A null não pode querer conquistar esse tipo de gente.
- Por que não, Susan? – null perguntou – Qual é o problema? Eu faço parte deles, eu sou o B ali se lembra?
- Você está doida – Susan disse um pouco afetada – Acho melhor nós termos essa reunião outra hora, você está alterada e...
- Não, Susan – null disse de um jeito mais firme – Eu não estou alterada, estou perfeitamente normal e acho que essa é coisa que eu deveria ter feito há muito tempo.
- Isso aí, garota – Elliot disse rindo – Eu posso trabalhar em cima disso, sem problemas.
- Bom, nesse caso, procure outra empresária – Susan disse tremendo enquanto pegava sua bolsa – Eu não trabalho com gente desse tipo.
- Você está se demitindo, Susan? – null perguntou chocada – Vai desistir de todo o trabalho que você teve simplesmente por eu ser bi?
- Você está desistindo de tudo antes de mim, null – Susan disse a encarando seriamente – Você tem todo o direito de seguir esse caminho de promiscuidade, mas eu não quero ir junto.
- Sue, você não pode estar falando sério – Elliot disse – Qual é o problema da menina se assumir? Nós já sabíamos disso há muito tempo.
- Existem certas coisas que não devem ser faladas – Susan disse – E isso é uma delas. Eu ligo para vocês na segunda-feira.

Elliot e null se encaram profundamente ainda sem entender o que tinha acontecido. Susan sempre cuidara da carreira de null com muito profissionalismo e conseguia contratos de filmes que alavancavam a carreira da atriz mais e mais. O que ela iria fazer sem Susan?

- E agora, Elliot? – ela perguntou se sentando e já sentindo os olhos arderem – Susan, ela...
- Ela é uma preconceituosa que não merece seu choro – ele disse e sentou abraçando a mais nova – Nós vamos dar um jeito, querida.
- Mas ela tinha os melhores contatos, Elliot – null disse – Ela sempre conseguia contratos ótimos para mim.
- Eu sei, mas eu conheço alguns produtores e empresários que são tão bons como ela – ele respondeu – Alguns que não são preconceituosos, inclusive.
- Por isso ela sempre fez cara feia quando encontrava null aqui – ela comentou em um momento de clareza – Ela nunca ficava mais que o tempo necessário quando eu e null estávamos juntas.
- Bem, agora você! – Elliot disse – Acho que está na hora de você fazer a carta, não é?

null e Elliot sentaram à mesa e ficaram um bom tempo conversando sobre o que ela deveria dizer. Depois pensaram nas consequências daquela carta e discutiram os próximos passos. Porém, null sabia que não tinha como ela saber o que iria acontecer em sua vida, pois o futuro era incerto. Apesar de a comunidade LGBT estar conseguindo cada vez mais espaço na sociedade, ainda existe uma grande dificuldade das pessoas entenderam de que não há nada errado com eles. Lady Gaga cantou que eles nasceram assim e que não há vergonha nenhuma nisso e era exatamente isso que null queria dizer. Então depois de muitos rascunhos, a carta estava pronta e ela postou em seu site naquela tarde sem ter ideia do que iria acontecer.

Don't apologize for who I am (oh I refuse!). Don't ever let somebody say I can't. I refuse, I refuse, I refuse!

“Olá a todos, aqui é null null ou null para os queridos. Muita coisa aconteceu nesses últimos dias e eu senti que deveria conversar sobre tudo com vocês, meus fãs e amigos que estão me mandando mensagens lindas de apoio. Uma viagem de férias que tinha tudo para ser maravilhosa acabou se tornando em um pesadelo quando fotos me expuseram de um jeito que eu ainda não estava pronta. O mundo descobriu sobre um aspecto da minha vida que eu fui ensinada pela sociedade a esconder. Um lado de quem eu sou que vocês nunca souberam que existia e que foi ignorado por mim durante muito tempo. Quando eu comecei a aparecer na mídia, eu precisava de uma imagem forte de mim, precisava que as pessoas não se esquecessem do meu rosto ou do meu corpo. Então a imagem de naughty girl* pareceu ser a certa. Meus namoros com rapazes foram severamente divulgados, fotos minhas em posições sexuais em anúncios publicitários eram cada vez mais feitas e no começo eu não me importei muito. Era bom me sentir desejada pelas pessoas, me sentir bonita e ver meu rosto na Times Square quando eu passava por lá. Contudo, eu não era assim. Nunca fui uma mulher sedutora e isso surpreendia as pessoas que passavam a conviver comigo. Eu não tinha uma cantada pronta para cada rapaz que eu conhecia e confesso que já ouvi de muitos que eu era uma decepção. Eu na verdade gostava de namoros sérios, dormir de conchinha e passar meu sábado a noite em restaurantes do que em festas badaladas. Essa sou eu e no meio de tudo isso estava minha bissexualidade que eu não tinha ideia do que fazer com ela. Enquanto minha vida pública deslanchava, a minha vida pessoal se tornava um verdadeiro caos e eu não sabia o que fazer com meus sentimentos. Meus namoros acabavam rapidamente porque eu sempre era incentivada a namorar rapazes que não tinham nada a ver comigo e também não posso esquecer dos namoros contratuais que tinham prazo de validade. Por causa disso eu passei a ser alvo de piadas e especulações. Qual será o próximo namorado de null null e quando tempo vai durar? Meus filmes já não eram tão importantes como meus namoros e os rapazes que eu dormia. Então, já cansada de tudo isso, eu conheci o feminismo e como esse movimento me ajudou a entender meu papel na sociedade, como me deu força para ser eu mesma e o principal: fez-me perceber que eu deveria ajudar outras mulheres. Nessa época eu me tornei embaixadora da ONU e senti como se finalmente eu pudesse dizer que eu era bissexual para o mundo. Porém, eu ainda não estava totalmente pronta. Até que eu conheci null null, a estilista londrina em ascensão que tinha um excelente coração e era a mulher mais linda que eu já tinha visto. Contudo, ela também não estava preparada para dar esse importante passo comigo. Até que essas fotos vieram e nós não sabíamos como agir, nossas famílias não sabiam de nada e null estava começando a consolidar sua carreira. O paparazzo que tirou essas fotos e a revista que publicou nos colocou em uma situação que está nos custando muito. Enquanto escrevo isso, meu pai se recusa a conversar comigo, minha mãe disse que eu sou uma grande decepção e minha empresária se demitiu, além de várias marcas estarem cancelando contratos. Nenhum de nós estava pronto e graças à necessidade de faturar dinheiro um furacão pairou em cima da minha família. Porém, acho que já estava na hora do mundo saber quem eu sou de verdade, mesmo eu ainda não estando totalmente preparada para todas as consequências que virão. Então, essa sou eu. null Marrie null, 23 anos, atriz, embaixadora da ONU, catlover, bissexual e atualmente namorando null null. Eu me recuso a me desculpar por ser quem eu sou, me recuso a me ocultar mais uma vez e voltar para o armário depois de viver uma vida dentro dele. Eu me recuso! E para você, marca ou diretor, que também se recusa a trabalhar comigo porque na sua concepção eu sou imoral ou imunda: tome cuidado, o mundo está mudando e em breve você ficará para trás.”

Três anos depois...

null sentia suas pernas tremerem por baixo do vestido de gala que usava. null segurava sua mão tentando acalmá-la, mas não surtia muito efeito. Depois da publicação de sua carta aberta sobre sua bissexualidade, a Netflix procurou null querendo que ela participasse de um novo projeto com um papel que havia sido escrito especialmente para ela. A atriz jamais imaginou que um ano depois da estreia da série, ela estaria ali concorrendo ao Emmy de melhor atriz em série dramática. null se tornou um símbolo na luta pelos direitos LGBT, seus fãs aumentaram e ela foi considerada a atriz mais rentável do ano anterior. Para null, sua carreira teria acabado, mas não, uma parcela do mundo a recebeu de braços abertos e agora ela lutava para que os demais fossem aceitos também.

- E o Emmy de melhor atriz em série dramática vai para... null null!

null olhou para null, que sorriu radiante para ela. Como tudo havia mudado tanto! Seu pai ainda não falava com ela depois de três anos, sua mãe estava aceitando aos poucos e até já havia conhecido null, mas apesar disso, tudo estava bem e as coisas estavam começando a melhorar. Ainda havia um longo caminho pela frente, mas cada conquista individual e coletiva fazia null se sentir mais e mais corajosa para enfrentar os preconceitos diários da vida.

Cause in my blood, in my veins, in my heart, I know what's right for me. So I refuse!

Naughty girl*: garota safada



FIM



Nota da autora: Sem nota.

Ficstape TOFTT


Nota da Beta: Socorro, que fic maravilhosa! Aí to tão feliz de ter lido isso, obrigada Vica. Sei nem o que dizer, porque estou igual aquele meme vomitando arco-íris, apenas hahaha Mas me senti muito bem representada nessa fic, estou extremamente orgulhosa e feliz aqui agora. Espero que todo mundo ame tanto quanto eu e deixem lindos comentários aqui embaixo pra nossa linda autora.
Ah, e não deixem de ler as outras fics desse ficstape maravilhoso, okay?! Xx-A



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