Fanfic finalizada.

Capítulo Único


I hold you in my arms five days of the week
Then you disappear on the weekend
You wrap me in chains and you tie my feet
Then drop me off in the deep end


Eu já vi tudo isso antes.
O vestido de alças finas no chão do meu quarto.
O sutiã de renda embolado num canto.
A marca de batom no meu Absinto.
O perfume impregnado nas fronhas…
Eu já vi a deitada ao meu lado, de bruços, a bunda coberta pelo lençol e as tatuagens enfeitando a minha cama. O corpo cheirando a sexo, a respiração ainda errada e a boca entreaberta, manchada, vermelha, latejando e maldizendo o meu nome.
“Vai se foder, ”, ela dizia, mordendo os lábios e rasgando as minhas costas, cega de tesão. Depois do prazer, ela falava “eu preciso ir embora agora, você viu minha calcinha?”, e me deixava inerte, anestesiado da poção mágica que ela me dava de beber, sentindo o gosto do álcool e dela no céu da minha boca. Ela me mantinha acorrentado e eu, por vontade, permanecia.
Porque eu precisava dela.
Eu já vi a dormir, mas nunca descansar. Pronta para sair, nunca disposta a ficar. Entregue de corpo, nunca de alma. E mesmo depois de todos os arranhões, de todos os puxões de cabelo, de todos os dentes que ela fincava na minha carne, a parte que mais me machucava era quando eu acordava e ela simplesmente não estava mais lá.
Como num passe de mágica.
Era como se ela tivesse me lançado um feitiço de confusão e me prendido numa ilusão que se repetia. Nosso modus operandi era sempre o mesmo: ir a alguma festa badalada de Manhattan, beber até ver dobrado, mas ainda ser capaz de consentir. ria das minhas piadas e acabava nua na minha cama, gritando por mim e irritando os vizinhos, jurando o quanto me odiava enquanto eu ria abafado entre as pernas dela.
O mesmo gosto, o mesmo ciclo. O mesmo vício, a mesma dor.
Eu já vi tudo isso antes.
— Dèjá vu… — sussurrei.
— Hm? — perguntou, preguiçosa.
— Eu, . Eu sou o seu dèjá vu.
franziu o cenho lentamente, enrolando-se no lençol como se eu não soubesse absolutamente cada risco que havia ali. Como se eu não tivesse sido o primeiro a ler as frases, a admirar as rosas e as borboletas, como se eu não tivesse beijado o relevo da pele sensível, morna e recém-tatuada, quando ela, orgulhosa e rebelde, me mostrou a primeira marca que fez em definitivo, escondida do avô.
— O que foi isso agora? — ela perguntou.
Sentei, puxando o ar para dentro do peito dolorido. As costelas pareciam prestes a partir, não mais pela força que fez contra o meu tronco enquanto sentava em mim fora de controle, mas pelo rumo iminente que aquela conversa tomava.
Eu disse iminente? Eu quis dizer inevitável.
— Você sempre vem pra casa comigo. — arrumei uma mecha do cabelo dela atrás da orelha. — A gente bebe, discute e fode. Não foi isso que eu me tornei? Um dèjá vu?
— Do que você está falando? — ela segurou meu pulso. tinha um jeito único de carregar e franzir as sobrancelhas quando não entendia alguma coisa. Ou quando não queria aceitar alguma coisa, porque, apesar da pergunta, eu sentia que sim, ela sabia exatamente do que eu estava falando.
Raspei a garganta. Nossa relação sem nome se arrastava há anos e a falta de uma palavra para designar o meu sofrimento era ainda mais angustiante. Aquilo era um término, mas término de quê? Já fomos alguma coisa além de bons amigos que transam incrivelmente bem? Ela já quis qualquer coisa a mais que isso?
Eu já. Há tempos. E por mais irresistíveis que aqueles dedos finos fossem, deslizando seu toque encantado pela pele do meu pulso, era hora, passava da hora, de quebrar a hipnose.
— Eu já tive você em todos os seus vestidos pretos, em todas as suas lingeries… Em todos os cantos dessa casa. — estalei a língua, desgostoso. — Eu tive você de todo jeito, mas eu não tenho você de jeito nenhum. Entende?
... — afagou meu rosto ternamente, conjurando o feitiço de posse outra vez. — Eu estou bem aqui.
— Fisicamente, sim.
— Não é mais o bastante?
— Não. — supliquei.
fechou os olhos, desenhando meu rosto como se quisesse gravá-lo em algum lugar da memória. Sorri, aceitando sereno o meu destino ser traçado: um retrato inacessível no fundo da mente dela, um livro encerrado e selado no coração que nunca foi meu. A minha prisão era agridoce e, por mais que eu fugisse, eu me via de novo acorrentado a ela. Aceitando o doce nada que tinha para mim. Sutilmente dominado, querendo mais e nunca conseguindo.
— Eu não sei o que está acontecendo comigo. Eu não sei o que eu estou sentindo. — a voz dela assumiu um tom maleável e, até mesmo, brando. — Está uma bagunça sem precedentes aqui dentro, . Tudo o que eu sei é que eu não quero te trazer para o meu caos.
— Então nós sabemos porque isso não está funcionando mais. — disparei num único fôlego de coragem súbita. — Porque eu queria tudo, . Até o seu caos.
Lúcida, como sempre, arrumou o lençol, amarrando-o em si. Varreu o quarto mais uma vez, calculando rota, procurando o que ali era dela para levar consigo e partir. Mas eu era dela. Eu era dela e ela me deixaria para trás. Eu tinha certeza. Os olhos molhados não mentiam, apontavam a despedida.
— Eu não posso te dar tudo. — ameaçou derramar uma lágrima presa no canto do olho. — Me perdoa.
De mãos atadas e corpo ferido, recostei na cama que parecia feita de pregos. A bagunça sem precedentes que pontuou tinha um culpado, cujo nome ela deixou escapar como uma confissão de pecado outro dia, quando, adormecida, os filtros do que é adequado e inadequado começaram a falhar. A lembrança vívida me atingiu sem sutileza alguma, porque nada é capaz de frear a brutalidade de ouvir quem você ama chamar por outra pessoa enquanto dorme.
— Eu queria não te conhecer tão bem como eu conheço. — cerrei os olhos e ri da minha própria amargura. — Aí eu poderia fingir que essa bagunça não tem nada a ver com ele. Eu poderia fingir que não sei que foi ele quem te tirou de mim.
e eu nunca tivemos nada. — respondeu rapidamente. E com notas agudas pesar.
— Eu não falei do . — sorri dolorido, sentindo a pontada seca. Ardia tão familiar que quase parecia bom. — Mas obrigado por confirmar.
assustou-se com a própria verdade e os olhos de amêndoa viraram pedras, libertando a lágrima outrora presa. Deitou-se no meu peito em silêncio, dispensando as palavras e as explicações inúteis. Era o que era, afinal. Acabou.
— Você é a última pessoa no mundo a quem eu quero ferir, . — ela sussurrou, sentida, raspando a boca pelo meu peito e plantando um beijo ali.
— É uma dor que eu já aprendi a sentir.
me avançou na boca sem aviso, e eu aceitei a investida alheio à motivação dela. Se o beijo era de pena, de culpa, de remorso, eu não sabia. Sei que lambi os lábios para sentir que gosto tinha. Tinha gosto de fim. Tinha gosto de saudade.
— Diz que você me odeia, . — implorei, ainda enrolado na língua dela. — Vai ser mais fácil se eu acreditar nisso.
— Eu não consigo. — não partiu o beijo. — Você sabe que eu não consigo. Não é verdade, . Não era verdade nenhuma vez.
Me rendi, sabendo que eu acordaria sozinho. deixou meu corpo seguir o caminho conhecido, ainda pulsando quente da invasão anterior. Nem mesmo a promessa da solidão era capaz de amortecer a sensação de estar dentro dela mais uma vez. A última vez. Como num passe de mágica.




FIM



Nota da autora: Deve ser a primeira vez que eu escrevo uma história sem um final bem docinho (e deve ser por isso também que ela ficou tão curtinha). Obrigada por ler!



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