07. Glory and Gore

Última atualização: 17/08/2019


Você precisa saber, não temer. Saber que, algum dia, você vai morrer, e até que não entenda isso, você é um inútil.
Clube da luta

Prólogo
There's a humming in the restless summer air
And we're slipping off the course that we prepared
But in all chaos, there is calculation
Dropping glasses just to hear them break



Dois anos antes...



Está chovendo quando eu fecho a porta cuidadosamente atrás de mim. Logo à minha frente, a rua está alagada, escura e deserta. Além da água caindo, consigo ouvir a briga que estou deixando para trás.
Todo meu rosto está molhado, e a chuva leva as lágrimas embora como se soubesse a vergonha que eu sinto delas.
De repente meus olhos estão nublados antes que eu chegue do outro lado da rua. Eu os esfrego freneticamente, correndo com a mochila nas costas e os pés ocasionalmente se entortando dentro dos imensos buracos cheios de água.
Vejo os faróis do ônibus vindo ao longe e, como em um filme, paro bem na frente para chamar a atenção do motorista.
Ele buzina e, por um breve momento, tenho a impressão de que vou morrer daquele jeito. Atropelada por um ônibus logo depois de fugir de casa. Mas então o ônibus para e abre as portas imediatamente. Saio correndo como se minha vida dependesse disso — porque depende. Subo os três degraus em um único salto.
Olho para o motorista, mas ele já está focado na direção de novo. Então olho em volta. Exceto por dois garotos, uma senhora e um casal, o ônibus está vazio. Me aproximo da senhora, que me olha com preocupação. Imagino como devo estar. Um desastre com as manchas roxas no rosto, encharcada pela chuva, com uma roupa qualquer jogada por cima de um pijama infantil.
— Para onde estamos indo? — pergunto.
— Swan’s Alley. — ela responde.
Meu corpo inteiro fica gelado em resposta.
Swan’s Alley consegue ser um distrito ainda pior que o meu. Mas, parando para pensar por um único segundo, tenho certeza de que não é pior que Pacey e minha mãe e a bagunça que eu devia chamar de lar.
Me jogo sobre um dos assentos, apreensiva, porém conformada.
De repente um dos garotos se levanta e senta ao meu lado.
— Você está perdida? — ele pergunta.
Não sinto medo dele. Talvez porque ele tem as mesmas manchas roxas no rosto.
Eu assinto.
— Como conseguiu isso na sua cara? — ele aponta meus ferimentos.
— Como conseguiu os seus? — rebato.
Ele sorri.
— Você vai se dar bem em Swan’s Alley. — ele diz e me estende a mão. — Meu nome é . Aquele ali é meu irmão, .
O outro garoto assente.
— Se você quiser, podemos te apresentar um lugar.


Hoje...



Quando chego à academia, já está treinando. Pela quantidade de suor em seu corpo, imagino que por horas.
Ele não se desvia de seus golpes para me cumprimentar. Passo por ele e dou um soco em seu ombro.
Quase por reflexo, ele me puxa pela cintura para bem perto de si. E sorri antes de me beijar.
— Você está atrasada. — ele diz.
Dou de ombros.
— Eu ganhei ontem à noite. — digo.
Ele dá seu típico sorriso de lado.
— Eu sei. Não seria minha garota se não tivesse ganhado.
Ergo uma sobrancelha em resposta.
— Como se a escolha fosse sua. — me livro de seu abraço e me encaminho para o meu próprio saco de pancadas.
Eu treino de frente para a foto do nosso grupo pendurada em um quadro na parede. Um ano antes, sorridentes e orgulhosos de nossas quatro vitórias nas cinco lutas da noite. Todos tão ingênuos sobre o que aconteceria depois.
percebe que estou encarando a foto e que meu rosto está inteiro franzido. A raiva que devo estar mostrando esconde toda a saudade que sinto.
Se não fosse por aquela noite... se não fosse por aquela luta... ainda estaria ali.
— Ei. — toca meu ombro para desviar minha atenção da fotografia. — Esqueça. Já fizemos o que tínhamos que fazer.
A lembrança disso também me dá arrepios. As mãos de segurando a arma... o corpo... Balanço a cabeça para mandar tudo para longe.
— Eu sinto falta dele. — respondo. Minha voz continua firme, mesmo que meu interior esteja em pedaços.
— Eu também, . Era meu irmão.


***



Acordo com a música alta vindo do apartamento da frente. Morar em cima de um bar não é a coisa mais fácil do mundo, mas ser vizinha de um roqueiro decadente consegue ser ainda pior.
Só me dou conta da música quando estou sentada na cama, pronta para levantar e ir reclamar com David, o cara do rock.
Aquela música...
As coisas vêm de volta à minha mente assim que eu percebo.


Três anos antes...



— Larga ela! — minha mãe grita, a faca apontada para Pacey. Ele ri, o sarcasmo evidente em cada pequeno milímetro em seu rosto, e eu tenho certeza de que um de nós não vai sair dali vivo.
Sei disso pelo modo como Pacey olha para minha mãe. Sei disso pelo modo como minha mãe olha para Pacey.
O que aqueles dois têm, conectados por anos de um ciclo vicioso de Pacey sendo preso e minha mãe pagando a fiança com o dinheiro do tráfico, Pacey sendo ameaçado por alguma gangue e minha mãe pagando por sua vida, as constantes brigas, a mesa de centro sempre suja de cocaína...
Quando Pacey solta meu pescoço e se vira para minha mãe, o olhar dela para mim diz tudo. Eu não preciso que ela diga uma palavra.
Antes que eu tenha a chance de pensar, corro para o minúsculo cômodo que eu chamo de quarto, abro a gaveta e jogo peças aleatórias de roupa na mochila.
Saio correndo de lá com a bolsa aberta, ouvindo os gritos e a música alta.

Pleased to meet you
Prazer em te conhecer
Hope you guess my name
Espero que você adivinhe meu nome
But what's puzzling you
Mas o que está te intrigando
Is the nature of my game*
É a natureza do meu jogo


É Sympathy For the Devil. Pacey ouve aquela música repetidas vezes durante o dia, e várias vezes tenho certeza de que aquele cara é o próprio capeta.
Sei que minha mãe vai sobreviver. Mas, se eu ficar, não terei o mesmo destino. Tento não pensar nela vivendo aquele inferno. Tento mentir para mim mesma e dizer que ela vai se libertar, que ela vai pegar o dinheiro escondido dentro do meu colchão e vai sair dali.
Mas a verdade é que ela não vai. Ela não consegue. E não há nada que eu possa fazer.

*Trecho da música Sympathy For the Devil da banda The Rolling Stones



Parte I

You've been drinking like the world was gonna end
(It didn't)
Took a shiner from the fist of your best friend
(Go figure)
It's clear that someone's gotta go
We mean it, but I promise we're not mean


Hoje...



Quando David abre a porta, com a guitarra ainda pendurada no pescoço, ele parece curioso em me ver.
— Vou te falar uma vez. — digo, com o tom mais ameaçador que consigo, e avanço um passo em sua direção. — Se você encher meu saco tocando essa maldita música de novo, você pode dizer adeus para os seus dedos. Porque você nunca mais vai tocar nada.
Ele arregala os olhos, tão em choque que é incapaz de se lembrar quem eu sou, e avança na minha direção com o punho cerrado.
Em questão de segundos já estou com seus dois braços torcidos para trás, e a posição faz o homem quinze centímetros mais alto que eu gemer e se contorcer.
— Eu disse. Uma vez. — eu o solto e volto para meu apartamento.


***



— Então... a luta na sexta é com a Shelby Rox. — Dan diz, colocando a foto dela sobre a mesa. Todos se entreolham antes de olhar para mim. — Ela está no ramo há muito mais tempo que você. E isso nos diz uma coisa muito importante.
— Ela está velha. — digo.
Dan tenta segurar um sorrisinho.
— Ela conhece todas as técnicas. Ela já esteve em todos os tipos de luta. — ele explica.
— Mas está velha. — repito.
— Então me diz seu plano. — Dan faz uma cara de inquisidor. Odeio essa cara.
— Eu vou deixá-la cansada. Ela vai me bater por quatro rounds e vai estar com todas as articulações queimando no quinto. — me viro para os rapazes do financeiro. — Façam com que as apostas sejam todas dela. Porque eu vou apanhar para valer.
Do meu lado, dá um sorriso.
— Mas, depois disso, ela vai se esquecer de como andar.


***



Antes da luta, tomo um único gole de água enquanto minha playlist toca no modo aleatório tão alto que digo adeus aos meus tímpanos no mesmo momento.

Brother will kill brother
Irmão matará irmão
Spilling blood across the land
Derramando sangue pela terra
Killing for religion
Matando por religião
Something I don't understand
Algo que eu não entendo
Fools like me, who cross the sea
Tolos como eu, que cruzam o mar
And come to foreign lands
E vêm à terras estrangeiras
Ask the sheep, for their beliefs
Pergunte ao rebanho, por suas crenças
Do you kill on God's command?
Vocês matam em nome de Deus?
A country that's divided
Um país que é dividido
Surely will not stand
Certamente não resistirá
My past erased, no more disgrace
Meu passado se apagou, chega de desgraça
No foolish naive stand**
Não resta nenhum tolo

Eu tento não me distrair pelo fato de que aquela música era uma das favoritas de , e me concentro em sua batida. Se eu focar no mesmo ritmo, a luta vai sair exatamente como eu quero.
Coloco meu protetor bucal, mais para me proteger de qualquer diálogo do que da surra. E eu sei que vou apanhar.


** Trecho da música Holy Wars... The Punishment Due, da banda Megadeth


***


Shelby deve ter a mesma altura que eu, então não me assusto quando a vejo. Todavia, ela parece mais forte, com os músculos marcando na barriga muito mais que marcam na minha.
Respiro fundo, mantendo a expressão neutra no rosto enquanto olho para ela e nos aproximamos no ringue.
Nós esperamos pelo sinal e, quando ele vem, estou esperando Shelby com as mãos na altura das sobrancelhas, o pé de apoio firme e o outro pronto para um golpe.
A mulher à minha frente dá uma risadinha irônica que não me abala, porque sei que meus planos para a luta são melhores que os dela.
Essas garotas não costumam ter cérebro.
Mas o meu teve que me salvar muito antes disso.
Então, ela ataca. E eu a deixo fazê-lo.
Shelby me acerta com o pé direto na barriga, mas meus músculos contraídos já esperavam por isso. Ela recua com o mínimo coice do paredão contra seus pés, cambaleando dois passos para trás.
Eu finalmente avanço, tentando ataca-la com golpes frontais. Mas ela é rápida, e eu sei.
Com o canto do olho vejo os garotos do financeiro murmurando perto dos apostadores, plantando a ideia que vai me mandar para casa cheia de dinheiro esta noite.
Eu deixo Shelby me atingir por quatro rounds. Recebo quase como uma boa anfitriã o soco que me parte o supercílio esquerdo e escorre sangue na direção dos meus olhos. Não é novidade. Perco a conta de quantas vezes isso já me aconteceu.
Shelby parece feliz, o sorrisinho irônico quase parte fixa de seu rosto enquanto ela avança e avança, sempre certa de sua vitória final.
Do lado de fora do ringue, também mantém a expressão neutra, mas sei a mensagem que ele está me mandando. Ele acredita em mim. Que bom. Porque o quinto round vai começar.

Parte II


And the cry goes out They lose their minds for us And how it plays out Now we're in the ring And we're coming for blood



Faço questão de começar o round do mesmo jeito que Shelby começou a luta. Quando meu joelho se dobra e minha perna se estica na direção dela, ela comete o erro de não acreditar na minha capacidade de sustentar o golpe.
Meu pé atinge o abdômen dela e, contra os murmúrios da plateia, consigo ouvir um gemido. Ela olha para mim com a cabeça baixa, e vejo os traços de raiva crescendo em seu rosto. Ótimo.
Sua raiva vai fazer com que ela esqueça qualquer estratégia que possa ter para os minutos seguintes de luta.

I was caught
Eu fui pego In the middle of a railroad track (thunder)
No meio de uma ferrovia (trovão) I looked round
Olhei em volta And I knew there was no turning back (thunder)
E eu sabia que não tinha volta My mind raced
Minha mente acelerou And I thought what could I do (thunder)
E eu pensei no que eu poderia fazer (trovão) And I knew
E eu sabia There was no help, no help from you (thunder)
Que não tinha ajuda, ajuda nenhuma vinda de você (trovão)


Shelby Rox avança em minha direção parecendo um touro, mas, sem muito esforço, uso minha perna para atingir a dela. O barulho do golpe atingindo a articulação antecede o baque do corpo da minha adversária atingindo o chão. Mas ela é rápida e, em pouco tempo, está de pé novamente, acertando meu rosto outra vez.
Este é seu problema, Shelby., eu penso. Ela só consegue socar.
Então eu decido dar a ela um pouquinho do próprio veneno. Me agachando um pouco, desvio de um de seus cruzados, e volto para cima tão rápido que ela não é capaz de articular outro golpe. Acerto-a no rosto com um gancho que faz com que sua cabeça dê uma guinada para trás.
Quando ela se recupera do baque e se volta para mim, os olhos injetados de fúria enquanto tenta avançar novamente, já estou esperando-a com outro golpe. O mesmo golpe.
Consigo perceber que a pancada a deixa tonta, e os gritos da plateia ficam cada vez mais altos conforme ela passa a não conseguir revidar nenhum dos meus golpes.
Me certifico de que ela tenha uma cicatriz igual a minha depois da luta. Quando seu supercílio sangra, no mesmo lugar que o meu, sei que é hora de encerrar.

Sound of the drums
O som dos tambores Beatin' in my heart
Batendo no meu coração The thunder of guns
O trovão das armas Tore me apart
Me rasgou em pedaços You've been thunderstruck***
Você ficou atordoado

Estou cansada, mas a lutadora à minha frente já passou da exaustão. Eu não tenho que enrolar mais. Só tenho que acabar com isso.
No que parece metade de um segundo, eu a acerto pouco abaixo da têmpora esquerda, fazendo-a cair de lado como se estivesse podre.
Quando ela não consegue se levantar, os gritos da plateia se levantam.
Acabou.


*** Trecho da música Thunderstruck, da banda AC/DC.

***



— Você é a melhor no jogo. — Dan diz, dando um tapinha no meu ombro.
Estou sentada em um banquinho nos fundos da academia, e limpa meu rosto sangrento com uma toalha e soro. O sal faz cada ferimento arder, e o inchaço acima dos meus olhos pesa mais que o cansaço e o sono que estou começando a sentir.
Marty, outro cara da academia, aparece com uma nova garrafa de água e uma cartela de analgésicos. Tomo dois de uma vez enquanto fecho os olhos e espero terminar os curativos.
— Vou te levar para casa. — ele diz. Em outras situações, sairíamos para comemorar, mas os quatro rounds apanhando para Shelby Rox me deixaram cansada e dormente, então não discuto com quando ele me ajuda a levantar, pega minha bolsa e leva para o carro na garagem.
Assim que me sento no banco do carona, fecho os olhos e deixo o sono e me levarem embora.

Em um ano inteiro, todas as vezes que fecho meus olhos e me entrego para o sono, a imagem daquela noite invade minha cabeça de todas as formas possíveis.
Vejo e revejo tudo que presenciei por cada mínimo ângulo diferente, fantasio outros finais para aquela noite, ouço palavras que não foram ditas, sinto toques que não foram feitos.
Toda noite se tornou um pesadelo, e pareço mais cansada na manhã seguinte do que estava na noite anterior.
Quando acordo, não está na cama, mas posso ouvir o barulho de fritura na cozinha, misturado à música que ele ouve baixo, para não me acordar.

Don't remember where I was
Não me lembro onde eu estava I realized life was a game
Eu percebi que a vida é um jogo More seriously I took things
Quanto mais a sério levei as coisas The harder the rules became
Mais difíceis as regras se tornaram I had no idea what it'd cost
Eu não tinha ideia do que custaria My life passed before my eyes
Minha vida passou diante dos meus olhos I found out how little I accomplished
Descobri o quão pouco eu realizei All my plans denied
Todos os meus planos negados

So as you read this know my friends
Então, enquanto estiverem lendo isso, saibam, meus amigos I'd love to stay with you all
Eu adoraria ficar com todos vocês Please smile when you think of me
Por favor sorriam quando pensarem em mim My body's gone, that's all****
Meu corpo se foi, isso é tudo

Rolo na cama algumas vezes antes de me forçar a levantar.
Quando chego à cozinha, tem uma tigela cheia de ovos mexidos em cima da mesa, umas quatro torradas quase queimadas e uma garrafa de suco de laranja do mercado.
— Café da manhã dos vencedores? — pergunto.
Ele sorri.
— Café da manhã que eu tinha em casa. — responde, me dando um beijo. — Como está?
Dou de ombros.
Meu corpo ainda está todo dolorido, mas isso é algo com o que já me acostumei nos últimos dois anos.
— Estou bem. — respondo, puxando uma cadeira e enchendo um prato com ovos e uma torrada.
— Quer sair para comemorar mais tarde? Dan ligou, perguntou o que achamos de nos encontrar para beber e celebrar no Arthy’s.
Eu assinto.
— Parece uma ótima ideia.


****Trecho da música A Tout Le Monde, da banda Megadeth.


***



O Arthy’s parece uma versão da academia com um grande balcão de bebidas no lugar do ringue e dos sacos de pancada. A música alta é uma das que sempre tocam na academia, e talvez isso seja um dos fatores que nos deixam tão em casa.
Isso e o fato de que o Arthy’s também é ilegal. Ele funciona no subsolo de um restaurante de comida italiana e nunca foi sequer investigado. Exceto por nós, clientes fiéis, ninguém sabia de sua existência.

All day long I think of things
O dia inteiro eu penso em coisas
But nothing seems to satisfy
Mas nada parece me satisfazer
Think I’ll lose my mind
Acho que eu vou perder a cabeça
If I don’t find something to pacify
Se eu não encontrar algo para me acalmar

Ajeito meu vestido assim que entramos, como se isso pudesse repelir os olhares daqueles homens. Isso me enoja.
me abraça pela cintura e, só assim, os homens desviam seus olhares e voltam-se ao que estavam fazendo.
Assim que encontramos nossos amigos da academia em uma mesa do canto, vejo os cabelos loiros que passei a conhecer bem. Shelby Rox está lá.
Nossos olhares se encontram e ela me lança seu sorrisinho irônico tão característico.
Viro a cara. Não sou obrigada a transformar minha vida em uma continuação de cada luta em que eu entro.
Vejo um dos garçons ao longe e gesticulo, chamando-o para a mesa.

I need someone to show me
Eu preciso que alguém me mostre
The things in life that I can’t find
As coisas na vida que eu não consigo encontrar
I can’t see the things that make true happiness
Eu não consigo ver as coisas que trazem felicidade
I must be blind
Eu devo estar cego

Mas parece que Shelby quer fazer da história toda uma continuação da luta que tivemos. Todo meu corpo fica tenso quando ela se aproxima da minha mesa com dois rapazes.
Parecendo despretensiosa, ela apoia uma das mãos na mesa.
se levanta, mas eu puxo seu braço, indicando que ele volte a se sentar.

Make a joke and I will sigh
Faça uma piada e eu irei apenas suspirar
And you will laugh, and I will cry
E você vai rir, e eu vou chorar
Happiness I cannot feel
Não consigo sentir felicidade
And love to me is so unreal
E o amor para mim é tão irreal


— Eu vou pedir uma revanche. — ela diz. Seu rosto está mais feio e inchado que o meu, e a cena toda atrai todas as outras pessoas no bar.
— Como quiser. — digo, encarando-a com o máximo de desdém que eu consigo expressar.
— Vou pedir uma revanche agora. — Shelby diz, alto o bastante para que todos fiquem ainda mais interessados na cena que ela está montando.
Ela sabe o que está fazendo. Me desafiar em público me dava duas alternativas: dar a ela o que ela dizia querer e levantar-me para lutar ali mesmo, ou dar o que ela realmente queria e me recusar a lutar. Só para parecer covarde.
Ninguém da academia ousa dizer alguma coisa. Nem Dan. Ninguém.
Percebo que está mais tenso que eu.
Lanço a ele um olhar na tentativa de tranquiliza-lo. Ele parece entender o recado.

And so as you hear these words
A medida em que você escuta essas palavras
Telling you now of my
Te contando sobre o meu estado
I tell you to enjoy life
Eu te digo para aproveitar a vida
I wish I could
Eu queria poder
But it’s too late*****
Mas já é tarde demais

— Apanhar uma vez não foi o suficiente? — pergunto, antes de me levantar de surpresa e acertar um soco no rosto dela.
A melhor parte das lutas ilegais. A melhor parte das revanches.
Em cinco minutos estou sobre ela, no chão, as pernas ao redor de seus ombros.
Seu rosto está mais roxo do que estava antes.
E é aí que o caos começa.
Quando percebo, todos os garotos da minha academia estão ocupados em brigas com os garotos da academia de Shelby.
Outra coisa sobre as lutas ilegais. Nós nunca sabíamos quando se tornava uma briga.
E aquela parecia ser das boas.


*****Trecho da música Paranoid, da banda Black Sabbath.

Parte III


You could try and take us But we're the gladiators Everyone a rager But secretly they're saviours



Acordo no dia seguinte com a cabeça doendo e o som estridente e agudo da campainha soando. Merda. Jogo o cobertor no chão e levanto, me arrastando pelo corredor até a porta do apartamento.
Estou com sono demais para sequer olhar pelo olho mágico antes de abrir. Logo me arrependerei disso.
Assim que abro a porta, esfrego os olhos embaçados para ver quem é.
— Mãe? — minha voz sai quase como um grito.
Parada em frente à porta, com o rosto cheio de respingos de sangue, está a mulher que me colocou no mundo. A mulher que não vejo há dois anos.
Ela não diz nada. Parece respirar com dificuldade, o peito subindo e descendo nervosamente enquanto nos encaramos.
— O que aconteceu? — pergunto.
— Eu o matei. — ela diz. — Eu o matei.
De repente compreendo tudo. Não preciso que mais nada seja dito.
Pacey está morto. Minha mãe o matou.
Recuo um passo para que ela entre em casa e ela entende a mensagem. Fecho a porta atrás de nós e ela se senta em um canto do sofá.
— Mãe. — eu chamo. — O que você fez com o corpo?
— Nada. — ela diz. — É por isso que estou aqui.
— Mãe, eu não posso...
— Eu não vim te pedir ajuda, . Vim te dizer adeus.
Meus olhos se enchem de lágrimas contra minha vontade.
— Não, você não vai. — novamente minha voz sai como um grito que não consigo controlar na garganta. — Vamos dar um jeito.
Antes que ela me diga qualquer coisa, já estou ligando para Dan.


***


Not guilty
Não sou culpado For getting in your way
Por ficar em seu caminho While you're trying to steal the day
Enquanto você tenta roubar o dia Not guilty
Não sou culpado And I'm not here for the rest
E não estou aqui de bobeira I'm not trying to steal your vest
Não estou tentando te roubar
I am not trying to be smart
Não estou tentando bancar o espertinho I only want what I can get
Eu só quero o que posso ter
I'm really sorry for your ageing head
Eu sinto muito pela sua dor de cabeça But like you heard me said
Mas, como você me ouviu dizer, Not guilty
Não sou culpado******


— Você tem certeza que não vão chegar até ela? — pergunto, vendo a casa em chamas do outro lado da rua. Por algum motivo que eu desconheço, não consigo sentir nada vendo o lugar outra vez. É quase como se minha capacidade de sentir qualquer coisa fosse limitada demais.
No banco de trás, minha mãe, vestindo roupas limpas, chora. No banco do motorista, Dan sustenta uma expressão séria e seca.
— Não vão. Afinal, quem se importaria? — ele diz.
Eu assinto.
— Você está livre, mãe. — digo. — Ele nunca mais vai te fazer mal.
Minha mãe continua chorando, mas sei que ela deve sentir, mesmo que no fundo de seu ser, que aquele era um final previsível. Era a única resolução que permitia que ela saísse daquele lugar, daquele relacionamento, viva. E eu não sou capaz de me sentir culpada por isso. Estaria sendo hipócrita.
Durante anos, tudo pelo que eu rezei, toda as noites, foi a morte de Pacey. De qualquer jeito que fosse. Agora eu não tenho mais pelo que rezar.


****** Trecho da música Not Guilty, da banda The Beatles.


***



Com minha mãe dormindo na única cama da casa e meu sono completamente desaparecido, fico sentada no sofá, com a única luz acesa sendo a luz amarelada de um abajur velho.
Sobre a almofada em meu colo, uma pequena caixa de madeira aberta com as memórias que eu mantenho fechadas.
Tiro a última foto de lá. Uma fileirinha de quatro fotos tiradas em uma cabine idiota em um festival idiota. E eu faria de tudo para ter aquele dia idiota de volta.
Na primeira foto, estamos sorrindo para a câmera como um casal normal. Na segunda, estamos rindo um para o outro. Na terceira fazemos caretas ridículas. A minha me deixa horrorosa, mas ele consegue ser lindo mesmo com aquela expressão ridícula no rosto. Na quarta foto, estamos nos beijando.
Meu coração dói, verdadeiramente, quase me causando uma profunda falta de ar, quando meus olhos se estacionam naquela última foto.
Sinto tanta falta dele que dói. Sinto tanta falta daquele sorriso, daquela risada, daquela careta, daquele beijo...
Sinto falta de .
No mesmo momento que este pensamento cruza minha mente, ouço a porta bater. Olho naquela direção e dou de cara com parado ali.
Rapidamente junto todas as fotos e jogo na caixa de qualquer jeito, escondendo-a de volta no fundo falso aberto na segunda gaveta de uma cômoda velha.
— Ei. — ele diz. — Dan me contou que sua mãe está na área. — se inclina e me dá um beijo antes de sentar-se ao meu lado. — Como você está?
Dou de ombros.
— É bom que tenha acabado. — digo. — Que ela esteja bem.
assente.
— Vamos. — ele diz. — Vou te levar para a minha casa. Você teve um dia difícil. Precisa descansar.
Eu assinto, me deixando levar pela mão de puxando a minha para fora do apartamento.

***


— Tire uns dias. — Dan repete. — Uns dias de folga. Você precisa descansar um pouco. Ficar um pouco com a sua mãe.
Eu assinto.
— Eu estarei de volta em duas semanas — respondo. — Nem um dia depois.
Dan assente.
— Como quiser. Tenho certeza de que você vai voltar ainda melhor.
— Eu vou. — prometo. — Não tenho mais nada com o que me preocupar agora.
Dan sorri.
— Fico feliz. — ele diz.
— Obrigada, Dan. Por ter ajudado a minha mãe.
— Somos uma família, . Uma família.


***



Quando chego no apartamento, sinto o cheiro da omelete que marcou minha infância. A melhor omelete do mundo.
Fico feliz só por sentir o cheiro. Nos últimos anos em que vivi com minha mãe e Pacey, ela nunca mais fez a omelete. Ela nunca mais fez nada.
— Oi, querida! — ela diz. A imagem de minha mãe, na cozinha, com um pano de prato pendurado no ombro e o avental sujo é tão nostálgica que nem parece real.
— Oi... mãe.
Ela sorri.
— Fiz a sua preferida. — ela aponta o prato cheio de omeletes sobre a mesa. — Imaginei que você fosse estar com fome e...
Não consigo fingir que sou incapaz de sentir qualquer coisa. Antes que possa pensar melhor sobre isso, já estou abraçando minha mãe.
— Senti muito a sua falta. — ela diz. — Muito mesmo.
— Eu também. — respondo, finalmente me afastando dela.
— Vem, vamos comer. Enquanto comemos, quero saber tudo sobre esse seu namorado.
Dou um sorriso amarelo.
Não sei como minha mãe vai reagir quando eu contar sobre tudo que aconteceu nos últimos anos. Não sei o que ela vai pensar sobre as lutas e...
? — ela chama. — O seu namorado! Como ele chama?
. — respondo. Imediatamente percebo meu erro. Sinto meu rosto queimando. — . . O nome dele é .
Minha mãe assente.
— Ele é muito bonito. E forte! Muito forte! — ela parece animada enquanto coloca uma das omeletes em um prato para mim. — Você também está muito forte. — ela repara. — Está fazendo academia?
— Mãe. — eu digo. — Eu preciso te contar um monte de coisa.
— Então conte! — ela não parece entender a preocupação na minha voz.
— Eu me juntei a um clube.
— Um clube? Mas que ótimo! Que tipo de... clube?
— Um clube de luta, mãe. Um clube de luta.
Primeira regra sobre o clube da luta: você não fala sobre o clube da luta. O pensamento idiota sobre o filme quase me faz rir, mas a situação de tensão e a expressão de total incompreensão no rosto da minha mãe me impedem de fazê-lo.
— Você está falando sério? — ela pergunta.
Eu assinto.
— Foi assim que eu sobrevivi nos últimos dois anos. — explico. — Sou parte de um clube de luta. Temos uma equipe e...
— Isso não é ilegal? — ela pergunta.
Eu não digo nada.
, isso não... — minha mãe suspira. — Tudo bem. Afinal, que direito eu tenho, não é?
Eu assinto, concordando com ela.
— Não é tão ruim quanto parece. — eu tento desviar um pouco o foco da conversa.
?
— Sim?
— Foi lá que você conheceu o ? E o ?
Sinto meu rosto queimar. Eu esperava verdadeiramente que ela não tivesse percebido o erro, que não tivesse percebido sobre .
— O que tem o ? — ouço a voz de atrás de nós.
Em que momento ele chegou? Não tenho a menor ideia.
— Nada. — digo. — Eu estava contando para a minha mãe sobre a academia.
O rosto de se arqueia em choque e surpresa.
— O que você...
— Tudo, . Eu contei tudo.
Ele não diz nada.
— Entendi. — ele diz. — Bom... eu volto outra hora. — ele abre a porta e vai embora.
, você quer me contar essa história direito? — minha mãe pergunta.
era o irmão do . — respondo. Não consigo pensar em como deixar a história mais bonita para contar.
— Era?
— Ele morreu. Morreu no meu lugar. — respondo.
As lembranças vêm como vários socos na cara.


Um ano antes...



Os gritos da plateia no fim da luta faziam a adrenalina fervilhar em meu sangue.
Quando saí do ringue, corri de encontro à minha equipe. Dan foi o primeiro a me abraçar, ignorando o sangue que escorria do meu rosto, assim como eu fazia.
Depois dele, se apressou para me cumprimentar, mas o empurrou e entrou na frente, me levantando em seus braços e me segurando no ar. Ele me abaixou o suficiente para me beijar, e eu vi quando se afastou da cena toda.
Eu tinha prometido. Depois daquela luta, íamos contar toda a verdade para . E então não precisaríamos mais esconder nada... não precisaríamos nos esconder de ninguém.
Assim que me colocou no chão, cumprimentei todos os outros membros da academia, mas já tinha saído.
— Vamos. — disse, segurando minha mão e me puxando para fora.
Quando chegamos ao lado de fora, demos de cara com Jenna Sink, a garota com quem eu tinha lutado aquela noite, acompanhada por quatro caras da academia com a qual ela lutava.
A sensação que tomou meu corpo era péssima, mas tentei pensar que era bobeira, coisa da minha cabeça.
Mas, assim que ela e os rapazes deram alguns passos a frente e a luz da rua os iluminou, pude ver a faca na mão dela.
— O que você fez lá dentro. — ela disse. — Não foi uma luta justa.
— O quê? — eu estava indignada. Tinha sido uma luta justa! — O que você está dizendo...? Eu não...
Não tive tempo para pensar, os garotos com Jenna avançaram na direção de , acertando-o no estômago várias vezes. Eu gritei, avançando na direção deles, mas um dos garotos me empurrou para o meio da rua.
Atingi o chão, e meu braço inteiro ardeu, mas tive que ignorar a dor para poder levantar.
Quando me lancei contra os garotos, senti alguém me segurando.
— Corre. — disse. — Eles vão matar você! Corre!
, o que você...
— Eles não vão fazer nada com a gente! — ele gritou. — Eles querem você! Saia daqui! Agora!
Se eu soubesse o que aconteceria depois... nunca teria saído correndo.
Ouvi a briga ao longe. Os socos, os gritos, o barulho dos corpos batendo contra as paredes e no chão... mas não tive coragem de voltar até lá. Não tive coragem de fazer nada. Minha covardia me custou muito. Custou a vida de .


Hoje...



— Eles mataram o . — minha mãe concluiu.
— Ela matou. — respondi. — A faca que era para me matar... matou o homem que eu amava.
... — ela não disse mais nada. Apenas levantou-se de seu lugar e me abraçou.
— Ele morreu por minha causa. — disse. — Por minha causa.


***


Na manhã seguinte, minha mãe e eu saímos cedo para um dia de compras. Eu nunca tinha feito nada parecido, e ela não o fazia desde muito antes de que eu nascesse.
Nunca gastei tanto do meu dinheiro em um único dia e com coisas tão inúteis quanto sapatos de salto e vestidos novos.
— Você tem que admitir. — minha mãe diz, ainda rindo. — Rosa fica ótimo em você.
Eu faço uma careta.
— Horrível. — eu rio.
Quando abro a porta de casa, toda minha vontade de rir some imediatamente.
está lá. Segurando a caixa com as fotos.
— O que você está fazendo? — eu grito, avançando contra ele e tomando a caixa de sua mão.
— Você e . — ele diz. — Que bacana da sua parte.
vira as costas e sai do apartamento.
Sinto raiva, mas a culpa que me corrói é maior que tudo. A traição...
Saio correndo atrás dele, mas, quando chego na rua, já não vejo mais nenhum sinal dele.
Volto para casa, pego a moto e corro em direção à academia.
Ele devia estar lá... não poderia estar em nenhum outro lugar.
? O que aconteceu? — Dan diz, assustado com a forma como apareço no lugar. Toda suada, chorando, desesperada.
Eu não podia perder mais nada... Não podia perder também.
— Ele descobriu. — digo. — O descobriu... — estou em prantos quando percebo que não está lá. Ele talvez não volte mais... nunca mais...
— Descobriu o quê? — Dan pergunta, me segurando pelos ombros em uma tentativa inútil de me estabilizar um pouco.
— Ele descobriu sobre e eu... e eu estávamos juntos, Dan... A gente estava...
Ele me soltou.
— Eu sei, .
Eu o encaro, surpresa.
— Sabe?
— Todo mundo sabe. — ele diz. — O também sabe. E ele sabe há um bom tempo. Seja lá o que aconteceu hoje, não foi agora que ele descobriu. Foi antes... antes do ...
De repente não consigo compreender mais nada. sabia? Como isso era possível?
matou o . — ouço a voz atrás de nós, mas o que ela diz não faz sentido.
— O que está dizendo, Chad? — pergunto.
— Eu vi. — ele diz. — matou o .
— Que merda você está falando? — eu avanço contra ele, meu punho acertando-o com força no meio da cara.
— Eu vi tudo. A garota segurou o , mas não matou. Quem enfiou a faca nele foi o . Foi o que matou o .
— Cale a boca, Chad. — a voz de vem da direção da porta. Eu me viro para encará-lo.
, o que ele está dizendo não é verdade, não é?
dá de ombros.
— Eu matei. — ele diz. — Eu fiz isso por você.
O choque que sinto é maior que tudo. Faz minha cabeça girar e meus pés vacilarem.
— Ele sempre quis tudo que eu tive. Minha mãe morreu para que ele pudesse nascer.
, você não está falando sé...
— Estou. — ele me interrompe. — Ele tomou minha mãe. Ele tomou meus amigos. Ele tomou meu lugar de destaque nessa academia. Eu não podia deixar ele tomar você. — se aproxima de mim. Sua mão segura meu rosto pelo queixo. — Porque eu te amo muito para deixar que outra pessoa tire você de mim.
Tudo é demais para mim. Não consigo ouvir mais nada. Apenas saio correndo, as lágrimas correndo comigo, pelo meu rosto, enquanto meus pés correm pela rua em direção a lugar nenhum.

Parte IV

Glory and gore go hand in hand That's why we're making headlines You could try and take us But victory's contagious
Delicate in every way but one (The swordplay) God knows we like archaic kinds of fun (The old ways) Chance is the only game I play with, baby We let our battles choose us



Um mês e meio depois…



Quando chega na academia, sou incapaz de sentir qualquer coisa além do ódio que me corrói.
E a certeza do que vou fazer aquela noite.


I've been up in the air
Eu tenho estado flutuando Out of my head
Fora de mim Stuck in a moment of emotion I've destroyed
Preso em um momento de emoções que eu destruí Is this the end I feel
É o fim que estou sentindo? Up in the air
Flutuando Fucked up our life
Nossa vida fodida All of the laws I've broken
Todas as leis que eu quebrei Loves that I've sacrificed
Amores que eu sacrifiquei Is this the end?
É o fim?

Ignoro a música começando a tocar quando vejo vindo em minha direção. Ele sorri para mim, imaginando o que me fez perdoá-lo, imaginando o que me fez desejar estar perto dele tão rápido. O que me fez ignorar tudo que ele fez, toda a dor que ele me causou.
Continuo sentada à mesa, a taça de vinho cheia à minha frente.
se senta.
Ele estica a mão sobre a mesa para tocar a minha. Não recuo. Deixo que ele pense que está no comando.
— Você fez a melhor coisa que poderia ter feito. — ele diz. — Porque, o que eu fiz, fiz por amor. E você sabe do meu amor. Você sabe que é maior que tudo isso ao nosso redor. As lutas, o dinheiro... tudo isso.
Eu assinto.
— A melhor coisa que você poderia ter escolhido. — ele repete. — Você fez a escolha certa.
Eu assinto novamente, apontando para a taça de vinho que preparei para ele.
Ele sorri.
— Você não imagina como eu fico feliz sabendo que você se importa. Que você me ama no mesmo nível. — ele diz, bebendo o primeiro gole. — O melhor que eu posso saber é que o não significou tanto para você quanto nós pensávamos que significava.
— Ele não significou. — respondo. Significou muito mais. Eu olho para como se o desejasse. Ele percebe minhas intenções e, rapidamente, levanta-se de seu lugar e vai até mim.
— Eu te amo, . — ele diz, ajoelhando-se ao meu lado e beijando meu pescoço.
Eu me viro de lado na cadeira, apoiando meus braços em seus ombros largos.
é muito maior que eu.
Eu o puxo para cima pela gola da camiseta e, quando estamos os dois em pé, olho bem no fundo de seus olhos.
E tudo que eu senti, toda a dor que eu tentei adormecer por tanto tempo, volta como um soco. É só olhar aqueles olhos que eu posso me lembrar de tudo. O sangue, a faca, o corpo, tudo. E eu quero que ele sofra como eu sofri. Mas eu sei que ele não é capaz. Sei que não posso tirar nada dele e fazê-lo sofrer com isso. já está morto por dentro.
Vejo seus olhos piscarem lentamente, e seus passos trôpegos são dirigidos à mesa, mas eu o puxo novamente pela camiseta.
— Eu queria que você sofresse. — digo. Ele não parece entender nada.
, o que você...
— Cale a boca. Você já falou demais. Você falou muito mais do que eu queria ouvir. Muito mais do que eu suportaria te ouvir depois do que você fez.
Ele tenta se livrar do meu aperto em sua gola.

I'll wrap my hands around your neck
Eu colocarei minhas mãos ao redor do seu pescoço So tight with love, love
Apertadas com amor, amor
A thousand times I've tempted fate
Mil vezes eu tentei o destino A thousand times I've played this game
Mil vezes eu joguei esse jogo A thousand times that I have said today, today, today
Mil vezes eu tenho dito hoje, hoje, hoje

— Eu amei você. — digo. — Você nunca foi o amor da minha vida, mas eu amei você.
— O que você está fazendo? — ele pergunta.
— O que eu deveria ter feito assim que soube. — respondo. — Você matou o seu irmão. Você matou o homem que eu amava.
ri.
— O homem que você amava? era um garoto.
— Ele sempre foi mais homem que você.
Tonto, segurou-se em meu ombro. Eu o deixei fazê-lo.
— Você não pode estar falando sério. — ele diz. Seus olhos já estão quase se fechando, bêbados da droga que coloquei no vinho. Ela não vai mata-lo, mas vai segurá-lo covardemente como fizeram com quando ele o matou.
— Seu tempo acabou. — digo.
Ele vê o brilho da faca na minha mão como quem vê a luz do dia depois de muito tempo.
— Você não teria coragem.

I've been up in the air
Eu tenho estado flutuando Lost in the night
Perdido na noite I wouldn't trade an eye for your lies
Eu não trocaria nada por suas mentiras You lust for my life
Seu desejo pela minha vida Is this the end?
É o fim?

— Não teria? — questiono. Seu aperto em meus ombros vai ficando mais fraco. Ele está perdendo a consciência, então não tenho muito tempo. — Seu tempo acabou, repito.
E a faca encontra sua carne.

You were the love of my life
Você era o amor da minha vida Darkness, the light
A escuridão, a luz This is a portrait of the tortured you and I
Isso é um retrato de você e eu torturados Is this the, is this the, is this the end?
Isso é, isso é, isso é o fim?**

** Trecho da canção Up in The Air, da banda Thirthy Seconds to Mars.

Epílogo


— E na última luta da noite, na categoria peso mosca, de um lado, a americana , do outro, a neozelandesa Lori Puketup, no combate mais esperado do ano. — o apresentador dizia. — não perde uma luta há três anos, quando foi derrotada pela também americana Roxy Downes em sua segunda luta no Ultimate Fight Championship. A luta que começa em cinco minutos está mantendo a maior audiência da noite com a promessa de um combate intenso e de qualidade.
Sentado no sofá de casa, Dan sorria, vendo sua antiga aluna estrelando no maior campeonato mundial de MMA. Se o mundo soubesse...


***


Sentada nos ombros de seu treinador, segura o cinturão acima da cabeça, apontando para a multidão que grita.

Arms wide open
De braços abertos
I stand alone
Eu permaneço sozinho
I’m no hero
Eu não sou nenhum herói
And I’m not made of stone
E eu não sou feito de pedra
Right or wrong
Certo ou errado
I can hardly tell
Eu mal posso dizer
I’m in the wrong side of heaven
Eu estou do lado errado do céu
And the righteous side of hell
E do lado certo do inferno*

*Trecho da canção Wrong Side of Heaven, da banda Five Finger Death Punch.



Fim!



Nota da autora: Sem nota.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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