Capítulo Único
abraçou mais fortemente o volante com suas mãos. Olhou ao redor, a penumbra já cobria a maior parte da cidadezinha e pouco podia ver além da velha estrada esburacada e os ramos de mato alto. A picape já velha e enferrujada pareceu ter se cansado de tanto esforço e decidiu, por ora, parar. Conferiu mais uma vez o indicador da gasolina, pois havia parado para abastecer havia poucas horas e tinha plena certeza de que o tanque tinha gasolina o suficiente para continuar. Tentou abrir a porta do carro, mas não conseguiu; algo parecia estar emperrando. Ela tentou com mais força e, então, se segurou para não cair. Manteve-se de pé e ergueu o corpo, limpando a poeira em suas pernas e se afastando ligeiramente do carro.
Havia fumaça saindo por debaixo do capô, o que não lhe parecia um bom indicativo. Olhou ao redor, não encontrando nada além de uma rua deserta após uma pequena cerca de arame que dividia a parcela de terreno onde seu carro estava do asfalto. Olhou para cima, sentindo a exaustão finalmente pesar seus ombros. Não conseguiu puxar à mente há quanto tempo vinha dirigindo desde sua casa em Sacramento, e compreendeu imediatamente a necessidade que suas pernas sentiam de repousar por alguns minutos. Optou por andar até a porta traseira da picape e pegar, no banco de trás, sua mala. Era pequena e ainda haviam bolsos abertos.
Era tudo o que ela tinha: além de dezoito anos, uma picape quebrada e um enorme potencial.
Passou por baixo da cerca e passou as mãos pela blusa simples, limpando as fagulhas e pequenas porções de capim espalhadas por ali. Bateu seu tênis no chão, tentando tirar o máximo possível de terra, e deixou a mala cair ao seu lado. Soltou a pequena trança que, inicialmente, decorava seu cabelo, mas já não era nada além de um emaranhado de fios soltos e selvagens então. Deixou que seu cabelo caísse por seus ombros e balançou a cabeça. Ela respirou fundo, sentindo todo o peso de sua fuga nas costas. Não era sua intenção, no início. Mas aquele era um assunto que ela preferia evitar e, por questões internas não resolvidas ainda, preferiu afastá-lo de sua cabeça. Ao invés de segurar seu coração contra si, segurou sua mala com toda a força que tinha e trilhou uma pequena distância até o outro lado da rua.
A primeira porta que encontrou era um portão verde mal cuidado e carcomido, mas logo acima havia uma placa em neon que dizia “condimentos da Trixie”. O nome feminino a deu um pingo de esperança. Talvez a tal Trixie pudesse, ao menos, dizer onde ela estava.
Bateu a campainha e esperou.
Esperou o suficiente para ver que o homem que se aproximava desde o fim da rua não parava de andar na direção dela, por mais que, depois daquela específica rua, não houvesse mais cidade ou qualquer coisa além de muito mato. Ela bateu a campainha mais uma vez e sentiu sua mão suar. Não permitiu que a mala escorregasse um centímetro de sua mão e a apertou mais fortemente. Respirou fundo e torceu para que a tal Trixie atendesse. Ao lado, havia uma porta vinho cuja parte de vidro era coberta por uma pequena cortina. Não conseguia ler o que estava escrito no letreiro ao lado. Ela se desesperou. Rezou para todos os santos cujos nomes começassem com ‘Tri’ e terminassem com ‘xie’.
A luz do local iluminou a cortina na porta e ela pôde enxergar uma silhueta se aproximar por detrás da cortina. Ouviu a fechadura se abrir e, então, ergueu seus olhos para a mulher alta e loira à sua frente. Usava uma blusa xadrez e uma jaqueta jeans por cima, uma bermuda jeans que combinava com seu rosto e uma bota caracteristicamente californiana.
A velha envolveu o braço dela com a mão e a puxou para dentro. se encostou contra o aro da porta.
– É bom te ver. – A mulher disse, causando certa confusão no olhar da jovem, que franziu o cenho.
Empurrou-a para dentro, encarando o homem que passava por elas no passeio da rua, e fechou a porta. Trancou, baixou a cortina e apoiou uma das mãos na mesma, respirando fundo. Virou-se para a pequena, jovem e confusa garota por fim.
– Não sabe quantas vezes precisei presenciar garotas como você serem devoradas em lugares como esse. – Apontou para a rua. – Quem é você?
– . . – Disse, pausadamente. – Me desculpa, eu...
Ela foi interrompida.
– Eu acabei de salvar sua pele. Não me peça desculpas, me agradeça. Que tal assim? – Deu de ombros e riu de leve. – Meu nome é Clementine.
Ergueu os olhos, colocando uma das mãos na cintura. Olhava para como se fosse um mísero pedaço de carne.
– Não ia encontrar Trixie nem em um milhão de anos. A garota se mandou daqui. Arrumou todas as malas num dia e simplesmente desapareceu. Ah, ingratas... – Ela balançou a cabeça. – Bem, você precisa de um copo d’água, uma xícara de chocolate quente e uns pijamas. E também precisa me explicar que porra é essa.
E assim foi.
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Apoiei meu corpo na bancada do bar principal. Haviam mesas de madeira espalhadas por toda parte. A maioria das pessoas, naquela época, as consideraria rústicas. Eu diria que eram velharias. Era o melhor que tínhamos por ali. O bar tinha paredes compridas, já que o segundo andar contava com um tipo de mezanino precário. Eram decoradas por um tipo de papel de parede antigo, vermelho desbotado. Em algumas partes, o papel já caíra e revelava as estruturas de madeira que compunham todo o salão. As janelas – em sua maioria, quebradas – já estavam abertas, e o ar finalmente entrava. O laranja do fim de tarde já começava a invadir o ambiente, o que significava que era nossa hora de entrar em ação. Caí em mim quando observei o sol sumir detrás do rosto de Frank, logo à minha frente.
– Eu não te pago pra ficar olhando pra fora, pirralha. – Soou ríspido, jogando um pano molhado no balcão.
Respirei fundo, assentindo. Ele estava certo. Peguei o pano e comecei a esfregar as marcas de copo que se estendiam por ali. Reuni todos os copos largados e deixei cuidadosamente sobre a pia, minha próxima estação. Joguei um pouco mais de desinfetante.
Charming era uma cidadezinha perdida no interior de San Joaquin, e não havia tanto luxo por ali quando se tratava do nosso bar ou das nossas garotas. Era um dos únicos bares da cidade, e levava a fama de principal, já que era frequentado pelas gangues das cidades vizinhas e também pela gangue local. Não fazia seis meses desde minha chegada e eu já me sentia acolhida. Fui resgatada por Tine, empregada por Frankie, e acolhida por todos os funcionários do bar. O emprego não era perfeito e haviam precariedades por toda parte, mas eu nunca me senti em uma posição confortável para reclamar. Tinha um salário, por menor que fosse, uma cama, por mais desconfortável que fosse, e um pequeno quarto, por mais recluso que fosse. Tudo aquilo já era bem melhor do que minha antiga vida, e eu não podia enxergar algo melhor do que o que já vivia. Os dias eram difíceis, o trabalho era cansativo e, emocionalmente falando, não era fácil ser mulher em uma cidade como aquela. Tentava me convencer diariamente de que minha juventude era o fator chave. Eu era jovem, precisava aproveitar minha capacidade enquanto havia tempo.
Parei de sonhar acordada por uma segunda vez, interrompida por Mia. Ela tinha escorado seu quadril no outro lado do bar e segurava uma vassoura em uma das mãos. Seus cabelos ruivos caíam por um de seus ombros e acumulavam um pouco da poeira local nas pontas. Ela olhou para mim e, então, indicou a porta principal aberta com sua cabeça.
– Eles chegaram. – Comentou. – Ouvi dizer que tiveram outro problema com o cartel...
Eu olhei para ela e, então, para a porta de relance. O barulho dos motores podia ser escutado há quilômetros em uníssono. Baixei meus olhos até a pia e afundei alguns copos na água, sem dizer nada.
– Parece que o negócio das armas vem incomodando o garoto. Quer dizer, todo mundo sempre soube que ele era diferente, mas... – Ela olhou para mim. – Garota, diga alguma coisa!
Eu ri, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha.
– Sabe que eu não tenho comentários sobre isso, Mia!
– Você bem que podia dançar pra um deles, hein? – Ela me cutucou com o cotovelo.
Riu, passando a mão pelo próprio cabelo e olhando para as motos que passavam em frente ao bar. Eu dei uma negativa.
– Ficar riquíssima e depois tirar todas nós daqui. Já pensou? Todas nós soltas em Nova Iorque com uma penca de dinheiro pra gastar?!
Parei o que estava fazendo para olhar para ela por alguns segundos.
– Mia. – Eu balancei a cabeça, rindo. – Que tal terminar de limpar esse chão?! – Coloquei as mãos na cintura e ergui a cabeça. – Prefiro ficar bem aqui, por enquanto. Acredite, somos melhores longe deles!
– Mas !
Ela se apoiou na bancada, erguendo seu corpo e me encarando de perto. Segurou meu rosto.
– Jax Teller é um gostoso!
– E ele é casado! A Tara é uma ótima pessoa! – Eu respondi, apertando o nariz dela.
Ela fez uma expressão decepcionada e deu um passo para trás cruzando os braços.
– Sério. Nós aqui e eles lá.
Revirou os olhos, assentindo positivamente e retornando à sua posição inicial, varrendo o piso velho e empoeirado que definitivamente precisava de sua ajuda. Respirei fundo. Todas nós queríamos fugir de lá, desaparecer. Mesmo eu, por mais que estivesse sonhando ou fora do chão em 80% do tempo. Queria juntar dinheiro o suficiente para encontrar um lugar melhor, um trabalho melhor, talvez fazer alguma faculdade. Ainda havia tempo para todas nós, era o que Tine sempre dizia. Aquele estilo de vida simplesmente não era pra mim.
Eu jamais seria uma old lady.
x
Os gritos aumentavam à medida que os presentes ali bebiam. Mais pessoas chegavam, a alegria finalmente era generalizada no bar. Eu podia ver com clareza a felicidade de Frank ao ver o dinheiro entrar em seu caixa enquanto nossas garotas rebolavam perfeitamente nos canos e lotavam os quartos logo em seguida, com homens dispostos a entregarem muito dinheiro por elas. Eu ajeitei meu coque que, até então, parecia bem mal feito, e me apoiei na bancada com os cotovelos. Curvei-me ali, observando alguns senhores jogarem truco do outro lado do bar.
Clementine estava no meio deles. Sorri, vendo-a se divertir longe das ordens de Frank. O meu sonho era poder me livrar dele como ela se livrara, mas ainda estava distante daquilo. Havia pouco dinheiro guardado na minha solitária carteira, e pouca expectativa para aquela cidade. Tine ergueu o braço para mim com um sorriso de canto a canto, tirou o cigarro do canto da boca e apagou na mesa, pegando todo o dinheiro que conseguira naquela rodada. Sorri de volta. Aquela mulher era quase tudo pra mim, quase como minha mãe.
O barulho do motor das motos me fez cair na realidade de volta. Olhei para as portas abertas do bar. A visita dos Sons era inesperada, mas não poderia dizer que me chocou. Depois dos problemas com o negócio das armas e com seus distribuidores de bares vizinhos, não era surpresa nenhuma que precisariam se realocar para o bar mais próximo. Eu endireitei meu corpo quando vi o primeiro deles entrar, quase que forçando todo o bar a ficar em silêncio por alguns respeitosos segundos. Aquele era Jax Teller, como todos sabiam. Quando outros intees entraram rapidamente, alegres e barulhentos, o resto do bar se normalizou. Todos voltaram a conversar e os gritos voltaram a aterrorizar os ouvidos alheios.
Jax se aproximou do balcão enquanto encarava os arredores, procurando por um lugar. Frank estava distraído, nem parecia ter percebido que os rapazes entraram.
– Mande uma rodada completa pra aquela mesa ali, está bem? – Ele me disse e apontou para a mesa do canto.
Assenti positivamente e comecei a pegar os copos e limpá-los mais uma vez. Não queríamos ter problemas com os Sons. Servi todos eles com cerveja e os ajeitei nas duas bandejas que precisaria para levar. Coloquei uma em cada mão e fui para a mesa.
Não podia ser ingênua o suficiente para pensar que não receberia olhares. Afinal, eles eram homens. A mesa era redonda e eles ocupavam todo o espaço ao redor dela. Não havia uma brecha para que eu entrasse e servisse os copos adequadamente, mas nenhum deles pareceu se importar com isso. Curvei meu corpo e deixei que cada um tirasse seu próprio copo. Eles brindaram em comemoração e, logo depois, altas risadas e gritos podiam ser ouvidos do outro lado do bar. Dentre todos esses homens gritando, um deles gentilmente apoiou a mão em meu braço, pedindo que eu me abaixasse. Cheguei meu ouvido próximo a sua boca.
– Você já pode preparar mais uma ou duas rodadas. – Piscou e eu assenti.
Em sua jaqueta, não havia um nome escrito, mas eu me lembraria dele pelo moicano e pelas tatuagens ao redor da cabeça.
Eu ajeitei meu corpo e coloquei as bandejas debaixo do braço. Olhei pela janela por alguns segundos. Pelo visto, aquele era o pico da noite no bar, ou era o que eu pensei. Olhei mais uma vez para a mesa dos Sons. Dentre todos aqueles homens estridentes e grosseiros, um me chamou a atenção. Seus olhos quase pretos encaravam os meus, tinha seu olhar erguido diretamente a mim enquanto segurava seu copo de cerveja nos lábios. Parecia estar nos seus 40 anos, talvez um pouco mais. Haviam alguns fios brancos em sua cabeça mas, de forma alguma, aquilo tirava o seu charme. Pisquei rapidamente e me virei para o balcão, andando na direção do mesmo. Não poderia não me sentir tímida sobre minha forma de andar quando sabia que ele observava cada passo que eu dava. Eu respirei fundo. Não, . Eles lá, você cá.
Comecei a arrumar mais uma rodada para todos eles, servi a cerveja nas duas bandejas. Respirei fundo, tirando da minha cabeça a imagem do homem que me observava. Eu me preparava para erguer as bandejas quando a mão de Frank envolveu meu braço direito. Ele me virou para si sem muita força, mas sua atitude era incômoda e me constrangia um bocado.
– O que você está fazendo? – Ele murmurou, tinha um tom de voz ríspido mas baixo. – Estão todas ocupadas e aqueles ali no canto são a porra dos Sons of Anarchy!
– Eu estou servindo. – Expliquei, como se fosse óbvio.
– Eu sirvo, me dá isso. – Pegou a bandeja da minha mão. – Vá imediatamente pro quarto de trás e se vista direito, solte o seu cabelo. Você vai precisar dançar hoje.
Meu coração gelou. Eu olhei para ele estática por alguns segundos e engoli o choro, mas meus olhos eram expressivos e ele podia perceber que estava contrariada. Deu de ombros e soltou uma risadinha de escárnio.
– Eu sinto muito, pirralha, mas aqueles caras não precisam de uma mulher pra servir. Eles precisam de uma mulher pra dançar pra eles.
Eu tentei procurar uma razão para negar o pedido dele, talvez um bom motivo o fizesse desistir. Eu odiava dançar, odiava trabalhar como stripper ali. Não era meu trabalho e, além disso, de uma forma ou de outra, a prostituição acompanhava aquela tarefa.
– Frank, por favor... – Eu murmurei baixo enquanto abaixava minha cabeça.
Frank segurou meu braço mais uma vez com sua única mão livre.
– Escute, eu não quero parecer um vilão ou um cafetão pra essa gente. – Procurou meus olhos. – Então, sem reclamar, e...
Ele foi interrompido por uma terceira presença. Ergui meus olhos para Frank, como se o homem que se aproximava não importasse, mas meu chefe fixou seus olhos nele. Em sua jaqueta vinha escrito “Vice-Presidente”.
Tratava-se do homem que, alguns minutos antes, me observava. Podendo observá-lo de perto, fui capaz de notar duas cicatrizes em seu rosto, suas bochechas, perto de sua boca. Pude notar que ele era alto, mais alto até mesmo do que Frank. Tinha um olhar e um porte assustadores mas, de alguma forma, ainda parecia mais cortês do que os outros membros do clube. Ele era mais silencioso, o que o fazia parecer mais mortal também. Acendeu um cigarro ainda na boca e o tirou entre os dedos, soprou a fumaça na direção do rosto de Frank. Eu dividi meus olhares entre os dois. Ele ergueu um bolo generoso de dinheiro para Frank.
– Acho que falta uma rodada naquela mesa. – Apontou para a mesa de seus amigos e, imediatamente, Frank assentiu.
Meu chefe olhou para mim com um olhar ameaçador e, então, começou seu caminho na direção da mesa dos Sons.
Eu estava sozinha com aquele homem dos olhos negros e ameaçadores. Senti a mão dele gentilmente envolver minha cintura e seu braço se ergueu a frente de seu corpo, como quem indicava um caminho. O caminho das escadas.
– Vamos?
Eu automaticamente assenti, ainda incrédula sobre o que acabava de acontecer ali. Primeiro, me foi solicitado que dançasse, e eu quis recusar quase que imediatamente. Meu coração parou e eu tive a impressão de estar sendo salva por um homem não muito semelhante ao padrão “príncipe”, e então minha ficha caiu. Eu estava sendo vendida. O “príncipe” estava me comprando.
Engoli o choro mais uma vez e fui até a escada na frente dele. Subi os degraus sem dizer uma palavra, segui o seu silêncio. Entrei em um dos únicos quartos livres e peguei a chave na porta, entrei atrás dele e tranquei. Eu me apoiei na porta, extremamente chocada e assustada, respirei fundo enquanto ele se sentava na cama. Ainda tinha seu cigarro no canto da boca, eu me endireitei. Soltei o cabelo e coloquei uma mecha atrás da orelha.
– Hm, eu... – Eu ergui meus olhos para ele. – O que eu devo fazer...?
Ele olhou para mim por alguns segundos, em silêncio. Aquele pareceu o maior silêncio da minha vida. Eu me senti traída pela minha própria consciência por achar tão atraente o homem que acabara de me comprar.
– Sente-se. – Ele apontou para a poltrona na frente da cama e eu assenti, me sentando ali.
Ajeitei meu corpo, me sentava de um jeito que considerei correto e o menos expositivo possível. Ainda estava desconfortável e constrangida, e isso poderia ser lido pelo menos esperto possível. Ele se levantou e eu me assustei. Instintivamente, me encolhi. Para a minha surpresa, andou na direção da janela e a abriu, soprando sua fumaça para fora. Escorou os cotovelos no parapeito e se curvou ali.
– Esse cara, Frank... – Ele observava o próprio cigarro entre os dedos. – ... machuca vocês?
Eu ergui as sobrancelhas, um pouco confusa. Encostei na poltrona, perdendo um pouco da minha pose defensiva.
– Você não parece o tipo que só quer conversar. – Eu comentei, temendo que sua resposta confirmasse meu pensamento.
Não costumava ter comentários tão petulantes, mas me sentia ameaçada e envergonhada. Ele soltou um pequeno riso.
– Se não estivéssemos conversando, provavelmente estaria em algum outro quarto com outro cara e sem suas roupas. – Ele se apoiou de costas na janela, olhando para mim.
Expressei meu medo de que esse fosse o futuro daquela conversa.
– Não se preocupe, você pode ficar com as suas roupas. – Brincou, rindo mais uma vez.
Sua voz rouca, pela primeira vez, me trouxe paz, e eu relaxei um pouco minha expressão. Tombei o rosto no encosto da poltrona. Frank, hein?
– Ele não me machuca, só... É difícil. – Balancei a cabeça.
Ele cerrou os olhos e apagou o cigarro na janela. Sentou-se na cama novamente, à minha frente.
– Eu não pretendo dizer nada pra ele, se é o que está pensando.
Eu o encarei por alguns segundos. Não sabia o que estava acontecendo comigo, mas decidi confiar nele. Decidi confiar em um homem estranho e ameaçador que eu sequer conhecia para falar sobre meu chefe, para denunciar atos abusivos dele. Aquilo podia tirar meu emprego de mim. Aquilo podia me expulsar daquela pequena cidade, mas minha cabeça estava me traindo.
– Ele não nos machuca mas... Veja, ele é um cafetão como qualquer outro. – Dei de ombros. – Ele controla o dinheiro e não deixa que ninguém aqui junte o próprio dinheiro. Ele tem medo de que elas fujam.
Ele permaneceu em silêncio. Eu era a voz ali, no momento. Pelos primeiros minutos, só eu falei. Expliquei algumas coisas sobre o bar e expus outras sobre Frank e, então, depois de alguns minutos, comecei a escutar a voz dele. Não falava sobre si mesmo ou sobre a gangue. Ele falava sobre o bar. Sobre questões de segurança, sobre grana.
– É, definitivamente, esse cara fatura muito às custas de vocês. – Ele soltou uma risada sutil, baixa e rouca.
Passou as mãos pelos cabelos, os ajeitou para trás. Ele se levantou, erguendo um relógio deitado sobre minha cômoda principal. Eu o ouvi resmungar algo antes de ajeitar sua jaqueta.
– Parece que eu te devo um extra. – Ergueu as sobrancelhas, brincando.
Ele tirou sua carteira do bolso de trás, eu ergui uma das mãos.
– Não, por favor. – Balancei a cabeça. – Você não me deve nada. Na verdade, eu é quem te devo um pedido de desculpas pela confusão no início e... Um agradecimento por... Bem... – Dei de ombros. – Obrigada. – Concluí.
Ele ergueu os olhos para mim, analítico. Sorriu de leve e devolveu a carteira ao bolso, ergueu sua mão. Olhei para a mão dele por uns bons segundos antes de cair na real e erguer a minha própria mão, apertando-a. Eu o senti colocar certa força no aperto de mãos e, então, ele me puxou para perto de si. Ergui meus olhos aos dele, ainda um pouco confusa. Apoiou sua mão livre em meu rosto, erguendo meu queixo com o indicador.
– Você é uma garota especial. – Ele comentou, com um sorriso no canto dos lábios.
Seus olhos desceram por um mísero segundo para os meus lábios e, então, se ergueram novamente aos meus olhos.
– Saiba que seremos frequentes aqui, daqui em diante. Se ele colocar você pra dançar de novo e eu não estiver aqui... – Ajeitou sua postura, ainda me fitando. – Peça a um dos garotos para trazê-la. Diga que o pediu. – Sorriu.
Eu assenti positivamente. Ele piscou para mim e meus olhos curiosos e fascinados o acompanharam até a porta. Deu um breve aceno de mãos e saiu do quarto, fechando a porta logo em seguida. Eu me sentei no sofá atrás de mim segurando, meu rosto com as duas mãos. Olhei para o chão por alguns minutos, ainda pensativa.
De repente, minha própria lei não parecia mais tão funcional assim.
Frank abriu a porta, destruindo minha paz interior de poucos minutos, e cruzou os braços, se apoiando no batente.
– Você fez um bom trabalho, no fim das contas. – Ele tirou um digno bolo de dinheiro do bolso. – Ele me pediu pra te pagar. Pensei em não tirar minha porcentagem dessa vez. Talvez assim você não me odeie tanto. – Resmungou, jogando o dinheiro do meu lado.
Eu revirei os olhos, olhando para aquele dinheiro em minha mesa.
Não era o que eu queria.
– Eu não quero dançar, Frank. É só isso.
– Então faça as suas colegas terem alguma noção e pararem de engravidar ou ir fazer sei lá o quê enquanto nós precisamos de ajuda aqui. – Ergueu as sobrancelhas e bateu a porta.
Suspirei, passando a mão pela boca.
Eu precisava devolver todo aquele dinheiro. Afinal de contas, nem sequer o serviço básico prestei ao tal . Sorri levemente ao me lembrar de sua atitude carinhosa e sua voz gentil.
Os Sons lá e eu cá. Talvez nem tanto, .
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Eu não esperava encontrar de novo nunca na minha vida. Embora houvesse algo nele que me dissesse para ir em frente, havia também um bloqueio enorme quanto a me aproximar dos Sons. Não parecia uma ideia boa me tornar parte daquilo, por menor que fosse. Eu não cabia na posição de old lady e, no final das contas, nem mesmo ao lado de . Nossa diferença de idade era absurda e vários outros sinais apitavam em vermelho, me dizendo para me afastar.
A semana que procedeu os acontecimentos foi complicada. Um domingo entediante e chato, pouco movimento no bar, só pela tarde. Já à noite, todas em suas respectivas camas bem cedo. Minha porta se abriu repentinamente, sem uma batida ou qualquer indicação de que alguém entrava. Frank fechou a porta atrás de si e se encostou nela. Cruzou os braços, tirou um cigarro de palha da boca e apagou no topo da minha cômoda. Observei o movimento e engoli em seco, vendo a madeira se marcar com o contorno certo da ponta do cigarro. Desviei meu olhar para ele, por fim. Soltou sua última nuvem de fumaça.
– Sabe... Eu particularmente não vejo nada em você, . – Ele deu de ombros e abriu um sorriso assustador.
Eu franzi o cenho, tombando o rosto. Não entendia onde ele queria chegar com tudo aquilo.
– Mas parece que aqueles caras veem.
– O quê? – Ri, incrédula. – Do que você está falando?
– Você sabe, os Sons. Vieram nos visitar, e um deles certamente está caidinho por você. O bar favorito deles foi pro chão, então sabe como é. Vamos ter visitas frequentes por aqui.
Eu acompanhava seus lábios se movendo, mas não o que ele dizia. Minha cabeça se esvaziou logo que ouvi a palavra “caidinho”. Pensei uma, duas vezes. Aquilo não acontecia, e não deveria significar nada para Frank. Haviam garotas melhores para se pensar sobre, isso era fato. Eu nem sequer trabalhava no palco, era uma garçonete. Ele não havia dito propriamente ainda, mas eu considerava a possibilidade: ele me colocaria no palco. E, àquele trabalho, eu preferia a morte.
– Frank, o que você quer? – Eu perguntei, interrompendo sua fala.
Ele se calou imediatamente e me olhou. Seu olhar parecia um pouco furioso, mas ele não deu um passo ou um movimento sequer. Permaneceu em seu devido lugar, apoiado à porta.
– Você vai tirar suas roupas pra servir, daqui em diante. – Ele explicou. – Peça a uma das garotas para te ajudar. Acho que é melhor pra todo mundo se todos souberem que você está disponível, e eu sei que se recusaria a dançar.
– Como assim?! – Eu levei as mãos ao rosto, exausta daquela conversa.
Fugir de um ambiente extremamente abusivo e ir parar em um outro pior era uma ideia ruim. Atrelar-me àquela gente, a Frank, foi pior. Meu carro poderia ter quebrado em outra cidade, na frente de outro lugar, mas não. Todo o destino decidiu me levar até aquele lugar. Eu bufei, vendo a expressão desentendida que ele meteu no rosto.
– Você não é burra, garota. – Riu, se desgrudando da porta. – Fale com Mia ou foda-se quem, arranje um jeito de aparecer pelo menos 70% nua naquele bar amanhã ou rua.
– Não pode fazer isso, Frank! – Comprimi meus olhos por alguns segundos, tentando conter as lágrimas, e os abri, o encarando.
Minha posição de defesa pareceu me desfavorecer. Ele se aproximou, o dedo indicador apontado no meu rosto.
– Desobedeça e vai ver o que posso fazer. – Cuspiu as palavras, saindo do meu quarto e fechando a porta com força atrás de si.
Respirei fundo, tentando me recompor, e me sentei em minha cama. Tinha um dia inteiro pela frente e mal conseguiria pregar meus olhos. Praguejei por ter tido contato com aquele homem. Talvez fosse melhor transar com um cara qualquer, receber uma mixaria e me sentir um lixo pelos próximos dois ou três dias. Depois, embolaria meu choro na garganta e fingiria esquecer. Guardaria para mais tarde, quando tivesse uma casa decente e um bom emprego. Aí, conseguiria finalmente chorar todas as mágoas que eu tinha acumuladas.
Eu me deixei ser salva pelo homem que jurava salvar o dia, e entreguei minha própria pele a todos os lobos daquele lugar. Conheceria Charming de uma forma que eu não queria.
Esperava que aparecesse de novo, no fundo. Meu maior desejo era que ele pudesse, realmente, me salvar.
E, a fato de curiosidade: ele apareceu.
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Eu me joguei na cama, deitada. Um dia exaustivo. se sentou na poltrona à frente e olhou para a pequena mesinha que se estendia ao seu lado. Uma garrafa de uísque empoeirada com alguns copos disponíveis. Olhou para mim com uma expressão desconfiada, e eu não pude evitar rir. Era a terceira vez apenas naquela semana que ele pagava a Frank para me dar algumas horas de liberdade. Subíamos ao meu quarto, entregava um bolo de dinheiro a Frank e garantia que não fôssemos incomodados. Pediu exclusividade na segunda vez, o que significava que, se os Sons estivessem na cidade, Frank não me forçaria a me relacionar com mais ninguém. Ele temia que a informação chegasse aos ouvidos do vice-presidente e eu não podia culpá-lo por isso.
Da primeira vez, conversamos sobre o bar e sobre o início de toda aquela cidade. me contou sobre como a gangue chegou ali pelas mãos de John Teller e toda sua paixão por motos e carros em um geral. Contou sobre a oficina, os postos e um pouco sobre si, também. Escocês, natural de Glasgow, mas cresceu e passou boa parte de sua vida em Belfast, na Irlanda. Contou sobre sua estadia como médico do exército britânico e como ele acabou sendo expulso do mesmo apenas cinco meses depois. Era habilidoso demais e, com um histórico daqueles, não foi difícil entrar para o clube em Belfast e, então, para a SAMCRO, em Charming.
No segundo dia, falamos sobre seus colegas. deu algumas características para cada um deles enquanto os observávamos do lado de fora, pela janela, e eu consegui plantá-los em minha cabeça perfeitamente como uma família, assim como descrevia aquele clube. Ele não percebia o quanto desmistificava aquelas pessoas para mim e tampouco imaginava o quão surpreendente aquilo era. Eu pareci me esquecer por dias e dias sobre as armas e sobre os crimes que todos tanto falavam do lado de fora. Não conseguia mais acreditar que eles eram criminosos. Não da forma como ele falava.
Estávamos ali, no terceiro dia. Era sexta e, pela primeira vez, nosso encontro não parecia ser acidental. Depois de vê-lo por dois dias direto, parei de acreditar no tal destino e comecei a enxergar que queria estar ali e que, apesar de extremamente suspeito, parecia interessado em ajudar.
– Uísque? – Ele finalmente quebrou o silêncio, pegando a garrafa e analisando.
– O quê? Surpreso? – Virei meu rosto para ele, erguendo os braços acima da cabeça na cama.
Cancelei aquela atitude poucos segundos depois. Só estava usando um cropped quase invisível e um short, me senti extremamente exposta. Abaixei minhas mãos aos seios novamente. Ele me olhou com uma expressão engraçada, como se duvidasse de que eu era a verdadeira dona daquela garrafa.
– Tudo bem, eu admito. Nunca tomei um gole sequer dessa coisa.
– Me surpreende que não tenha tido curiosidade. – Ele se ergueu, tirando seu colete da gangue e abrindo o zíper de sua jaqueta.
Jogou-a para mim, apontando para meus braços. Eu me ergui, me sentei na ponta da cama e peguei a jaqueta. Exalava seu perfume, eu podia sentir de longe. Olhei de relance para ele. Por baixo da jaqueta, usava uma camisa que me parecia socia, e igualmente preta. Vesti a jaqueta e fechei o zíper, aliviada por finalmente me sentir coberta de novo.
– Eu não bebo muito. Quer dizer, não bebidas... Fortes. – Apontei com a cabeça para o uísque que ele já destampava e começava a servir.
– Você se importa se eu fumar? – Perguntou, se sentando de volta.
Encaixou-se perfeitamente no estilo daquela poltrona. Cruzou as pernas, deixando um de seus pés sobre o outro joelho. Tinha os olhos fixos em mim, o cigarro já estava em sua mão e o isqueiro na outra, mas tinha uma sutil oscilação ali. Se eu dissesse que não, ele não fumaria.
– Não. É claro que não. – Sorri de leve, me abraçando.
Ele levou o isqueiro à ponta do cigarro e acendeu, deixou o mesmo sobre a mesinha ao seu lado e pegou seu copo. Assim que soltou a fumaça, deu um gole no uísque. Apoiou a mão com o copo em seu joelho. Estávamos no meu quarto mas, ainda assim, ele parecia ser o dono daquele lugar. Autoritário, por mais acidental que fosse.
– O que você quer beber, ? – Perguntou.
Seu indicador contornava o copo.
– Hm, nada. Obrigada. – Eu me levantei, apoiando meu corpo contra a janela.
Minhas mãos se apoiaram aos lados da cintura, encarava o chão.
– Mas se quiser algo além desse uísque velho, você pode pedir o que quiser. – Finalmente desviei meu olhar a ele. – Frank oferece as bebidas como cortesia para clientes fiéis. Eu pego pra você.
– Por falar nisso, o quão obediente ele tem sido quanto ao meu pedido?
– Pedido?
– Exclusividade. Eu pedi por exclusividade.
Olhei para os olhos dele e apreciei o brilho voraz que eles difundiam no ar. Era quase como se pudesse ver através de mim. Como se seu ímpeto autoritário fosse maior do que qualquer coisa naquele quarto. Seu pedido era uma ordem, mas ele quis fazer soar gentil ainda assim. Meu cérebro ficou curioso por momentos. O que ele faria se Frank descumprisse seu “pedido”?
– Bem, ele está te obedecendo. – Ri de leve e vi um pequeno sorriso se formar no canto do rosto dele também. – Obrigada por isso, aliás. Eu te devo uma.
– Não me deve nada, .
Minha queda era gostar tanto da forma como meu nome escorregava pela língua dele inúmeras vezes durante nossas conversas. Seu sotaque era sutil, mas eu podia notá-lo ainda assim. Mordi o lábio pensando naquilo, e o percebi notar o ato.
– Me diga... Nunca pensou em sair daqui? – Ele quebrou meus pensamentos, perguntando.
– De Charming? – Cruzei os braços, deixando o vento bagunçar meus cabelos. – Não... Não por enquanto. É impossível pra mim.
– Me referia a esse bar, mas... Impossível?
– Trabalhando aqui? – Ri, triste. – Não, é impossível. Sobre o bar, eu não sei. Não conseguiria encontrar nada melhor do que isso só com o meu ensino médio, e eu realmente não tenho pra onde ir. É claro que eu sonho com as cidades grandes, Nova Iorque, São Francisco... Mas que chances eu teria em um lugar assim? Não posso me dar esse luxo.
Ele analisou cada palavra que saía da minha boca e manteve sua expressão neutra. Notei que seus olhos pareciam mais focados nela do que nos meus ou no que ele dizia. Arriscaria dizer que nem sequer prestou atenção, mas fui completamente refutada.
– É, Charming não é o lugar mais interessante da Califórnia. – Riu de leve e deu um gole em seu uísque. – Mas ainda me refiro ao bar. Você não se encaixa aqui, e eu não quero que isso soe ofensivo pra ninguém. Digo... Você não é feliz aqui.
– Ninguém é feliz aqui. Frank é um monstro. – Eu impulsivamente soltei e, então, levei a mão até a boca.
Respirei fundo.
– Desculpa, eu não deveria.
– Não, . Você deve. Eu sei que ele te colocou assim pra chamar a minha atenção.
Tirou o cigarro do canto da boca e ergueu o rosto, soprou a fumaça. Riu, um pouco incrédulo.
– Sei que ele é um desgraçado, só queria poder ouvir isso da sua boca.
Seus olhos pararam em mim, novamente. Parou por alguns segundos, seus dedos se bateram contra o copo.
– Eu estou do seu lado. Você pode confiar em mim.
Eu suspirei, olhando para o outro lado. Talvez fosse idiotice. Talvez Frank estivesse por trás de tudo aquilo e soubesse exatamente o que estávamos conversando, mas existia uma pacata chance de eu realmente ter alguém do meu lado. Não do lado da prostituta indefesa, mas do lado da verdadeira garota que se escondia por trás daquilo. Não diferente de todas as outras que trabalhavam ali, com sonhos, com vontades. Bufei. Não podia tirá-lo da cabeça.
– Tudo bem. É fato que ele me colocou assim pra chamar a atenção de vocês. – Dei de ombros. – Ele queria que eu chamasse a atenção de qualquer um, na verdade. Da primeira vez que veio aqui, você encheu o bolso dele. Ele quis que se repetisse.
– Eu imaginei algo assim. – Balançou a cabeça. – Paguei o dobro pela exclusividade. Achei que isso aliviaria um pouco as coisas.
– Alivia! – Eu me sentei na cama, virada para ele. – É claro que alivia! Só de não precisar estar lá agora, metida no meio daquele monte de caras... – Suspirei, fechando os olhos.
se estendeu para a frente e deixou seu copo ao lado, na bandeja da mesinha. Seus olhos estavam focados em mim, eu podia dizer. Ergui meu rosto. Ele não encostou em mim, nem sequer ergueu sua mão para me tocar.
– Precisa sair daqui, . – Ele disse, sério.
Meus olhos se passaram pelos dele, confusos. Eu queria sair dali, só Deus sabia o quanto. Mas que opção eu tinha?
Minha atenção foi desviada para o peito dele. Havia uma pequena mancha em sua blusa, avermelhada. Sangue, eu supus. Por mais que estivesse tão concentrado no que dizia, eu não pude deixar passar aquela informação.
– ... – Murmurei, me aproximando.
Ele endireitou seu corpo, tombando o rosto, levemente curioso.
– Você está ferido.
Ele olhou para baixo de relance e passou a mão pela blusa, vendo o sangue manchar levemente seus dedos. Praguejou e tirou o cigarro da boca, o apagando na bandeja. Olhou ao redor, procurando por algo, eu estendi minha mão em seu peito cuidadosamente. Atrevi-me a tocá-lo pela primeira vez em todos aqueles dias. Ele parou imediatamente e ergueu seu olhar para mim.
– Tudo bem, eu cuido disso.
Eu me levantei, indo até a cômoda. Abri a primeira gaveta, procurando por gaze ou, pelo menos, algum pano limpo.
– É claro que não sou tão boa quanto um médico do exército... – Olhei para ele com um sorriso no canto do rosto.
sorriu de volta, soltou uma pequena risada em um suspiro e balançou o rosto.
– Não é nada. – Ele insistiu. – Não precisa se preocupar com isso.
Eu fui até o banheiro diminuto em meu quarto e molhei um pouco o pano que encontrei. Voltei à cama, na ponta, de frente para ele. Olhei para o peito dele por alguns segundos e respirei fundo, pensando em por onde começar.
– Com licença. – Pedi, me aproximando.
Evitei olhar para o rosto dele enquanto desabotoava os primeiros botões de sua camisa. Ele me encarava, um dos cotovelos apoiado no braço da poltrona e a mão na boca. Analisava-me, cada pequena expressão que eu soltava parecia ter sido captada imediatamente por ele. Terminei de abrir sua camisa e mordi o lábio, incomodada. Era um corte e tanto. Não digno de pontos, mas um corte considerável.
Peguei o pano, aparando o sangue que caía, e mordi a língua dentro da boca, me concentrando muito no que fazia ali. Ele não soltava nenhum gemido ou comentário, mantinha seu olhar extremamente analista e charmoso na minha direção. Tomei aquilo como liberdade o suficiente para passar o pano pelo corte e limpar o que escorria.
– Eu posso levar você pra longe daqui. – Ele disse, depois de alguns minutos de silêncio.
Ergui meu olhar para ele, deixando minha mão parada onde estava. Eu não senti ter ouvido direito.
– Como...?
– Eu posso conseguir um emprego pra você, longe daqui. Em Charming, é claro, mas... Fora desse bar, longe do Frank. – Repetiu, complementando.
Eu me afastei por alguns segundos, calculando o que ele dizia.
– Mas eu não posso sair. – Respondi, impulsivamente.
Tinha pra mim que Frank me mataria. Absolutamente me mataria. Ele me analisou mais uma vez, e eu estava cansada de análises. Peguei a gaze, ignorando todos aqueles comentários, e comecei a posicioná-la sobre o corte. Peguei um pouco da fita cirúrgica e prendi o curativo.
– Você pode sair, . – Ele olhava para mim.
Desviei o olhar do curativo para ele mais uma vez, confusa. Passei a mão pela cabeça, aquilo era muito pra mim. Era muito pra apenas uma noite.
– Eu preciso pensar. – Respondi, balançando a cabeça. – Preciso mesmo de algum tempo pra pensar nisso, . Eu agradeço a ajuda, mas... – Balancei a cabeça. – Eu não tenho chances fora daqui, e não acho que você vá encontrar algum lugar que me aceite.
Ele se escorou na poltrona e, por mais uma vez, me analisou. Como se estivesse decepcionado, mas não tanto. Talvez fosse só a minha sensação sobre. Levantei-me, abraçando meus braços, e coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha. Dei as costas para ele. Não quis dar minha cara a tapa para ser julgada mais uma vez.
Eu não me sentia mal com ele. Era bem pelo contrário: podia perceber claramente que ele queria me ajudar, talvez até demais, mas não podia dar toda a minha confiança logo de cara. Um trabalho fora dali? Seria, realmente, o meu sonho. Mas o que seria de mim se tudo aquilo fosse uma mentira ou uma confusão?
Eu não tinha condição o suficiente para me meter nesse tipo de aventura. Não naquele momento, definitivamente.
Ouvi se levantar, abotoando sua blusa. Ele deixou o dinheiro de Frank sobre a cômoda, eu olhei a contragosto. Odiava o quão humilhante era toda aquela situação pra mim. Virou-se para mim uma última vez.
– Não se esqueça: eu estou do seu lado. – Repetiu.
Olhei para ele só para flagrar seus olhos nos meus, antes que fechasse a porta e saísse, me deixando novamente sozinha. Esperei que Frank viesse recolher sua parte do dinheiro e deixei todo o resto no bolo que juntava em minha cômoda. Pretendia devolver tudo aquilo, algum dia.
Deixei que meus olhos se molhassem naquele dia por tudo o que vinha acontecendo. Estava naquele lugar, presa, sem família e sem conseguir dar um pingo de confiança a quem parecia realmente querer me ajudar. Meu coração doía, e eu não podia suprimir isso o tempo inteiro. As noites em Charming eram solitárias. Ao menos para as prostitutas.
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Limpava a superfície das mesas de fora do bar enquanto minhas amigas se preparavam para mais uma longa noite por ali. Frank vez ou outra parava o que estava fazendo – usualmente, contando seu dinheiro – e me observava por longos minutos, só pra ter certeza de que minha atitude não era contrária a ele. Ainda usava aqueles shorts que tinha designado como meu novo uniforme mas, dessa vez, decidi descer de jaqueta. Pude fechá-la e não ouvi reclamações. Ele pareceu notar sozinho que pertencia a , além de ficar comprida em mim. Naquele lugar, o fato de ser parte da SAMCRO – e também o fato de ser um homem – facilitava as coisas para qualquer um.
Passaram-se dois dias desde que o vice-presidente me visitara pela última vez, quando falou sobre um novo trabalho e sobre sair dali. Embora ainda pensasse naquilo, deixei a ideia de lado. Não era como se Frank fosse permitir minha saída, e eu realmente temia pelo pior. Eu não podia deixar Tine sozinha e abandonar todas aquelas garotas.
Ergui meus olhos para a rua quando ouvi o som das motos chegando pela cidade. O vento espalhou meu cabelo para trás. Segurei uma mecha atrás da orelha, o que me assegurou visão perfeita dos Sons chegando na cidade. A maioria deles desviou para o caminho da mecânica, e dois deram para trás. Não consegui ver o que tinham em mãos, mas podia jurar que algum tipo de pacote.
estava ali, por consequência. Ele se despediu dos rapazes que iam para a mecânica e meu coração bateu mais rápido ao ouvir sua moto se aproximar, na direção do bar. Eu me permiti observá-lo enquanto se aproximava, não tirei meus olhos dele nem por um segundo sequer. Estacionou sua moto na frente do bar com o pé, não usava capacete. Ajeitou seu cabelo para trás e apoiou uma das mãos no guidão.
– Sobe!
Ele abriu um sorriso para mim, ergueu a mão. Eu sorri de imediato. Não podia acreditar naquilo.
Olhei para trás, procurando por Frank. pacientemente esperou que eu optasse por ir. Olhei para ele um pouco pensativa e confusa. Vi Frank franzir seu cenho, saindo de dentro de um dos camarins, e vir na minha direção.
Por um segundo, eu pensei não ligar para aquilo. Não era importante mais. Era a primeira vez que eu tinha a oportunidade de sair daquele lugar, conhecer outras porções daquela cidadezinha. Joguei o pano por cima da mesa e corri na direção dele, segurei sua mão e aceitei subir em sua moto. Ele abriu um sorriso de canto vitorioso na direção de Frank, que parou na porta do bar. Não pensei em pra onde iria ou o que faríamos, eu só quis seguir meus instintos pela primeira vez. Tudo em mim pedia que eu fosse com ele, que deixasse que aquilo acontecesse, por fim. Decidi ceder e permitir que meu dia fosse bom ao menos uma vez.
Meu cabelo voava ao vento, e ia cada vez mais rápido. Não parecia se importar com todos os olhos que recebíamos pela rua e, talvez, muitos julgamentos. Não importava.
– Pra onde nós vamos? – Eu perguntei, próxima ao ouvido dele.
Virou-se levemente para mim por cima do ombro, o suficiente para que eu pudesse ouvi-lo.
– Pra onde você quer ir?
– Eu não sei! – Eu exclamei, rindo.
Fechei os olhos, sentindo a brisa fria da noite de Charming, e apoiei minhas mãos ao redor do corpo dele. Quando a velocidade começou a baixar, os abri novamente, ouvindo várias e várias vozes. Alguns gritos aqui e ali, sons de copos às vezes e gritos entusiasmados. Eu me surpreendi ao ver que me levara até a mecânica, a sede dos Sons. Todos os membros estavam reunidos do lado de fora, bebiam chope e riam alto. Aquele era um dia de vitória para o clube, ao que me parecia. Eu me senti um pouco constrangida por estar ali, envergonhada por ser tão diferente e por não conhecer nenhuma daquelas pessoas. Desci da moto e apertei um pouco a jaqueta ao redor do corpo enquanto tirava um cigarro de seu maço.
– Vejo que gostou dela. – Sorriu, apontando para a jaqueta.
Eu abri um sorriso sapeca e dei de ombros.
– Desculpa, você a esqueceu comigo e... Eu usei. – Ri. – Mas eu vou lavar e prometo te devolver.
– Por favor. – Revirou os olhos. – Acha que eu não tenho umas 20 dessas? É um pré-requisito quando quer se juntar a um clube de motos! – Brincou.
Eu ri, balançando a cabeça.
– Tudo bem, talvez eu tenha chegado a pensar nisso. – Olhei à nossa frente, vendo uma mulher se aproximar de nós.
Aparentava ter a mesma idade que ele, cabelos castanhos com algumas luzes loiras e uma cicatriz entre os seios que me deu uma imagem ainda mais forte dela, de início. a cumprimentou com um abraço e eu me mantive parada, onde estava. Ainda me sentia um pouco envergonhada.
– Ainda bem que deu tudo certo. – Ela disse a ele, aliviada.
assentiu.
– Ele lembra muito o pai, Gemma. – Apontou com o rosto para o loiro sentado longe de nós, pegando chope em um barril, quem reconheci como Jax. – Nos dá muito orgulho.
Gemma sorriu e desviou seu olhar, fez com que os olhos de também caíssem sobre mim.
– Essa é a .
Ergueu a mão, oferecendo-a a mim. Eu segurei a mão dele e me aproximei dela, coloquei um sorriso no rosto.
– Trabalha pro Frank.
– Hm. – Gemma fez uma careta. – Eu sinto muito, querida. Você bebe algo? – Ela apoiou o braço ao redor dos meus ombros e começou a andar, me trazendo para perto de si.
Olhei para uma última vez e ele me lançava um sorriso engraçado, talvez desdenhoso, por ver que eu estava claramente constrangida por estar indo na direção de uma desconhecida. Fez um sinal com as mãos e consegui ler “depois” em seus lábios. Assenti.
– Sim! – Respondi a Gemma. – Eu bebo praticamente qualquer coisa que não seja muito forte.
– Isso vai ser difícil de encontrar por aqui. – Gargalhou. – Encontraremos algo, com certeza.
Gemma me levou até o que parecia ser a real sede. Havia um cômodo que parecia especial, mas tinha suas portas fechadas. Haviam fotografias por toda a parede, que mostravam os membros do clube sendo presos por algo. Aquilo, por mais estranho que fosse, me fez rir bastante. Ela pareceu acolhedora demais para uma mulher que me parecia tão perigosa de início, me fez desconfiar de que talvez eu já tivesse sido mencionada antes por e talvez ele a tivesse instruído a ser gentil comigo. Não compreendia minha dificuldade em acreditar em verdadeiras atitudes gentis vindas de outras pessoas.
Haviam algumas garotas por ali, e algum tempo trabalhando no bar me fazia reconhecer quando alguém parecia estar em um local contra sua vontade. Eram todas prostitutas. Nenhuma delas estava constrangida ou se sentindo mal. Não passava de mais uma noite de trabalho e não significaria mais do que aquilo para elas no dia seguinte. Gemma era esposa do ex-presidente, segundo o que me dissera, e mãe de Jax Teller, o atual presidente. Embora estivesse completamente envolvida com aquele clube até a cabeça, ela não parecia isolar ou esnobar as outras garotas. Tinha contato com muitas delas e me guiou até o pátio principal novamente, onde as garotas conversavam. Todas foram extremamente acolhedoras comigo, conversamos por horas sobre mim. Algumas pareceram chocadas pela minha história, por todo o caso do carro – por ter dirigido sem sequer saber como, até parar ali – e por ter a coragem de continuar no bar mesmo depois de tantos motivos para querer sair. Todas tinham histórias conflitantes como a minha.
Aumentaram a música que tocava, todas dançavam entre si. Algumas iam sendo removidas do grupo por um membro do clube eventualmente, e entravam para a casa enorme da mecânica. Tara estava ali também, era um dia especial para o clube, e ela esposa do presidente. Tinha feito amizade com ela. Em algum momento, eu não pareci mais não saber onde estava e não me sentir constrangida por tantas pessoas presentes. Aquela mulher me fez me sentir em casa, assim como os olhos carinhosos e ternos de do outro lado do pátio, que conversava com seus amigos mas me observava.
Tara disse que ele não tirava seus olhos de mim, e eu soltei um sorriso discreto e tímido. Ela ergueu sua mão, eu aceitei. Levantou-me, tirou algumas flores de um vaso que decorava a mesa e começou a distribuí-las pelo meu cabelo.
– Ah, agora que te conheço pessoalmente. – Ela comentou, me girando para conferir como o cabelo tinha ficado. – Você é tão nova... – Riu.
– É. – Eu ri, de volta. – Nova demais pra um lugar que nem aquele, eu acho.
– te deu a resposta sobre o hospital? – Ela perguntou, terminando de arrumar uma última flor em minha orelha.
Eu franzi o cenho, confusa.
– Hospital?
– É, ele me pediu pra tentar conseguir um emprego pra você no hospital. – Ela passou a mão carinhosamente por uma mecha do meu cabelo. – Eu disse a ele que tinha conseguido uma vaga de recepcionista, já que a nossa está se mudando para o Arizona. Ele não te disse?
Eu me calei e olhei, confusa, para ela. E ali estava, meu coração disparando novamente. Recepcionista? Em um hospital? Aquilo era mil vezes melhor do que trabalhar em qualquer uma das funções do bar.
Abri a boca para dizer algo, mas me lembrei do meu quarto. Eu não tinha onde ficar, e Frank jamais permitiria que ficasse lá – mesmo que eu pagasse o valor de um aluguel. Eu não podia exigir mais daquelas pessoas e pedir que me encontrassem um quarto ou um local para morar, e não podia pagar por um.
– Não, ele disse. – Eu assenti, olhando para minhas mãos. – Eu ainda preciso pensar.
– , pense bem nisso. – Ela me disse, séria.
Ergui meus olhos para os dela. Tara era como uma imagem materna, por mais que houvessem apenas horas desde que a conheci.
– Trabalhar de recepcionista por lá é tranquilo, com certeza bem melhor do que seu trabalho atual no bar. – Garantiu.
– Eu sei. – Assenti.
Eu realmente sabia. Abri um sorriso pensando em , que fora tão longe apenas para conseguir algo para mim. Um emprego.
– Pense com cuidado, está bem? – Ela pediu, se levantando de sua cadeira e indo na direção de Jax.
Acenou para mim, e eu percebi que estava saindo porque viu se aproximar. Ele sorria.
– Gostei disso. Acho que combina com você. – Brincou, apontando para as flores. – Desculpa por isso, aliás. A Gemma é... – Olhou para ela, balançando a cabeça negativamente. – É a nossa “mãe” desde sempre. Extra cuidadosa com gente nova por aqui.
– Ah, então era isso. – Eu olhei para ela de relance e de volta para ele. – Tudo bem, não se preocupe com isso. – Ri de leve. – Mas... Hm... Nós podemos voltar...?
Ele me olhou confuso por alguns segundos e assentiu positivamente. Ergueu o braço, indicando o estacionamento, onde seu carro estava parado ao lado de sua moto. Andei até ali acompanhada por ele, estava pensativa sobre o hospital. Sentei no banco do passageiro e apoiei meu rosto na janela, esperei que ele entrasse em seu respectivo lado do carro e arrancasse. Nós nos mantivemos em silêncio até certa parte da cidade.
– Tara conversou com você sobre o hospital? – Finalmente quebrou o silêncio.
– Sim. – Respondi, imediatamente. – E eu preciso pensar sobre. Digo... Eu sei que vai ser incrivelmente melhor trabalhar lá, e provavelmente o melhor emprego que eu tive na minha vida até então, mas eu...
– Você vai poder se livrar de toda aquela merda. – Ele respondeu, me interrompendo, e olhou para mim. – , eu não aguento ver você ter que passar por isso. Você se tortura lá todos os dias!
– Por quê isso do nada? – Eu me virei para ele, franzi o cenho. – Nós nem nos conhecíamos até duas semanas atrás e, de repente, você tá todo preocupado comigo e querendo me conseguir uma vida nova, um emprego novo. O que você quer, ?!
passou a mão pelos lábios, incomodado pela minha atitude. Voltou seus olhos para a estrada e acelerou um pouco mais, ainda parecia procurar pelas palavras certas.
– Eu sei que não te conhecia antes, mas eu sei como a vida pode ser difícil pra quem segue esse caminho. – Olhou para mim mais uma vez, furou o sinal vermelho e voltou seus olhos para a rua. – Eu não quero isso pra você.
– Bom, adivinha só? Eu também nunca quis isso pra mim. – Respondi a contragosto.
Ele freou na porta do bar e respirou fundo. Passou a mão pela sua barba por fazer, seus cabelos levemente grisalhos. Fechou os olhos, respirando fundo.
– Se soubesse as coisas que eu gostaria de fazer com você, ... – Ele balançou a cabeça e olhou para mim
Olhos de águia, intensos, vorazes, famintos. Eu engoli em seco, sentindo meu coração pedir para pular fora da minha boca. Ignorei os sons do bar do lado de fora, estava focada nele. Completamente focada nele. Primeiro, senti o desejo formigar minha barriga, o meu ventre. O calor que não vinha da cidade, mas de nós dois.
– Você teve a chance, . – Respondi, repetindo mais uma vez seu primeiro nome.
Ele fechou os olhos e tombou a cabeça em seu banco.
– Não repita isso. – Lambeu os lábios, como se sentisse todo o meu desejo reprimido em minha fala. – Não agora, ou eu não vou conseguir deixá-la sair daqui.
– Se era isso que você queria, – Continuei. – por que você não simplesmente me fodeu e foi embora?
A esse ponto, meus olhos se encheram de lágrimas. Eu não sentia meu corpo, só a minha vontade absurda de estar com ele ou ir embora de vez. Apaixonar-me por aquele homem tinha sido a pior decisão possível, e minhas tentativas de reprimir o sentimento, as mais falhas do mundo. Fechei meus olhos, tentando engolir o choro, mas algumas lágrimas desceram pelo meu rosto.
– Não. – Ele balançou a cabeça, se virou para mim. – O motivo pelo qual eu não encostei um dedo sequer em você até agora, , é porque eu quero mais. – Sua voz grossa soou rouca, estridente. – Eu quero mais do que isso.
– O que você quer?! – Eu perguntei, confusa.
Ele me deixava confusa, meu coração batia forte e eu não sabia para que lado ir. Se abraçava a chance de tê-lo ou se optava por abrir minha porta e sair daquele carro, sumir no bar e deixar para trás toda aquela desastrosa história. Aquele protótipo de história de amor.
– Tudo de você. – Respondeu, se aproximando de mim.
Seus olhos se focaram nos meus lábios. Eu fechei meus olhos, deixando minhas lágrimas caírem.
– Eu quero que você seja minha, . Desde que pisei aqui pela primeira vez, minha vontade era cortar a garganta do desgraçado que te faz chorar – Ergueu seus olhos aos meus. – e te dar a sua tão sonhada liberdade.
Fechei meus olhos e apertei a mão ao redor da maçaneta, puxando para que a porta se abrisse.
– Desculpa. – Respondi, e foi tudo o que eu consegui pensar no momento.
Antes que ele pudesse me segurar, eu saí e deixei a porta do carro aberta. Apertei as mãos contra o rosto para tirar os resquícios de lágrimas dali, mas fui incapaz.
Frank se aproximou e tinha uma voz incômoda, um tom agressivo e cheirava a bebida. Ergueu seu dedo mandão no meu rosto.
– Você acha que pode sumir assim, de repente, e continuar trabalhando pra mim?! – Ele gritou.
Segurou meu braço. Não ousei reclamar, mas soltei alguns resmungos pela força que ele aplicava. Era intensa, eu sentia dor, sentia meu braço arder. Com certeza, teria uma marca ali, mais tarde.
– Sua puta desgraçada...
– F-Frank, eu... – Balancei a cabeça. – Eu voltei! Sinto muito, não faça isso em público, por favor... – Eu não queria mais aquela humilhação.
Ele ergueu uma das mãos, mesmo em público, pronto para me bater. Preparei meu rosto e meu psicológico para receber aquele tapa e vi o olhar voraz de Clementine do outro lado do bar, estava pronta para entrar na minha frente.
Ouvi o som abafado das mãos de . Uma delas segurou o braço erguido dele, a outra se fechou em um soco cheio no rosto de Frank. Ele cambaleou para trás, segurando o próprio nariz. Começava a sangrar. As pessoas ao redor se ergueram e começaram a gritar pela briga, eu levei as mãos ao rosto chocada pelo que estava acontecendo. Não queria nada daquilo. Eu odiava aquilo.
Àquele ponto, não conseguia mais conter lágrimas vorazes e uma expressão de puro choque. ergueu o rosto dele, agarrando o colarinho de sua camisa, e deu mais um soco em cheio, o fez cair para trás. Vi sua mão ir para o canto de sua cintura, provavelmente puxaria uma faca. Clementine se aproximou e ergueu a mão.
– Não, por favor. – Ela clamou. – Basta. Ele não vai se levantar mais, senhor.
olhou para o olhar suplicante dela e cuspiu no rosto de Frank, caído e inconsciente. Nem sequer se virou para mim.
– Pegue suas coisas, . – Disse, olhando ao redor. – Rápido.
Eu olhei para Clementine por alguns segundos e rapidamente subi as escadas, corri como nunca antes. Mia se abaixou para cuidar de Frank e eu ouvi os passos pesados de Clementine correndo atrás de mim, escada acima.
Atirei minha mala aberta no centro da cama e abri as gavetas da cômoda, começava a tirar minhas coisas de lá e jogá-las na mala sem pensar direito. Não havia escapatória: ou eu fugiria com ou aceitaria os tapas cada vez mais frequentes de Frank.
Olhei para os olhos derrotados e decepcionados de Clementine. Trixie também havia fugido, e aquela era minha vez. Eu tombei o rosto, comprimindo os lábios e segurando uma expressão de pura tristeza e mágoa mas, para minha surpresa, Tine começou a me ajudar a tirar minhas roupas de dentro da cômoda e ajeitá-las na mala.
– Garota, – Ela segurou meu rosto, virando-o para si, e piscou, encarava meus olhos com lágrimas nos seus. – Se cuide, por favor. Eu te imploro, . Cuide-se. Tome cuidado com esses caras, cuidado com os Sons. Nunca confie em ninguém plenamente, sempre tenha seu dinheiro... Não dependa de ninguém.
– Sim, Tine. – Eu a abracei, afundando meus olhos em seu ombro. – Eu sinto muito. Eu prometo voltar pra buscar você, sim?
– Não pense em mim, garota. Eu estou fadada a esse lugar. – Balançou a cabeça. – Viva a sua vida ao máximo e sempre se lembre de não confiar em ninguém, tudo bem?
Assenti positivamente e agarrei minha mala. Desci correndo para o andar de baixo e lancei um olhar triste para Mia e minhas amigas. Era uma despedida.
pegou minha mala e saiu pela porta da frente, a jogou no banco de trás do carro e entrou em seu banco. Eu entrei no meu e fechei a porta, em silêncio. Ele ligou o carro e parou por alguns segundos antes de qualquer coisa.
Eu respirei fundo, me virei para ele e segui em sua direção. Segurei seu rosto, senti sua respiração quente contra o meu. Fechei meus olhos, selando nossos lábios em um beijo intenso. A adrenalina me fez sentir aquele beijo ainda mais do que eu deveria sentir. Sua língua em complexa dança com a minha, suas mãos, apoiando-se em minha cintura, e seu contato, que era tudo o que eu precisava.
Ele segurou meu rosto com as duas mãos, encarou minha boca e, então, meus olhos. Passou os polegares pelas minhas bochechas, afastando aquelas lágrimas.
– Você é linda chorando, . – Ele sorriu, me dando mais um último beijo, sutil e terno.
Eu me entreguei a ele. Mesmo sem saber que rumo ou caminho nossa história poderia tomar. Mas podia dizer que, ao fim de tudo, estaria satisfeita caso morresse naquele dia.
Havia fumaça saindo por debaixo do capô, o que não lhe parecia um bom indicativo. Olhou ao redor, não encontrando nada além de uma rua deserta após uma pequena cerca de arame que dividia a parcela de terreno onde seu carro estava do asfalto. Olhou para cima, sentindo a exaustão finalmente pesar seus ombros. Não conseguiu puxar à mente há quanto tempo vinha dirigindo desde sua casa em Sacramento, e compreendeu imediatamente a necessidade que suas pernas sentiam de repousar por alguns minutos. Optou por andar até a porta traseira da picape e pegar, no banco de trás, sua mala. Era pequena e ainda haviam bolsos abertos.
Era tudo o que ela tinha: além de dezoito anos, uma picape quebrada e um enorme potencial.
Passou por baixo da cerca e passou as mãos pela blusa simples, limpando as fagulhas e pequenas porções de capim espalhadas por ali. Bateu seu tênis no chão, tentando tirar o máximo possível de terra, e deixou a mala cair ao seu lado. Soltou a pequena trança que, inicialmente, decorava seu cabelo, mas já não era nada além de um emaranhado de fios soltos e selvagens então. Deixou que seu cabelo caísse por seus ombros e balançou a cabeça. Ela respirou fundo, sentindo todo o peso de sua fuga nas costas. Não era sua intenção, no início. Mas aquele era um assunto que ela preferia evitar e, por questões internas não resolvidas ainda, preferiu afastá-lo de sua cabeça. Ao invés de segurar seu coração contra si, segurou sua mala com toda a força que tinha e trilhou uma pequena distância até o outro lado da rua.
A primeira porta que encontrou era um portão verde mal cuidado e carcomido, mas logo acima havia uma placa em neon que dizia “condimentos da Trixie”. O nome feminino a deu um pingo de esperança. Talvez a tal Trixie pudesse, ao menos, dizer onde ela estava.
Bateu a campainha e esperou.
Esperou o suficiente para ver que o homem que se aproximava desde o fim da rua não parava de andar na direção dela, por mais que, depois daquela específica rua, não houvesse mais cidade ou qualquer coisa além de muito mato. Ela bateu a campainha mais uma vez e sentiu sua mão suar. Não permitiu que a mala escorregasse um centímetro de sua mão e a apertou mais fortemente. Respirou fundo e torceu para que a tal Trixie atendesse. Ao lado, havia uma porta vinho cuja parte de vidro era coberta por uma pequena cortina. Não conseguia ler o que estava escrito no letreiro ao lado. Ela se desesperou. Rezou para todos os santos cujos nomes começassem com ‘Tri’ e terminassem com ‘xie’.
A luz do local iluminou a cortina na porta e ela pôde enxergar uma silhueta se aproximar por detrás da cortina. Ouviu a fechadura se abrir e, então, ergueu seus olhos para a mulher alta e loira à sua frente. Usava uma blusa xadrez e uma jaqueta jeans por cima, uma bermuda jeans que combinava com seu rosto e uma bota caracteristicamente californiana.
A velha envolveu o braço dela com a mão e a puxou para dentro. se encostou contra o aro da porta.
– É bom te ver. – A mulher disse, causando certa confusão no olhar da jovem, que franziu o cenho.
Empurrou-a para dentro, encarando o homem que passava por elas no passeio da rua, e fechou a porta. Trancou, baixou a cortina e apoiou uma das mãos na mesma, respirando fundo. Virou-se para a pequena, jovem e confusa garota por fim.
– Não sabe quantas vezes precisei presenciar garotas como você serem devoradas em lugares como esse. – Apontou para a rua. – Quem é você?
– . . – Disse, pausadamente. – Me desculpa, eu...
Ela foi interrompida.
– Eu acabei de salvar sua pele. Não me peça desculpas, me agradeça. Que tal assim? – Deu de ombros e riu de leve. – Meu nome é Clementine.
Ergueu os olhos, colocando uma das mãos na cintura. Olhava para como se fosse um mísero pedaço de carne.
– Não ia encontrar Trixie nem em um milhão de anos. A garota se mandou daqui. Arrumou todas as malas num dia e simplesmente desapareceu. Ah, ingratas... – Ela balançou a cabeça. – Bem, você precisa de um copo d’água, uma xícara de chocolate quente e uns pijamas. E também precisa me explicar que porra é essa.
E assim foi.
Apoiei meu corpo na bancada do bar principal. Haviam mesas de madeira espalhadas por toda parte. A maioria das pessoas, naquela época, as consideraria rústicas. Eu diria que eram velharias. Era o melhor que tínhamos por ali. O bar tinha paredes compridas, já que o segundo andar contava com um tipo de mezanino precário. Eram decoradas por um tipo de papel de parede antigo, vermelho desbotado. Em algumas partes, o papel já caíra e revelava as estruturas de madeira que compunham todo o salão. As janelas – em sua maioria, quebradas – já estavam abertas, e o ar finalmente entrava. O laranja do fim de tarde já começava a invadir o ambiente, o que significava que era nossa hora de entrar em ação. Caí em mim quando observei o sol sumir detrás do rosto de Frank, logo à minha frente.
– Eu não te pago pra ficar olhando pra fora, pirralha. – Soou ríspido, jogando um pano molhado no balcão.
Respirei fundo, assentindo. Ele estava certo. Peguei o pano e comecei a esfregar as marcas de copo que se estendiam por ali. Reuni todos os copos largados e deixei cuidadosamente sobre a pia, minha próxima estação. Joguei um pouco mais de desinfetante.
Charming era uma cidadezinha perdida no interior de San Joaquin, e não havia tanto luxo por ali quando se tratava do nosso bar ou das nossas garotas. Era um dos únicos bares da cidade, e levava a fama de principal, já que era frequentado pelas gangues das cidades vizinhas e também pela gangue local. Não fazia seis meses desde minha chegada e eu já me sentia acolhida. Fui resgatada por Tine, empregada por Frankie, e acolhida por todos os funcionários do bar. O emprego não era perfeito e haviam precariedades por toda parte, mas eu nunca me senti em uma posição confortável para reclamar. Tinha um salário, por menor que fosse, uma cama, por mais desconfortável que fosse, e um pequeno quarto, por mais recluso que fosse. Tudo aquilo já era bem melhor do que minha antiga vida, e eu não podia enxergar algo melhor do que o que já vivia. Os dias eram difíceis, o trabalho era cansativo e, emocionalmente falando, não era fácil ser mulher em uma cidade como aquela. Tentava me convencer diariamente de que minha juventude era o fator chave. Eu era jovem, precisava aproveitar minha capacidade enquanto havia tempo.
Parei de sonhar acordada por uma segunda vez, interrompida por Mia. Ela tinha escorado seu quadril no outro lado do bar e segurava uma vassoura em uma das mãos. Seus cabelos ruivos caíam por um de seus ombros e acumulavam um pouco da poeira local nas pontas. Ela olhou para mim e, então, indicou a porta principal aberta com sua cabeça.
– Eles chegaram. – Comentou. – Ouvi dizer que tiveram outro problema com o cartel...
Eu olhei para ela e, então, para a porta de relance. O barulho dos motores podia ser escutado há quilômetros em uníssono. Baixei meus olhos até a pia e afundei alguns copos na água, sem dizer nada.
– Parece que o negócio das armas vem incomodando o garoto. Quer dizer, todo mundo sempre soube que ele era diferente, mas... – Ela olhou para mim. – Garota, diga alguma coisa!
Eu ri, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha.
– Sabe que eu não tenho comentários sobre isso, Mia!
– Você bem que podia dançar pra um deles, hein? – Ela me cutucou com o cotovelo.
Riu, passando a mão pelo próprio cabelo e olhando para as motos que passavam em frente ao bar. Eu dei uma negativa.
– Ficar riquíssima e depois tirar todas nós daqui. Já pensou? Todas nós soltas em Nova Iorque com uma penca de dinheiro pra gastar?!
Parei o que estava fazendo para olhar para ela por alguns segundos.
– Mia. – Eu balancei a cabeça, rindo. – Que tal terminar de limpar esse chão?! – Coloquei as mãos na cintura e ergui a cabeça. – Prefiro ficar bem aqui, por enquanto. Acredite, somos melhores longe deles!
– Mas !
Ela se apoiou na bancada, erguendo seu corpo e me encarando de perto. Segurou meu rosto.
– Jax Teller é um gostoso!
– E ele é casado! A Tara é uma ótima pessoa! – Eu respondi, apertando o nariz dela.
Ela fez uma expressão decepcionada e deu um passo para trás cruzando os braços.
– Sério. Nós aqui e eles lá.
Revirou os olhos, assentindo positivamente e retornando à sua posição inicial, varrendo o piso velho e empoeirado que definitivamente precisava de sua ajuda. Respirei fundo. Todas nós queríamos fugir de lá, desaparecer. Mesmo eu, por mais que estivesse sonhando ou fora do chão em 80% do tempo. Queria juntar dinheiro o suficiente para encontrar um lugar melhor, um trabalho melhor, talvez fazer alguma faculdade. Ainda havia tempo para todas nós, era o que Tine sempre dizia. Aquele estilo de vida simplesmente não era pra mim.
Eu jamais seria uma old lady.
Os gritos aumentavam à medida que os presentes ali bebiam. Mais pessoas chegavam, a alegria finalmente era generalizada no bar. Eu podia ver com clareza a felicidade de Frank ao ver o dinheiro entrar em seu caixa enquanto nossas garotas rebolavam perfeitamente nos canos e lotavam os quartos logo em seguida, com homens dispostos a entregarem muito dinheiro por elas. Eu ajeitei meu coque que, até então, parecia bem mal feito, e me apoiei na bancada com os cotovelos. Curvei-me ali, observando alguns senhores jogarem truco do outro lado do bar.
Clementine estava no meio deles. Sorri, vendo-a se divertir longe das ordens de Frank. O meu sonho era poder me livrar dele como ela se livrara, mas ainda estava distante daquilo. Havia pouco dinheiro guardado na minha solitária carteira, e pouca expectativa para aquela cidade. Tine ergueu o braço para mim com um sorriso de canto a canto, tirou o cigarro do canto da boca e apagou na mesa, pegando todo o dinheiro que conseguira naquela rodada. Sorri de volta. Aquela mulher era quase tudo pra mim, quase como minha mãe.
O barulho do motor das motos me fez cair na realidade de volta. Olhei para as portas abertas do bar. A visita dos Sons era inesperada, mas não poderia dizer que me chocou. Depois dos problemas com o negócio das armas e com seus distribuidores de bares vizinhos, não era surpresa nenhuma que precisariam se realocar para o bar mais próximo. Eu endireitei meu corpo quando vi o primeiro deles entrar, quase que forçando todo o bar a ficar em silêncio por alguns respeitosos segundos. Aquele era Jax Teller, como todos sabiam. Quando outros intees entraram rapidamente, alegres e barulhentos, o resto do bar se normalizou. Todos voltaram a conversar e os gritos voltaram a aterrorizar os ouvidos alheios.
Jax se aproximou do balcão enquanto encarava os arredores, procurando por um lugar. Frank estava distraído, nem parecia ter percebido que os rapazes entraram.
– Mande uma rodada completa pra aquela mesa ali, está bem? – Ele me disse e apontou para a mesa do canto.
Assenti positivamente e comecei a pegar os copos e limpá-los mais uma vez. Não queríamos ter problemas com os Sons. Servi todos eles com cerveja e os ajeitei nas duas bandejas que precisaria para levar. Coloquei uma em cada mão e fui para a mesa.
Não podia ser ingênua o suficiente para pensar que não receberia olhares. Afinal, eles eram homens. A mesa era redonda e eles ocupavam todo o espaço ao redor dela. Não havia uma brecha para que eu entrasse e servisse os copos adequadamente, mas nenhum deles pareceu se importar com isso. Curvei meu corpo e deixei que cada um tirasse seu próprio copo. Eles brindaram em comemoração e, logo depois, altas risadas e gritos podiam ser ouvidos do outro lado do bar. Dentre todos esses homens gritando, um deles gentilmente apoiou a mão em meu braço, pedindo que eu me abaixasse. Cheguei meu ouvido próximo a sua boca.
– Você já pode preparar mais uma ou duas rodadas. – Piscou e eu assenti.
Em sua jaqueta, não havia um nome escrito, mas eu me lembraria dele pelo moicano e pelas tatuagens ao redor da cabeça.
Eu ajeitei meu corpo e coloquei as bandejas debaixo do braço. Olhei pela janela por alguns segundos. Pelo visto, aquele era o pico da noite no bar, ou era o que eu pensei. Olhei mais uma vez para a mesa dos Sons. Dentre todos aqueles homens estridentes e grosseiros, um me chamou a atenção. Seus olhos quase pretos encaravam os meus, tinha seu olhar erguido diretamente a mim enquanto segurava seu copo de cerveja nos lábios. Parecia estar nos seus 40 anos, talvez um pouco mais. Haviam alguns fios brancos em sua cabeça mas, de forma alguma, aquilo tirava o seu charme. Pisquei rapidamente e me virei para o balcão, andando na direção do mesmo. Não poderia não me sentir tímida sobre minha forma de andar quando sabia que ele observava cada passo que eu dava. Eu respirei fundo. Não, . Eles lá, você cá.
Comecei a arrumar mais uma rodada para todos eles, servi a cerveja nas duas bandejas. Respirei fundo, tirando da minha cabeça a imagem do homem que me observava. Eu me preparava para erguer as bandejas quando a mão de Frank envolveu meu braço direito. Ele me virou para si sem muita força, mas sua atitude era incômoda e me constrangia um bocado.
– O que você está fazendo? – Ele murmurou, tinha um tom de voz ríspido mas baixo. – Estão todas ocupadas e aqueles ali no canto são a porra dos Sons of Anarchy!
– Eu estou servindo. – Expliquei, como se fosse óbvio.
– Eu sirvo, me dá isso. – Pegou a bandeja da minha mão. – Vá imediatamente pro quarto de trás e se vista direito, solte o seu cabelo. Você vai precisar dançar hoje.
Meu coração gelou. Eu olhei para ele estática por alguns segundos e engoli o choro, mas meus olhos eram expressivos e ele podia perceber que estava contrariada. Deu de ombros e soltou uma risadinha de escárnio.
– Eu sinto muito, pirralha, mas aqueles caras não precisam de uma mulher pra servir. Eles precisam de uma mulher pra dançar pra eles.
Eu tentei procurar uma razão para negar o pedido dele, talvez um bom motivo o fizesse desistir. Eu odiava dançar, odiava trabalhar como stripper ali. Não era meu trabalho e, além disso, de uma forma ou de outra, a prostituição acompanhava aquela tarefa.
– Frank, por favor... – Eu murmurei baixo enquanto abaixava minha cabeça.
Frank segurou meu braço mais uma vez com sua única mão livre.
– Escute, eu não quero parecer um vilão ou um cafetão pra essa gente. – Procurou meus olhos. – Então, sem reclamar, e...
Ele foi interrompido por uma terceira presença. Ergui meus olhos para Frank, como se o homem que se aproximava não importasse, mas meu chefe fixou seus olhos nele. Em sua jaqueta vinha escrito “Vice-Presidente”.
Tratava-se do homem que, alguns minutos antes, me observava. Podendo observá-lo de perto, fui capaz de notar duas cicatrizes em seu rosto, suas bochechas, perto de sua boca. Pude notar que ele era alto, mais alto até mesmo do que Frank. Tinha um olhar e um porte assustadores mas, de alguma forma, ainda parecia mais cortês do que os outros membros do clube. Ele era mais silencioso, o que o fazia parecer mais mortal também. Acendeu um cigarro ainda na boca e o tirou entre os dedos, soprou a fumaça na direção do rosto de Frank. Eu dividi meus olhares entre os dois. Ele ergueu um bolo generoso de dinheiro para Frank.
– Acho que falta uma rodada naquela mesa. – Apontou para a mesa de seus amigos e, imediatamente, Frank assentiu.
Meu chefe olhou para mim com um olhar ameaçador e, então, começou seu caminho na direção da mesa dos Sons.
Eu estava sozinha com aquele homem dos olhos negros e ameaçadores. Senti a mão dele gentilmente envolver minha cintura e seu braço se ergueu a frente de seu corpo, como quem indicava um caminho. O caminho das escadas.
– Vamos?
Eu automaticamente assenti, ainda incrédula sobre o que acabava de acontecer ali. Primeiro, me foi solicitado que dançasse, e eu quis recusar quase que imediatamente. Meu coração parou e eu tive a impressão de estar sendo salva por um homem não muito semelhante ao padrão “príncipe”, e então minha ficha caiu. Eu estava sendo vendida. O “príncipe” estava me comprando.
Engoli o choro mais uma vez e fui até a escada na frente dele. Subi os degraus sem dizer uma palavra, segui o seu silêncio. Entrei em um dos únicos quartos livres e peguei a chave na porta, entrei atrás dele e tranquei. Eu me apoiei na porta, extremamente chocada e assustada, respirei fundo enquanto ele se sentava na cama. Ainda tinha seu cigarro no canto da boca, eu me endireitei. Soltei o cabelo e coloquei uma mecha atrás da orelha.
– Hm, eu... – Eu ergui meus olhos para ele. – O que eu devo fazer...?
Ele olhou para mim por alguns segundos, em silêncio. Aquele pareceu o maior silêncio da minha vida. Eu me senti traída pela minha própria consciência por achar tão atraente o homem que acabara de me comprar.
– Sente-se. – Ele apontou para a poltrona na frente da cama e eu assenti, me sentando ali.
Ajeitei meu corpo, me sentava de um jeito que considerei correto e o menos expositivo possível. Ainda estava desconfortável e constrangida, e isso poderia ser lido pelo menos esperto possível. Ele se levantou e eu me assustei. Instintivamente, me encolhi. Para a minha surpresa, andou na direção da janela e a abriu, soprando sua fumaça para fora. Escorou os cotovelos no parapeito e se curvou ali.
– Esse cara, Frank... – Ele observava o próprio cigarro entre os dedos. – ... machuca vocês?
Eu ergui as sobrancelhas, um pouco confusa. Encostei na poltrona, perdendo um pouco da minha pose defensiva.
– Você não parece o tipo que só quer conversar. – Eu comentei, temendo que sua resposta confirmasse meu pensamento.
Não costumava ter comentários tão petulantes, mas me sentia ameaçada e envergonhada. Ele soltou um pequeno riso.
– Se não estivéssemos conversando, provavelmente estaria em algum outro quarto com outro cara e sem suas roupas. – Ele se apoiou de costas na janela, olhando para mim.
Expressei meu medo de que esse fosse o futuro daquela conversa.
– Não se preocupe, você pode ficar com as suas roupas. – Brincou, rindo mais uma vez.
Sua voz rouca, pela primeira vez, me trouxe paz, e eu relaxei um pouco minha expressão. Tombei o rosto no encosto da poltrona. Frank, hein?
– Ele não me machuca, só... É difícil. – Balancei a cabeça.
Ele cerrou os olhos e apagou o cigarro na janela. Sentou-se na cama novamente, à minha frente.
– Eu não pretendo dizer nada pra ele, se é o que está pensando.
Eu o encarei por alguns segundos. Não sabia o que estava acontecendo comigo, mas decidi confiar nele. Decidi confiar em um homem estranho e ameaçador que eu sequer conhecia para falar sobre meu chefe, para denunciar atos abusivos dele. Aquilo podia tirar meu emprego de mim. Aquilo podia me expulsar daquela pequena cidade, mas minha cabeça estava me traindo.
– Ele não nos machuca mas... Veja, ele é um cafetão como qualquer outro. – Dei de ombros. – Ele controla o dinheiro e não deixa que ninguém aqui junte o próprio dinheiro. Ele tem medo de que elas fujam.
Ele permaneceu em silêncio. Eu era a voz ali, no momento. Pelos primeiros minutos, só eu falei. Expliquei algumas coisas sobre o bar e expus outras sobre Frank e, então, depois de alguns minutos, comecei a escutar a voz dele. Não falava sobre si mesmo ou sobre a gangue. Ele falava sobre o bar. Sobre questões de segurança, sobre grana.
– É, definitivamente, esse cara fatura muito às custas de vocês. – Ele soltou uma risada sutil, baixa e rouca.
Passou as mãos pelos cabelos, os ajeitou para trás. Ele se levantou, erguendo um relógio deitado sobre minha cômoda principal. Eu o ouvi resmungar algo antes de ajeitar sua jaqueta.
– Parece que eu te devo um extra. – Ergueu as sobrancelhas, brincando.
Ele tirou sua carteira do bolso de trás, eu ergui uma das mãos.
– Não, por favor. – Balancei a cabeça. – Você não me deve nada. Na verdade, eu é quem te devo um pedido de desculpas pela confusão no início e... Um agradecimento por... Bem... – Dei de ombros. – Obrigada. – Concluí.
Ele ergueu os olhos para mim, analítico. Sorriu de leve e devolveu a carteira ao bolso, ergueu sua mão. Olhei para a mão dele por uns bons segundos antes de cair na real e erguer a minha própria mão, apertando-a. Eu o senti colocar certa força no aperto de mãos e, então, ele me puxou para perto de si. Ergui meus olhos aos dele, ainda um pouco confusa. Apoiou sua mão livre em meu rosto, erguendo meu queixo com o indicador.
– Você é uma garota especial. – Ele comentou, com um sorriso no canto dos lábios.
Seus olhos desceram por um mísero segundo para os meus lábios e, então, se ergueram novamente aos meus olhos.
– Saiba que seremos frequentes aqui, daqui em diante. Se ele colocar você pra dançar de novo e eu não estiver aqui... – Ajeitou sua postura, ainda me fitando. – Peça a um dos garotos para trazê-la. Diga que o pediu. – Sorriu.
Eu assenti positivamente. Ele piscou para mim e meus olhos curiosos e fascinados o acompanharam até a porta. Deu um breve aceno de mãos e saiu do quarto, fechando a porta logo em seguida. Eu me sentei no sofá atrás de mim segurando, meu rosto com as duas mãos. Olhei para o chão por alguns minutos, ainda pensativa.
De repente, minha própria lei não parecia mais tão funcional assim.
Frank abriu a porta, destruindo minha paz interior de poucos minutos, e cruzou os braços, se apoiando no batente.
– Você fez um bom trabalho, no fim das contas. – Ele tirou um digno bolo de dinheiro do bolso. – Ele me pediu pra te pagar. Pensei em não tirar minha porcentagem dessa vez. Talvez assim você não me odeie tanto. – Resmungou, jogando o dinheiro do meu lado.
Eu revirei os olhos, olhando para aquele dinheiro em minha mesa.
Não era o que eu queria.
– Eu não quero dançar, Frank. É só isso.
– Então faça as suas colegas terem alguma noção e pararem de engravidar ou ir fazer sei lá o quê enquanto nós precisamos de ajuda aqui. – Ergueu as sobrancelhas e bateu a porta.
Suspirei, passando a mão pela boca.
Eu precisava devolver todo aquele dinheiro. Afinal de contas, nem sequer o serviço básico prestei ao tal . Sorri levemente ao me lembrar de sua atitude carinhosa e sua voz gentil.
Os Sons lá e eu cá. Talvez nem tanto, .
Eu não esperava encontrar de novo nunca na minha vida. Embora houvesse algo nele que me dissesse para ir em frente, havia também um bloqueio enorme quanto a me aproximar dos Sons. Não parecia uma ideia boa me tornar parte daquilo, por menor que fosse. Eu não cabia na posição de old lady e, no final das contas, nem mesmo ao lado de . Nossa diferença de idade era absurda e vários outros sinais apitavam em vermelho, me dizendo para me afastar.
A semana que procedeu os acontecimentos foi complicada. Um domingo entediante e chato, pouco movimento no bar, só pela tarde. Já à noite, todas em suas respectivas camas bem cedo. Minha porta se abriu repentinamente, sem uma batida ou qualquer indicação de que alguém entrava. Frank fechou a porta atrás de si e se encostou nela. Cruzou os braços, tirou um cigarro de palha da boca e apagou no topo da minha cômoda. Observei o movimento e engoli em seco, vendo a madeira se marcar com o contorno certo da ponta do cigarro. Desviei meu olhar para ele, por fim. Soltou sua última nuvem de fumaça.
– Sabe... Eu particularmente não vejo nada em você, . – Ele deu de ombros e abriu um sorriso assustador.
Eu franzi o cenho, tombando o rosto. Não entendia onde ele queria chegar com tudo aquilo.
– Mas parece que aqueles caras veem.
– O quê? – Ri, incrédula. – Do que você está falando?
– Você sabe, os Sons. Vieram nos visitar, e um deles certamente está caidinho por você. O bar favorito deles foi pro chão, então sabe como é. Vamos ter visitas frequentes por aqui.
Eu acompanhava seus lábios se movendo, mas não o que ele dizia. Minha cabeça se esvaziou logo que ouvi a palavra “caidinho”. Pensei uma, duas vezes. Aquilo não acontecia, e não deveria significar nada para Frank. Haviam garotas melhores para se pensar sobre, isso era fato. Eu nem sequer trabalhava no palco, era uma garçonete. Ele não havia dito propriamente ainda, mas eu considerava a possibilidade: ele me colocaria no palco. E, àquele trabalho, eu preferia a morte.
– Frank, o que você quer? – Eu perguntei, interrompendo sua fala.
Ele se calou imediatamente e me olhou. Seu olhar parecia um pouco furioso, mas ele não deu um passo ou um movimento sequer. Permaneceu em seu devido lugar, apoiado à porta.
– Você vai tirar suas roupas pra servir, daqui em diante. – Ele explicou. – Peça a uma das garotas para te ajudar. Acho que é melhor pra todo mundo se todos souberem que você está disponível, e eu sei que se recusaria a dançar.
– Como assim?! – Eu levei as mãos ao rosto, exausta daquela conversa.
Fugir de um ambiente extremamente abusivo e ir parar em um outro pior era uma ideia ruim. Atrelar-me àquela gente, a Frank, foi pior. Meu carro poderia ter quebrado em outra cidade, na frente de outro lugar, mas não. Todo o destino decidiu me levar até aquele lugar. Eu bufei, vendo a expressão desentendida que ele meteu no rosto.
– Você não é burra, garota. – Riu, se desgrudando da porta. – Fale com Mia ou foda-se quem, arranje um jeito de aparecer pelo menos 70% nua naquele bar amanhã ou rua.
– Não pode fazer isso, Frank! – Comprimi meus olhos por alguns segundos, tentando conter as lágrimas, e os abri, o encarando.
Minha posição de defesa pareceu me desfavorecer. Ele se aproximou, o dedo indicador apontado no meu rosto.
– Desobedeça e vai ver o que posso fazer. – Cuspiu as palavras, saindo do meu quarto e fechando a porta com força atrás de si.
Respirei fundo, tentando me recompor, e me sentei em minha cama. Tinha um dia inteiro pela frente e mal conseguiria pregar meus olhos. Praguejei por ter tido contato com aquele homem. Talvez fosse melhor transar com um cara qualquer, receber uma mixaria e me sentir um lixo pelos próximos dois ou três dias. Depois, embolaria meu choro na garganta e fingiria esquecer. Guardaria para mais tarde, quando tivesse uma casa decente e um bom emprego. Aí, conseguiria finalmente chorar todas as mágoas que eu tinha acumuladas.
Eu me deixei ser salva pelo homem que jurava salvar o dia, e entreguei minha própria pele a todos os lobos daquele lugar. Conheceria Charming de uma forma que eu não queria.
Esperava que aparecesse de novo, no fundo. Meu maior desejo era que ele pudesse, realmente, me salvar.
E, a fato de curiosidade: ele apareceu.
Eu me joguei na cama, deitada. Um dia exaustivo. se sentou na poltrona à frente e olhou para a pequena mesinha que se estendia ao seu lado. Uma garrafa de uísque empoeirada com alguns copos disponíveis. Olhou para mim com uma expressão desconfiada, e eu não pude evitar rir. Era a terceira vez apenas naquela semana que ele pagava a Frank para me dar algumas horas de liberdade. Subíamos ao meu quarto, entregava um bolo de dinheiro a Frank e garantia que não fôssemos incomodados. Pediu exclusividade na segunda vez, o que significava que, se os Sons estivessem na cidade, Frank não me forçaria a me relacionar com mais ninguém. Ele temia que a informação chegasse aos ouvidos do vice-presidente e eu não podia culpá-lo por isso.
Da primeira vez, conversamos sobre o bar e sobre o início de toda aquela cidade. me contou sobre como a gangue chegou ali pelas mãos de John Teller e toda sua paixão por motos e carros em um geral. Contou sobre a oficina, os postos e um pouco sobre si, também. Escocês, natural de Glasgow, mas cresceu e passou boa parte de sua vida em Belfast, na Irlanda. Contou sobre sua estadia como médico do exército britânico e como ele acabou sendo expulso do mesmo apenas cinco meses depois. Era habilidoso demais e, com um histórico daqueles, não foi difícil entrar para o clube em Belfast e, então, para a SAMCRO, em Charming.
No segundo dia, falamos sobre seus colegas. deu algumas características para cada um deles enquanto os observávamos do lado de fora, pela janela, e eu consegui plantá-los em minha cabeça perfeitamente como uma família, assim como descrevia aquele clube. Ele não percebia o quanto desmistificava aquelas pessoas para mim e tampouco imaginava o quão surpreendente aquilo era. Eu pareci me esquecer por dias e dias sobre as armas e sobre os crimes que todos tanto falavam do lado de fora. Não conseguia mais acreditar que eles eram criminosos. Não da forma como ele falava.
Estávamos ali, no terceiro dia. Era sexta e, pela primeira vez, nosso encontro não parecia ser acidental. Depois de vê-lo por dois dias direto, parei de acreditar no tal destino e comecei a enxergar que queria estar ali e que, apesar de extremamente suspeito, parecia interessado em ajudar.
– Uísque? – Ele finalmente quebrou o silêncio, pegando a garrafa e analisando.
– O quê? Surpreso? – Virei meu rosto para ele, erguendo os braços acima da cabeça na cama.
Cancelei aquela atitude poucos segundos depois. Só estava usando um cropped quase invisível e um short, me senti extremamente exposta. Abaixei minhas mãos aos seios novamente. Ele me olhou com uma expressão engraçada, como se duvidasse de que eu era a verdadeira dona daquela garrafa.
– Tudo bem, eu admito. Nunca tomei um gole sequer dessa coisa.
– Me surpreende que não tenha tido curiosidade. – Ele se ergueu, tirando seu colete da gangue e abrindo o zíper de sua jaqueta.
Jogou-a para mim, apontando para meus braços. Eu me ergui, me sentei na ponta da cama e peguei a jaqueta. Exalava seu perfume, eu podia sentir de longe. Olhei de relance para ele. Por baixo da jaqueta, usava uma camisa que me parecia socia, e igualmente preta. Vesti a jaqueta e fechei o zíper, aliviada por finalmente me sentir coberta de novo.
– Eu não bebo muito. Quer dizer, não bebidas... Fortes. – Apontei com a cabeça para o uísque que ele já destampava e começava a servir.
– Você se importa se eu fumar? – Perguntou, se sentando de volta.
Encaixou-se perfeitamente no estilo daquela poltrona. Cruzou as pernas, deixando um de seus pés sobre o outro joelho. Tinha os olhos fixos em mim, o cigarro já estava em sua mão e o isqueiro na outra, mas tinha uma sutil oscilação ali. Se eu dissesse que não, ele não fumaria.
– Não. É claro que não. – Sorri de leve, me abraçando.
Ele levou o isqueiro à ponta do cigarro e acendeu, deixou o mesmo sobre a mesinha ao seu lado e pegou seu copo. Assim que soltou a fumaça, deu um gole no uísque. Apoiou a mão com o copo em seu joelho. Estávamos no meu quarto mas, ainda assim, ele parecia ser o dono daquele lugar. Autoritário, por mais acidental que fosse.
– O que você quer beber, ? – Perguntou.
Seu indicador contornava o copo.
– Hm, nada. Obrigada. – Eu me levantei, apoiando meu corpo contra a janela.
Minhas mãos se apoiaram aos lados da cintura, encarava o chão.
– Mas se quiser algo além desse uísque velho, você pode pedir o que quiser. – Finalmente desviei meu olhar a ele. – Frank oferece as bebidas como cortesia para clientes fiéis. Eu pego pra você.
– Por falar nisso, o quão obediente ele tem sido quanto ao meu pedido?
– Pedido?
– Exclusividade. Eu pedi por exclusividade.
Olhei para os olhos dele e apreciei o brilho voraz que eles difundiam no ar. Era quase como se pudesse ver através de mim. Como se seu ímpeto autoritário fosse maior do que qualquer coisa naquele quarto. Seu pedido era uma ordem, mas ele quis fazer soar gentil ainda assim. Meu cérebro ficou curioso por momentos. O que ele faria se Frank descumprisse seu “pedido”?
– Bem, ele está te obedecendo. – Ri de leve e vi um pequeno sorriso se formar no canto do rosto dele também. – Obrigada por isso, aliás. Eu te devo uma.
– Não me deve nada, .
Minha queda era gostar tanto da forma como meu nome escorregava pela língua dele inúmeras vezes durante nossas conversas. Seu sotaque era sutil, mas eu podia notá-lo ainda assim. Mordi o lábio pensando naquilo, e o percebi notar o ato.
– Me diga... Nunca pensou em sair daqui? – Ele quebrou meus pensamentos, perguntando.
– De Charming? – Cruzei os braços, deixando o vento bagunçar meus cabelos. – Não... Não por enquanto. É impossível pra mim.
– Me referia a esse bar, mas... Impossível?
– Trabalhando aqui? – Ri, triste. – Não, é impossível. Sobre o bar, eu não sei. Não conseguiria encontrar nada melhor do que isso só com o meu ensino médio, e eu realmente não tenho pra onde ir. É claro que eu sonho com as cidades grandes, Nova Iorque, São Francisco... Mas que chances eu teria em um lugar assim? Não posso me dar esse luxo.
Ele analisou cada palavra que saía da minha boca e manteve sua expressão neutra. Notei que seus olhos pareciam mais focados nela do que nos meus ou no que ele dizia. Arriscaria dizer que nem sequer prestou atenção, mas fui completamente refutada.
– É, Charming não é o lugar mais interessante da Califórnia. – Riu de leve e deu um gole em seu uísque. – Mas ainda me refiro ao bar. Você não se encaixa aqui, e eu não quero que isso soe ofensivo pra ninguém. Digo... Você não é feliz aqui.
– Ninguém é feliz aqui. Frank é um monstro. – Eu impulsivamente soltei e, então, levei a mão até a boca.
Respirei fundo.
– Desculpa, eu não deveria.
– Não, . Você deve. Eu sei que ele te colocou assim pra chamar a minha atenção.
Tirou o cigarro do canto da boca e ergueu o rosto, soprou a fumaça. Riu, um pouco incrédulo.
– Sei que ele é um desgraçado, só queria poder ouvir isso da sua boca.
Seus olhos pararam em mim, novamente. Parou por alguns segundos, seus dedos se bateram contra o copo.
– Eu estou do seu lado. Você pode confiar em mim.
Eu suspirei, olhando para o outro lado. Talvez fosse idiotice. Talvez Frank estivesse por trás de tudo aquilo e soubesse exatamente o que estávamos conversando, mas existia uma pacata chance de eu realmente ter alguém do meu lado. Não do lado da prostituta indefesa, mas do lado da verdadeira garota que se escondia por trás daquilo. Não diferente de todas as outras que trabalhavam ali, com sonhos, com vontades. Bufei. Não podia tirá-lo da cabeça.
– Tudo bem. É fato que ele me colocou assim pra chamar a atenção de vocês. – Dei de ombros. – Ele queria que eu chamasse a atenção de qualquer um, na verdade. Da primeira vez que veio aqui, você encheu o bolso dele. Ele quis que se repetisse.
– Eu imaginei algo assim. – Balançou a cabeça. – Paguei o dobro pela exclusividade. Achei que isso aliviaria um pouco as coisas.
– Alivia! – Eu me sentei na cama, virada para ele. – É claro que alivia! Só de não precisar estar lá agora, metida no meio daquele monte de caras... – Suspirei, fechando os olhos.
se estendeu para a frente e deixou seu copo ao lado, na bandeja da mesinha. Seus olhos estavam focados em mim, eu podia dizer. Ergui meu rosto. Ele não encostou em mim, nem sequer ergueu sua mão para me tocar.
– Precisa sair daqui, . – Ele disse, sério.
Meus olhos se passaram pelos dele, confusos. Eu queria sair dali, só Deus sabia o quanto. Mas que opção eu tinha?
Minha atenção foi desviada para o peito dele. Havia uma pequena mancha em sua blusa, avermelhada. Sangue, eu supus. Por mais que estivesse tão concentrado no que dizia, eu não pude deixar passar aquela informação.
– ... – Murmurei, me aproximando.
Ele endireitou seu corpo, tombando o rosto, levemente curioso.
– Você está ferido.
Ele olhou para baixo de relance e passou a mão pela blusa, vendo o sangue manchar levemente seus dedos. Praguejou e tirou o cigarro da boca, o apagando na bandeja. Olhou ao redor, procurando por algo, eu estendi minha mão em seu peito cuidadosamente. Atrevi-me a tocá-lo pela primeira vez em todos aqueles dias. Ele parou imediatamente e ergueu seu olhar para mim.
– Tudo bem, eu cuido disso.
Eu me levantei, indo até a cômoda. Abri a primeira gaveta, procurando por gaze ou, pelo menos, algum pano limpo.
– É claro que não sou tão boa quanto um médico do exército... – Olhei para ele com um sorriso no canto do rosto.
sorriu de volta, soltou uma pequena risada em um suspiro e balançou o rosto.
– Não é nada. – Ele insistiu. – Não precisa se preocupar com isso.
Eu fui até o banheiro diminuto em meu quarto e molhei um pouco o pano que encontrei. Voltei à cama, na ponta, de frente para ele. Olhei para o peito dele por alguns segundos e respirei fundo, pensando em por onde começar.
– Com licença. – Pedi, me aproximando.
Evitei olhar para o rosto dele enquanto desabotoava os primeiros botões de sua camisa. Ele me encarava, um dos cotovelos apoiado no braço da poltrona e a mão na boca. Analisava-me, cada pequena expressão que eu soltava parecia ter sido captada imediatamente por ele. Terminei de abrir sua camisa e mordi o lábio, incomodada. Era um corte e tanto. Não digno de pontos, mas um corte considerável.
Peguei o pano, aparando o sangue que caía, e mordi a língua dentro da boca, me concentrando muito no que fazia ali. Ele não soltava nenhum gemido ou comentário, mantinha seu olhar extremamente analista e charmoso na minha direção. Tomei aquilo como liberdade o suficiente para passar o pano pelo corte e limpar o que escorria.
– Eu posso levar você pra longe daqui. – Ele disse, depois de alguns minutos de silêncio.
Ergui meu olhar para ele, deixando minha mão parada onde estava. Eu não senti ter ouvido direito.
– Como...?
– Eu posso conseguir um emprego pra você, longe daqui. Em Charming, é claro, mas... Fora desse bar, longe do Frank. – Repetiu, complementando.
Eu me afastei por alguns segundos, calculando o que ele dizia.
– Mas eu não posso sair. – Respondi, impulsivamente.
Tinha pra mim que Frank me mataria. Absolutamente me mataria. Ele me analisou mais uma vez, e eu estava cansada de análises. Peguei a gaze, ignorando todos aqueles comentários, e comecei a posicioná-la sobre o corte. Peguei um pouco da fita cirúrgica e prendi o curativo.
– Você pode sair, . – Ele olhava para mim.
Desviei o olhar do curativo para ele mais uma vez, confusa. Passei a mão pela cabeça, aquilo era muito pra mim. Era muito pra apenas uma noite.
– Eu preciso pensar. – Respondi, balançando a cabeça. – Preciso mesmo de algum tempo pra pensar nisso, . Eu agradeço a ajuda, mas... – Balancei a cabeça. – Eu não tenho chances fora daqui, e não acho que você vá encontrar algum lugar que me aceite.
Ele se escorou na poltrona e, por mais uma vez, me analisou. Como se estivesse decepcionado, mas não tanto. Talvez fosse só a minha sensação sobre. Levantei-me, abraçando meus braços, e coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha. Dei as costas para ele. Não quis dar minha cara a tapa para ser julgada mais uma vez.
Eu não me sentia mal com ele. Era bem pelo contrário: podia perceber claramente que ele queria me ajudar, talvez até demais, mas não podia dar toda a minha confiança logo de cara. Um trabalho fora dali? Seria, realmente, o meu sonho. Mas o que seria de mim se tudo aquilo fosse uma mentira ou uma confusão?
Eu não tinha condição o suficiente para me meter nesse tipo de aventura. Não naquele momento, definitivamente.
Ouvi se levantar, abotoando sua blusa. Ele deixou o dinheiro de Frank sobre a cômoda, eu olhei a contragosto. Odiava o quão humilhante era toda aquela situação pra mim. Virou-se para mim uma última vez.
– Não se esqueça: eu estou do seu lado. – Repetiu.
Olhei para ele só para flagrar seus olhos nos meus, antes que fechasse a porta e saísse, me deixando novamente sozinha. Esperei que Frank viesse recolher sua parte do dinheiro e deixei todo o resto no bolo que juntava em minha cômoda. Pretendia devolver tudo aquilo, algum dia.
Deixei que meus olhos se molhassem naquele dia por tudo o que vinha acontecendo. Estava naquele lugar, presa, sem família e sem conseguir dar um pingo de confiança a quem parecia realmente querer me ajudar. Meu coração doía, e eu não podia suprimir isso o tempo inteiro. As noites em Charming eram solitárias. Ao menos para as prostitutas.
Limpava a superfície das mesas de fora do bar enquanto minhas amigas se preparavam para mais uma longa noite por ali. Frank vez ou outra parava o que estava fazendo – usualmente, contando seu dinheiro – e me observava por longos minutos, só pra ter certeza de que minha atitude não era contrária a ele. Ainda usava aqueles shorts que tinha designado como meu novo uniforme mas, dessa vez, decidi descer de jaqueta. Pude fechá-la e não ouvi reclamações. Ele pareceu notar sozinho que pertencia a , além de ficar comprida em mim. Naquele lugar, o fato de ser parte da SAMCRO – e também o fato de ser um homem – facilitava as coisas para qualquer um.
Passaram-se dois dias desde que o vice-presidente me visitara pela última vez, quando falou sobre um novo trabalho e sobre sair dali. Embora ainda pensasse naquilo, deixei a ideia de lado. Não era como se Frank fosse permitir minha saída, e eu realmente temia pelo pior. Eu não podia deixar Tine sozinha e abandonar todas aquelas garotas.
Ergui meus olhos para a rua quando ouvi o som das motos chegando pela cidade. O vento espalhou meu cabelo para trás. Segurei uma mecha atrás da orelha, o que me assegurou visão perfeita dos Sons chegando na cidade. A maioria deles desviou para o caminho da mecânica, e dois deram para trás. Não consegui ver o que tinham em mãos, mas podia jurar que algum tipo de pacote.
estava ali, por consequência. Ele se despediu dos rapazes que iam para a mecânica e meu coração bateu mais rápido ao ouvir sua moto se aproximar, na direção do bar. Eu me permiti observá-lo enquanto se aproximava, não tirei meus olhos dele nem por um segundo sequer. Estacionou sua moto na frente do bar com o pé, não usava capacete. Ajeitou seu cabelo para trás e apoiou uma das mãos no guidão.
– Sobe!
Ele abriu um sorriso para mim, ergueu a mão. Eu sorri de imediato. Não podia acreditar naquilo.
Olhei para trás, procurando por Frank. pacientemente esperou que eu optasse por ir. Olhei para ele um pouco pensativa e confusa. Vi Frank franzir seu cenho, saindo de dentro de um dos camarins, e vir na minha direção.
Por um segundo, eu pensei não ligar para aquilo. Não era importante mais. Era a primeira vez que eu tinha a oportunidade de sair daquele lugar, conhecer outras porções daquela cidadezinha. Joguei o pano por cima da mesa e corri na direção dele, segurei sua mão e aceitei subir em sua moto. Ele abriu um sorriso de canto vitorioso na direção de Frank, que parou na porta do bar. Não pensei em pra onde iria ou o que faríamos, eu só quis seguir meus instintos pela primeira vez. Tudo em mim pedia que eu fosse com ele, que deixasse que aquilo acontecesse, por fim. Decidi ceder e permitir que meu dia fosse bom ao menos uma vez.
Meu cabelo voava ao vento, e ia cada vez mais rápido. Não parecia se importar com todos os olhos que recebíamos pela rua e, talvez, muitos julgamentos. Não importava.
– Pra onde nós vamos? – Eu perguntei, próxima ao ouvido dele.
Virou-se levemente para mim por cima do ombro, o suficiente para que eu pudesse ouvi-lo.
– Pra onde você quer ir?
– Eu não sei! – Eu exclamei, rindo.
Fechei os olhos, sentindo a brisa fria da noite de Charming, e apoiei minhas mãos ao redor do corpo dele. Quando a velocidade começou a baixar, os abri novamente, ouvindo várias e várias vozes. Alguns gritos aqui e ali, sons de copos às vezes e gritos entusiasmados. Eu me surpreendi ao ver que me levara até a mecânica, a sede dos Sons. Todos os membros estavam reunidos do lado de fora, bebiam chope e riam alto. Aquele era um dia de vitória para o clube, ao que me parecia. Eu me senti um pouco constrangida por estar ali, envergonhada por ser tão diferente e por não conhecer nenhuma daquelas pessoas. Desci da moto e apertei um pouco a jaqueta ao redor do corpo enquanto tirava um cigarro de seu maço.
– Vejo que gostou dela. – Sorriu, apontando para a jaqueta.
Eu abri um sorriso sapeca e dei de ombros.
– Desculpa, você a esqueceu comigo e... Eu usei. – Ri. – Mas eu vou lavar e prometo te devolver.
– Por favor. – Revirou os olhos. – Acha que eu não tenho umas 20 dessas? É um pré-requisito quando quer se juntar a um clube de motos! – Brincou.
Eu ri, balançando a cabeça.
– Tudo bem, talvez eu tenha chegado a pensar nisso. – Olhei à nossa frente, vendo uma mulher se aproximar de nós.
Aparentava ter a mesma idade que ele, cabelos castanhos com algumas luzes loiras e uma cicatriz entre os seios que me deu uma imagem ainda mais forte dela, de início. a cumprimentou com um abraço e eu me mantive parada, onde estava. Ainda me sentia um pouco envergonhada.
– Ainda bem que deu tudo certo. – Ela disse a ele, aliviada.
assentiu.
– Ele lembra muito o pai, Gemma. – Apontou com o rosto para o loiro sentado longe de nós, pegando chope em um barril, quem reconheci como Jax. – Nos dá muito orgulho.
Gemma sorriu e desviou seu olhar, fez com que os olhos de também caíssem sobre mim.
– Essa é a .
Ergueu a mão, oferecendo-a a mim. Eu segurei a mão dele e me aproximei dela, coloquei um sorriso no rosto.
– Trabalha pro Frank.
– Hm. – Gemma fez uma careta. – Eu sinto muito, querida. Você bebe algo? – Ela apoiou o braço ao redor dos meus ombros e começou a andar, me trazendo para perto de si.
Olhei para uma última vez e ele me lançava um sorriso engraçado, talvez desdenhoso, por ver que eu estava claramente constrangida por estar indo na direção de uma desconhecida. Fez um sinal com as mãos e consegui ler “depois” em seus lábios. Assenti.
– Sim! – Respondi a Gemma. – Eu bebo praticamente qualquer coisa que não seja muito forte.
– Isso vai ser difícil de encontrar por aqui. – Gargalhou. – Encontraremos algo, com certeza.
Gemma me levou até o que parecia ser a real sede. Havia um cômodo que parecia especial, mas tinha suas portas fechadas. Haviam fotografias por toda a parede, que mostravam os membros do clube sendo presos por algo. Aquilo, por mais estranho que fosse, me fez rir bastante. Ela pareceu acolhedora demais para uma mulher que me parecia tão perigosa de início, me fez desconfiar de que talvez eu já tivesse sido mencionada antes por e talvez ele a tivesse instruído a ser gentil comigo. Não compreendia minha dificuldade em acreditar em verdadeiras atitudes gentis vindas de outras pessoas.
Haviam algumas garotas por ali, e algum tempo trabalhando no bar me fazia reconhecer quando alguém parecia estar em um local contra sua vontade. Eram todas prostitutas. Nenhuma delas estava constrangida ou se sentindo mal. Não passava de mais uma noite de trabalho e não significaria mais do que aquilo para elas no dia seguinte. Gemma era esposa do ex-presidente, segundo o que me dissera, e mãe de Jax Teller, o atual presidente. Embora estivesse completamente envolvida com aquele clube até a cabeça, ela não parecia isolar ou esnobar as outras garotas. Tinha contato com muitas delas e me guiou até o pátio principal novamente, onde as garotas conversavam. Todas foram extremamente acolhedoras comigo, conversamos por horas sobre mim. Algumas pareceram chocadas pela minha história, por todo o caso do carro – por ter dirigido sem sequer saber como, até parar ali – e por ter a coragem de continuar no bar mesmo depois de tantos motivos para querer sair. Todas tinham histórias conflitantes como a minha.
Aumentaram a música que tocava, todas dançavam entre si. Algumas iam sendo removidas do grupo por um membro do clube eventualmente, e entravam para a casa enorme da mecânica. Tara estava ali também, era um dia especial para o clube, e ela esposa do presidente. Tinha feito amizade com ela. Em algum momento, eu não pareci mais não saber onde estava e não me sentir constrangida por tantas pessoas presentes. Aquela mulher me fez me sentir em casa, assim como os olhos carinhosos e ternos de do outro lado do pátio, que conversava com seus amigos mas me observava.
Tara disse que ele não tirava seus olhos de mim, e eu soltei um sorriso discreto e tímido. Ela ergueu sua mão, eu aceitei. Levantou-me, tirou algumas flores de um vaso que decorava a mesa e começou a distribuí-las pelo meu cabelo.
– Ah, agora que te conheço pessoalmente. – Ela comentou, me girando para conferir como o cabelo tinha ficado. – Você é tão nova... – Riu.
– É. – Eu ri, de volta. – Nova demais pra um lugar que nem aquele, eu acho.
– te deu a resposta sobre o hospital? – Ela perguntou, terminando de arrumar uma última flor em minha orelha.
Eu franzi o cenho, confusa.
– Hospital?
– É, ele me pediu pra tentar conseguir um emprego pra você no hospital. – Ela passou a mão carinhosamente por uma mecha do meu cabelo. – Eu disse a ele que tinha conseguido uma vaga de recepcionista, já que a nossa está se mudando para o Arizona. Ele não te disse?
Eu me calei e olhei, confusa, para ela. E ali estava, meu coração disparando novamente. Recepcionista? Em um hospital? Aquilo era mil vezes melhor do que trabalhar em qualquer uma das funções do bar.
Abri a boca para dizer algo, mas me lembrei do meu quarto. Eu não tinha onde ficar, e Frank jamais permitiria que ficasse lá – mesmo que eu pagasse o valor de um aluguel. Eu não podia exigir mais daquelas pessoas e pedir que me encontrassem um quarto ou um local para morar, e não podia pagar por um.
– Não, ele disse. – Eu assenti, olhando para minhas mãos. – Eu ainda preciso pensar.
– , pense bem nisso. – Ela me disse, séria.
Ergui meus olhos para os dela. Tara era como uma imagem materna, por mais que houvessem apenas horas desde que a conheci.
– Trabalhar de recepcionista por lá é tranquilo, com certeza bem melhor do que seu trabalho atual no bar. – Garantiu.
– Eu sei. – Assenti.
Eu realmente sabia. Abri um sorriso pensando em , que fora tão longe apenas para conseguir algo para mim. Um emprego.
– Pense com cuidado, está bem? – Ela pediu, se levantando de sua cadeira e indo na direção de Jax.
Acenou para mim, e eu percebi que estava saindo porque viu se aproximar. Ele sorria.
– Gostei disso. Acho que combina com você. – Brincou, apontando para as flores. – Desculpa por isso, aliás. A Gemma é... – Olhou para ela, balançando a cabeça negativamente. – É a nossa “mãe” desde sempre. Extra cuidadosa com gente nova por aqui.
– Ah, então era isso. – Eu olhei para ela de relance e de volta para ele. – Tudo bem, não se preocupe com isso. – Ri de leve. – Mas... Hm... Nós podemos voltar...?
Ele me olhou confuso por alguns segundos e assentiu positivamente. Ergueu o braço, indicando o estacionamento, onde seu carro estava parado ao lado de sua moto. Andei até ali acompanhada por ele, estava pensativa sobre o hospital. Sentei no banco do passageiro e apoiei meu rosto na janela, esperei que ele entrasse em seu respectivo lado do carro e arrancasse. Nós nos mantivemos em silêncio até certa parte da cidade.
– Tara conversou com você sobre o hospital? – Finalmente quebrou o silêncio.
– Sim. – Respondi, imediatamente. – E eu preciso pensar sobre. Digo... Eu sei que vai ser incrivelmente melhor trabalhar lá, e provavelmente o melhor emprego que eu tive na minha vida até então, mas eu...
– Você vai poder se livrar de toda aquela merda. – Ele respondeu, me interrompendo, e olhou para mim. – , eu não aguento ver você ter que passar por isso. Você se tortura lá todos os dias!
– Por quê isso do nada? – Eu me virei para ele, franzi o cenho. – Nós nem nos conhecíamos até duas semanas atrás e, de repente, você tá todo preocupado comigo e querendo me conseguir uma vida nova, um emprego novo. O que você quer, ?!
passou a mão pelos lábios, incomodado pela minha atitude. Voltou seus olhos para a estrada e acelerou um pouco mais, ainda parecia procurar pelas palavras certas.
– Eu sei que não te conhecia antes, mas eu sei como a vida pode ser difícil pra quem segue esse caminho. – Olhou para mim mais uma vez, furou o sinal vermelho e voltou seus olhos para a rua. – Eu não quero isso pra você.
– Bom, adivinha só? Eu também nunca quis isso pra mim. – Respondi a contragosto.
Ele freou na porta do bar e respirou fundo. Passou a mão pela sua barba por fazer, seus cabelos levemente grisalhos. Fechou os olhos, respirando fundo.
– Se soubesse as coisas que eu gostaria de fazer com você, ... – Ele balançou a cabeça e olhou para mim
Olhos de águia, intensos, vorazes, famintos. Eu engoli em seco, sentindo meu coração pedir para pular fora da minha boca. Ignorei os sons do bar do lado de fora, estava focada nele. Completamente focada nele. Primeiro, senti o desejo formigar minha barriga, o meu ventre. O calor que não vinha da cidade, mas de nós dois.
– Você teve a chance, . – Respondi, repetindo mais uma vez seu primeiro nome.
Ele fechou os olhos e tombou a cabeça em seu banco.
– Não repita isso. – Lambeu os lábios, como se sentisse todo o meu desejo reprimido em minha fala. – Não agora, ou eu não vou conseguir deixá-la sair daqui.
– Se era isso que você queria, – Continuei. – por que você não simplesmente me fodeu e foi embora?
A esse ponto, meus olhos se encheram de lágrimas. Eu não sentia meu corpo, só a minha vontade absurda de estar com ele ou ir embora de vez. Apaixonar-me por aquele homem tinha sido a pior decisão possível, e minhas tentativas de reprimir o sentimento, as mais falhas do mundo. Fechei meus olhos, tentando engolir o choro, mas algumas lágrimas desceram pelo meu rosto.
– Não. – Ele balançou a cabeça, se virou para mim. – O motivo pelo qual eu não encostei um dedo sequer em você até agora, , é porque eu quero mais. – Sua voz grossa soou rouca, estridente. – Eu quero mais do que isso.
– O que você quer?! – Eu perguntei, confusa.
Ele me deixava confusa, meu coração batia forte e eu não sabia para que lado ir. Se abraçava a chance de tê-lo ou se optava por abrir minha porta e sair daquele carro, sumir no bar e deixar para trás toda aquela desastrosa história. Aquele protótipo de história de amor.
– Tudo de você. – Respondeu, se aproximando de mim.
Seus olhos se focaram nos meus lábios. Eu fechei meus olhos, deixando minhas lágrimas caírem.
– Eu quero que você seja minha, . Desde que pisei aqui pela primeira vez, minha vontade era cortar a garganta do desgraçado que te faz chorar – Ergueu seus olhos aos meus. – e te dar a sua tão sonhada liberdade.
Fechei meus olhos e apertei a mão ao redor da maçaneta, puxando para que a porta se abrisse.
– Desculpa. – Respondi, e foi tudo o que eu consegui pensar no momento.
Antes que ele pudesse me segurar, eu saí e deixei a porta do carro aberta. Apertei as mãos contra o rosto para tirar os resquícios de lágrimas dali, mas fui incapaz.
Frank se aproximou e tinha uma voz incômoda, um tom agressivo e cheirava a bebida. Ergueu seu dedo mandão no meu rosto.
– Você acha que pode sumir assim, de repente, e continuar trabalhando pra mim?! – Ele gritou.
Segurou meu braço. Não ousei reclamar, mas soltei alguns resmungos pela força que ele aplicava. Era intensa, eu sentia dor, sentia meu braço arder. Com certeza, teria uma marca ali, mais tarde.
– Sua puta desgraçada...
– F-Frank, eu... – Balancei a cabeça. – Eu voltei! Sinto muito, não faça isso em público, por favor... – Eu não queria mais aquela humilhação.
Ele ergueu uma das mãos, mesmo em público, pronto para me bater. Preparei meu rosto e meu psicológico para receber aquele tapa e vi o olhar voraz de Clementine do outro lado do bar, estava pronta para entrar na minha frente.
Ouvi o som abafado das mãos de . Uma delas segurou o braço erguido dele, a outra se fechou em um soco cheio no rosto de Frank. Ele cambaleou para trás, segurando o próprio nariz. Começava a sangrar. As pessoas ao redor se ergueram e começaram a gritar pela briga, eu levei as mãos ao rosto chocada pelo que estava acontecendo. Não queria nada daquilo. Eu odiava aquilo.
Àquele ponto, não conseguia mais conter lágrimas vorazes e uma expressão de puro choque. ergueu o rosto dele, agarrando o colarinho de sua camisa, e deu mais um soco em cheio, o fez cair para trás. Vi sua mão ir para o canto de sua cintura, provavelmente puxaria uma faca. Clementine se aproximou e ergueu a mão.
– Não, por favor. – Ela clamou. – Basta. Ele não vai se levantar mais, senhor.
olhou para o olhar suplicante dela e cuspiu no rosto de Frank, caído e inconsciente. Nem sequer se virou para mim.
– Pegue suas coisas, . – Disse, olhando ao redor. – Rápido.
Eu olhei para Clementine por alguns segundos e rapidamente subi as escadas, corri como nunca antes. Mia se abaixou para cuidar de Frank e eu ouvi os passos pesados de Clementine correndo atrás de mim, escada acima.
Atirei minha mala aberta no centro da cama e abri as gavetas da cômoda, começava a tirar minhas coisas de lá e jogá-las na mala sem pensar direito. Não havia escapatória: ou eu fugiria com ou aceitaria os tapas cada vez mais frequentes de Frank.
Olhei para os olhos derrotados e decepcionados de Clementine. Trixie também havia fugido, e aquela era minha vez. Eu tombei o rosto, comprimindo os lábios e segurando uma expressão de pura tristeza e mágoa mas, para minha surpresa, Tine começou a me ajudar a tirar minhas roupas de dentro da cômoda e ajeitá-las na mala.
– Garota, – Ela segurou meu rosto, virando-o para si, e piscou, encarava meus olhos com lágrimas nos seus. – Se cuide, por favor. Eu te imploro, . Cuide-se. Tome cuidado com esses caras, cuidado com os Sons. Nunca confie em ninguém plenamente, sempre tenha seu dinheiro... Não dependa de ninguém.
– Sim, Tine. – Eu a abracei, afundando meus olhos em seu ombro. – Eu sinto muito. Eu prometo voltar pra buscar você, sim?
– Não pense em mim, garota. Eu estou fadada a esse lugar. – Balançou a cabeça. – Viva a sua vida ao máximo e sempre se lembre de não confiar em ninguém, tudo bem?
Assenti positivamente e agarrei minha mala. Desci correndo para o andar de baixo e lancei um olhar triste para Mia e minhas amigas. Era uma despedida.
pegou minha mala e saiu pela porta da frente, a jogou no banco de trás do carro e entrou em seu banco. Eu entrei no meu e fechei a porta, em silêncio. Ele ligou o carro e parou por alguns segundos antes de qualquer coisa.
Eu respirei fundo, me virei para ele e segui em sua direção. Segurei seu rosto, senti sua respiração quente contra o meu. Fechei meus olhos, selando nossos lábios em um beijo intenso. A adrenalina me fez sentir aquele beijo ainda mais do que eu deveria sentir. Sua língua em complexa dança com a minha, suas mãos, apoiando-se em minha cintura, e seu contato, que era tudo o que eu precisava.
Ele segurou meu rosto com as duas mãos, encarou minha boca e, então, meus olhos. Passou os polegares pelas minhas bochechas, afastando aquelas lágrimas.
– Você é linda chorando, . – Ele sorriu, me dando mais um último beijo, sutil e terno.
Eu me entreguei a ele. Mesmo sem saber que rumo ou caminho nossa história poderia tomar. Mas podia dizer que, ao fim de tudo, estaria satisfeita caso morresse naquele dia.
Continua...
Nota da autora: "Olá, meninas! Primeiramente, é um prazer estar nesse ficstape desse álbum que eu amo forte <3 Queria agradecer a todo mundo que leu e de quebra esclarecer alguns pontos aqui:
Essa história não quer romantizar esse tipo de relacionamento de forma alguma, e eu espero que isso tenha ficado claro ao decorrer. Peço desculpas se tiver dado uma ideia diferente!
Também quero avisar que existe uma parte II da história, SIM, ela tem continuação!!! E eu devo postá-la logo logo em um outro ficstape que vem por aí!
Espero vocês lá, e assim que tiver o link, aviso <3
Um beijão e obrigada pelo tempo de vocês!"
Outras Fanfics:
Daughter of Evil (http://fanficobsession.com.br/fobs/d/daughterofevil.html)
Eclipse (http://fanficobsession.com.br/fobs/d/daughterofevil.html)
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Essa história não quer romantizar esse tipo de relacionamento de forma alguma, e eu espero que isso tenha ficado claro ao decorrer. Peço desculpas se tiver dado uma ideia diferente!
Também quero avisar que existe uma parte II da história, SIM, ela tem continuação!!! E eu devo postá-la logo logo em um outro ficstape que vem por aí!
Espero vocês lá, e assim que tiver o link, aviso <3
Um beijão e obrigada pelo tempo de vocês!"
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Daughter of Evil (http://fanficobsession.com.br/fobs/d/daughterofevil.html)
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