Fanfic finalizada.
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Capítulo 1

Maldito seja o dia em que eu coloquei os pés em Lewisburg.
Eu sabia, em algum lugar dentro de mim, durante todas as horas que passei dentro de um avião, todas as outras horas no ônibus e os últimos minutos no banco de trás da velha Mercedes da vovó, que eu estava prestes a viver uma aventura inusitada. E essa aventura tinha nome e sobrenome, que eu infelizmente descobri pouco após desembarcar: era o seu, Ramsey. Não que toda essa confusão tenha me gerado um coração partido ou coisa parecida, antes que você comece a pensar que tenha tido muito êxito, mas muito pelo contrário, meu coração seguiu bem até demais – isso é algo que você precisa ter bem claro. Todavia, você conseguiu trazer muita dor de cabeça para a minha vida. São doses cavalais de aspirina todas as vezes em que eu me lembro dos dias em que estivemos juntos.
Meu pesadelo começou nas férias de verão da faculdade, que você fez o favor de causar uma tremenda bagunça. E eu quero te contar como foi que tudo aconteceu, , para que você saiba, do meu ponto de vista, tudo que eu senti. Para que você saiba tudo o que fez, que me deixou daquela forma. Me lembrar de você, hoje, me parecem ecos e flashbacks. Talvez eu não saiba expressar exatamente como eu ou você dissemos isso ou aquilo, mas eu juro que tento me aproximar o máximo da realidade. Da minha realidade.
Atente-se, pois, de alguma forma, ela pode te interessar.
Após um longo semestre recheado com muita escala musical e câimbras nos dedos, eu finalmente terminara o período e estava prestes a relaxar com minhas melhores amigas numa roadtrip na Califórnia (bem longe de você). Até que duas coisas coincidentemente simultâneas aconteceram, como se o universo estivesse planejando desde já o nosso encontro: Carolina, minha amiga moradora de San Francisco e que também possuía um veículo, quebrou o fêmur. Dois meses de repouso, ou seja, até o Outono. E também o vovô resolveu ter um piripaque, assustando toda a família que vivia longe, em Nova York – inclusive minha mãe. Foi o suficiente para que ela encaixasse a mim e minha irmã mais nova numa viagem de última hora até o fim do mundo para que pudéssemos “passar os últimos momentos com o vovô Joey” já que sua saúde estava frágil. Eu e Lily embarcamos no primeiro avião em direção ao Tennessee.
Surtei levemente quando minhas malas já estavam despachadas e meu celular sem sinal – já era tarde demais para voltar a Nova York e tentar ao menos pegar uma cor em Montaulk. Eu estava fadada a passar quatro semanas presa no velho Rancho Constelar, onde vovó e vovô viviam, levando uma vida calma e pacata junto aos cavalos e às verduras da horta de frente para a varanda da cozinha.
Apesar de hoje eu saber o quanto essa viagem para Lewisburg me fizera perder a compostura diante de você, naquele quatro de junho eu não tinha ideia de que tudo ia virar de cabeça para baixo. Eu sentia, claro, mas não tinha certeza se era minha sensibilidade real ou apenas ansiedade por já saber que ficaria presa naquele lugar por um mês. Isso, inclusive, aconteceu mais algumas vezes posteriormente, e eu, ao invés de finalmente ouvir o meu sexto sentido, o ignorei. Eu sempre o ignoro, e isso sempre me rende um novo fardo a carregar. Mas vamos chegar lá!
Eu tentava, a todo custo, retirar minha bagagem do porta-malas do carro da vovó, que pesava bastante, já que eu excedera o limite de peso no aeroporto pois abarrotei a mala de livros. Só após pagar mais de cem dólares adicionais à minha tarifa foi que eu me lembrei que no Século XXI é possível ler livros no Kindle ou no iPad, e eu havia igdo essa possibilidade. Bufava, lembrando-me desse detalhe, quando senti um toque áspero sobre minha mão. Parecia a pele de alguém, muito grossa para ser real, mas ainda sim, era uma pele. Como era possível uma pessoa não conhecer nenhum creme para as mãos?
Olhei para cima, com os cabelos embaraçados sobre o rosto, e balancei a cabeça, tentando desviar os fios que tampavam minha visão.
— Eu posso te ajudar com isso — soou uma voz grossa próxima ao meu ouvido, com um sotaque carregado. Só então reparei que você já estava debruçado sobre o carro, e com a facilidade com que alguém levanta uma caneta da mesa, você sacou a mala do automóvel. Observei a cena boquiaberta, sem conseguir acreditar que todo meu esforço fora resumido em um par de braços fortes segurando minha mala de quarenta quilos como se eles se reduzissem a nada.
— Eu...
— Você está transportando um porco aqui dentro? — perguntou, aparentemente assustado.
Passei a mão pelos cabelos, tentando arruma-lo de volta, sem sucesso. Uma gota de suor escorreu por minha testa, e eu discretamente a limpei. Observava atenta os seus detalhes: alto, forte, com a pele bronzeada pelo sol do campo, os olhos de um castanho profundo e os cabelos loiros caídos na testa.
— São livros — o respondi, finalmente.
— Pretende montar uma biblioteca no quarto de hóspedes, então?
— Por que diabos isso deveria te incomodar? — perguntei, sem controlar muito bem a rispidez com que minha voz ressoou. Engoli em seco, após perceber meu tom de resposta.
Você ergueu as sobrancelhas e piscou algumas vezes.
— Não é da minha conta — me respondeu, e jogou a mala com força no chão, sem desviar os olhos dos meus. Uma nuvem de poeira subiu alguns centímetros do chão terroso, e você suspirou antes de se virar para o carro novamente e retirar minha segunda mala.
— Desculpe a má resposta, eu... Estou cansada da viagem. Esses livros são para o verão. Não sabia se teria sinal de celular aqui — tentei me redimir. Você jogou a outra mala no chão com força, e eu finalmente percebi que fazia aquilo de forma proposital. Me encarou mais uma vez, sem dizer nada por alguns segundos.
— Não, aqui não tem sinal de celular — Finalmente respondeu.
Saquei o telefone do bolso, e percebi que não estava dizendo aquilo como uma espécie de vingança, e sim que realmente não havia sinal. Suspirei decepcionada, voltando-o para o bolso de trás da calça, e dei de ombros.
— Bom, pelo menos esse peso não veio atoa — sorri, encarando minha mala.
— Ah, , olá! Que bom que está aqui para nos ajudar com as malas — minha avó apareceu magicamente atrás de mim, fazendo com que eu desse um pequeno pulo com o susto — , esse é o , ele trabalha no rancho cuidando dos nossos cavalos — vovó disse, apontando a mão na sua direção.
. Te encarei mais uma vez, e finalmente entendi o motivo de ter mãos que mais se pareciam duas lixas. Você trabalhava no rancho. Também fazia muito sentido ser tão forte.
Ademais, a camisa xadrez dobrada até os cotovelos e as botinas sujas de barro seco te entregavam completamente.
— Já nos apresentamos, senhora Gardner — você a respondeu, e segurou minhas duas malas, uma em cada braço. Encaminhou-se para as escadas da varanda, e desapareceu dentro da casa.
Encarei aquela cena abismada. Você realmente conseguia carregar as duas bagagens sem nenhum esforço extraordinário.
é um ótimo rapaz — vovó disse, atraindo minha atenção. Ainda encarando a varanda, prosseguiu — Muito inteligente, dedicado... Cuida dos nossos cavalos como se fossem dele. Ele estuda veterinária na faculdade, sabe lidar com os animais — completou — E é muito simpático. Que bom que já se conheceram. Assim podem passar um tempo juntos, e você não se sentirá muito só — sorriu, finalmente olhando para mim.
Aquele rosto coberto de rugas era iluminado por um par de olhos azuis serenos. Vovó sabia sorrir terna, e eu me toquei o quanto senti falta daquele sorriso. A abracei de lado, beijando o topo da sua cabeça branca.
— Sim, vovó, vai ser divertido — a respondi, com a mente vagando nas possibilidades de que você permanecesse com aquele comportamento após eu tê-lo dado uma má resposta. Afinal de contas, não havíamos nos apresentado coisa nenhuma – você apenas respondera minha avó para, aparentemente, se livrar de mim mais rápido. Eu podia até imaginar a força com que soltava minhas bagagens no chão ao chegar no meu quarto, propositalmente.
Naquele momento, Lily desceu as escadas da varanda correndo, segurando sua boneca nos braços.
— Vovó, a senhora pode me mostrar as galinhas agora? — perguntou, empolgada.
— Claro, minha amada. Já deu oi pro seu avô na cozinha?
— Já. Ele está fazendo comidinha pra gente poder jantar mais tarde! — ela respondeu, sorrindo largamente. Desejei ter a inocência e o brilho dos nove anos de idade de volta. Mas a única coisa que me restava era a incrível vontade de chegar ao meu quarto, me jogar na cama e passar o resto do dia sem ver nem uma alma viva. Antes, iria até a cozinha cumprimentar o vovô.

A noite estava fresca, e a mesa farta. Eu, Lily, vovó e vovô comíamos carne assada com batatas enquanto vovó contava a Lily histórias de quando eu era pequena e vinha ao rancho, antes dela nascer. A menina parecia fascinada com as histórias das fogueiras e dos cavalos, e eu prometi que a levaria para conhece-los no dia seguinte.
— O bom é que vocês podem conhecer tudo que quiserem por aqui, já que o vai trabalhar pra gente nesse verão em tempo integral para nos ajudar — Vovô disse, e eu o encarei, sem entender muito bem a função de um cuidador de cavalos em tempo integral.
— Como ele vai ajudar? — perguntei.
— Ele vai ajudar com os cavalos e com os animais...
— Mas precisa ser o dia todo? — continuei a questionar — Porque... Bom, ele deve estar de férias da faculdade. Não deve ser muito bacana trabalhar durante as férias...
— Estamos pagando muito bem para que ele nos ajude. Vai fazer bem para vocês também. Ele não vai trabalhar muito, só vai ficar responsável por cuidar dos bichos, o que não dura muitas horas, e o restante do dia estará disponível para fazer o que vocês quiserem. E para guiar a caminhonete também, já que a não tem licença para dirigir... — disse vovô, com serenidade — Sua avó não pode guiar muito veículos por conta da artrite no joelho. Buscar vocês na rodoviária foi uma exceção.
Eu levei o copo de água à boca, preocupada com a sua eterna presença na minha vida durante as férias.
Esperava que, pelo menos, melhorasse o seu humor. Afinal de contas eu não havia sido rude de propósito – apenas estava irritada com os questionamentos sobre meus livros. Você não devia ter se ofendido tanto – eu inclusive pedi desculpas. Contei na cabeça quantos dias teria que conviver contigo e meu apetite se foi após perceber a quantidade deles. Seriam longas férias, eu já podia imaginar muito bem.


Capítulo 2

Para mim, o inferno havia começado no dia em que eu cheguei. Mas quem me dera saber uma pista sobre o que o futuro me reservava: pelo menos eu já estaria mais preparada para o caos que viria a seguir.
O meu segundo dia no Rancho começou com uma manhã bonita, ensolarada e quente, denunciando que o verão começava a atingir o seu auge. Saí de casa disposta a curtir as minhas férias, afinal de contas, estar ali era a única opção que eu tinha. Eu precisava entreter minha mente, já que não tinha nem sinal de celular nem internet no computador para assistir filmes em streaming.
Ao adentrar o estábulo, observei os cavalos enfileirados em cocheiras individuais. Lá no fundo estavam o velho Mathias, a Luna e o Regalo, os cavalos mais antigos do Rancho. Eu havia montado neles diversas vezes quando mais nova. Após mais de nove anos sem aparecer naquelas terras, não reconhecia mais os novos bichos, mas lá estavam outros três cavalos maravilhosos nas primeiras cancelas. Um branco, um malhado e um marrom.
— Esses são Diana, Santiago e Harry — Uma voz familiar soou perto da entrada do estábulo. Me virei e te vi caminhando em minha direção, com um emaranhado de cordas nas mãos — Santiago é o mais simpático e manso.
— Quantos anos eles têm? — perguntei, aproximando-me do cavalo malhado, Santiago, para passar-lhe a mão na cara. Ele se desviou, assustado, e relinchou de leve.
— Santiago tem cinco. Olha, não é assim que se acaricia um cavalo — você parou à frente do animal, e aproximou do dorso do nariz dele, de forma lenta, a palma da mão fechada em concha. Abriu os dedos, e finalmente o tocou, esfregando delicadamente os pelos do bicho.
— Eu fiz assim — retruquei.
— Você fez com a mão aberta. Cavalos não gostam de coisas voando em direção aos seus olhos. Tem que começar fechada, perto do nariz, e depois que ganhar a confiança dele, você pode toca-lo mais — você levou a mão até a crina de Santiago, que recebeu seu toque com muita serenidade.
— Eu sei lidar com cavalos, tá? — cruzei os braços, emburrada. Você falava como se eu fosse a pessoa que menos soubesse lidar com animais na Terra. Talvez achasse que eu não sabia que aquele animal à minha frente, inclusive, era um cavalo.
— Parece que sim... — sussurrou, debochado, e riu de leve.
O encarei estarrecida.
— Como você ousa...?
— O que eu fiz? — você riu. Finalmente reparei em seu sorriso, que emoldurava uma porção de dentes brancos e perfeitamente alinhados. Perdi a concentração por alguns segundos, e cheguei até a me esquecer de que estávamos no meio de uma aparente discussão. Acordei, balançando a cabeça e fechando a cara o máximo que consegui.
— Você está debochando de mim!
— Não estou, não — você ainda ria — Você disse que sabia lidar com cavalos e eu apenas concordei...
— Concordou ironicamente — repreendi.
— Essa conclusão você tira sozinha — deu de ombros — Então... Vai querer montar em algum deles? — perguntou, mostrando-me as cordas que tinha na mão.
Encarei os dois animais à minha frente – o cavalo e a sua pessoa – e suspirei, concordando com a cabeça.
— Por favor, se você puder selar o Santiago...
— Pensei que você soubesse lidar com cavalos e iria selar o bicho sozinha... — Você deu de ombros enquanto abria a cacela para que o cavalo saísse. Jogou a corda sobre o pescoço do cavalo, que o seguiu em direção ao corredor.
— Pensei que essa era a sua tarefa enquanto cuidador de cavalos — rebati.
Naquele instante, você me olhou por cima do ombro, com as sobrancelhas unidas. Perdi a noção do que era respirar ao perceber a maneira com que tinha proferido aquelas palavras. Meu rosto queimou de forma instantânea.
— Desculpe, eu... Não foi o que eu quis dizer — tentei consertar.
Você apenas concordou com a cabeça, e levou o cavalo para fora, onde estavam as selas penduradas. Encarei a cena estarrecida. Havia sido a pior pessoa do mundo ao dizer as coisas daquela forma. Respirei fundo, disposta a tentar melhorar as coisas.
Me aproximei de onde estavam, e o observei de braços cruzados enquanto agilmente colocava a sela sobre as costas do cavalo, e apertava as correias firmemente. Santiago parecia não se importar em ser domado ou manuseado por você, agia como um animal de estimação pronto para ser levado para passear.
— Vovó disse que você estuda veterinária e sabe lidar muito bem com eles — comentei.
Você me olhou e passou a mão pelos cabelos que caíam sobre a testa.
— Sim — foi a única coisa que respondeu antes de voltar sua atenção para o animal. Levou o freio até a boca do bicho, e o encaixou delicadamente.
— Há quanto tempo trabalha aqui? — continuei.
— Seis meses — respondeu, seco.
— E você gosta?
— Sim.
— Como você faz para estudar e trabalhar com meus avós?
— Eu me viro.
Respirei fundo, absorvendo as suas respostas pontuais.
— Você não vai falar comigo direito, então?
— Não. Acho que sou apenas o cuidador de cavalos, não estou aqui para nada além disso, como por exemplo ser um psicólogo ou coisa parecida — você me rebateu, e apontou para o bicho. Deu dois tapinhas em seu pescoço — Está pronto. Você sabe montar, não é?
— Eu já te pedi desculpas!
— Eu perguntei se você sabe montar — você ignorou minha frase.
— Eu sei! — exclamei — Não precisa me ensinar!
— Tudo bem — deu de ombros, e se afastou.
Segurei a rédea do cavalo e apoiei meu pé no suporte da sela. Forcei o corpo para cima, mas de repente Santiago parecia alto demais para mim. Forcei mais uma vez, tentando pegar um impulso no chão, sem sucesso.
Você se aproximou.
— Você precisa colocar a mão na sela, aqui em cima, para montar — apontou para o apoio de mãos sobre a sela — Aí você puxa seu corpo para cima com os braços.
— Eu sei! Estava só testando a estabilidade da sela!
— Sim, estava...
Te encarei, , enfurecida, e segurei no apoio de mãos. Num novo impulso, subi sobre o cavalo, encaixando as pernas nos dois lados da sela. Busquei a rédea corretamente, e acariciei a crina de Santiago.
— Você sabe como começar? — Você voltou a perguntar.
— Sim, , não precisa me dar instruções! Eu já sei!
— Bom, por via das dúvidas, você tem que bater o pé levemente na barriga dele...
Suspirei alto, e segurei firme a rédea. Delicadamente cutuquei a barriga do cavalo com o pé, mas ele pareceu não sentir. Adicionei mais força ao pé, e instintivamente Santiago relinchou, começando a correr. Meu coração gelou naquele exato momento.
Santiago corria pelo gramado de forma rápida demais, e eu não conseguia controla-lo pela rédea. A puxava, da maneira que conseguia, e com a outra mão segurava a sela, tentando me estabilizar ali em cima. O cavalo não respondia aos meus comandos, e cavalgava na direção da porteira, sem nem sinal de que iria parar. Desesperei-me, sentindo o coração pulsar rápido e a respiração acelerar, enquanto desesperadamente puxava a rédea para pará-lo. Tentei fazer com que ele voltasse, puxando a rédea para o lado, mas ele me igva e lançava a cabeça de volta para frente. Quanto mais eu tentava mudar sua direção, mas estressado ele parecia ficar, e começava a travar os pés e levantar levemente as patas da frente, reclamando com relinchos. Olhei para o chão, pensando em me jogar, mas tive medo de ser pisoteada pelo animal logo depois.
— Ei, ei, eei, Santi — ouvi a sua voz próxima a mim. Ao olhar para trás, o enxerguei em cima de outro cavalo, marrom – deveria ser Harry – se aproximando. Notei que não havia sela, e o você o guiava pela sua crina — Santi, shhhh, Santi, calma garoto — se aproximou mais, cercando Santiago.
Ao ser cercado e ouvir a sua voz, Santiago diminuiu o passo, começando a trotar devagar, até finalmente parar. Você parou o outro cavalo à frente de Santiago, e desceu dele, segurando em instantes a sua rédea, para que ele não voltasse a fugir.
— Você está bem? — perguntou, olhando para mim.
O desespero estampado em minha cara e o suor escorrendo por meu rosto denunciavam que não, eu não estava nada bem, e pelo visto você havia percebido.
— Estou!
— Você tem que tomar cuidado, você praticamente agrediu o bicho! É claro que ele iria fazer isso! — exclamou, passando a mão pelo pescoço do cavalo — Vamos, vou te ensinar a como faze-lo andar direito!
— Não, eu não preciso da sua ajuda. Não é porque você sabe cavalgar de forma rústica sem sela que você precisa achar que eu sou estúpida e tem que me ensinar tudo!
— Eu montei no Harry assim porque precisava chegar aqui o mais rápido possível, já que você não conseguia manter o controle com o Santiago!
— Eu estava quase conseguindo!
— Sim, claro, quando já estivesse no chão com uma perna quebrada, você iria controla-lo muito bem — Você me respondeu, ironicamente.
Segurei no apoio da sela e desci do cavalo. Sem dar nem uma palavra a você, comecei a caminhar em direção à casa.
— Ei, onde você vai?!
— Embora! Eu não quero mais andar nesse cavalo idiota!
— Não fale assim do Santiago. Ele é um animal irracional, age por instinto!
— Que pena pra ele!
— Se você me escutar pelo menos uma vez e aceitar minha ajuda, você vai conseguir.
— Eu não quero! Eu não preciso de ninguém me dizendo o que fazer, eu vou embora, passar bem! — disse, com os nervos à flor da pele e já de costas para você, disposta a traçar o longo caminho pelo passeio de terra desde o portão de volta à casa dos meus avós.

Capítulo 3

Depois da desastrosa manhã contigo, eu me recolhi para apenas praticar a arte milenar da costura com minha avó e ler no fim da tarde. A vida no campo era realmente muito pacata, e eu começava a me acostumar com a calmaria. Eu, vovó e Lily jogamos um jogo de tabuleiro antes de dormir e eu finalmente parecia estar colocando meu sono em dia ao ir dormir antes das onze da noite. Apesar do ódio que senti no início do dia, após passar várias horas sem nem sinal seu, meu humor parecia enfim estar se regulando.
A justificativa para toda a tensão veio na manhã seguinte, quando me despertei com uma poça de sangue na calça do pijama. Corri para o banheiro e busquei na minha nécessaire algum pacote de absorventes, e infelizmente apenas encontrei um OB perdido no meio dos cremes.
Suspirei, olhando para o teto ainda sentada no vaso sanitário, aceitando meu eterno destino de precisar lhe pedir favores. E, claro, me arrependi amargamente por ainda não ter uma carteira de motorista. Como eu pude chegar aos meus vinte e dois anos sem saber dirigir?
Te procurei perto do celeiro, e o encontrei lustrando o couro de uma sela sobre uma bancada de madeira. Estendi as chaves da caminhonete que eu já havia pegado com meu avô, e sorri, tentando me manter amigável.
— Bom dia, senhorita — você olhou para mim por cima da sela — O que é isso?
— Preciso que você me leve ao mercado — respondi.
— Então quer dizer que agora além de cuidador de cavalos, eu sou seu motorista particular? — perguntou, ironicamente.
Rolei os olhos.
— Você não vai mesmo esquecer isso, não é?
— Não... Nem o piti que você deu depois por conta do seu orgulho — você colocou o pano sobre a bancada e deu a volta, limpando as mãos na lateral da calça.
— Eu não preciso que você fique me lembrando das coisas que eu já sei que aconteceram — afirmei, semicerrando os olhos.
— Quem sabe se você me escutar na próxima vez — Sacou as chaves da minha mão — Onde iremos mesmo?
— Ao mercado.
— Por que você precisa ir ao mercado com uma mala daquele tamanho? Não trouxe cremes o suficiente, é?
Suspirei, tentando manter o controle. Como se igsse a minha existência, você caminhou em direção à caminhonete, dando as costas a mim. O acompanhei, e, ao entrar, bati a porta com força.
— Você pode até descontar sua raiva no carro, mas lembre-se que não vai estar prejudicando a mim se quebrar a porta, e sim aos seus avós — você deu de ombros.
— Eu não preciso que você me corrija, .
— Esqueci que você é sabichona — você sorriu, e deu partida no motor.
Coloquei o cinto de segurança e cruzei os braços, sem a mínima vontade de trocar alguma palavra contigo depois das suas provocações. A cada novo diálogo, eu perdia um pouco mais da paciência.
Ao chegarmos à estrada, me concentrei em observar a linda paisagem que cercava o rancho. Arvores com suas folhas verdes, algumas flores que restaram da primavera e o céu sem uma nuvem sequer. A brisa quente entrava pela janela aberta e balançava meus cabelos para todas as direções.
— Você não sabe dirigir? — Perguntou, quebrando o silêncio.
— Não...
— Por quê?
— Nunca foi necessário dirigir um carro onde eu moro...
— Você é de Nova York, não é?
— Sim, e eu ando de metrô e táxis por lá. Não precisamos tanto assim de veículos. É bem prático, ecológico e barato!
— Eu também sou bem ecológico, ando a cavalo!
Não pude evitar uma risada, que soou um pouco debochada demais.
— Qual a graça? Cavalos são meios de transporte ecológicos e econômicos... Algumas cenouras e está abastecido.
— É que parece meio óbvio você andando a cavalo por aqui...
— É uma opção minha. As pessoas da cidade dirigem carros importados, se quer saber. Não pense que estamos no fim do mundo. Aqui tem internet e gasolina, e eu tenho um iPhone de última geração.
— Jura?! Nunca iria imaginar — respondi ironicamente.
Por partes, eu realmente não imaginaria. Pensava que a cidade de Lewisburg se resumia apenas a uma vida pacata, onde todos viviam como meus avós no rancho. Minha expectativa foi por água abaixo ao cruzarmos com um Audi na estrada.
— Inclusive, se você tiver trazido seu telefone, vai poder pegar sinal aqui no centro — complementou.
Levei a mão ao bolso, percebendo que havia me esquecido completamente do telefone. Muito provavelmente àquela hora estaria sem bateria dentro da bolsa, já que eu não o tocara desde que cheguei.
— E você esqueceu o aparelho — Você riu — Bom, em mais uma semana você estará com o processo de desintoxicação concluído!
— Eu não preciso de uma desintoxicação tecnológica...
— Pra falar a verdade, não parece precisar tanto assim... Outras pessoas a essa altura já estariam tendo crises de abstinência com vômitos e calafrios ao ficarem dois dias desconectadas...
— Eu estou bem — o respondi.
— Imagino quando estiver estressada, então — sussurrou.
— Como assim?!
— Você diz estar bem e vive me dando patadas, no dia em que não estiver bem eu espero que você já tenha voltado pra sua cidade!
Cruzei os braços, revoltada mais uma vez com a maneira com que você me acatava.
— Quem é você para falar assim de mim?
Ramsey, prazer. Sou o cuidador de cavalos do rancho do senhor e senhora Gardner, e, aparentemente, motorista particular da neta deles...
Soltei um grunhido, balançando a cabeça negativamente.
— Se algum dia você quiser aprender a dirigir, , eu me disponho a te ensinar... Caso você aceite ser ensinada — você riu.
O encarei firmemente, e voltei minha atenção para a janela.
— Chegamos ao mercado — você apontou para a calçada, após estacionar a caminhonete antiga. Olhei para fora, observando o entorno. Era uma vendinha simpática, não muito pequena mas também não tão grande como o Target, que eu estava acostumada. Me conformei, afinal de contas eu apenas precisava de um pacote de absorventes.
Desci do carro, e adentrei o recinto. Encontrei o que precisava e, após pagar, voltei para o carro, onde você já me esperava escorado na porta e com os braços cruzados. Não pude deixar de notar, pela enésima vez desde que cheguei, que seus braços eram muito grandes. Pequenos pelos loiros se arrepiavam nos seus antebraços descobertos, já que a camisa xadrez tão óbvia estava dobrada até os cotovelos.
— O que você comprou? — me perguntou.
— Absorventes.
Ao escutar minha resposta, pude notar o quanto você pareceu gelar. Seus olhos se arregalaram, e em seguida você engoliu em seco.
— O que foi? — perguntei — Eu falei grego?
— Não, é só que...
— Você não está acostumado a escutar a palavra absorvente, é isso? — resolvi chacotear com você. Não eram todos os dias em que eu via um homem com crise de virilidade ao ouvir alguma palavra relacionada à intimidade feminina.
Shhhh — você sussurrou — Não precisa gritar pros quatro cantos do mundo!
— Que caralho é isso, ? É uma coisa normal. Mulheres compram absorventes. Mulheres menstruam. Menstruação — falei pausadamente — Conhece isso?
, entra no carro!
— Não, . Que coisa mais medieval! Pensei que você fosse moderno e tivesse um iPhone — ironizei.
— Eu sou, mas as pessoas aqui não são!
— Elas dirigem Audis.
— Elas dirigem Audis e se casam virgens. Isso te explica alguma coisa? — você abriu a porta, apontando para que eu entrasse no veículo.
Bufei, jogando minha sacola lá dentro, e permaneci do lado de fora.
— Eu não tenho culpa se você vive numa sociedade conservadora — prossegui com o discurso — Se eles querem ser assim, deixa que sejam, você não precisa ser um homem das cavernas junto com esse pessoal!
— Eu não sou um homem das cavernas, essa não é minha posição ideológica — você afirmou, me encarando — Mas se alguém aqui escuta que eu trouxe uma moça até o mercado para comprar absorventes, isso de alguma forma chegará aos ouvidos dos meus avós, e eu estarei bem ferrado!
— Porque seus avós nasceram no século passado e é óbvio que vão agir assim, mas você não precisa!
— Eu devo muita coisa a eles, . Por isso eu os respeito — você me respondeu de forma séria.
Respirei alto, olhando-o nos olhos, que estavam firmes nos meus e pareciam muito sinceros.
Finalmente entendi que eu era a intrusa ali. Por mais que eu tivesse a mente desconstruída – e você aparentemente também – não poderíamos querer mudar uma sociedade inteira nascida há mais de setenta anos para que se encaixassem no nosso modo de ver o mundo. O importante era fazer com que nossa faixa etária não pensasse como eles, e uma hora aquele mundo moralista e conservador seria apenas história.
— Bom, você quer um sorvete? — perguntei, notando que havia uma sorveteria na quadra do mercado e disposta a mudar o rumo da conversa.
— Eu não trouxe minha carteira — você respondeu, sem graça.
— Eu pago pra você. Ou você também não vai deixar uma mulher pagar a conta? — Ri ironicamente.
Você rolou os olhos.
, ... Você é uma moça difícil...
— Você ainda não viu nada.

Capítulo 4

Três dias se passaram lentamente em meio a ovos frescos colhidos no galinheiro e banhos de sol na varanda. Conversava muito com vovó, brincava com Lily, e até acompanhei meu avô numa consulta ao médico – que você nos levou – onde constatei que sua saúde estava muito boa. O piripaque não passara de uma pequena crise de hipoglicemia, que muito provavelmente minha avó aumentou a história para fazer um alarde com minha mãe pelo telefone. O bonito havia ido à missa sem tomar café da manhã e isso desencadeou a queda no nível de açúcar. Mesmo para uma mera estudante de música, parecia algo simples e nada maluco. Mas, àquele ponto, eu já estava em Lewisburg, sem a mínima chance de voltar para minha cidade, e, de certa forma, não tinha assim tanta vontade de voltar. Nove anos se passaram desde a última vez em que eu estive no Rancho Constelar, e havia me esquecido de como a vida ali era agradável, sem falar na reaproximação da família. Eu não creio que passei mais de seis horas disponível para Lily em algum dia da sua vida, e, de repente, estava o dia inteiro fingindo gostar de bonecas para brincar com ela.
O dia se mostrava bonito, e eu havia finalmente carregado meu celular. Me lembrei da sua informação, de que na cidade havia sim sinal de telefone, e resolvi tentar pegar alguma réstea pela estrada afora.
Caminhei lentamente por longos metros, talvez quilômetros, até perder a noção dos meus passos. Apenas caminhava, sentindo o sol queimar meu rosto, e ouvia música pelos fones de ouvido, já previamente baixadas na memória do telefone. O verão no Tennessee era extremamente quente, porém mais seco do que eu estava acostumada em Nova York, e eu começava a sentir uma sede quase insuportável. Me odiei por não ter levado uma garrafa com água para a caminhada.
Passei a mão pelos cabelos, e ao tocar meu rosto percebi o quanto estava quente pela queimadura do sol. Suspirei, arrependida de ter andado tanto. Olhei para trás, tentando calcular mentalmente o quanto eu havia caminhado em uma hora sem parar, e percebi que um longo caminho me esperava de volta ao rancho.
Como se o universo me sacaneasse, vi surgir no fim da estrada uma nuvem de poeira alaranjada. Pouco a pouco essa nuvem se transformou na imagem nítida de um cavalo, e uma pessoa montada em cima dele. Ao parar na minha frente, eu pude finalmente reconhece-lo: era você, , para meu desprazer.
— O que faz aqui debaixo dessa lua? — perguntou, me encarando ainda de cima do animal.
— Estou tentando pegar sinal para o meu telefone. Infelizmente falhei nessa missão — dei de ombros — Já estou voltando para casa...
— Você sabe que está bem longe de casa, não é?
— Sim eu sei, eu vim a pé, não sou idiota — rolei os olhos.
— Bom, eu até iria te oferecer uma carona, mas você nunca melhora o tratamento comigo, então acho melhor eu ir embora...
— Eu não ia aceitar mesmo — dei de ombros.
Você riu, descendo do cavalo.
— Pensei que havíamos nos tornado amigos desde que dividimos aquele sorvete — comentou, aproximando-se de mim. Virei o rosto, sem dar confiança, e comecei a caminhar na direção oposta da estrada, voltando para casa. Percebi então que você me seguia, a pé, puxando seu cavalo pela corda.
— Me enganei — completou, me olhando de lado.
— Olha, , você não precisa me acompanhar.
— Se você quiser eu posso ir embora — você apontou para o animal — Eu tenho transporte.
— Sim, vá!
— Você tem certeza? — me encarou novamente, e cruzou os braços.
Seus olhos semicerrados e seu sorriso de canto me fizeram rir.
— Tenho — tentei dizer.
— Não parece — você sorriu de volta, como se me provocasse — Vamos, , saia um pouco da defensiva e aceite minha carona. Seu rosto e seus ombros estão extremamente vermelhos, e você pode ter uma insolação se continuar nesse ritmo até chegar ao rancho...
Levei uma das mãos a um ombro e percebi o quanto a pele estava quente. Me esqueci completamente do protetor solar em outro lugar que não fosse meu rosto. Suspirei, decepcionada.
— Só uma pessoa da cidade grande se esqueceria de passar protetor solar ao meio dia — você comentou, balançando a cabeça negativamente.
, eu não preciso que você me julgue, ouviu? — o respondi. Toda aquela provocação começava a me tirar do sério mais uma vez, mesmo sem todos os sintomas da TPM. Você conseguia me transportar para a pior semana do mês apenas ao abrir a boca para falar.
— Foi mal — você suspirou — Aceite minha carona como pedido de desculpas...
— Você é bem esperto! Primeiro me tira do sério e depois usa a carona para me persuadir!
— Se você quiser continuar torrando nesse sol, você pode, não sou eu quem vou dormir com a pele ardendo!
— Nossa, ! — parei de andar e bati o pé no chão, nervosa — Como você...? Como você consegue me irritar tão facilmente?!
— É você quem sempre está ouriçada ao falar comigo e me dá essas brechas — respondeu — Eu posso tentar melhorar, mas você também precisa dar a sua colaboração...
— O que você quer dizer com isso?
— Se você parar de me dar patadas e me tratar como uma pessoa normal, eu posso parar de te provocar. É que eu adoro ver o quanto você perde a cabeça facilmente — e riu.
Bufei, passando a mão pelos cabelos, e senti o quanto eles também estavam quentes.
— Aí, ta vendo...
— Ok, — o interrompi, e estendi a mão, disposta a fazer um acordo — Eu não te tratarei mal, e você não vai mais me provocar. Podemos fazer esse acordo? Eu só fico aqui por mais três semanas, a gente pode sobreviver bem dessa forma... Não vai doer.
Você encarou minha mão, e deu um sorriso de canto. Me olhou nos olhos e estendeu sua mão de volta, que tocou áspera na minha.
— Combinado. Mas se você me tratar mal, vai ter que me aguentar tirando sarro...
— Tudo bem, . Eu aceito. — suspirei — Agora será que você pode me explicar como vamos andar os dois nesse cavalo?
— Venha que eu te explico — você foi até a lateral do animal, e subiu na bunda do cavalo, deixando a sela livre — Sobe na sela. O correto seria você guiar já que está na frente, mas eu não vou te fazer vir na parte desconfortável, e não confio muito na sua maneira de cavalgar depois do incidente com o Santiago...
— Nossa, !
— Eu só estou sendo sincero, não estou te provocando. Vamos, suba — insistiu.
Suspirei, e subi na sela. Encaixei as pernas nos dois lados do cavalo, e senti os seus braços passando ao redor do meu corpo e tomando as rédeas das minhas mãos.
— Eu vou guiar por aqui, e você vai ter que me dar licença para te tocar dessa forma — riu — Ah, outra coisa! Use isso — senti um chapéu atingir o topo da minha cabeça e uma sombra confortável se formou sobre meu rosto.
— Obrigada — murmurei, realmente agradecida. Eu precisava daquela sombra, e você pela primeira vez parecia estar fazendo um ato de gentileza sem que eu precisasse te dar uma má resposta de volta.
— Podemos ir?
— Sim — respondi, afirmando com a cabeça.
Você agilmente assoviou para o cavalo e balançou a rédea, fazendo-o arrancar lentamente.
Respirei fundo, tentando absorver todas as informações daquele momento: estava em cima de um cavalo com você, , que por incrível que pareça tinha um perfume agradável e não o cheiro de suor que eu esperava que tivesse. Usava seu chapéu, e tinha seus braços ao redor do meu corpo.
Meu orgulho havia definitivamente sido ferido.

Capítulo 5

Por alguns dias, a paz reinou no rancho. Eu precisava admitir que fazer um acordo com você havia sido extremamente saudável, e até me arrependia um pouco por não ter dado aquela abertura antes. Não nos provocávamos mais, apenas convivíamos pacificamente pelos cantos; vez ou outra trocávamos algumas palavras e seguíamos nossas vidas. Um dia, inclusive, eu te deixei me dar instruções para cavalgar, e finalmente havia pegado o jeito com Santiago – que era mesmo um ótimo cavalo, você tinha total razão no fim das contas.
Durante a manhã, gostava de ficar na varanda lendo enquanto Lily brincava com os gatos do rancho. A gata havia dado cria há poucas semanas, e os filhotes pareciam entretê-la com seu miado agudo.
— A gente pode levar um desses pra casa, por favor, ? — perguntou ela, estendendo o filhote de gato na minha direção. Ele era rajado, cinza, e tinha adoráveis olhos verdes.
— E você vai tirar ele de perto da mãe e dos irmãozinhos? — questionei, desviando a atenção da página que lia.
Lily balançou os ombros, suspirando.
— Eu não posso fazer isso. Ele gosta da mamãe e dos irmãozinhos. — ela me respondeu, e colocou o gatinho de volta para mamar. Sacou outro, branco, e fez um carinho em sua cabeça — Mas eu queria muito um gatinho.
— Vamos conversar com a mamãe depois sobre isso, tá bem? — tentei consola-la. Olhando na direção dela, percebi que ao longe, fora da varanda, você cruzada nosso caminho pela oitava vez em menos de uma hora, carregando alguma coisa aleatória em cada uma dessas vezes.
Me questionei o que diabos você estaria fazendo indo de um lado para o outro com aquelas cordas.
— Eu posso vestir uma roupinha nesse bebê? — perguntou Lily — Eu acho que uma roupinha da minha boneca pequena vai servir!
— Pode... — respondi, sem prestar muita atenção no que ela me perguntou. Estava completamente vidrada no exterior da varanda, esperando que você passasse por ali novamente. Encarei o relógio no pulso, contando quantos minutos levaria para aparecer.
— Eu vou buscar, então! — Lily deu um pulo, e correu para dentro da casa. Me questionei o que ela fazia tão empolgada, já que me esqueci completamente do que ela havia me perguntado, e me preocupei por alguns segundos. Depois me conformei, lembrando que minha irmã era praticamente inofensiva.
Ergui o livro até a altura dos olhos, para que você não percebesse que eu o estava espionando e contando o tempo que levava para aparecer. Você certamente queria me chamar a atenção, e infelizmente conseguira: eu estava completamente vidrada em sincronizar seu tempo de vai e vem pelo rancho. Mas, de certa forma, não podia te entregar esse triunfo assim tão facilmente.
Lily voltou correndo feito um furacão e sentou-se novamente em frente aos gatos. Não consegui ver muito bem o que ela fazia, pois estava de costas para mim, então voltei a minha atenção ao quintal.
E lá estava você, exatos cinco minutos desde a última aparição, na nossa frente. Dessa vez prestando atenção em Lily, e se aproximou para ver o que ela fazia.
— Uau, Lily, você está cuidando muito bem desses bebês! — comentou, sem desviar os olhos dela.
— Eu sei, , ele não está lindo? É meu novo bebê, o nome dele é Bob — ela finalmente ergueu o filhote, e eu me levantei da cadeira para vê-lo. Lily havia vestido o filhote Bob com um vestido de boneca, e o ninava como um neném.
Não pude conter minha risada.
— Lilian, o que você está fazendo? — a repreendi, tentando controlar o riso.
— Eu te perguntei se podia vestir a roupinha nele!
— Não perguntou, não.
— Perguntei sim! Mas você estava olhando pro quintal esperando o passar, e nem prestou atenção no que eu te falei! — ela exclamou, emburrada.
Arregalei os olhos ao perceber o que ela havia dito. Você me olhou, rindo com o canto da boca.
— Estava me observando, dona ?
— De forma alguma. Eu estava lendo.
— E olhando pro ! — Lily completou.
— Lily, se você não parar com isso, eu vou contar pra vovó que está colocando roupas nos gatos dela!
— Não adianta, ela vai gostar. tá namorando! ta namorando! — ela se ergueu do chão, com o gato ainda nos braços, e começou a pular.
Você segurava a risada, debruçado sobre o parapeito da varanda.
— Lily, chega disso! Me dá aqui esse gato, você vai machuca-lo! — soltei o livro e tentei alcançar o animal nas mãos da minha irmã. Enfim o segurei, e acariciei suas orelhas, enquanto ele miava — Viu? Ele está morto de fome. Vamos colocar ele pra mamar, e achar outra brincadeira. Chega dessa!
— Ah não, !
— Ah sim, Lilian. Vamos pra dentro, a vovó já deve estar quase nos chamando para o almoço. Vamos lavar as mãos e ficarmos prontas! — devolvi o gato para a sua mãe e empurrei minha irmã emburrada pelos ombros para dentro de casa. Lily andou em direção ao banheiro, e eu voltei até a varanda.
Você ainda estava escorado no encosto, e me observava com uma expressão divertida no rosto. A maneira com que pairava seus olhos em mim me fazia perder a noção das minhas palavras ou das minhas ações.
— Desculpe por isso... Eu... Ela gosta de fazer chacotas — disse, sem graça, pegando meu livro sobre a cadeira de balanço.
— Tudo bem. Ei, ... O que você vai fazer amanhã? — Você disse as palavras que nunca, jamais na sua vida, deveria ter dito para mim. Minhas férias começaram a perder o controle a partir daquele diálogo, e eu devia saber onde iria parar – mas, infelizmente, estava ocupada demais sentindo a pele do meu rosto quente devido à forma com que você sorria na minha direção.
— Aparentemente nada... Por quê? — me assustei.
— Tenho um lugar legal pra te mostrar. Se você quiser ir, claro...
— Você vai me assassinar ou coisa parecida? Onde vamos?
Você riu.
— Não vou te fazer mal algum. Vamos a um lugar bonito da cidade...
— Ok. Certo. — sorri — Agora eu... Tenho que voltar — apontei para dentro, e entrei em casa, sem olhar para trás ou dizer mais alguma coisa.
Ao chegar no corredor, sentia minhas bochechas ardendo ainda mais e o coração disparado. Você havia me chamado para sair. E eu havia aceitado. De alguma forma, o sol devia ter queimado meus miolos. Eu só podia estar perdendo o juízo por sua causa.

Capítulo 6

Eu não estava preparada para aquilo.
Eu não estava preparada para estar em um local sozinha com você depois de fazermos as pazes. Sempre que estávamos a sós, eu praticamente usava a discussão como um escudo para não me aproximar de você. Até mesmo quando me ensinou a cavalgar não estávamos sozinhos: Lily também estava lá, você sabe muito bem.
Porém, naquele dia, nós estávamos sozinhos no lugar mais maravilhoso que eu já vira na vida. No Rosedal da cidade. As rosas brotavam vívidas dos arbustos, emoldurando todo o caminho de pedras, e o perfume que pairava no ar era inacreditável. Eu tentava ao máximo me concentrar na paisagem, para que me esquecesse da sua presença ao meu lado. Você havia até mesmo penteado os cabelos naquele dia, e trocado a camisa xadrez por uma jeans, e isso, meu caro, era um mal sinal. Você estava jogando sujo!
Me aproximei de uma rosa para cheira-la.
— Eu te daria uma flor, mas não gosto de arrancá-las do pé... Sinto que estou matando-a cruelmente, então ao invés de fazer isso, eu te trouxe aqui. — sua voz soou fraca ao proferir aquelas palavras.
Meu corpo gelou, e eu senti meus pés travarem sobre o chão.
— Eu... Bom, estou lisonjeada. Obrigada por me presentear com todas essas flores — sorri ao dizer aquilo.
Você engoliu em seco, e respirou fundo antes de se aproximar de mim. Eu estava parada diante de uma rama de rosas brancas, e tentava manter meu foco nas flores. Mas, de alguma forma, o seu par de olhos castanhos estava me prendendo toda a atenção. Pisquei algumas vezes, nervosa.
Estar sozinha com você era mesmo uma péssima ideia.
— Eu fico feliz que estejamos convivendo bem desde o nosso acordo de paz — você disse num tom de voz baixo.
— Eu também. Viu como funciona quando você não me dá motivos?
— Ou você, no caso — você me corrigiu, e riu — Quem começou toda essa guerra foi você.
— Não foi, não!
— Eu só estava tentando puxar assunto e as malas pareciam uma boa forma de começar...
— Você precisa treinar um pouco mais essa coisa de puxar assunto.
— Bom, parece que estou melhorando pouco a pouco... — deu de ombros — Eu quero te falar uma coisa, .
— Sou toda ouvidos — respondi, sorrindo. Concentrei meu olhar em você, , e não pude deixar de notar o quão irresistível seus lábios eram ao falar. Nunca havia prestado atenção naquele detalhe, e, mais uma vez, certificava-me de que você era um rapaz extremamente bonito e com traços fortes.
— Desde o momento em que você colocou os pés no rancho eu te notei. Você estava saindo do carro da sua avó, pegou a sua irmã no colo e a colocou no chão. Ela correu para dentro de casa, e você a observou, sorrindo. Eu estava perto da varanda, e não consegui decidir o que era mais bonito: o seu sorriso ou os seus olhos.
— Não sei o que dizer — sussurrei, te interrompendo, e sentindo as bochechas esquentarem.
— Não precisa dizer nada. Só me... Me deixa terminar — você suspirou, e riu — Passei muito tempo pensando na melhor forma de te dizer isso e estou ficando nervoso, me desculpa. — De dei um sorriso terno para que continuasse. Por mais que me doa admitir, eu estava gostando daquela conversa — E agora a gente está aqui, no meu lugar preferido da cidade, e eu me sinto um pouco extasiado — você riu, sem graça — Não sei a melhor maneira de fazer isso, eu juro que tentei treinar esse momento na minha mente mas não vai ser igual. Então, se você me permite, eu gostaria de...
Me assustei, percebendo o rumo que aquela conversa estava tomando. Por mais que eu quisesse e te achasse irresistível àquele ponto, além de me derreter pelo fato de você, de alguma forma, estar pedindo licença para me beijar, algo dentro de mim lutava para me convencer de que eu deveria sair dali correndo e gritando por socorro.
Em muitos anos, eu não havia visto tamanha sinceridade nos olhos de alguém enquanto me dizia que o meu sorriso era bonito. Ou que eu era bonita. Estava tão mal acostumada com o sexo oposto que a mínima demonstração de afeto ou de sinceridade me dava pânico.
Eu não corri ou gritei por socorro. Mas, muito semelhante, virei o rosto quando você se aproximou lentamente em direção aos meus lábios, sem desviar o olhar do meu. Você se afastou num impulso ao perceber que havia tocado a minha bochecha.
— O que foi?
— Eu não... Eu não quero confundir as coisas. Desculpa, . Tem muita coisa passando na minha cabeça agora. É muita informação. Eu não consigo... — suspirei.
— Tudo bem, acho que isso foi rápido demais — você sorriu sem graça — Mas me dá uma chance, , só uma chance de te conquistar, e você vai ver que vai valer a pena — segurou meus ombros, e sorriu.
Balancei a cabeça positivamente, sem ter resposta para aquilo.
Estava completamente sem defesas. Você havia tirado de mim todas elas, uma por uma, e me deixou de mãos atadas à sua frente. Faltava muito pouco para que despisse minha alma – e esse era o meu maior medo.

Capítulo 7

Após o incidente no rosedal, eu me retraí dentro de casa pelo resto do dia. Havia sido extremamente doloroso estar no banco do carona com você, na volta, tentando puxar algum assunto ou falar de alguma banalidade sem que a tensão pairasse sobre nós. Eu havia estragado tudo, como sempre, e tentava me perdoar enquanto encarava o teto antes de dormir.
Todavia, estava disposta a tentar anular todo o clima de velório, então resolvi usar Lily como um escudo, enquanto a levava para se divertir no fim da tarde do dia seguinte. Não estar sozinha contigo também seria um grande alívio para mim. Assim que falei a palavra “Parque de Diversões”, Lilian já corria em direção ao banheiro para se limpar e estar pronta o quanto antes.
Você nos levou até o parque na caminhonete, e assim que chegamos, Lily tinha os olhos brilhando para os brinquedos. Queria ir em todos ao mesmo tempo, e não conseguia se decidir entre brincar e comer cachorros quentes.
— Lily, você quer ir na roda gigante agora? — você perguntou.
— Ela não quer — respondi por ela.
! — ela fez bico — Eu quero sim!
— Não, você não quer.
— Qual o problema com a roda gigante? — você me encarou, confuso.
Respirei fundo antes de responder.
— Eu não gosto de altura.
Você balançou a cabeça enquanto coçava o queixo, aparentemente pensando em alguma solução.
— Bom, você não precisa ir. Eu posso ir com a Lily, e você espera a gente aqui...
— Isso! Eu vou com o ! — Lily começou a pular, empolgada, e segurou a sua mão.
Ao vê-la tão feliz com a possibilidade de ir na roda gigante, meu coração se desfez. Eu não podia privar minha irmã de suas pequenas felicidades só porque tinha medo. Era o meu medo, e não o medo dela. Eu quem devia me conformar com ele e ficar de fora, até um dia quem sabe tomar coragem para enfrenta-lo.
Sem falar que você, , parecia realmente uma pessoa confiável para acompanhar minha irmã. Durante a semana que se passou se tornaram muito próximos, e você sempre fazia de tudo para agrada-la. Leva-la à roda gigante era mais um dos seus truques para sacar de Lily um sorriso; e eu adorava vê-la assim.
Observei os dois irem até a entrada do brinquedo, Lily com os tickets em mãos, dando pequenos pulinhos de felicidade enquanto caminhava. Com os braços cruzados e o vento soprando em meu cabelo, eu vi você sentar-se com ela e assegurar-se de que a trava estava bem posicionada. E então os dois acenaram para mim, e eu não pude evitar um sorriso enquanto via a roda girar e leva-los para o alto.
Desejei ter tomado coragem antes para acompanha-los, mas, àquela altura, não tinha mais tempo. Eu sabia, em algum lugar dentro de mim, que teria essa oportunidade novamente em outro dia. Não tinha certeza se seria com a sua companhia, mas eu teria. Quem sabe em Lweisburg ou quem sabe em Coney Island.
Quando a vez de vocês terminou e você desceu da roda gigante com a minha irmã no colo, eu sorri ao ver o quão feliz ela estava. Você a fazia bem.
— E aí, gostaram?
— Sim! Você devia ter ido com a gente, ! — disse Lily, empolgada — Deu pra ver tudo. Até Nova York!
— Ah, é mesmo? Você viu Nova York lá de cima?
— Sim, o me mostrou onde brilha mais. É Nova York.
— Bom saber que o entende bem de geografia — comentei, rindo, e você piscou para mim, rindo junto.
— Você quer comer alguma coisa? — perguntou.
— Ah... Acho que quero um cachorro quente agora.
— Tudo bem. Me esperem aqui e eu já volto — você sorriu, colocando Lily no chão, e saiu em direção às barracas de comida.
Te observei parar no meio do caminho quando foi saudado por um grupo de pessoas. Cumprimentou todos animadamente, com toques de mão e abraços, e seu sorriso se alargou no rosto – por pouco tempo, até que fosse substituído por uma expressão preocupada, que depois migrou para um misto de dúvida e deboche. Eu queria muito saber qual era o motivo que te tirava do sério por alguns instantes, queria ser um mosquito ali para ouvir toda a conversa. Mas minha curiosidade não durou muito: dias depois eu descobri o que era, e talvez da forma mais cruel possível – porque aquele motivo foi também o motivo da nossa separação.

Capítulo 8

— Eu já te falei para tomar cuidado com esses galhos que saltam fora da trilha! — você exclamou, abaixando-se para ver meu tornozelo que sangrava após eu acertar um graveto espinhoso.
— Desculpa, , eu não vi! Eu não vou andar olhando para baixo!
— Bem vinda à sua primeira trilha da vida: você precisa olhar para frente, para cima e para baixo ao mesmo tempo. Também precisa usar calças e botas adequadas — você rolou os olhos.
— Eu pensei que faríamos uma caminhada tranquila, como aquele dia no rosedal, por isso eu vim com shorts e tênis. Você me trouxe para o meio do mato!
— Você quer sinal de celular ou não quer? — você perguntou, erguendo-se do chão — Foi só um arranhão de leve, quando chegarmos em casa você lava com água e sabão.
Suspirei, já impaciente.
— A gente já tá chegando?
— Sim, em menos de vinte metros — você apontou para a trilha.
Segui na frente, desesperada para conseguir finalmente acessar minhas redes sociais, já que em todas as vezes em que fui à cidade nos últimos dias as antenas estavam em manutenção.
Caminhamos pelos últimos metros e finalmente um clarão se abriu em meio às arvores que nos cercavam, e eu tive visão mais incrível que a do topo do Empire State Building. Do alto de uma colina, eu conseguia ver um horizonte infinito de pura natureza. As árvores pareciam não acabar nunca, como um oceano à minha frente. Perdi o fôlego, em partes porque caminhara muito, e em partes porque era uma visão digna de prender a respiração para contempla-la.
— Uau — foi a única coisa que consegui dizer.
— Bom, aqui você consegue ligar o seu telefone e acessar o seu Instagram... Aproveite e poste uma foto dessa vista.
— Ah eu vou postar sim! — Saquei o telefone do bolso e vi que haviam alguns pontos de sinal de telefone. Instantaneamente o aparelho começou a vibrar de forma desordenada, e as notificações vieram como uma metralhadora.
Você sentou-se sobre uma pedra, e eu te acompanhei, para poder verificar minhas mensagens mais confortavelmente. Demorei algo como quinze minutos para responder a todos os meus amigos e aos e-mails da faculdade, e logo abri o Instagram para tirar uma foto e posta-la. Após fazer tudo, enquanto você me observava com o canto do olho sem dizer nada, vi que você também sacara seu telefone do bolso – que realmente era um iPhone de última geração – e respondia a um e-mail com a logo da faculdade da Georgia.
— Você estuda na UG? — perguntei, impressionada.
— Ainda não. Mas consegui uma transferência para lá, e irei no fim do verão. — Você respondeu, contente.
— Você vai se mudar daqui? E como fica o trabalho?
— Bom, era temporário. Eu estudava na Califórnia, em Davis, mas meus avós precisavam de mim aqui, então eu saí do curso e vim ficar com eles há um ano atrás. Durante esse tempo consegui esse emprego trabalhando para os seus avós, e agora vou para uma universidade mais próxima de casa, então posso estudar mais tranquilo... São menos horas de viagem, e é mais barato ir e vir caso eles precisem de mim...
Pisquei algumas vezes, atônita com a sua resposta. Jamais imaginaria que você havia largado o curso na faculdade para ficar com os seus avós. A maneira com que eu te via no mundo já era boa, pois eu conseguia observar o quão dedicado ao trabalho e às pessoas você era, mas, saber que você se abdicou de algo tão grande quanto uma faculdade por alguém fez com que meu coração se derretesse um pouco.
— Soube que você estuda música — você comentou, acordando-me dos meus devaneios.
Balancei a cabeça positivamente.
— Sim, na NYU... Eu toco violoncelo — respondi, sorrindo.
— É um lindo instrumento. Um dos meus preferidos, inclusive...
— Sinto falta dele. Pensei em traze-lo, mas resolvi poupar um peso na minha mala.
— Ainda bem que você não trouxe, porque foi um custo subir as escadas com as suas duas bagagens, imagina com um violoncelo junto! — você riu.
Eu te acompanhei na risada.
— Você está fazendo drama. Não pareceu ser esforço nenhum levantar aquelas malas do chão! — retruquei.
— Eu só estava fazendo uma cena para te impressionar. Por dentro eu chorava de dor...
Ri, encarando-o de lado. Uma rajada de vento passou por nós, balançando nossos cabelos e fazendo com que eu cerrasse um pouco os olhos. Você sorriu, ao me ver fazer isso.
— Seus olhos ficam mais claros na luz do dia — comentou, sem desviar o seu olhar de mim. Senti o rosto esquentar ao ser observada tão fixamente por você.
Busquei dentro de mim algo para dizer, mas não encontrava palavra alguma. Talvez fosse a paisagem – era um plano seu me levar ali para me conquistar? – ou talvez fosse o céu límpido e azul, ou quem sabe até a forma como você me olhava, mas eu agi por impulso. Não consegui me conter ao me aproximar de você e finalmente te dar o que você esperou por tantos dias: um beijo.
E me arrependi amargamente por ter demorado tanto para fazer isso.
A maneira como você recebeu meu beijo foi surpresa e doce, e logo que envolveu minha nuca com as mãos eu senti um fogo arder dentro de mim. Nos beijamos por longos minutos, sem que eu tivesse a mínima vontade de parar. Estávamos presos no tempo enquanto nos deliciávamos com o gosto um do outro.
Afastei-me, eufórica, e sorri, te olhando nos olhos.
— Olha, , você sabe que... Bom, que eu vou embora, não é?
— Sim, eu sei. E eu também vou embora — você disse, e riu.
— Certo. Eu não quero me envolver. Espero que você entenda isso.
— Tudo bem. A gente pode só... Ficar assim. Numa boa. Viver o presente, e deixar pra resolver o rumo disso quando a hora chegar. Pode ser?
Balancei a cabeça, concordando com o que você disse, e ansiosamente voltei a te beijar – não parecia ser capaz de ficar mais nenhum segundo próxima a você sem tocar os seus lábios.

Capítulo 9

Eu me questionei, por várias horas deitada no sofá encarando o vazio, o motivo de eu ter sido tão fraca a ponto de te beijar. Eu não devia ter feito aquilo. Eu devia ter resistido, eu devia ter mantido a guarda alta: porque discutir com você era muito mais fácil e confortável do que lutar contra a vontade de te beijar todo o tempo.
Te vi entrar na sala e caminhar em direção à cozinha, carregando alguns pés de alface nas mãos. Levantei-me e te segui até lá.
— O que é isso?!
— Você sabe que eu não vou te dar flores, então vou dar outras coisas equivalentes. Como um pé de alface, pois percebi que você gosta. — Você disse, e eu não pude conter a gargalhada que explodiu de dentro de mim.
Você me encarou, confuso.
— Como assim você sabe que eu gosto de alface? — perguntei em meio às risadas.
— Bom, todos os dias a sua avó me pede para trazer dois pés de alface, ao invés de apenas um, pois de acordo com ela você devora a vasilha de salada inteira — você me respondeu, e deu de ombros.
Sentei-me na mesa da cozinha para finalmente respirar, e encarei os pés de alface tão verdes e tão suculentos que eu precisei me conter para não comê-los ali mesmo.
— Bom, ela tem razão. É... Obrigada...? — respondi, dando um meio sorriso — Eu achei isso estranho e fofo, ao mesmo tempo. Eu gostei.
— Fico feliz que tenha gostado — Você se aproximou de mim, e se abaixou para me dar um selinho. No mesmo instante o barulho de passos se aproximando fez com que nos afastássemos.
Vovó adentrou a cozinha, com um sorriso no rosto.
— Bom dia, meus queridos — disse, e encarou o alface sobre a mesa — Obrigada, , por trazer a salada.
— Por nada senhora Gardner — você assentiu com a cabeça.
Vovó nos encarou, próximos, e uniu as sobrancelhas, confusa. Nesse momento eu percebi que ela muito provavelmente não estaria preparada para saber sobre nosso breve envolvimento – e na verdade eu não gostaria que ela soubesse. A forma como você se afastou lentamente de mim também entregou que de alguma maneira você compartilhava o mesmo sentimento.
— O que os dois vão fazer hoje? — Vovó perguntou.
— Eu vou ler... Devo brincar com a Lily também — a respondi.
— Eu quis dizer juntos — ela se virou em nossa direção, com um olhar sugestivo, e pegou os alfaces, levando-os até a pia.
Encarei , e engoli em seco.
— Nada...
— Eu preciso terminar de cuidar dos animais. Tenho muitas coisas a fazer hoje no rancho — Você respondeu.
— Eu não estou com a mínima vontade de ajudar com isso — lhe respondi, tentando ser convincente com vovó — E inclusive não vou andar a cavalo hoje, assim te dou menos trabalho.
— Obrigado, — Você me agradeceu. O que acabou levantando mais suspeitas para vovó, provavelmente: já que você nunca era muito gentil comigo.
— Bom, pensei que vocês estavam passando os dias juntos. Aproveitem as férias! Saiam para passear pela redondeza...
— Quem sabe essa semana, vó — a respondi.
— Certo. O que vão querer para o almoço?

Durante a tarde, eu até tentei me concentrar na minha leitura, mas meu movimento de largar o livro sobre o sofá e correr sorrateiramente até o estábulo para te encontrar foi involuntário.
Eu sabia que você estaria por lá. Escovava um dos cavalos, concentrado, quando eu te surpreendi abraçando-o pelas costas. Você se virou, e sorriu ao me reconhecer.
— Sempre pensei que você me pegaria de surpresa pelas costas com uma facada ou coisa parecida, e não com um abraço — você riu.
Balancei a cabeça negativamente, com os olhos semicerrados.
— Você tem expectativas muito estranhas sobre mim — ri, finalmente, e me coloquei na ponta dos pés para te beijar.
Você rapidamente largou a escova no chão e me segurou pela cintura, empurrando-me em direção à parede. Assim que minhas costas a atingiram, senti a pressão que seu corpo fazia sobre o meu, e suas mãos deslizando desde meus quadris até o meu pescoço, e enfim segurando a minha nuca. Sentir o seu beijo ardente e a forma como você me prendia me fazia começar a sentir as mãos formigarem, e a respiração se descompassava. Seus lábios tomavam conta dos meus e ditavam a velocidade do beijo, e eu apenas cedia a tudo que você me impusesse. Seria capaz de ficar ali toda a tarde me entregando aos seus encantos se não me faltasse o ar para respirar.
— Uau, — murmurei, te afastando e tentando recuperar o fôlego.
— Você quer sair comigo hoje à noite? Em um encontro? — você perguntou repentinamente, e eu senti um frio na barriga ao escutar-te dizendo aquilo.
Um encontro.
— Eu... Claro — respondi, em meio ao susto — A que horas?
— Às oito. Eu te busco.
— Ok. Estarei pronta — passei a mão por seus cabelos — Vou economizar nossos beijos para o nosso encontro, então... — Dei de ombros, te provocando.
— Você não é nem maluca — Você riu, e então voltou a invadir a minha boca com mais um beijo que me tirou do chão.
O problema, , é que você beijava muito bem, e eu estava começando a perder o controle sobre isso.

À noite, já estava pronta às oito da noite quando vi os faróis de um carro se aproximarem. Havia dito aos meus avós que te acompanharia a uma festa na casa de um amigo, assim eu poderia conhecer mais gente na cidade – eles apoiaram totalmente, principalmente pelo fato de que eu iria com você.
Assim que a sua caminhonete parou próxima à varanda e você saltou de dentro, completamente bem vestido com uma jaqueta de couro sobre uma camisa de botões azul, eu não pude conter o sorriso. Você estava maravilhoso. Seus cabelos estava penteados para trás, e você exibia um sorriso estonteante. Você sabia muito bem o quanto era bonito e o efeito que causava nas pessoas, eu tenho certeza disso. E usava essa ferramenta para me seduzir covardemente. Eu, fraca, caia em tudo. Eu caí em todas as suas artimanhas, , eu confesso.
— Você está linda — disse, quando me aproximei de você — Qual foi a desculpa usada para seus avós?
— Uma festa com seus amigos — respondi — pelo menos não precisei sair escondida... Mas até que daria certo. Testei as escadas, elas não fazem ruídos ao descer, e a porta da cozinha também não...
— Bom... Se quiser viver uma aventura, amanhã, podemos fugir juntos à noite para acampar. Você já acampou aqui? — você perguntou, me fazendo provar o gosto da vontade de me arriscar.
— Eu gostei dessa ideia — disse, enquanto você abria a porta do carro para mim — Vamos discutir essa estratégia no caminho...
Você riu, e fechou a porta. Deu a volta e assumiu a direção. Eu te observei dirigir por todo o caminho. E, sim, você tinha certeza de que causava esse efeito em mim, porque a cada minuto, parecia me provocar um pouco mais – e sabia perfeitamente como fazer.

Capítulo 10

Eu seguia o plano perfeitamente, como havíamos ensaiado durante a tarde. Desci as escadas, às onze da noite, e saí pela porta da cozinha em direção ao estábulo, onde você estava escondido desde o fim do seu expediente. Já tinha uma mochila com a barraca e tudo que precisaríamos para sobreviver à noite.
Te beijei ao te saudar.
— Você vai ter que fazer isso valer a pena — Disse, encarando a mochila — Eu nunca acampei e não sei se vou ser capaz de aproveitar muito bem...
— Vou fazer um esforço — Você me respondeu, e estendeu a mão — Inclusive eu ter tomado banho escondido com a mangueira dos cavalos já devia ser um super motivo para você achar essa aventura interessante. — ri ao escutar suas palavras — Pronta?
Balancei a cabeça e entrelacei meus dedos aos seus. Caminhamos para fora do estábulo em silêncio, utilizando apenas uma lanterna para nos guiarmos. Eu não tinha a mínima ideia de onde estávamos indo, e caso você estivesse planejando me matar por ali e enterrar meu corpo, poderia facilmente executar o plano já que eu não saberia nem para onde correr. Tive um leve medo, inclusive, ao pensar naquilo, mas me tranquilizei quando você me abraçou e beijou o topo da minha cabeça. Após caminharmos por cerca de dez minutos, chegamos em um local onde o terreno era um pouco menos arenoso e aberto. Haviam alguns galhos no chão, e você colocou a mochila próxima a eles.
— Eu já deixei montado para a nossa fogueira desde cedo. Não seria nada fácil encontrar gravetos secos na escuridão — Você riu, e eu te acompanhei.
— Quer ajuda para montar a barraca?
— Sim. Se quiser começar enquanto eu acendo isso daqui — você disse, e eu segui até a mochila, abrindo-a para tirar de dentro a barraca.
Não foi muito difícil começar a monta-la, e você logo a finalizou com maestria. Depois de muita conversa eu descobri que você estava mais acostumado a acampar, inclusive fazia aquilo sempre, então era bem fácil montar uma barraca e escolher um local seguro. O fogo ajudava a manter a noite aquecida, pois mesmo no verão, o vento soprava frio depois das onze em Lewisburg.
Nos sentamos na entrada da barraca, sentindo o fogo a alguns metros de distância, e você sacou de dentro da mochila uma garrafa de whiskey e um pacote com marshmallows.
— Você realmente pensou em tudo — disse, sorrindo, enquanto observava você buscar dois gravetos para assarmos os marshmallows.
— Sim, eu te disse que sou um cara precavido — você riu, e voltou a se sentar ao meu lado. Abriu a garrafa de bebida, tomou um gole, e me estendeu — Não quero te embebedar. Apenas pensei que seria divertido bebermos enquanto conversamos...
— Foi uma ótima ideia — respondi, tomando a garrafa e bebendo um pouco — Você é um rapaz bacana, . Uma pena termos perdido mais de uma semana com tanto conflito — disse, e balancei os ombros.
Você riu, e se aproximou de mim, segurando em meu queixo.
— Eu sei, , que perdemos muito tempo. Mas a gente não precisa perder mais falando sobre isso — e sorriu, me olhando nos olhos — Temos coisa mais interessante para fazer... Não acha?
— O que seria mais interessante? — Perguntei, te encarando fixamente.
— Não sei... Você tem alguma sugestão?
— A minha sugestão envolve deixar os marshmallows para daqui a pouco — desviei o olhar em direção à comida, e você rapidamente os devolveu para dentro do saco.
— Incrível como eu estava pensando a mesma coisa. Não tenho um pingo de fome — riu, e se aproximou de mim, me impedindo de falar alguma coisa a mais com um beijo.
Uma de suas mãos segurou a minha nuca, por baixo do cabelo, enquanto a outra descia pelo meu braço, em direção à minha cintura. Estávamos sentados na porta da barraca, então não foi um esforço muito grande nos deitarmos dentro dela. Com o seu corpo sobre o meu, eu sentia cada centímetro de nós dois juntos, e ansiava por te ter mais próximo ainda. Segurei a barra da sua camisa, talvez tão desesperada quanto você para continuarmos naquela estrada, e a retirei, sentindo o calor da sua pele emanar sob minhas mãos. Pude tatear cada músculo do seu abdome definido, e podia jurar que estava prestes a explodir de excitação ao me deparar com aquilo.
Suas mãos deixaram de me segurar para finalmente traçarem um caminho pelo meu corpo, que se iniciava em meus ombros e seguia pelo vale dos meus seios até a minha blusa, quando você finalmente a retirou, e se reteve, observando-me atentamente. A forma como seus olhos flamejavam ao olhar para mim me faziam querer gritar de ansiedade para te ter de vez, e eu precisei me conter para não avançar em seu corpo tão rapidamente e pular todas as fases daquele momento.
Mas eu sabia que você saberia me dar prazer gradualmente, um passo de cada vez. Eu confiei em você.
E foi exatamente isso que você fez. O fogo que queimou no meio de nós dóis por todas as horas que se seguiram poderia ser mais forte que o da fogueira lá fora.
E esse, talvez, tenha sido mais um dos meus erros astronômicos durante as férias: me entregar a você de forma completa. Foi muito difícil resistir à vontade de te ter todo o tempo dentro de mim depois daquela noite.

Capítulo 11

Foi uma semana maravilhosa.
Passávamos quase todo o tempo juntos, sempre arranjando alguma desculpa para estarmos sozinhos. Fomos ao rio, cuidamos dos cavalos, passeamos com os cavalos. Fizemos compras para os meus avós, fomos ao parque, fomos à hamburgueria onde tivemos nosso primeiro encontro. Todo o tempo tínhamos um motivo para nos deslocarmos até a cidade.
E aquele sorvete no fim da tarde era mais um deles.
Estávamos sentados, eu de costas para a porta, e dividíamos um pote. Você olhava para mim com os olhos brilhando, enquanto conversávamos sobre banalidades. Eu havia te contado alguns dos meus segredos e medos, e você havia sido um ótimo ouvinte.
Até que algo te distraiu. Seu olhar ficou vago, dirigido ao lado de fora da sorveteria, e eu instintivamente me virei para saber o que te prendia tanto a atenção lá fora.
E foi aí que eu vi. Obviamente eu não sabia, naquele dia, que meu pesadelo estava começando. Mas eu me lembro de ter sentido, dentro de mim, um alerta – que obviamente ignorei.
Aquela moça loira que descia do carro era, literalmente, a dona dos meus novos problemas, mesmo que à luz do momento eu não tivesse a mínima noção daquilo.
Voltei meu olhar para você.
— O que foi, ? — perguntei, curiosa.
— É... Nada — você me respondeu, e voltou a olhar para mim. Engoliu em seco, e buscou mais um pouco de sorvete com a colher — Eu me distraí por um momento. O que você estava dizendo?
— Aconteceu algo? — voltei a perguntar.
— Não, , não aconteceu nada. Eu apenas me distraí com os carros passando lá fora — Você afirmou, e sorriu para mim — Vamos, o que você estava me contando?
— Algo sobre o dia em que a Lily nasceu — retomei o assunto, disposta a igr o que acabara de acontecer.
Com toda a certeza, era alguma neurose minha, coisa da minha cabeça. Você parecia completamente normal ao voltarmos a conversar, .
Lêdo engano, inclusive.
Antes eu tivesse insistido naquilo.

Naquela noite, eu conversei com meus avós enquanto jantávamos. Estávamos todos concentrados no sabor inigualável do macarrão caseiro do vovô, quando minha avó resolveu iniciar um novo assunto na mesa – intrigante, por sinal.
— Você viu, Joey, quem voltou à cidade? — perguntou ao vovô. Eu queria igr, já estava com muita vontade de subir ao meu quarto, mas aqueles assuntos de cidade pequena de certa forma me despertavam muita curiosidade.
— Não... Alguém importante?
— Katherine Loyd.
— Katherine Loyd, filha do prefeito Loyd? — Vovô pareceu impressionado com a notícia. Apurei meus ouvidos e me concentrei na fofoca deles.
— Sim, ela mesma.
— Mas ela não estava no Canadá?
— Sim... Parece que concluiu os estudos e voltou para a cidade. E pelo visto voltou para ficar...
— Onde você descobriu isso?
— Ana me telefonou para contar.
— Vocês são duas velhas fofoqueiras! — vovô exclamou, e riu. Vovó riu junto.
— Olha quem está dizendo... — ela comentou, encarando-o. Ele assentiu com a cabeça — Está tão interessado quanto eu!
— É muito gratificante quando alguém sai da cidade e opta por voltar... Dá uma sensação de que nossa cidade é boa. E Katherine parece ser uma moça muito inteligente, com certeza vai contribuir muito conosco!
— Ouvi dizer que ela pretende seguir carreira política, como o pai...
— Faz muito sentido. A família Loyd tem uma veia muito boa para administração pública. A cidade nunca esteve tão bem desde que eles entraram no poder...
A forma como vovô elogiava a garota e a sua família me faziam querer entrar no meio do assunto deles, e foi exatamente o que eu fiz:
— Afinal de contas, quem é essa moça?
— A filha do prefeito, oras! — Vovó me respondeu — Ela estava estudando fora. Saiu há cinco anos, e agora retornou para a cidade.
— Hum... Bom, ainda estou me acostumando com o interior — sorri — Obrigada por me informar.
— Ah! Vocês, inclusive, devem se conhecer em breve! — vovó completou, e eu arregalei os olhos, intrigada — Ela era namorada do . Terminaram quando ela se foi, mas ele nunca deixou de amar a garota, a avó dele sempre me conta sobre isso. Estavam juntos desde os treze anos de idade, isso já faz dez anos. Como vocês dois agora são muito amigos, ele deve procura-la para tentar algo, e consequentemente você irá conhece-la ou ouvir falar dela de forma apaixonada — ela riu ao me dizer aquilo.
Eu senti como se tudo o que comi fosse sair do meu estômago.
Era muita informação para digerir em poucos segundos. A vovó não podia fazer aquilo comigo: soltar tudo de uma vez, sem que eu raciocinasse.
Você ainda era apaixonado pela sua ex namorada. A sua própria avó, , afirmava isso.
E a sua ex namorada era simplesmente a estrela da cidade de doze mil habitantes.
Eu sorri para a minha avó, tentando disfarçar meu susto, e ela não pareceu perceber o quanto eu estava entrando em um conflito interno. Ainda bem. Eu sabia que ela não tinha culpa alguma de me contar aquilo, afinal de contas, ela achava que éramos “amigos próximos”. “Muito amigos”.
Agora eu me pergunto o que seria diferente caso ela soubesse que estávamos envolvidos romanticamente: ela não me contaria nada daquilo, ou me advertiria com antecedência sobre você?
Eu queria voltar no tempo e dizer tudo a ela no dia dos pés de alface, e não na noite em que eu chorei antes de dormir, quando tudo acabou entre nós. Teria poupado muito tempo e muito estresse na minha vida.

Capítulo 12

Eu tomei a decisão de não perder a cabeça com aquilo. Eu não iria me deixar levar por puro ciúmes.
Ciúmes de algo que eu nem sabia se era verdade ou não. Eu precisava descobrir por você se você ainda era apaixonado pela Katherine, ou se você havia finalmente seguido em frente.
Mas eu também me lembrei, , de que eu iria embora em breve, e seguiríamos caminhos muito diferentes. Então eu não faria da minha vida um inferno por completo. Eu iria apenas... Curtir meus últimos dias com você. Ainda tínhamos quase duas semanas juntos.
Seria tempo suficiente para sermos muito felizes e depois seguirmos nossos rumos, caso a sua ex namorada não tivesse resolvido assumir a velha rivalidade feminina e atrapalhar os nossos dias de calmaria.
Começou na sorveteria, apenas um dia depois de você ter botado os olhos nela. Era nossa rotina tomar um sorvete quando íamos à cidade, e como precisamos comprar remédios para a minha avó na farmácia, paramos para dividirmos nosso sorvete na mesa de sempre. Conversávamos quando um corpo parou ao lado da nossa mesa, atraindo sua total atenção.
? — sua voz ressoou perto de nós, e eu olhei para cima, encarando-a.
— Kath! — Você exclamou e se levantou num pulo, a dando um abraço longo e apertado — Como você está?! Voltou para ficar?
— Eu estou bem. Voltei sim... Esse tempo fora do país foi ótimo para que eu reconhecesse que aqui é minha casa. Senti tanta falta dessa calmaria toda!
Eu os observava conversar.
— Sim. Eu senti a mesma coisa quando voltei.
— Ah, é mesmo, você voltou da Califórnia. Ouvi dizer que foi para lá logo que eu me mudei...
— Sim, fui estudar. Voltei há pouco tempo, mas logo me mudo novamente.
— Para onde você vai?
— Para perto.
— Que bom — ela suspirou, e riu, levando a mão até seu ombro.
E eu vi, , a forma como você tencionou todos os músculos assim que ela te tocou. Encarei aquela cena abismada, mas tentava manter o controle. Pigarreei, num sinal de que eu ainda estava ali, e você pareceu finalmente se lembrar da minha existência.
— Ah, Kath... Essa é a — apontou para mim. Sorri gentilmente quando ela se virou na minha direção, mas, por sua vez, ela não sorriu. Apenas me analisou com os olhos semicerrados, como quem analisa uma mercadoria. Seus músculos faciais não se moveram nem um milímetro, e ela parecia uma boneca de cera sem expressão alguma ao me ver — Ela é neta do senhor e da senhora Gardner. Dos cavalos. Lembra deles?
— Sim, me lembro — ela voltou a olhar para você, e sorriu — Costumávamos ir para lá às vezes com sua avó para cavalgarmos enquanto elas conversavam...
— Sim. Elas ainda são muito amigas. Você precisa ir lá um dia. Podemos fazer algo juntos, nós três, não é, ?
Ao ouvir meu nome me despertei dos meus devaneios. Passei todo aquele tempo tentando entender o porquê de ela não ter dado ao menos um sorriso para mim.
— Ah, sim, claro. Fazemos algo juntos. — Me levantei da mesa rapidamente, e segurei meu sorvete — Eu já vou indo. Adeus. Foi um prazer.
E me virei, sem dar a mínima confiança para você ou para a Katherine. Afinal, a minha presença parecia não fazer muita diferença ali. Não sei qual foi a sua reação ao notar que fiz aquilo, mas sei que em menos de trinta segundos você me alcançava assim que cheguei ao carro, estacionado próximo dali.
— Ei, , o que foi? — perguntou, segurando meu braço.
— Nada, . Eu estou cansada. Quero ir para casa.
— Você não está com... Ciúmes, não é? — perguntou, desconfiado.
— Eu? Com ciúmes? Conta outra, ... — ri, divertindo-me — Até parece que você não me conhece... Se tem alguém com ciúmes aqui, claramente não sou eu — olhei na direção da sorveteria, onde Katherine ainda estava.
Você passou a mão pelos cabelos, confuso.
— Olha... Não pense que tem alguma coisa errada. Não tá acontecendo nada. Eu nem ao menos tinha confirmado os boatos de que ela tinha voltado... Eu só ouvi falar. Ontem a vi saindo do carro e não fiz nada. Ela quem veio até nós hoje... — Você parecia se embolar com as palavras enquanto tentava me convencer.
Eu percebi, , que você estava sendo sincero. Você não tinha nenhuma intenção de me machucar, previamente, e também não sabia sobre a veracidade da volta de Katherine. E eu te perdoei por isso. Eu entendi perfeitamente que não foi a sua intenção.
Mas também, eu sabia, a partir daquele dia – como confirmei dias depois – que eu não precisava me envolver com aquele circo. Katherine era quem tinha problemas com a gente, e você, por mais que tentasse, não conseguia se segurar.
Afinal, eu não podia querer competir três semanas com um romance que durava há dez anos.
Eu sou uma mulher crescida – e, principalmente, muito sensata.

Capítulo 13

Eu tentei ignorar tudo o que aconteceu nos dias que seguiram. Tentei permanecer com o plano inicial: aproveitar meus últimos dias com você.
Afinal de contas, eu iria partir em uma semana. Não queria tomar nenhuma decisão precipitada sobre o que estava por vir, mas eu tinha que entender a minha realidade, que se resumia a pegar um avião de volta a Nova York.
Pensei que pisar no freio gradualmente seria o ideal para a nossa despedida, mas também percebi que isso tiraria todo o brilho do nosso breve relacionamento. Resolvi manter a forma como estávamos, nos divertindo e aproveitando nosso tempo juntos.
Além do mais, alguém resolveu me fazer esse favor de pisar no freio sem que eu precisasse fazer nenhum esforço. E eu não estou falando de você nem de mim. Estou falando da terceira parte do nosso relacionamento, aquela que fez com que o seu nome se tornasse o asco para mim.
Você resolveu, finalmente, me ensinar a dirigir naquele dia. Estávamos na estrada de terra, com a caminhonete dos meus avós, e você ao meu lado enquanto eu guiava o veículo. Eu tentava me concentrar: embreagem, primeira marcha, soltar a embreagem aos poucos e então levar o pé do freio ao acelerador quando o carro ameaçasse se deslocar. Não parecia muito difícil. Segunda marcha, olhar nos retrovisores, acelerar mais um pouco.
— Eu nunca imaginei que eu fosse um instrutor de direção tão bom — Você comentou, vangloriando a sua própria pessoa.
— Um bom instrutor depende de um aluno brilhante — o contestei, e você riu junto a mim.
— Bom, pode diminuir um pouco a velocidade e manter-se na direita porque está vindo um carro aqui atrás e ele provavelmente vai querer te ultrapassar — você disse, e eu olhei pelo retrovisor. Uma Land Rover se aproximava de nós, e eu jurei já ter visto aquele veículo alguma vez na vida.
Minhas hipóteses foram confirmadas assim que eu encostei minha caminhonete mais para a direita e o outro carro nos ultrapassou, diminuindo sua velocidade e buzinando.
Você olhou atentamente para dentro do outro veículo, e eu tenho certeza que percebemos juntos a quem pertencia aqueles cabelos loiros: Katherine.
— Acho que ela está sinalizando para pararmos — você disse, ao notar o pisca alerta ligado.
— O que eu faço?
— Encosta aqui na direita, devagar. Não esquece da embreagem para pisar no freio — Você apontou e eu segui suas instruções.
Suspirei, ao perceber que ela também havia parado seu carro mais à frente e descia do veículo, vindo em direção ao nosso.
— Ora, ora, está ensinando mais uma? — comentou ela, ao se aproximar da minha janela.
— Sou ou não sou o melhor instrutor dessa cidade? — você riu, apontando o queixo para mim.
— Bom, você me ensinou a dirigir faz mais de sete anos, e eu sigo muito bem ao volante — Katherine comentou, sorrindo em sua direção.
Eu posso dizer que a maneira com que ela olhava para você era dilacerante. Eu conseguia ler nas entrelinhas o que ela queria dizer. O que ela queria fazer.
E, infelizmente, eu também sentia o quanto você estava aberto àquilo. Aos olhares dela, às provocações dela. Eu sei, , que você não fazia por querer. Sei que você é um rapaz bom, que nunca quis me magoar e que tentava ao máximo manter-se na sua quando ela estava por perto. Mas vocês tinham uma história. Uma história na qual eu não me encaixava, e, por mais que fizesse parte do seu presente, o seu passado insistia em insistentemente bater na nossa porta.
Pigarreei, tentando dar continuidade à minha aula de direção, e Katherine então percebeu que eu estava ali, ansiosa para prosseguir. Olhou para mim, e deu um sorriso de canto ao desviar a mirada de volta para ti.
— Então, , minha família dará uma festa lá em casa... De boas vindas, para mim. Você está convidado. — Ela disse, sorrindo.
Você engoliu em seco, e me encarou.
— Você também pode ir se quiser — Ela disse, finalmente disposta a olhar para mim. Sorri, agradecida.
— Obrigada.
— Bom, vamos... Vamos tentar — você pareceu se embolar um pouco com as palavras.
— Certo. Espero vocês lá, amanhã às oito da noite — Katherine afastou-se do carro e, antes de caminhar na direção do veículo dela, se voltou para nós novamente: — Aproveite enquanto pode, . — e piscou antes de sair.
Uni as sobrancelhas, sem entender o que ela quis dizer com aquilo. Quando o carro dela disparou pela estrada, me virei para você, ainda intrigada com a situação.
— O que foi isso? — perguntei.
— Isso o que?
Aproveite enquanto pode — repeti, dando ênfase na frase. Você torceu a cara, sem parecer entender muito bem.
— Bom, deve ser sobre as aulas... — tentou explicar — E porque você vai embora em breve, e eu também... Deve ser por isso...
— Pareceu uma provocação — finalmente falei, baixo.
Você riu levemente, e estendeu a mão para tocar minha coxa.
— Ela é assim. Mas, por favor, não se deixe abalar. Não vai acontecer nada. Não está acontecendo nada.
— Eu sei, , mas... Porra, duas mulheres inimigas por causa de um homem? Em que século vivemos?
— Eu sei que você está tentando ao máximo ser amigável com ela. E que bom que você tem essa mentalidade. Mas ela, provavelmente, não pensa igual a você... E se ela te considera uma inimiga, por minha culpa, isso é um problema dela de autoestima...
— Eu fico nervosa com essas coisas — bufei.
Não conseguia acreditar que ela poderia estar criando uma inimizade comigo por conta de . Não conseguia acreditar, na verdade, que qualquer mulher pudesse fazer aquilo por causa de um homem – quando existem mais de sete bilhões de pessoas no planeta e a maioria dessas pessoas apenas faz o impossível para tornar a vida das mulheres um inferno. Não necessitamos que nós mesmas contribuamos para essa atrocidade.
— Você não vai ficar encabulada por causa disso, vai? — você me indagou, ao observar o quanto eu estava de cara fechada.
— Vou!
— Ok, vou ter que apelar para que você se sinta melhor — você riu, e desatou seu cinto. Conferiu o freio de mão do carro, e se aproximou de mim, segurando minha cabeça com as duas mãos.
Ao olhar em seus olhos, eu senti um aperto no peito. Como se aqueles fossem os últimos momentos que eu iria passar com você – e certamente eram. Meu coração disparou ao te ver atento a mim, e você sorriu, antes de me beijar levemente nos lábios.
— Melhor? — perguntou, e eu ri.
— Ainda não — dei de ombros — Preciso de mais esforços.
— Mais esforços?! — Você riu — O que você precisa que eu faça para te arrancar um sorriso que não seja forçado?
— Não sei, seja criativo — ergui o olhar para voltar a encara-lo nos olhos.
Eu entendi, no brilho deles, que você também sabia que aqueles eram nossos últimos momentos. E me aliviava saber que você parecia estar disposto a desfrutá-los da melhor maneira possível.
Suas mãos agarraram firmemente minha nuca, e você invadiu a minha boca com um beijo ávido.
A luz daquele momento me fez sentir como se dançássemos sob o luar.

Capítulo 14


— Você tem certeza de que está confortável indo à festa? — Você me perguntou pela milésima vez ao sairmos do seu carro para entrarmos na enorme residência da família Lloyd. Balancei a cabeça afirmativamente, mesmo sabendo que eu não estava nada confortável.
Mas eu queria estar lá. Queria ver, quase como uma masoquista, qual limite Katherine poderia atingir estando perto de você. O que ela poderia fazer, mesmo com a minha presença. Se ela estava mesmo disposta a criar um conflito, eu estava também disposta a provocar. Apenas por uma noite.
O caminho de pedras passava pelo imenso gramado e chegava à varanda da casa, tão grande que eu jurava não conseguir enquadra-la no meu campo de visão. Engoli em seco ao reparar na grandiosidade daquele local. A Família de Katherine era realmente muito rica, e eu não tinha nem chances de competir com aquele fator. Não que eu me importasse: ser uma suburbana de classe média também era ótimo e confortável. Jamais reclamaria da situação financeira da minha família – mas, nos ares de competição que aquele dia tomava, eu parecia estar ficando por baixo.
— Eu não vou te deixar sozinha — Você disse, e eu me senti um pouco mais aliviada — E quando você quiser ir embora, é só falar comigo e nós iremos...
— Obrigada — beijei a sua bochecha antes de prosseguirmos com nosso caminho para dentro de casa.
As luzes acesas davam um ar grandioso à residência, e, ao entrarmos pela porta da sala de estar, me deparei com uma decoração de muito bom gosto. A sala de visitas era imensa, e terminava em portas gigantes que levavam ao terraço, onde havia uma piscina coberta por velas flutuantes e diversas mesas espalhadas pelo deck. Muita gente conversava e bebia vinhos e espumantes em taças gigantes, enquanto comiam comidas servidas por garçons uniformizados.
Uau — sussurrei.
— É, eu sei... A família Lloyd é dona de muitas terras produtivas daqui. Nada nessa casa foi construído com a política, apenas com a agricultura. Eles entraram para a política depois, e a cidade melhorou bastante com isso... — Você me disse, num tom de voz baixo.
— Você sabe bastante sobre eles — comentei.
— Passei mais de cinco anos nessa casa namorando a Katherine — você me esclareceu, e eu assenti com a cabeça.
— Faz sentido...
Assim que te respondi, uma mulher loira e alta aproximou-se de nós, com os braços abertos. Usava joias que cintilavam na direção dos meus olhos, e segurava em uma das mãos uma taça com um líquido cor de rosa, que eu julguei ser vinho rosé.
! Que maravilha te ver por aqui! — ela exclamou, e te agarrou em um abraço apertado. Observei aquela cena, atentamente — Você desapareceu! Senti sua falta nessa casa!
— Eu sei, Martha, andei sumido... Estava estudando, depois ocupado com o trabalho, sabe como é...
— E também não tinha um motivo maior para vir, hum? Agora que Kath voltou, espero que você tenha uma razão para vir aqui mais vezes... Ah, como sinto falta de vocês dois juntos!
Engoli em seco ao ouvir aquelas palavras, e agarrei uma taça que estava sobre a bandeja de um garçon ao meu lado. Ele sorriu e me serviu com um vinho branco. Agradeci, e levei a taça à boca, bebendo vigorosamente o líquido.
Eu nunca havia tomado nenhum vinho tão saboroso quanto aquele. Suspirei, observando o interior da minha taça, e imaginei quanto havia custado aquela garrafa. Vinhos bons eram caríssimos.
— Bom, essa é a , ela é neta do senhor e da senhora Gardner — Você apontou para mim, acordando-me dos meus devaneios. Abaixei minha taça rapidamente e sorri, assustada.
— Ah, olá, ! Seja bem vinda à nossa residência. É um prazer conhece-la! — A mulher se aproximou de mim para um abraço — Seus avós são muito queridos por nós!
— Que bom, obrigada — respondi, sem jeito. Ela me soltou, e eu suspirei, aliviada.
— Fique à vontade — ela apontou para os garçons que passavam por nós com bandejas — E você, , eu quero que venha até aqui comigo para cumprimentar algumas pessoas! Todos sentimos a sua falta!
E então a mulher te guiou, sem te dar nem mesmo a oportunidade de me levar junto ou me instruir sobre onde ficar.
Você olhou para trás, na minha direção, com os olhos arregalados, e eu te encarei, também assustada. Assenti com a cabeça, para tranquiliza-lo, e decidi te esperar por ali. O quanto antes você fosse cumprimentar as pessoas, mais rápido voltaria até mim.
Suspirei, ao me ver sozinha naquela multidão. Ao menos estava bem vestida, e me encaixava bem no ambiente. Terminei de beber meu vinho num gole só, e busquei um garçon que tivesse algo para reabastecer a minha taça. Se eu ficaria sozinha durante aquela noite, seria bebendo os melhores vinhos da minha vida.
Enquanto vagava pela festa, belisquei algumas comidas, que tinham um sabor maravilhoso. Perdi a conta de quantas vezes bebi, até me sentar numa espreguiçadeira próxima à piscina, e continuar a saborear minhas taças de vinho. Até aquele momento eu já havia experimentado mais de quatro sabores diferentes, e cada um me parecia mais delicioso que o outro.
Apoiei os cotovelos sobre os joelhos e o queixo sobre a mão, observando você ao longe conversando animadamente com uma porção de pessoas. Katherine estava ao seu lado, e ela não havia tirado dez segundos do seu tempo para me cumprimentar. Não que aquilo me incomodasse, na verdade era até melhor que ela não falasse comigo, pois assim me pouparia de muitas provocações.
O que me tirava do sério, por partes, era o fato de você estar no meio daquelas pessoas e nem ao menos lembrar-se da minha existência.
E eu não te culpo, . Porque por mais que você quisesse, se esforçasse, você fazia parte daquilo. Eram as pessoas com as quais você conviveu por quase dez anos, ou quem sabe mais do que isso, e eles faziam parte da sua rotina: não eu. Eu fiz parte da sua rotina por algumas semanas, mas as coisas não mudam assim tão de repente.
E, a pior parte, era a de que eu via a maneira com que você conversava com Katherine. Gargalhavam juntos, você levava a mão até o braço dela. Ela balançava os cabelos e eu podia imaginar o perfume que emanava deles e te embriagava. Vocês pareciam sintonizados.
E não havia nada que eu pudesse fazer para mudar aquilo.
Nem que eu quisesse fazer, para te falar a verdade.
Você e eu não tínhamos nenhum futuro, e eu já sabia desse fato - por mais que fosse doloroso admitir.
Enquanto bebia minha enésima taça de vinho, eu tomei, talvez, a decisão mais dolorosa que já tomei alguma vez na vida.
E você só saberia dela no dia seguinte.
Eu não falei nada com você naquela festa. Ainda não era o momento. Aproveitei a oportunidade de estar só para raciocinar melhor tudo o que estava acontecendo na minha vida. Mesmo quando você voltou, e me pediu todas as desculpas do mundo, eu não mudei de ideia. Mesmo quando você se dispôs a passar o resto da noite ao meu lado, eu não mudei de ideia. Mesmo quando você me levou em casa, e nos despedimos com a nossa última noite juntos no banco de trás do carro, eu não mudei de ideia.
Por mais que eu gostasse de você, eu não podia mudar de ideia – exatamente por gostar tanto de você. E essa é a parte que me irrita, que me faz odiar parte daquelas férias. Gostar de você. Esse foi o maior dos meus problemas.
Naquela noite eu tentei chorar até pegar no sono. E eu soube que você não valia o tempo que aquilo estava tomando. Era tempo demais.
Um rostinho bonito e um par de gentilezas não valiam a minha sanidade.
Maldito seja o dia em que eu te conheci.

Capítulo 15

— Quanto tempo vai demorar até que você perceba que eu não sou ela? — te perguntei.
Estávamos sentados próximos à fogueira, na festa de aniversário da cidade. As pessoas bebiam e se divertiam ao longe, enquanto eu e você encarávamos o fogo. Aquele domingo era o domingo em que você soube da minha decisão.
— Eu não... ...
Eu sabia o que você estava pensando antes que você dissesse em voz alta.
, o que quero dizer é que...
— Isso não vai dar certo — Você suspirou, levando as mãos até os cabelos e jogando-os para trás, impaciente.
— Sim, eu sei. É isso. Eu não sou ela. Eu não sou parte da sua vida... Não mais. O que tivemos foi bom, foi divertido, mas precisamos encarar a realidade...
— Eu tenho medo que você esteja machucada.
— Então você sabe que é verdade?
— Obvio que eu sei, ! — Você exclamou — Eu confesso que estava muito próximo a você, até que ela apareceu e me deixou confuso...
— Você não precisa estar confuso quando já sabe a verdade — dei de ombros — Nós já havíamos conversado sobre isso. Antes de estamos juntos de verdade. Não iríamos fazer desse lance uma cosia séria demais...
— Eu estraguei tudo.
— Você não estragou tudo, . Você me trouxe uma tremenda dor de cabeça desnecessariamente, mas não estragou. Tivemos bons momentos juntos.
— Você vai me perdoar por isso um dia?!
— Você nunca me verá novamente para saber se te perdoei ou não. Mas eu não mostrarei cicatrizes... Isso você pode ter certeza.
— Eu quero te ver novamente.
— Você perderá o sono se isso acontecer — sorri, tentando me manter gentil.
— Eu sinto muito...
— Não diga que sente muito. Porque eu não estou dilacerada. Veja, eu estou bem — apontei para meu próprio rosto — Não se preocupe. Eu sei que isso foi muito melhor do que deixar com que você quebrasse o meu coração...
— Eu não quero quebrar o coração de ninguém.
— Sim, portanto não diga que sente muito, porque não há o que sentir...
— Você é uma pessoa maravilhosa e eu não quero te perder...
— Não minta. A única coisa que eu ouço é a verdade quando você me diz essas coisas...
— Mas é verdade!
— Não é — eu sorri mais uma vez — Você precisa me perder para estar com ela. E está tudo bem. Um dia você vai perceber que ela não sou eu, mas vai ser tarde demais. Nesse momento, hoje, agora, precisamos fazer isso. É o mais sensato.
— Eu queria ter feito tudo diferente...
— O que aconteceu não estava no seu controle. Acostume-se com isso. Mas está tudo bem, . Eu vou acordar um dia, e vou ter outras razões para ser feliz como fui aqui. Outras pessoas. Ou talvez ninguém, nunca se sabe. Mas terei razões...
— Não sei como você pode ser tão fria com relação a isso — Você parecia chocado, , enquanto conversávamos. Mas você não podia se ver, e mesmo com aquela fogueira na nossa frente, eu te garanto que você estava, também, sendo extremamente frio.
E daquela maneira era melhor. Não podíamos esquentar as coisas de forma com que saíssem do controle. Tínhamos uma conversa madura e esclarecedora.
Eu me levantei, e você segurou minha mão, impedindo-me de caminhar para longe de você pela última vez na minha vida.
— Preciso saber se você gosta de mim. Se você ainda tem uma mínima consideração por mim, e se eu posso acreditar em tudo isso que você me disse.
Suspirei, e me aproximei de você. Segurei as laterais do seu rosto e depositei em seus lábios um selinho demorado.
— Um dia, , você saberá que eu fui sincera. Por enquanto, aproveite a sua vida com ela.
E sorri, antes de me virar. Você não tentou me impedir mais uma vez, e eu me questiono, quase todas as noites, qual foi a sua expressão ou o que passou pela sua cabeça. Duas coisas que eu jamais saberei.
Mas eu saí de lá muito bem, . Saí realizada. Fui para a casa dos meus avós realizada. Peguei um avião no dia seguinte realizada.
Porque aquelas férias, por mais que tivessem me trazido muita confusão para dentro da mente, principalmente por sua culpa, me serviram para outras coisas.
Me serviram para valorizar a minha família. Eu me lembrei do quanto amava meus avós e do quanto sentia falta deles. Eu percebi o quanto eu amo a minha irmã mais nova, o quanto ela é a menina mais doce do mundo. Eu até adotei um gato para ela e trouxe para casa no dia do aniversário dela – você precisa ver o quanto ela ficou feliz, e vestiu o gato com a roupa da boneca, como naquele dia em que você estava conosco na varanda.
Essas férias me serviram também para perceber o quanto eu preciso me desligar às vezes. Me desligar do mundo, viver na calmaria. Nos dias em que a faculdade me consome os nervos e me coloca de cabelo em pé, eu fecho os olhos e me imagino de volta ao Rancho Constelar. Me imagino sentada com você naquela colina onde pega sinal de celular, observando o horizonte à nossa frente enquanto a brisa bate fresca contra nossos rostos. Me imagino escovando o Santiago sob o sol, sem nenhuma outra preocupação a não ser a possibilidade dele estar gostando ou não. Me imagino deitada sobre a carroceria da caminhonete, brincando de apontar desenhos nas nuvens.
E, o mais importante: essas férias me serviram como um aprendizado para gostar de alguém. Porque eu gostei de você, . Gostei desde o princípio, desde a primeira vez em que eu te vi, em que senti suas mãos ásperas tocando as minhas. Eu percebi, , que toda a minha raiva por você nos primeiros dias não passava de uma defesa do meu corpo. Porque você era doce, gentil, atencioso. Bonito. E tudo aquilo era um sinal de alerta para mim: eu poderia me apaixonar por você muito facilmente. E eu aprendi, no decorrer dos dias, que é bom baixar a guarda e se entregar sem medo. Que o sentimento presente é melhor do que a antecipação do futuro incerto.
Eu sabia que não ficaríamos juntos. Mas a sensação do coração acelerar ao te ver chegar todos os dias de manhã me faziam feliz.
Eu fui feliz, e sabia que estava sendo feliz.
Sou grata a você por isso. Hoje me entrego mais facilmente a qualquer pessoa, e por mais que a história tenha um final desastroso, eu consigo focar apenas no que importa: o sentimento do presente.
Minhas lembranças com você não são apenas dores de cabeça. Pensar em você não me traz tanta necessidade assim de tomar doses cavalares de aspirina.
Até que você me fez um bem danado.
E você merece saber disso.
Por isso te escrevi esse relato. Espero que você se sinta aliviado ao lê-lo.
Espero que você esteja feliz também, assim como eu estou.

Com carinho,
.

P.S.: Mande notícias qualquer dia desses, a Lily sente a sua falta. Liga pra ela. Ela vai ficar alegre.


Fim!



Nota da autora:Oi Brasil!! Bom, primeiramente, MUITOOOO OBRIGADAAAA por lerem essa ficstape!! Vocês não fazem ideia do quanto eu amo essa música da Demi, desde quando eu era bem chiquita e ela foi lançada, eu amava ouvir e imaginar uma fic para ela – mas nunca tive a oportunidade de escrever. E agora, anosssss depois, cá estamos com um ficstape! Espero MUITO que tenham gostado da história, e do envolvimento dos pps! Sei que dá uma puta vontade de que eles fiquem juntos no final, mas infelizmente nem sempre ficaremos juntos com a pessoa que pensamos... A vida é assim. A fic também hahahahha. Mas espero que, pelo menos, tenham se apaixonado um pouquinho por ele, da maneira q eu tbm me apaixonei! E não é só pq eu amo um agroboy hahahah é porque ele é fofo mesmo, e eu tentei construir da melhor maneira possível!
Ah, e sem falar na temática da fic né? Eu AMO fazendas, amo cavalos, amo tudo o que é ambientado nessa fic, então me senti muito bem escrevendo <3 espero que vocês também tenham se sentido assim ao lerem esse velho clichêzão da moça da cidade que vai pra casa de campo dos avós hahahhahah como não amar?! Hahahah
Enfim, vou ficando por aqui. Muito obrigada novamente por terem parado um tempinho das suas vidas para lerem a fic! Não deixem de comentar, seja positiva ou negativamente, assim eu sempre saberei no que melhorar!
Também não deixem de ver a playlist que criei pra fic! Não é inteiramente da demi, mas escrevi enquanto ouvia essas músicas especificamente, e ficam bem ambientadas na história dos pps! ♥

Por último mas não menos importante, não deixem de entrarem no meu grupo do facebook e conhecerem minhas outras fics! Sempre tem conteúdo especial por lá! ♥
Grande beijo, e qualquer coisa é só me gritar nas redes sociais que eu apareço!




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