Capítulo Único
- Vai pro seu quarto, Sophie, você está de castigo! – Ouvi a porta da casa sendo batida com força e meu marido gritando na sala. Corri para o cômodo e vi nossa filha subindo as escadas, com lágrimas nos olhos.
- O que está acontecendo? – Perguntei, nervosa, na dúvida entre seguir Sophie e ficar ali para saber por que estava tão nervoso. Meu marido andava de um lado para o outro e bufava, não conseguindo conter toda a raiva que estava sentindo. Aproximei-me dele, tocando seus ombros levemente. No início, ele se afastou, mas, percebendo sua atitude, logo voltou para perto de mim e passou os seus braços pela minha cintura.
- Me desculpe. – beijou o topo da minha cabeça, um pouco mais controlado.
- O que aconteceu? – Perguntei, baixinho.
- Aquele cara de novo, . – Ele fechou os olhos com força, respirando fundo. Suspirei, sabendo que falava do namorado de Sophie. – Não acredito que ela me desobedeceu assim! Eu já disse que não a quero perto dele, que ele não é bom o bastante pra ela. – Suspirei ao ouvir suas palavras, eu sentia-me em um déjà vu.
- Acho melhor eu ir falar com ela. – Disse e soltei-me dele, não querendo conversar com ele ainda nervoso e com a cabeça quente. nada disse, apenas seguiu para o seu escritório.
Subi as escadas e segui em direção ao quarto da Sophie. Bati levemente na porta, mas ela não me respondeu.
- Sophie, sou eu. Abre a porta, seu pai não está aqui. – Esperei por mais alguns segundos, até que ela veio abrir a porta para mim. Seus olhos estavam vermelhos e ainda úmidos, seu rosto inchado deixava claro que ela estava chorando fazia bastante tempo.
- Foi horrível, mamãe! – Ela abraçou-me fortemente, escondendo seu rosto em meu pescoço. Guiei-a até a cama, soltando-me do abraço e a deitando com a cabeça apoiada no meu colo.
- Fica calma, eu vou conversar com o seu pai. – Eu disse, tentando acalmá-la.
- Ele nem me deixou falar, chegou logo gritando com o Chace, como se ele fosse um marginal. Ele é bom, mamãe, eu sei disso. Por que o papai não consegue enxergar? – Eu suspirei devido ao seu tom suplicante, meu coração quebrando aos poucos por vê-la assim.
- Ele só está querendo o que é melhor pra você. Você pode ter 17 anos, mas sempre será a garotinha dele. – Eu disse, mas Sophie logo levantou, encarando-me.
- Ele está sendo preconceituoso! Só porque o Chace não tem o mesmo padrão de vida que a gente significa que ele é “um interesseiro”, “um moleque com sonhos de subir na vida às custas dos outros”? – Minha filha voltou a soluçar, não conseguindo dizer mais nada. As lágrimas escorriam incessantemente pelo seu rosto e eu sentia-me impotente. Encarei-a, lembrando de um passado cheio dos mesmos dilemas, do mesmo sofrimento, das mesmas lágrimas, das mesmas palavras.
Não sei por quanto tempo ficamos naquela posição. Seu choro foi parando aos poucos, até que ela caiu no sono. A expressão em seu rosto era tensa, mostrando todo o seu nervosismo com a situação.
Saí do quarto tentando fazer o mínimo de barulho possível, não querendo acordar Sophie. Segui até meu quarto, procurando algo que escrevi há muito tempo, mas que nunca tinha publicado. Até aquele momento, vendo tanto sofrimento no rosto da minha filha, eu nunca pensei em mostrar isso para alguém, nem mesmo para . Mas, às vezes, o coração nos pede coisas que, mesmo que não entendamos no momento, terá um propósito no final.
Abri o manuscrito e busquei por uma página, especificamente:
- Você é muito nova pra entender qualquer coisa, minha filha. A vida não é esse mar de rosas, tudo que você tem é porque seu pai e eu batalhamos para isso. Você vai se machucar se continuar insistindo em ficar com esse... Cara. – Minha mãe dizia e meu coração apertava a cada palavra que saía da sua boca. Eu chorava copiosamente, não conseguindo conter as lágrimas e manter-me firme diante dela.
Mamãe deixou o quarto, em sua pose confiante e superior, a mesma pose que usava nos tribunais enquanto massacrava seu oponente em um julgamento. Ela era fatal quando se tratava do seu trabalho, assim como papai. Ambos advogados, uma parte tão grande deles que não sobrava espaço para o que eu precisava que eles fossem no momento: pais.
Ouvi a porta sendo fechada e uma conversa do outro lado da porta.
- Ah, minha querida, que bom que veio! Talvez consiga colocar um pouco de juízo na cabeça dessa menina. Eu sei que é só uma fase, meu medo é que ela se arrependa amargamente no futuro por ter gasto tanto tempo com quem não merecia.
- Eu vou falar com ela. – Minha “melhor amiga” disse, entrando no quarto em seguida. Não me mexi, apenas encarei a janela, de costas para a porta e para Luci. A senti se aproximar da cama, sentando na beirada.
- Eu já sei o que você pensa, não precisa dizer. – Eu disse quando percebi que ela nada falaria. Luci apenas suspirou e eu tinha certeza que ela tinha revirado os olhos, mesmo sem olhá-la.
- Você pode ter quem você quiser. Seus pais são importantes, ricos, sua família é conhecida e respeitada e ainda insiste em ficar com alguém tão abaixo de você. – Virei-me para ela, não conseguindo acreditar em suas palavras. – Não adianta me olhar assim, você também sabe disso, só não quer admitir. – Eu estava tão chocada, que as palavras ficaram presas em minha garganta. – Você sabe que nem deveria ter começado com isso. Eu sei que estava querendo afrontar seus pais, mostrar para eles que é dona de si, mas não acha que já passou dos limites? Vamos lá, não se apaixonou realmente por aquele cara, né? – Suas palavras destilavam um veneno que poucas vezes eu pude sentir.
- Acho que é melhor você ir embora. – Disse, calmamente. Eu não sabia de onde aquela tranquilidade estava vindo, mas estava imensamente grata por não estar perdendo o controle. Luci bufou, mas levantou e foi em direção à porta.
- Você está dando as costas para todos os seus amigos e para a sua família por causa de um cara. Pensa bem nessa sua decisão, a resposta já está na sua cabeça. – Ela bateu a porta. Virei-me na cama, encarando a janela novamente.
Talvez eu não queira ouvir minha cabeça.
Uma lágrima escorreu pelo meu rosto, as memórias atingindo-me em cheio e causando uma dor lancinante em meu peito. Passei mais algumas páginas, relembrando cada momento da nossa história eternizada naqueles papéis. Depois que eu a escrevi, eu nunca parei para ler novamente, porque nunca quis relembrar os momentos ruins, já que conseguira alcançar meu “felizes para sempre”, meu conto de fadas com um príncipe não tão perfeito para os outros, mas perfeito para mim. Meus olhos pousaram em uma outra página. Com um suspiro, permiti-me ler:
- Você está distante. – ele disse quando afastei-me mais uma vez do conforto do seu abraço.
- Só estou com muita coisa na cabeça. – Disse, encarando o horizonte, ainda de costas para ele. Ouvi seus suspiros e seus passos vindo em minha direção. Meu namorado parou ao meu lado, também encarando a paisagem à nossa frente.
- Você está pensando em desistir de mim. Da gente. – Ele não perguntou. Não ousei virar meu rosto em sua direção, confusa demais para dizer qualquer coisa após sua afirmação. – Sua “amiga” foi te visitar? – Ele fez aspas quando disse a palavra amiga e, depois, voltou a colocar as mãos nos bolsos, ainda não me encarando.
- Foi. – Disse, apenas.
- Sua mãe fez aquele discurso de novo? – Ele seguiu com as perguntas.
- Sim. – Continuei com respostas monossilábicas, não tendo forças para elaborar.
bufou e abriu os braços, virando em minha direção e encarando-me. Tomei coragem e fiquei de frente para ele.
- O que você quer de mim? Eu não posso ser quem seus pais querem que eu seja, eu não posso ser quem seus amigos querem, esse sou eu... E eu sou todo seu, você só precisa querer. Eu não posso mais levar isso desse jeito. Toda vez que alguém nos vê e começam com essa pressão sobre você, é assim que termina: eu me explicando e você distante. Eu não tenho mais certeza que você não vai me deixar. Como você quer que eu lute sozinho por nós? – Seus olhos brilhavam e sua voz tremia, meu estado não estava muito melhor. Eu podia sentir as lágrimas escorrendo pelo meu rosto, meu coração tão apertado que eu poderia cair a qualquer momento.
- Eu amo você. – Eu disse, com toda a certeza que eu tinha em meu coração. – Mas eu também amo a minha família. Por favor, não me faça escolher, eles já fazem isso. – Minha voz saiu em um sussurro. Ele se aproximou, e, dessa vez, deixei-me ser confortada por seus braços, deixei-me ser protegida pelo calor que seu corpo emanava.
- Eu faria tudo por você, e você sabe disso. Mas não podemos continuar assim. – Afastei meu rosto de seu pescoço e o encarei, sentindo como se meu coração estivesse sendo arrancado de mim.
- Não diz isso, eu não posso...
- Shii. – Ele selou nossos lábios, impedindo-me de continuar. – Eu vou embora da cidade. Não vou conseguir nada aqui. – Arregalei meus olhos, prestes a retrucar novamente. Eu tinha certeza que se não fossem seus braços, eu já estaria no chão. – Espera. Só me ouve.
- Mas...
- Me escuta. – Ele deu-me um beijo calmo. Seu olhar estava mais tranquilo. – Eu não quero te pressionar ou te fazer tomar uma decisão de cabeça quente. Eu sei que o dia foi estressante, seu pai te colocou de castigo, sua mãe jogou várias coisas na sua cara... Eu sei disso tudo, mas também não tem sido fácil pra mim. – Após um longo suspiro, ele continuou. – Não ouça o mundo, eles dizem que a gente nunca irá conseguir. Não ouça seus amigos, por eles, nós nunca começaríamos. Não ouça as vozes na sua cabeça. – Ele deu um beijo em minha testa. – Ouça seu coração, ele dirá a verdade, ele vai te libertar.
- Por favor, não vai...
- Promete que vai fazer o que eu pedi? – As lágrimas desciam incontroláveis pelo meu rosto, não me permitindo enxergá-lo direito. Apenas assenti, ainda que não gostasse do rumo que a conversa estava tomando. – Ótimo. Não importa a decisão que vai tomar, eu vou respeitá-la. Mas acho que preciso compartilhar com você o que o meu coração diz. – Ele pegou uma das minhas mãos e a colocou sobre seu peito, eu podia sentir as batidas aceleradas do seu coração. – Ele grita que você foi feita pra mim, e que é aqui que você deve ficar. Nada mais me importa. – Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, ele beijou-me. Foi um beijo desesperado, uma súplica, uma despedida, um misto de emoções que faziam com que nunca tivéssemos o bastante um do outro. Aos poucos, nos afastamos. – Daqui dois dias. Na estação de trem. Às 14h. Eu estarei te esperando, não importa a sua decisão. Por favor, venha. Nem que seja apenas para se despedir.
E com um beijo no topo da minha cabeça, ele se foi. E eu sentia que uma parte de mim estava indo junto.
Fechei meus olhos, forçando-me a permanecer no presente. Ouvi a porta do quarto sendo aberta e veio correndo em minha direção assim que me viu chorando, sentada na cama.
- O que aconteceu? – Ele perguntou, preocupado.
- Você lembra do nosso namoro? – Perguntei, limpando as lágrimas.
- Não ouse me comparar àquele cara, . – logo se afastou, colocando-se de frente para a janela do nosso quarto.
- Não estou te comparando a ele, mas a situação, em si.
- Não é a mesma coisa. – insistia, mas sem me dar mais explicações. Eu suspirei e levantei, seguindo em sua direção, com o manuscrito na mão. olhou para mim, seu olhar logo caindo para as minhas mãos. – O que é isso?
- Esse é meu primeiro livro. Antes de você ter sua banda e se tornar um astro da música, antes de eu ter meu primeiro livro best-seller publicado... Antes de tudo. Eu nunca o mostrei pra ninguém, mas eu gostaria muito que lesse. – pegou o manuscrito da minha mão, folheando-o.
- Sobre o que é? – Perguntou, com curiosidade.
- É a nossa história, acredito que esteja precisando refrescar a memória.
- ...
- Só leia, por favor. Eu não vou cometer o mesmo erro dos meus pais, não vou forçar nossa filha a escolher, não vou correr o risco de ela fugir e viver longe da gente. Eu não vou permitir isso, , você querendo ou não. Se ela quebrar a cara, eu estarei ao seu lado para juntar os pedaços. Se ele se provar digno do amor dela, eu estarei ao seu lado no altar. Não importa, mas eu não vou deixar minha filha passar pela pressão que eu passei. – Antes que pudesse falar alguma coisa, eu aproximei-me dele e o beijei, sorrindo logo em seguida. – Só porque deu certo com a gente, não significa que dará certo para ela, e eu não vou arriscar. Eu enxergava algo em você que ninguém mais conseguia, e eu ainda consigo ver nos seus olhos todo o amor que você sente por mim. Você nunca descumpriu sua promessa, nós passamos por dificuldades, sim, mas você batalhou dia e noite para que chegássemos onde estamos.
- Eu não fiz nada sozinho, . – Eu sorri.
- Eu sei, nós lutamos, juntos. Apenas nós dois em uma cidade estranha, . Não me arrependo da decisão que tomei, de deixar tudo para trás e seguir com você. Se eu pudesse voltar no tempo, faria exatamente igual, porque ninguém me faz mais feliz que você. Nós temos o presente mais precioso das nossas vidas, que é a Sophie, e eu a quero ao meu lado para sempre, quero ver cada vitória dela e ajudá-la em toda batalha. Eu quero fazer parte da vida dela assim como queria que meus pais fizessem parte da minha. Eu aceitei que para mim essa opção não estava disponível, e eu estou bem com isso, mas eu não vou fazer isso com ela. Então, por favor, leia e veja o que eu realmente senti naqueles momentos, cada pensamento que não ousei compartilhar com ninguém. Depois pense nela e se gostaria que ela se sentisse assim. – Dei um beijo em sua bochecha e saí, torcendo para que tudo se resolvesse logo e da melhor maneira possível.
...
A dor no meu peito era excruciante. Eu mal conseguia respirar, meus pensamentos não conseguiam seguir em uma única direção. Meu coração batia fraco, porque uma parte dele tinha ido embora. Eu não tinha forças para levantar da cama, eu não queria comer, não queria ver ninguém... Eu queria apenas que o mundo acabasse e, com ele, toda essa dor.
Por que tudo tem que ser tão difícil?
Por que meus pais não podem aceitar que eu o amo?
Por que meus amigos são tão insensíveis? Por que eles só sabem me criticar?
Por que ele quer me deixar?
Por que a vida tem que ser tão cruel?
Talvez, apenas talvez, se eu dormisse e nunca mais acordasse, as coisas seriam mais fáceis para todo mundo.
...
O relógio indicava o meio-dia. Apenas duas horas para que ele partisse em um trem para bem longe. Apenas duas horas para que eu tomasse uma decisão que não tomara em dois dias.
Deitada na cama, eu encarava o teto, esperando que, por alguma obra divina, a resposta caísse sobre mim. As imagens da minha família, dos meus amigos, dele... Todas giravam em minha mente e mostravam-me memórias felizes. Momentos que eu não queria nunca apagar, mas apenas criar novos e fazer uma imensa coletânea do lado bom da vida.
Mas não é fácil assim.
Nunca foi.
O sonho dos meus pais era que eu me tornasse uma advogada de sucesso, assim como eles. Seguir com o trabalho que eles construíram do zero.
Será que eles sabiam o meu sonho?
Ele sabia.
Ele sempre soube tudo sobre mim.
Será que abandonar minha família, minha casa, a vida que eu sempre conheci... Por alguém que conheço há pouco mais de um ano é o certo a fazer?
O amor da minha família... Ou o amor dele?
O sonho que a minha família sonhou para mim... Ou o sonho que eu sempre tive?
O apoio para o que acham que será melhor... Ou o apoio para as minhas decisões?
Viver uma vida já definida... Ou ainda escrever os próximos capítulos?
Ele pediu-me para não racionalizar, mas isso era mais difícil do que parecia. A mente cria caminhos tortuosos para que você tenha medo do que não sabe, do que não pode prever, para que continue presa naquilo que é certo, que é esperado... Caminhos que te permitam fugir do desconhecido. Essa é a minha mente falando, meus amigos falando, meus pais falando...
E meu coração?
13h.
Encarei meu guarda-roupa, a mala sobre ele. Minha mente rejeitou a ideia.
Meu coração não.
Fechei meus olhos.
O futuro.
Um rosto.
Um sonho.
Uma decisão tomada.
...
Com um bilhete sobre o travesseiro, eu deixei o que, um dia, eu chamei de quarto.
Com mais alguns passos, deixei aquilo que um dia eu chamei de lar.
Um táxi estava na porta, eu corria contra o tempo.
O caminho até a estação de trem nunca fora tão longo. Paguei o taxista e saí correndo em disparada, o coração acelerado, com medo de que fosse tarde demais.
Olhei para o relógio pendurado em uma das paredes: 13h58min.
Daria tempo. Tinha que dar.
As pessoas pareciam cooperar e saíam do meu caminho. Meu olhar percorria cada canto, buscando a pessoa que me completava, com quem eu queria construir o futuro. Sem medos, sem arrependimentos.
Foi então que eu o vi. Em pé, encarando um outro relógio.
Sua mala estava à sua frente. As mãos nos bolsos da calça e os pés agitados.
Eu sussurrei seu nome.
Sua cabeça virou em minha direção, como se tivesse me ouvido.
Ele sorriu.
Meu coração gritou que essa era a decisão certa.
Eu corri.
Pela primeira vez em muito tempo, eu senti o que era felicidade.
Eu senti o que era ser amada.
Eu só precisava ouvir meu coração. E foi exatamente o que eu fiz.
...
Duas batidas na porta fizeram Sophie assustar-se. Ela tinha acabado de pegar sua mala, Chace a estava esperando.
- Vai embora, não quero falar com ninguém. – Ela gritou, não querendo interromper o que fazia.
- Sophie, sou eu, abre a porta, por favor. – Ao ouvir a voz do pai, a garota travou, em pânico. Ele iria matá-la, caso descobrisse o que ela planejava. Com uma rapidez que ela desconhecia, jogou a mala debaixo da cama e respirou fundo antes de dirigir-se para a porta. Assim que a abriu, a encarou. O rosto inchado pelas lágrimas derramadas após uma leitura incessante do manuscrito que sua esposa havia o entregado.
- O senhor está bem? – O pânico da menina transformou-se em preocupação. Não conseguia recordar a última vez que vira o pai chorar.
- Posso entrar? Acho que precisamos conversar. – disse, tranquilamente. Hesitante, Sophie permitiu que ele entrasse em seu quarto, ainda receosa sobre o verdadeiro motivo para o seu pai visitá-la tão tarde.
- Então... – A garota começou, notando o silêncio desconfortável que se instalara no quarto.
- Eu queria te pedir desculpas pela cena mais cedo. Eu não deveria ter te tratado daquela maneira, nem ao seu namorado. – Os olhos da garota arregalaram. Era a primeira vez que ele referia-se a Chace como seu namorado. A surpresa dela foi tão visível, que o pai não conseguiu conter uma risada. seguiu para a cama, sentando na beirada. – Vem cá.
- O que o senhor está armando? – Sophie perguntou, não acreditando completamente no pedido de desculpas do pai.
- Acho que nunca te contamos por que não conheceu seus avós, pais da sua mãe. – começou, a filha apenas assentiu, não entendendo o que aquilo tinha a ver com a situação. Ela encarou o relógio, notando que o horário marcado com Chace se aproximava.
- Esse não é o melhor momento, papai. – A garota tentou, talvez assim o pai desistisse e fosse embora.
- Os pais da sua mãe não aceitavam nosso namoro. – Mais uma vez, a garota assustou-se, não sabendo como processar a informação. – Nós namoramos por mais de um ano contra a vontade de todos. Em um determinado momento, a situação ficou difícil demais para que continuasse daquela forma. Então eu disse à sua mãe que eu deixaria a cidade, que não havia nada pra mim ali. – Sophie levou as mãos a boca, como medo de que o pai tivesse descoberto tudo e estivesse apenas brincando com ela.
- Isso é verdade? – Ela perguntou, tensa. O pai assentiu, mesmo que não entendesse a pergunta da filha.
- Os pais dela nunca me deram uma chance de provar que eu era digno do amor da filha deles. Eu nunca tive a oportunidade de mostrar para eles que eu faria de tudo pela sua mãe, que tudo o que eu queria era que ela fosse feliz. Só que existia uma diferença de classes entre nós, e o preconceito da sociedade pesou bastante.
- Mas o que aconteceu? – Sophie, completamente concentrada nas palavras do pai, perguntou. Curiosa com qual rumo a história havia seguido.
- Nós fugimos. Saímos da cidade, sem olhar para trás. No início foi difícil, não vou negar, mas eu podia ver que sua mãe sofria por não ter o apoio dos pais, ainda que ela me assegurasse que estava tudo bem e que tinha tomado a decisão certa. Ela abandonou tudo por nós dois, pelo nosso amor. – Os olhos da garota brilhavam, não acreditando na história que o pai contava.
- Mas...
- Eu sei. Eu estou fazendo o mesmo que fizeram comigo. Eu sei. Agora eu sei. – pegou nas mãos da filha, olhando-a nos olhos. – Eu não vou cometer o mesmo erro dos seus avós. Nós não iremos te fazer escolher, não colocaremos esse peso sobre você, Sophie. Sua mãe e eu só queremos o seu melhor, mas não podemos tomar decisões por você. Se tudo der errado, nós estaremos aqui pra juntar os pedaços. Se tudo der certo, eu te levo até o altar, mesmo que isso signifique perder minha princesinha pra outro homem.
- Você nunca vai me perder, papai. – A garota abraçou o pai, as lágrimas, agora, escorriam pelo seu rosto. A tensão se esvaía a cada segundo, era como se o mundo fosse retirado das suas costas.
- Eu tenho duas coisas para te pedir. A primeira é que ouça o seu coração. Ele te dirá a verdade, ele te libertará. – A voz do homem embargou, a sensação de déjà vu tomando conta dele.
- E a segunda? – Sophie perguntou, sorrindo.
- Chame seu namorado para almoçar aqui, amanhã. Já passou da hora de termos uma conversinha sobre mão boba no corpo da minha filha.
- PAPAI! – sentiu seu coração aquecer com o som da risada da filha, algo que ele não ouvia já fazia um tempo.
Após um abraço apertado, o homem saiu do quarto.
Sophie saiu correndo para pegar o celular e contar a novidade para o namorado.
O alívio de ambos era evidente.
No final das contas, a fuga não seria necessária.
A decisão foi tomada, mas não uma que separasse uma família.
Muito pelo contrário, os laços foram fortalecidos.
O futuro ainda era uma incógnita, o que deixava a mente perturbada.
Mas o coração, ah, ele mais uma vez foi ouvido.
E o amor falou mais alto.
...
Eu estava deitada na cama, segurando-me para não sair do quarto e ir descobrir o que estava acontecendo. sumiu pelo resto do dia, Sophie também não deixou o quarto. Eu sentia que, a qualquer momento, poderia surtar.
Até que entrou no quarto.
Prendi a respiração ao encarar meu marido. Um sorriso estava em seus lábios, e isso confortou-me, mesmo não sabendo o motivo. Ele caminhou lentamente até mim, o manuscrito estava na sua mão. o deixou sobre o criado-mudo e sentou-se na cama, ao meu lado.
- Por que você nunca me contou? – Ele disse, após alguns segundos de silêncio. Eu sabia exatamente de qual parte ele estava falando, mas era um passado que eu já tinha superado e não queria lembrar.
- Passou, , tenho muito mais motivos para viver. – Disse, apenas. Meu marido abraçou-me, levando-me para o seu colo.
- Você me contaria caso... – Beijei-o, impedindo-o de terminar aquele frase.
- Eu estou bem. – Com um suspiro, apertou seus braços ao redor de mim, escondendo seu rosto em meu pescoço.
- Eu conversei com a Sophie.
- E...? – O incentivei quando percebi que ele não continuaria.
- Acho que ela estava arrumando a mala pra fugir. – Tentei soltar-me dos seus braços, mas segurou-me tão forte, que mal consegui me mexer.
- Me solta, , eu preciso ir atrás dela. – Disse, nervosa.
- Calma, nós resolvemos tudo. Eu pedi desculpas pela maneira como a tratei, até convidei o rapaz pra almoçar aqui amanhã. O cara estava com a mão na bunda dela, ! Na bunda da minha filhinha! – Não consegui conter a risada.
- Eu realmente preciso vê-la, por favor. – Falei, baixinho.
- Eu a ouvi ligar para ele logo após que saí, ela disse que não precisavam mais fugir, que nós estávamos ao lado dela.
- O que você disse? – Perguntei, um pouco mais tranquila.
- Foi um pedido, na verdade. Algo que tinha me esquecido por um tempo, mas você me fez lembrar. – Arqueei uma sobrancelha, esperando que ele continuasse. – Eu fiz o mesmo pedido que fiz a você há tantos anos. Pedi para que ela ouvisse o coração, porque ele dirá a verdade, ele a libertará. – Com um suspiro, selei nossos lábios. Eu não posso prometer que tudo ficará bem, mas ouvir o coração nos ajudou uma vez, só me resta esperar e torcer para que faça isso novamente.
- O que está acontecendo? – Perguntei, nervosa, na dúvida entre seguir Sophie e ficar ali para saber por que estava tão nervoso. Meu marido andava de um lado para o outro e bufava, não conseguindo conter toda a raiva que estava sentindo. Aproximei-me dele, tocando seus ombros levemente. No início, ele se afastou, mas, percebendo sua atitude, logo voltou para perto de mim e passou os seus braços pela minha cintura.
- Me desculpe. – beijou o topo da minha cabeça, um pouco mais controlado.
- O que aconteceu? – Perguntei, baixinho.
- Aquele cara de novo, . – Ele fechou os olhos com força, respirando fundo. Suspirei, sabendo que falava do namorado de Sophie. – Não acredito que ela me desobedeceu assim! Eu já disse que não a quero perto dele, que ele não é bom o bastante pra ela. – Suspirei ao ouvir suas palavras, eu sentia-me em um déjà vu.
- Acho melhor eu ir falar com ela. – Disse e soltei-me dele, não querendo conversar com ele ainda nervoso e com a cabeça quente. nada disse, apenas seguiu para o seu escritório.
Subi as escadas e segui em direção ao quarto da Sophie. Bati levemente na porta, mas ela não me respondeu.
- Sophie, sou eu. Abre a porta, seu pai não está aqui. – Esperei por mais alguns segundos, até que ela veio abrir a porta para mim. Seus olhos estavam vermelhos e ainda úmidos, seu rosto inchado deixava claro que ela estava chorando fazia bastante tempo.
- Foi horrível, mamãe! – Ela abraçou-me fortemente, escondendo seu rosto em meu pescoço. Guiei-a até a cama, soltando-me do abraço e a deitando com a cabeça apoiada no meu colo.
- Fica calma, eu vou conversar com o seu pai. – Eu disse, tentando acalmá-la.
- Ele nem me deixou falar, chegou logo gritando com o Chace, como se ele fosse um marginal. Ele é bom, mamãe, eu sei disso. Por que o papai não consegue enxergar? – Eu suspirei devido ao seu tom suplicante, meu coração quebrando aos poucos por vê-la assim.
- Ele só está querendo o que é melhor pra você. Você pode ter 17 anos, mas sempre será a garotinha dele. – Eu disse, mas Sophie logo levantou, encarando-me.
- Ele está sendo preconceituoso! Só porque o Chace não tem o mesmo padrão de vida que a gente significa que ele é “um interesseiro”, “um moleque com sonhos de subir na vida às custas dos outros”? – Minha filha voltou a soluçar, não conseguindo dizer mais nada. As lágrimas escorriam incessantemente pelo seu rosto e eu sentia-me impotente. Encarei-a, lembrando de um passado cheio dos mesmos dilemas, do mesmo sofrimento, das mesmas lágrimas, das mesmas palavras.
Não sei por quanto tempo ficamos naquela posição. Seu choro foi parando aos poucos, até que ela caiu no sono. A expressão em seu rosto era tensa, mostrando todo o seu nervosismo com a situação.
Saí do quarto tentando fazer o mínimo de barulho possível, não querendo acordar Sophie. Segui até meu quarto, procurando algo que escrevi há muito tempo, mas que nunca tinha publicado. Até aquele momento, vendo tanto sofrimento no rosto da minha filha, eu nunca pensei em mostrar isso para alguém, nem mesmo para . Mas, às vezes, o coração nos pede coisas que, mesmo que não entendamos no momento, terá um propósito no final.
Abri o manuscrito e busquei por uma página, especificamente:
- Você é muito nova pra entender qualquer coisa, minha filha. A vida não é esse mar de rosas, tudo que você tem é porque seu pai e eu batalhamos para isso. Você vai se machucar se continuar insistindo em ficar com esse... Cara. – Minha mãe dizia e meu coração apertava a cada palavra que saía da sua boca. Eu chorava copiosamente, não conseguindo conter as lágrimas e manter-me firme diante dela.
Mamãe deixou o quarto, em sua pose confiante e superior, a mesma pose que usava nos tribunais enquanto massacrava seu oponente em um julgamento. Ela era fatal quando se tratava do seu trabalho, assim como papai. Ambos advogados, uma parte tão grande deles que não sobrava espaço para o que eu precisava que eles fossem no momento: pais.
Ouvi a porta sendo fechada e uma conversa do outro lado da porta.
- Ah, minha querida, que bom que veio! Talvez consiga colocar um pouco de juízo na cabeça dessa menina. Eu sei que é só uma fase, meu medo é que ela se arrependa amargamente no futuro por ter gasto tanto tempo com quem não merecia.
- Eu vou falar com ela. – Minha “melhor amiga” disse, entrando no quarto em seguida. Não me mexi, apenas encarei a janela, de costas para a porta e para Luci. A senti se aproximar da cama, sentando na beirada.
- Eu já sei o que você pensa, não precisa dizer. – Eu disse quando percebi que ela nada falaria. Luci apenas suspirou e eu tinha certeza que ela tinha revirado os olhos, mesmo sem olhá-la.
- Você pode ter quem você quiser. Seus pais são importantes, ricos, sua família é conhecida e respeitada e ainda insiste em ficar com alguém tão abaixo de você. – Virei-me para ela, não conseguindo acreditar em suas palavras. – Não adianta me olhar assim, você também sabe disso, só não quer admitir. – Eu estava tão chocada, que as palavras ficaram presas em minha garganta. – Você sabe que nem deveria ter começado com isso. Eu sei que estava querendo afrontar seus pais, mostrar para eles que é dona de si, mas não acha que já passou dos limites? Vamos lá, não se apaixonou realmente por aquele cara, né? – Suas palavras destilavam um veneno que poucas vezes eu pude sentir.
- Acho que é melhor você ir embora. – Disse, calmamente. Eu não sabia de onde aquela tranquilidade estava vindo, mas estava imensamente grata por não estar perdendo o controle. Luci bufou, mas levantou e foi em direção à porta.
- Você está dando as costas para todos os seus amigos e para a sua família por causa de um cara. Pensa bem nessa sua decisão, a resposta já está na sua cabeça. – Ela bateu a porta. Virei-me na cama, encarando a janela novamente.
Talvez eu não queira ouvir minha cabeça.
Uma lágrima escorreu pelo meu rosto, as memórias atingindo-me em cheio e causando uma dor lancinante em meu peito. Passei mais algumas páginas, relembrando cada momento da nossa história eternizada naqueles papéis. Depois que eu a escrevi, eu nunca parei para ler novamente, porque nunca quis relembrar os momentos ruins, já que conseguira alcançar meu “felizes para sempre”, meu conto de fadas com um príncipe não tão perfeito para os outros, mas perfeito para mim. Meus olhos pousaram em uma outra página. Com um suspiro, permiti-me ler:
- Você está distante. – ele disse quando afastei-me mais uma vez do conforto do seu abraço.
- Só estou com muita coisa na cabeça. – Disse, encarando o horizonte, ainda de costas para ele. Ouvi seus suspiros e seus passos vindo em minha direção. Meu namorado parou ao meu lado, também encarando a paisagem à nossa frente.
- Você está pensando em desistir de mim. Da gente. – Ele não perguntou. Não ousei virar meu rosto em sua direção, confusa demais para dizer qualquer coisa após sua afirmação. – Sua “amiga” foi te visitar? – Ele fez aspas quando disse a palavra amiga e, depois, voltou a colocar as mãos nos bolsos, ainda não me encarando.
- Foi. – Disse, apenas.
- Sua mãe fez aquele discurso de novo? – Ele seguiu com as perguntas.
- Sim. – Continuei com respostas monossilábicas, não tendo forças para elaborar.
bufou e abriu os braços, virando em minha direção e encarando-me. Tomei coragem e fiquei de frente para ele.
- O que você quer de mim? Eu não posso ser quem seus pais querem que eu seja, eu não posso ser quem seus amigos querem, esse sou eu... E eu sou todo seu, você só precisa querer. Eu não posso mais levar isso desse jeito. Toda vez que alguém nos vê e começam com essa pressão sobre você, é assim que termina: eu me explicando e você distante. Eu não tenho mais certeza que você não vai me deixar. Como você quer que eu lute sozinho por nós? – Seus olhos brilhavam e sua voz tremia, meu estado não estava muito melhor. Eu podia sentir as lágrimas escorrendo pelo meu rosto, meu coração tão apertado que eu poderia cair a qualquer momento.
- Eu amo você. – Eu disse, com toda a certeza que eu tinha em meu coração. – Mas eu também amo a minha família. Por favor, não me faça escolher, eles já fazem isso. – Minha voz saiu em um sussurro. Ele se aproximou, e, dessa vez, deixei-me ser confortada por seus braços, deixei-me ser protegida pelo calor que seu corpo emanava.
- Eu faria tudo por você, e você sabe disso. Mas não podemos continuar assim. – Afastei meu rosto de seu pescoço e o encarei, sentindo como se meu coração estivesse sendo arrancado de mim.
- Não diz isso, eu não posso...
- Shii. – Ele selou nossos lábios, impedindo-me de continuar. – Eu vou embora da cidade. Não vou conseguir nada aqui. – Arregalei meus olhos, prestes a retrucar novamente. Eu tinha certeza que se não fossem seus braços, eu já estaria no chão. – Espera. Só me ouve.
- Mas...
- Me escuta. – Ele deu-me um beijo calmo. Seu olhar estava mais tranquilo. – Eu não quero te pressionar ou te fazer tomar uma decisão de cabeça quente. Eu sei que o dia foi estressante, seu pai te colocou de castigo, sua mãe jogou várias coisas na sua cara... Eu sei disso tudo, mas também não tem sido fácil pra mim. – Após um longo suspiro, ele continuou. – Não ouça o mundo, eles dizem que a gente nunca irá conseguir. Não ouça seus amigos, por eles, nós nunca começaríamos. Não ouça as vozes na sua cabeça. – Ele deu um beijo em minha testa. – Ouça seu coração, ele dirá a verdade, ele vai te libertar.
- Por favor, não vai...
- Promete que vai fazer o que eu pedi? – As lágrimas desciam incontroláveis pelo meu rosto, não me permitindo enxergá-lo direito. Apenas assenti, ainda que não gostasse do rumo que a conversa estava tomando. – Ótimo. Não importa a decisão que vai tomar, eu vou respeitá-la. Mas acho que preciso compartilhar com você o que o meu coração diz. – Ele pegou uma das minhas mãos e a colocou sobre seu peito, eu podia sentir as batidas aceleradas do seu coração. – Ele grita que você foi feita pra mim, e que é aqui que você deve ficar. Nada mais me importa. – Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, ele beijou-me. Foi um beijo desesperado, uma súplica, uma despedida, um misto de emoções que faziam com que nunca tivéssemos o bastante um do outro. Aos poucos, nos afastamos. – Daqui dois dias. Na estação de trem. Às 14h. Eu estarei te esperando, não importa a sua decisão. Por favor, venha. Nem que seja apenas para se despedir.
E com um beijo no topo da minha cabeça, ele se foi. E eu sentia que uma parte de mim estava indo junto.
Fechei meus olhos, forçando-me a permanecer no presente. Ouvi a porta do quarto sendo aberta e veio correndo em minha direção assim que me viu chorando, sentada na cama.
- O que aconteceu? – Ele perguntou, preocupado.
- Você lembra do nosso namoro? – Perguntei, limpando as lágrimas.
- Não ouse me comparar àquele cara, . – logo se afastou, colocando-se de frente para a janela do nosso quarto.
- Não estou te comparando a ele, mas a situação, em si.
- Não é a mesma coisa. – insistia, mas sem me dar mais explicações. Eu suspirei e levantei, seguindo em sua direção, com o manuscrito na mão. olhou para mim, seu olhar logo caindo para as minhas mãos. – O que é isso?
- Esse é meu primeiro livro. Antes de você ter sua banda e se tornar um astro da música, antes de eu ter meu primeiro livro best-seller publicado... Antes de tudo. Eu nunca o mostrei pra ninguém, mas eu gostaria muito que lesse. – pegou o manuscrito da minha mão, folheando-o.
- Sobre o que é? – Perguntou, com curiosidade.
- É a nossa história, acredito que esteja precisando refrescar a memória.
- ...
- Só leia, por favor. Eu não vou cometer o mesmo erro dos meus pais, não vou forçar nossa filha a escolher, não vou correr o risco de ela fugir e viver longe da gente. Eu não vou permitir isso, , você querendo ou não. Se ela quebrar a cara, eu estarei ao seu lado para juntar os pedaços. Se ele se provar digno do amor dela, eu estarei ao seu lado no altar. Não importa, mas eu não vou deixar minha filha passar pela pressão que eu passei. – Antes que pudesse falar alguma coisa, eu aproximei-me dele e o beijei, sorrindo logo em seguida. – Só porque deu certo com a gente, não significa que dará certo para ela, e eu não vou arriscar. Eu enxergava algo em você que ninguém mais conseguia, e eu ainda consigo ver nos seus olhos todo o amor que você sente por mim. Você nunca descumpriu sua promessa, nós passamos por dificuldades, sim, mas você batalhou dia e noite para que chegássemos onde estamos.
- Eu não fiz nada sozinho, . – Eu sorri.
- Eu sei, nós lutamos, juntos. Apenas nós dois em uma cidade estranha, . Não me arrependo da decisão que tomei, de deixar tudo para trás e seguir com você. Se eu pudesse voltar no tempo, faria exatamente igual, porque ninguém me faz mais feliz que você. Nós temos o presente mais precioso das nossas vidas, que é a Sophie, e eu a quero ao meu lado para sempre, quero ver cada vitória dela e ajudá-la em toda batalha. Eu quero fazer parte da vida dela assim como queria que meus pais fizessem parte da minha. Eu aceitei que para mim essa opção não estava disponível, e eu estou bem com isso, mas eu não vou fazer isso com ela. Então, por favor, leia e veja o que eu realmente senti naqueles momentos, cada pensamento que não ousei compartilhar com ninguém. Depois pense nela e se gostaria que ela se sentisse assim. – Dei um beijo em sua bochecha e saí, torcendo para que tudo se resolvesse logo e da melhor maneira possível.
A dor no meu peito era excruciante. Eu mal conseguia respirar, meus pensamentos não conseguiam seguir em uma única direção. Meu coração batia fraco, porque uma parte dele tinha ido embora. Eu não tinha forças para levantar da cama, eu não queria comer, não queria ver ninguém... Eu queria apenas que o mundo acabasse e, com ele, toda essa dor.
Por que tudo tem que ser tão difícil?
Por que meus pais não podem aceitar que eu o amo?
Por que meus amigos são tão insensíveis? Por que eles só sabem me criticar?
Por que ele quer me deixar?
Por que a vida tem que ser tão cruel?
Talvez, apenas talvez, se eu dormisse e nunca mais acordasse, as coisas seriam mais fáceis para todo mundo.
O relógio indicava o meio-dia. Apenas duas horas para que ele partisse em um trem para bem longe. Apenas duas horas para que eu tomasse uma decisão que não tomara em dois dias.
Deitada na cama, eu encarava o teto, esperando que, por alguma obra divina, a resposta caísse sobre mim. As imagens da minha família, dos meus amigos, dele... Todas giravam em minha mente e mostravam-me memórias felizes. Momentos que eu não queria nunca apagar, mas apenas criar novos e fazer uma imensa coletânea do lado bom da vida.
Mas não é fácil assim.
Nunca foi.
O sonho dos meus pais era que eu me tornasse uma advogada de sucesso, assim como eles. Seguir com o trabalho que eles construíram do zero.
Será que eles sabiam o meu sonho?
Ele sabia.
Ele sempre soube tudo sobre mim.
Será que abandonar minha família, minha casa, a vida que eu sempre conheci... Por alguém que conheço há pouco mais de um ano é o certo a fazer?
O amor da minha família... Ou o amor dele?
O sonho que a minha família sonhou para mim... Ou o sonho que eu sempre tive?
O apoio para o que acham que será melhor... Ou o apoio para as minhas decisões?
Viver uma vida já definida... Ou ainda escrever os próximos capítulos?
Ele pediu-me para não racionalizar, mas isso era mais difícil do que parecia. A mente cria caminhos tortuosos para que você tenha medo do que não sabe, do que não pode prever, para que continue presa naquilo que é certo, que é esperado... Caminhos que te permitam fugir do desconhecido. Essa é a minha mente falando, meus amigos falando, meus pais falando...
E meu coração?
13h.
Encarei meu guarda-roupa, a mala sobre ele. Minha mente rejeitou a ideia.
Meu coração não.
Fechei meus olhos.
O futuro.
Um rosto.
Um sonho.
Uma decisão tomada.
Com um bilhete sobre o travesseiro, eu deixei o que, um dia, eu chamei de quarto.
Com mais alguns passos, deixei aquilo que um dia eu chamei de lar.
Um táxi estava na porta, eu corria contra o tempo.
O caminho até a estação de trem nunca fora tão longo. Paguei o taxista e saí correndo em disparada, o coração acelerado, com medo de que fosse tarde demais.
Olhei para o relógio pendurado em uma das paredes: 13h58min.
Daria tempo. Tinha que dar.
As pessoas pareciam cooperar e saíam do meu caminho. Meu olhar percorria cada canto, buscando a pessoa que me completava, com quem eu queria construir o futuro. Sem medos, sem arrependimentos.
Foi então que eu o vi. Em pé, encarando um outro relógio.
Sua mala estava à sua frente. As mãos nos bolsos da calça e os pés agitados.
Eu sussurrei seu nome.
Sua cabeça virou em minha direção, como se tivesse me ouvido.
Ele sorriu.
Meu coração gritou que essa era a decisão certa.
Eu corri.
Pela primeira vez em muito tempo, eu senti o que era felicidade.
Eu senti o que era ser amada.
Eu só precisava ouvir meu coração. E foi exatamente o que eu fiz.
Duas batidas na porta fizeram Sophie assustar-se. Ela tinha acabado de pegar sua mala, Chace a estava esperando.
- Vai embora, não quero falar com ninguém. – Ela gritou, não querendo interromper o que fazia.
- Sophie, sou eu, abre a porta, por favor. – Ao ouvir a voz do pai, a garota travou, em pânico. Ele iria matá-la, caso descobrisse o que ela planejava. Com uma rapidez que ela desconhecia, jogou a mala debaixo da cama e respirou fundo antes de dirigir-se para a porta. Assim que a abriu, a encarou. O rosto inchado pelas lágrimas derramadas após uma leitura incessante do manuscrito que sua esposa havia o entregado.
- O senhor está bem? – O pânico da menina transformou-se em preocupação. Não conseguia recordar a última vez que vira o pai chorar.
- Posso entrar? Acho que precisamos conversar. – disse, tranquilamente. Hesitante, Sophie permitiu que ele entrasse em seu quarto, ainda receosa sobre o verdadeiro motivo para o seu pai visitá-la tão tarde.
- Então... – A garota começou, notando o silêncio desconfortável que se instalara no quarto.
- Eu queria te pedir desculpas pela cena mais cedo. Eu não deveria ter te tratado daquela maneira, nem ao seu namorado. – Os olhos da garota arregalaram. Era a primeira vez que ele referia-se a Chace como seu namorado. A surpresa dela foi tão visível, que o pai não conseguiu conter uma risada. seguiu para a cama, sentando na beirada. – Vem cá.
- O que o senhor está armando? – Sophie perguntou, não acreditando completamente no pedido de desculpas do pai.
- Acho que nunca te contamos por que não conheceu seus avós, pais da sua mãe. – começou, a filha apenas assentiu, não entendendo o que aquilo tinha a ver com a situação. Ela encarou o relógio, notando que o horário marcado com Chace se aproximava.
- Esse não é o melhor momento, papai. – A garota tentou, talvez assim o pai desistisse e fosse embora.
- Os pais da sua mãe não aceitavam nosso namoro. – Mais uma vez, a garota assustou-se, não sabendo como processar a informação. – Nós namoramos por mais de um ano contra a vontade de todos. Em um determinado momento, a situação ficou difícil demais para que continuasse daquela forma. Então eu disse à sua mãe que eu deixaria a cidade, que não havia nada pra mim ali. – Sophie levou as mãos a boca, como medo de que o pai tivesse descoberto tudo e estivesse apenas brincando com ela.
- Isso é verdade? – Ela perguntou, tensa. O pai assentiu, mesmo que não entendesse a pergunta da filha.
- Os pais dela nunca me deram uma chance de provar que eu era digno do amor da filha deles. Eu nunca tive a oportunidade de mostrar para eles que eu faria de tudo pela sua mãe, que tudo o que eu queria era que ela fosse feliz. Só que existia uma diferença de classes entre nós, e o preconceito da sociedade pesou bastante.
- Mas o que aconteceu? – Sophie, completamente concentrada nas palavras do pai, perguntou. Curiosa com qual rumo a história havia seguido.
- Nós fugimos. Saímos da cidade, sem olhar para trás. No início foi difícil, não vou negar, mas eu podia ver que sua mãe sofria por não ter o apoio dos pais, ainda que ela me assegurasse que estava tudo bem e que tinha tomado a decisão certa. Ela abandonou tudo por nós dois, pelo nosso amor. – Os olhos da garota brilhavam, não acreditando na história que o pai contava.
- Mas...
- Eu sei. Eu estou fazendo o mesmo que fizeram comigo. Eu sei. Agora eu sei. – pegou nas mãos da filha, olhando-a nos olhos. – Eu não vou cometer o mesmo erro dos seus avós. Nós não iremos te fazer escolher, não colocaremos esse peso sobre você, Sophie. Sua mãe e eu só queremos o seu melhor, mas não podemos tomar decisões por você. Se tudo der errado, nós estaremos aqui pra juntar os pedaços. Se tudo der certo, eu te levo até o altar, mesmo que isso signifique perder minha princesinha pra outro homem.
- Você nunca vai me perder, papai. – A garota abraçou o pai, as lágrimas, agora, escorriam pelo seu rosto. A tensão se esvaía a cada segundo, era como se o mundo fosse retirado das suas costas.
- Eu tenho duas coisas para te pedir. A primeira é que ouça o seu coração. Ele te dirá a verdade, ele te libertará. – A voz do homem embargou, a sensação de déjà vu tomando conta dele.
- E a segunda? – Sophie perguntou, sorrindo.
- Chame seu namorado para almoçar aqui, amanhã. Já passou da hora de termos uma conversinha sobre mão boba no corpo da minha filha.
- PAPAI! – sentiu seu coração aquecer com o som da risada da filha, algo que ele não ouvia já fazia um tempo.
Após um abraço apertado, o homem saiu do quarto.
Sophie saiu correndo para pegar o celular e contar a novidade para o namorado.
O alívio de ambos era evidente.
No final das contas, a fuga não seria necessária.
A decisão foi tomada, mas não uma que separasse uma família.
Muito pelo contrário, os laços foram fortalecidos.
O futuro ainda era uma incógnita, o que deixava a mente perturbada.
Mas o coração, ah, ele mais uma vez foi ouvido.
E o amor falou mais alto.
Eu estava deitada na cama, segurando-me para não sair do quarto e ir descobrir o que estava acontecendo. sumiu pelo resto do dia, Sophie também não deixou o quarto. Eu sentia que, a qualquer momento, poderia surtar.
Até que entrou no quarto.
Prendi a respiração ao encarar meu marido. Um sorriso estava em seus lábios, e isso confortou-me, mesmo não sabendo o motivo. Ele caminhou lentamente até mim, o manuscrito estava na sua mão. o deixou sobre o criado-mudo e sentou-se na cama, ao meu lado.
- Por que você nunca me contou? – Ele disse, após alguns segundos de silêncio. Eu sabia exatamente de qual parte ele estava falando, mas era um passado que eu já tinha superado e não queria lembrar.
- Passou, , tenho muito mais motivos para viver. – Disse, apenas. Meu marido abraçou-me, levando-me para o seu colo.
- Você me contaria caso... – Beijei-o, impedindo-o de terminar aquele frase.
- Eu estou bem. – Com um suspiro, apertou seus braços ao redor de mim, escondendo seu rosto em meu pescoço.
- Eu conversei com a Sophie.
- E...? – O incentivei quando percebi que ele não continuaria.
- Acho que ela estava arrumando a mala pra fugir. – Tentei soltar-me dos seus braços, mas segurou-me tão forte, que mal consegui me mexer.
- Me solta, , eu preciso ir atrás dela. – Disse, nervosa.
- Calma, nós resolvemos tudo. Eu pedi desculpas pela maneira como a tratei, até convidei o rapaz pra almoçar aqui amanhã. O cara estava com a mão na bunda dela, ! Na bunda da minha filhinha! – Não consegui conter a risada.
- Eu realmente preciso vê-la, por favor. – Falei, baixinho.
- Eu a ouvi ligar para ele logo após que saí, ela disse que não precisavam mais fugir, que nós estávamos ao lado dela.
- O que você disse? – Perguntei, um pouco mais tranquila.
- Foi um pedido, na verdade. Algo que tinha me esquecido por um tempo, mas você me fez lembrar. – Arqueei uma sobrancelha, esperando que ele continuasse. – Eu fiz o mesmo pedido que fiz a você há tantos anos. Pedi para que ela ouvisse o coração, porque ele dirá a verdade, ele a libertará. – Com um suspiro, selei nossos lábios. Eu não posso prometer que tudo ficará bem, mas ouvir o coração nos ajudou uma vez, só me resta esperar e torcer para que faça isso novamente.
Fim.
Nota da autora: Oi, pessoas! Tudo certinho?
Eu amei escrever essa short e espero que tenham gostado de ler! Que eu não tenha estragado a música, AMÉM! Hahaha
Bom, é isso. Beijos e até a próxima!
Larys
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Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Eu amei escrever essa short e espero que tenham gostado de ler! Que eu não tenha estragado a música, AMÉM! Hahaha
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