07. Logical

Finalizada em: Março de 2025

Prólogo


O quarto estava escuro e o silêncio era apenas interrompido pela respiração ofegante de Theo. Então, Alice fez o que fazia melhor de uns tempos para cá: esperou que acabasse como todas as vezes. O cheiro dele ainda estava impregnado nela, e um nó de angústia se formava em seu estômago.
Ela se afastou do marido e puxou os lençois para si. Ela sabia o que tinha acontecido, ela só não conseguia fazer parar.
— Tudo bem, amor? — perguntou Theo, a voz suave e quase carinhosa, enquanto se aproximava dela, tentando acariciar sua bochecha.
Alice desviou o olhar, como se tivesse sentindo vergonha pelo o que aconteceu porque era assim que Theo a fazia se sentir. Envergonhada pelas coisas que ele fazia.
— Eu… Eu não queria isso. Theo, não gosto quando se comporta assim.
Theo suspirou e passou a mão pelo rosto, como se estivesse exausto da mesma coisa de sempre.
— Alice… — Ele deslizou a mão pelo braço dela, um toque que deveria ser sexy depois do sexo, mas a fez encolher o corpo na cama. Era repugnante. — Você sabe que eu não gosto quando fala desse jeito.
Eu faço de tudo por você. Tudo. — A voz dele se tornou mais baixa, perigosa. — Você sabe como eu fico quando me provoca…Quando resiste.
Alice sentiu o choro subir à garganta.
— Eu não provoquei nada, Theo.
— Claro que provocou. — Theo retrucou, um sorriso pequeno brincando no canto dos lábios. — Olha para você. Tão linda, tão minha. Você nunca reclamou antes.
— Eu só queria dormir, Theo…
— Eu te amo, Alice. Eu só quero que você me ame também. Quero que pare de lutar contra algo que já é seu. Que já é nosso.
Alice sentiu o ar faltar. Ele a estava prendendo, não com correntes ou cadeados, mas com palavras. Com aquela falsa ternura, com aquela possessividade disfarçada de proteção.
— Eu preciso de um banho. — murmurou, derrotada. Não adiantava falar.
— Tudo bem, meu amor. Mas não demore muito. Eu gosto quando você dorme comigo. — Theo sorriu e se inclinou para beijá-la na boca. A pele dela ardeu sob o toque dele.
Alice saiu da cama, abraçando o lençol no corpo. Cada passo em direção ao banheiro parecia um desafio. Quando fechou a porta atrás de si, sentiu o ar entrar em seus pulmões com mais facilidade. Mas não era liberdade. Ainda não.
Foi ali, sob o jato quente do chuveiro, esfregando a própria pele até ficar vermelha, que Alice soube. Ela tinha que sair naquela noite. Se não saísse agora, nunca mais sairia.
Ela saiu do chuveiro, secou-se rapidamente e vestiu a primeira roupa que encontrou. Precisava ser rápida.
Abriu a porta do banheiro com cuidado, prendendo a respiração. O quarto ainda estava escuro, apenas a luz fraca do poste da rua que dançava pelas cortinas. Theo dormia de costas para ela, a respiração pesada e profunda. Ela pegou o celular da mesa com cuidado e o enfiou no bolso.
Alice se movia com cuidado. Cada passo parecia arriscado, cada mínimo barulho ecoava como um trovão em sua cabeça. Com os pés descalços, caminhou pelo quarto e abriu a gaveta da cômoda, pegando um maço de dinheiro que Theo guardava. Ele era meticuloso, mas não notaria que algumas notas haviam sumido até ser tarde demais.
A porta do quarto estava a poucos passos de distância. Ela girou a maçaneta com a delicadeza de quem desarma uma bomba e a abriu apenas o suficiente para deslizar para o corredor. Alívio. Mas a parte mais difícil ainda não tinha sido realmente concluída.
A casa inteira parecia espionar ela, como se esperasse para entregar seus movimentos a qualquer instante. Alice passou pela sala sem olhar para os lados. O terror em sua mente desenhava imagens de Theo surgindo das sombras, agarrando seu braço, sussurrando no ouvido que ela não iria a lugar algum.
Chegou à porta da frente e girou a chave. Nada.
Ela prendeu a respiração e tentou de novo. O trinco não se movia.
O pânico começou a rastejar por sua espinha. Ele trancou. Ele sabia.
Mordeu o lábio até sentir o gosto de sangue. Olhou ao redor. O que fazer? O que fazer?
Então, ela se lembrou. A janela da cozinha.
Shhhk. Estava livre.

Capítulo único


Alice correu.
O frio da madrugada rasgava sua pele, mas ela não podia parar. Os pés descalços batiam contra o asfalto, o pulso martelava em seus ouvidos. O ar cortava sua garganta, mas a casa que dividia com seu marido, Theo, já era um borrão no escuro. Ela finalmente tinha conseguido fugir. Estava livre.
As luzes da cidade pareciam cada vez mais distantes, indiferentes ao terror que pulsava dentro dela. O celular tremia em sua mão suada, mesmo que o frio a envolvesse. Discou, o coração acelerado implorando por uma resposta. Por ajuda.
Caixa postal.
Ela tentou de novo. E de novo. E de novo.
“Hailey, por favor, me liga. Eu… eu consegui. Eu saí. Amiga, finalmente consegui.” Suas palavras eram engolidas pelo vazio do outro lado da linha.
Ela precisava ir a algum lugar seguro até conseguir escapar da cidade. Um hotel, a casa de Hailey, ou até a polícia. Mas as provas que tinha… Não eram suficientes. Theo já havia apagado tudo, como sempre fazia, como se soubesse que, no fim, ela tentaria escapar. Alice segurou o choro.
Avistou um táxi parado na esquina e entrou rápido, fechando a porta com força. O motorista, um homem de meia-idade, a olhou pelo retrovisor, notando seus pés sujos, o cabelo desgrenhado, as mãos tremendo.
— Tudo bem, moça? Alguém te atacou? — Alice tentou responder, mas sua boca não emitia som. Apenas assentiu, olhando pela janela enquanto a cidade passava em flashes borrados.
Vinte minutos depois, desceu na frente de um motel barato. O letreiro piscava com luzes de neon fracas, e o recepcionista nem se deu ao trabalho de perguntar por que uma garota assustada estava sozinha naquela hora. Apenas pediu que ela não usasse drogas dentro do quarto.
Dentro do quarto, Alice trancou a porta e colocou a cadeira contra a maçaneta, só por garantia. Respirou fundo e sentou-se na cama. Acabou. Pegou o celular e abriu as mensagens. Nenhuma de Hailey. Nenhum pedido de socorro foi enviado. Ela se lembrou da noite anterior, dos SMS que encontrou no celular de Theo. Números sem nome, fotos apagadas, pequenos deslizes de alguém que, até então, era cuidadoso demais para ser pego. O brinco no carro, o cheiro de perfume barato, a mancha de batom no colarinho.
Mas o que realmente a fez fugir foi a caixa trancada na escrivaninha dele. Theo nunca a deixava tocar naquela caixa. Nunca a abria perto dela. Mas cometeu um erro. Na pressa de atender uma ligação, esqueceu a chave na fechadura. Dentro, Alice encontrou lembranças que não eram dela: pequenas joias, batons usados, bilhetes escritos por outras mulheres, nomes que ela nunca ouviu antes. Ela soube, naquele momento, que se não saísse naquela noite, nunca sairia.
O celular vibrou na cama. Alice congelou. Uma nova mensagem.
Theo: Você sabe que vai voltar.
O estômago dela revirou. As mãos começaram a tremer. Como ele sabia? Ela largou o telefone e cobriu a boca com as mãos. O quarto, antes seguro, agora parecia pequeno demais. Um barulho do lado de fora a fez prender a respiração.
Toc, toc.
Batidas na porta. Seu corpo inteiro paralisou.
Toc, toc.
Mais fortes dessa vez. A garganta de Alice fechou. Seu coração martelava tão alto que ela mal conseguia ouvir os próprios pensamentos. Então, a voz dele veio do outro lado. Baixa, calma, implacável e manipuladora.
“Alice, amor… eu sei que está aí.” O som da maçaneta girando. O peso da cadeira sendo lentamente empurrado.
Ela fechou os olhos, o medo pulsando em sua pele. Mas, dessa vez…ela não ficou parada. Alice pegou o abajur ao lado da cama com as mãos trêmulas e, quando a porta finalmente se abriu, golpeou Theo com toda a força. O som do impacto preencheu o quarto.
Um grito. Um gemido. Um corpo cambaleando para trás… Ou para frente? Ela não viu. Antes que pudesse registrar o que realmente aconteceu, tudo escureceu.

E então, silêncio.



Fim.



Nota da autora: A história de Alice pode ser fictícia, mas a realidade de muitas mulheres não é. A violência psicológica e física dentro de relacionamentos abusivos é real, perigosa e, muitas vezes, invisível para quem está de fora.
Se você se identificou com qualquer parte desta história – ou conhece alguém que pode estar passando por algo semelhante –, saiba que você não está sozinha. Relacionamentos abusivos não começam com gritos ou agressões. Eles começam com controle disfarçado de preocupação, com pequenas manipulações que fazem você duvidar de si mesmo.
Se você estiver em perigo imediato, ligue para a polícia no número 190 ou no 180 Centro de Atendimento à Mulher.

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