Capítulo Único
Uma das coisas que eu sempre amei sobre viajar eram as variadas paisagens possíveis de ver no caminho de ida e volta. Eu fiz um intercâmbio na Argentina por seis meses, e agora estava finalmente voltando à minha vida pacata na pequena cidade de La Luna, na Califórnia; fui sortuda o suficiente ao ponto de pegar o pôr-do-sol refletindo na janela do ônibus. Eu merecia ser agradada com aquela vista depois de horas e horas de viagem de avião e mais algumas de ônibus de Los Angeles até minha querida cidadezinha. E, é claro, não deixei de tirar muitas e muitas fotos.
Enquanto deslizava meu dedo delicadamente pela tela do celular enquanto via como as fotos ficaram, acabei me distraindo e vi algumas que eram de muito antes da Argentina, até que parei em uma selfie que me causava muitas emoções. A última selfie que eu e meu namorado, , tiramos juntos antes de eu ir embora. Só Deus sabe o quanto eu estava com saudades dele e o quão feliz estava por saber que o veria novamente em apenas alguns minutos.
Meu coração começou a acelerar quando foi possível observar a entrada de ônibus estreita e com pedregulhos para a Rodoviária de La Luna. Cada momento, desde o veículo sendo estacionado até o momento que fomos autorizados a sair, foi como se eu não raciocinasse direito. Não entenda-me errado, por favor, eu amei minha experiência na América do Sul, mas agora tudo que eu precisava era da minha cama, o abraço do meu namorado e a comida da minha mãe.
Depois de machucar meu pé tentando carregar todas as minhas quatro malas pesadíssimas completamente sozinha e quase me perder, tudo se resolveu quando eu vi aquele sorriso. Ah, aquele famoso sorriso, que poderia me levar à loucura em uma questão de segundos.
― Bem-vinda de volta, meu amor. ― ouvir a voz de pessoalmente depois de meses fez-me arrepiar. Larguei todas as minhas malas e fui em direção aos seus braços sem pensar duas vezes.
― Eu senti tanto a sua falta! ― eu quase gritei no meio da rodoviária, ao contrário das lágrimas, que não ficaram no “quase”. Eu praticamente ensopei a camisa do coitado.
― E eu a sua, . ― ele apertou o abraço, que perdurou por mais alguns bons segundos.
, como o cavalheiro que sempre foi, ajudou-me a levar as malas até o carro e ficou falando como a Argentina me “embelezou” mais ainda.
Quando ele já estava dirigindo, eu estava tagarelando sobre os acontecimentos, tudo que vi e todas as amizades que eu fiz, mesmo eu já tendo contado tudo para ele pelas nossas sessões de FaceTime e nossas madrugadas com mensagens e ligações.
― Seus pais voltam de San Diego em que dia? ― ele perguntou.
― Amanhã de manhã, o que significa que eu poderei dormir no seu apartamento essa noite. ― eu olhei para ele maliciosamente e sorri de canto, não esperando que ele fosse retribuir, já que estava prestando atenção no trânsito.
― Poderemos matar a saudade de algumas coisas, então. ― ele deu uma piscadinha rápida em minha direção quando parou em um sinal vermelho.
E ele estava certo. Eu estava contando os meses, as semanas, os dias, as horas, os minutos e segundos para voltar a tirar aquela velha camisa branca com uma estampa um tanto quanto obscena de peitos de uma mulher do corpo hipnotizante de . Graças às nossas malícias, isso foi tudo o que consegui pensar durante o caminho até o prédio onde ele morava e devo admitir que foi uma merda.
Dei um alegre “olá” ao preguiçoso porteiro, Lerroy, que me cumprimentou de volta com o mesmo entusiasmo, deixando-me muito feliz. Entretanto, minha felicidade quase se esgotou quando lembrei-me de que tínhamos que subir cinco lances de escada ― carregando malas, ainda por cima ― até chegar à moradia de .
― Lar, doce lar. ― quando chegamos, ele sensualmente sussurrou em meu ouvido enquanto estava atrás de mim.
― Uau, eu senti falta desse lugar... ― eu olhei em volta enquanto largava minhas malas no chão.
Muito tinha mudado, onde anteriormente estava um sofá de dois lugares remendado, hoje estava um sofá vermelho novo e lindíssimo; a televisão nova substituía a velha com uma rachadura no canto superior direito; quando saí de La Luna, as paredes da sala e do corredor eram de um tom de verde que me enojava, e agora estava tudo lindamente branco. No quarto, as cortinas velhas e rasgadas de vovó deixaram lugar para cortinas blecaute. Além de tudo isso, ele também comprou vários utensílios de cozinha novos e decorações descoladas e inéditas.
― Você ganhou na loteria e eu não soube? ― perguntei, virando meu pescoço para vê-lo.
― Essa é aquela novidade que eu queria te contar quando voltasse, lembra? ― tentou fazer minha memória funcionar, algo que era bem difícil, mas finalmente uma luz apareceu em minha mente e eu assenti. ― Então... fui promovido!
― Ai meu Deus, , isso é incrível! ― eu fui até ele e o abracei.. ― Parabéns!
― Obrigado, . ― meu namorado sorriu e foi até a geladeira, tirando dali uma taça de espumante. ― Que tal uma pequena comemoração?
― Ah, baby, agora você está falando a minha língua. ― fui sutilmente até ele e roubei a taça de sua mão.
Tínhamos muito a celebrar; eu tinha voltado, foi promovido, completei meus vinte e dois anos três meses antes e ele os vinte e quatro duas semanas depois que viajei, o pai dele tinha saído da cadeia, minha irmã ia se casar, eu tinha completado meu sonho de ir para o exterior, etc. Tudo isso deve ter rendido umas quatro taças de espumante para cada um, o que nos fez ficarmos um tanto quanto tontinhos. Contudo, isso não nos impediu de fazermos o que queríamos fazer antes.
Só de receber um beijo em meu pescoço eu já sentia calafrios intensos, mas depois todos aqueles beijos e de atirar-me na cama, eu já estava quase explodindo. Céus, ficar seis meses na seca certamente recompensou.
Depois de tudo, nós nos encontrávamos embaixo dos lençóis seminus, enquanto eu estava com a cabeça deitada no peito dele fazendo desenhos imaginários pelo seu corpo com o dedo indicador.
― Não fazem homens como você na Argentina, sabia? ― eu falei, e pousou seus olhos castanhos em mim.
― O que quer dizer com “homens como eu”? ― perguntou.
― Ah, é que você é único. Romântico, bom de cama, cavalheiro, etc etc. ― nossa, eu era horrível quando se tratava de ser amorosa.
― Oh, eu sei. ― jogou seu cabelo imaginário, fazendo-me gargalhar. ― Vou fazer a janta para gente, pode continuar aí.
― Ok. ― assenti, não protestando contra a ordem dele. Afinal, eu estava cansada da viagem e merecia ficar muito bem deitada na cama.
No momento em que ele se dirigia à porta, foi como se um raio tivesse me atingido. Tudo que eu sentia por ele veio em uma onda, atingindo-me e encharcando-me.
― , espera. ― pedi, e ele se virou para mim. Olhei no fundo de seus olhos. ― Eu te amo.
retribuiu o olhar e abriu um sorriso, logo sacudindo a cabeça e indo embora.
Sorri para mim mesma e coloquei as mãos em meu peito, feliz por estar ali. Esse era o lugar o qual eu sentia que pertencia. O lugar em que eu poderia me ver por um bom tempo.
Ocupei-me enquanto mandava mensagens para minhas amigas avisando-as que voltei para La Luna e navegava pelas redes sociais. Entretanto, minha atenção se voltou para outra coisa quando ouvi uma notificação no celular de .
Eu nunca fui uma daquelas garotas que fuçam pelo celular do namorado sempre que estavam com elas, muito pelo contrário. Mas é difícil explicar o que exatamente aconteceu naquele momento, foi praticamente instinto, peguei sem pensar direito. Vendo que ele não tinha mudado a senha nos últimos seis meses, consegui entrar para ver o que era.
E eu queria nunca ter visto aquilo. Quem sabe assim meu coração não teria quebrado em milhares de pedacinhos.
Uma garota com uma foto de perfil muito bonita apareceu mandando-o uma mensagem.
“E aí, gatinho, quer se encontrar hoje à noite?”
Meu coração disparou, minha mente se desligou. Eu tremia como uma chihuahua, mais nervosa do que quando prestei meu vestibular. Eu só queria sumir.
Eu não sei ao certo o que aconteceu comigo, que quis ver mais coisas. Fui para a página inicial e vi outras seis garotas ali além de mim. As conversas eram as coisas mais horríveis que eu já tinha visto na minha vida; enquanto nas nossas conversas ele dizia o quanto me amava e queria ficar comigo para sempre, ele trocava coisas obscenas com as outras, fossem elas mensagem ou fotos.
Tudo que consegui pensar foi em atirar aquele celular no chão e chorar, chorar muito. Saí imediatamente daquela cama que para mim, agora, parecia imunda. Só conseguia imaginar ele ali, com outras mulheres, com seus corpos suados e dizendo as mesmas coisas que diz para mim. Eu precisava me retirar dali imediatamente.
Quando eu estava prestes a abrir a porta da frente, apareceu como um fantasma.
― Onde você está indo, ? ― ele questionou na maior cara-de-pau, parecendo surpreso em me ver chorando.
― Eu descobri tudo, . Vou para a casa dos meus pais.― respondi com uma raiva nunca vista antes.
― Do que você está falando? ― parecia confuso, mas aquela expressão no rosto não me enganava.
― As conversas, as garotas, tudo que você fez enquanto eu estava fora! ― eu acabei perdendo o controle e gritei. Ele tentou se aproximar de mim, mas eu dei um passo para trás, tentando me afastar.
― , eu posso explicar...― ele estava mais pálido que o normal e parecia apavorado, mas eu não caí por essa.
― Eu não quero explicações, ! Eu já disse que estou indo para a casa dos meus pais. ― eu insistia.
― Mas seus pais não estão em casa! E o que você vai fazer com todas essas malas? ― apontou para as minhas quatro malas depositadas no canto da sala.
― Eu sei onde eles escondem a chave de emergência. ― eu falei, andando em direção às malas. ― Vou pegar o que conseguir e o que não conseguir eu peço para o meu irmão vir aqui e pegar por mim.
― Mas ... ― ele tentou falar alguma coisa, mas eu o interrompi, erguendo minha mão.
― Pare, . Não quero saber.
Sem ouvir mais uma palavra, fui embora dando os passos mais raivosos do mundo. Como pude ser tão cega? Claro que nossas conversas enquanto eu estava no intercâmbio diminuíram, mas eu achava que era por causa do fuso horário e da distância. E momentos antes, quando eu disse que o amava, e ele apenas sorriu sem dizer algo de volta?
Eu não sabia o que sentir. Não sabia o que falar. Eu estava apenas chocada, triste, furiosa. Eu estava sentindo tudo e nada ao mesmo tempo, e essa sensação era horrível.
Eu achava que era diferente de todos os caras que conhecia e que já namorei. Eu achava que ele era educado, verdadeiro, romântico e fiel. Em alguns momentos, eu chegava a fantasiar com nosso futuro juntos, mas com esse recente acontecimento, a realização dessa fantasia estava muito distante.
No caminho para casa, houveram algumas horas em que eu simplesmente não aguentava e eu precisava me encostar em uma parede aleatória e apenas deixar as lágrimas rolarem. Eu odiava isso,odiava me sentir assim. Como que outra pessoa consegue te machucar tanto?
Não conseguia parar de pensar nisso, imaginando com todas aquelas garotas, beijando-as, acariciando seus corpos, rindo de suas piadas, seus jeitos e suas manias exatamente como ele fazia comigo. E isso doía mais do que se é imaginável.
Quando cheguei, só queria achar a maldita chave que ficava embaixo do pé esquerdo de um anão decorativo, abrir a porta, pedir todos os tipos de comidas gordurosas, assistir um filme muito triste e só dormir quando estivesse praticamente desmaiando de sono. Foi justamente o que fiz, afinal eu merecia realizar alguns desejos depois desse dia horroroso.
Com a minha cabeça encostada no travesseiro e sentindo-me mais tranquila, por um lado eu queria pensar no assunto, por outro eu só queria fingir que esse dia nunca existiu, o que era humanamente impossível.
Honestamente, eu nunca fui uma pessoa que arrastava coisas importantes para os dias seguintes, mas dessa vez era extremamente necessário, pois se eu pensasse em por pelo menos um segundo, eu explodiria. Então tudo que eu pude fazer naquele momento era dormir.
(...)
Eu queria socar meu vizinho até o rosto dele sangrar.
Era 9h da manhã, e eu fui para cama às 2h da madrugada, e o infeliz do vizinho colocou música metal a todo volume enquanto limpava a casa, o que era seu ritual. Eu não tinha nada contra metal, mas não importava o gênero musical se me acordasse, especialmente depois de eu ter tido um péssimo dia anteriormente, eu era capaz de enlouquecer.
Já com um ótimo humor durante as primeiras horas do dia, vesti meu robe vermelho e lavei meu rosto, logo indo direto para a cozinha para encontrar algo para me alimentar. Avistei apenas uns waffles congelados no freezer e, embora eu não gostasse muito, era tudo que tinha e eu estava morrendo de fome, então os coloquei no forno.
Enquanto a comida não ficava pronta, fiz a burrice de checar meu celular apenas para ver as milhares de mensagens que havia me mandado. Decidi apenas ignorá-las e lidar com elas mais tarde.
Assim que retirei os waffles do forno, ouvi a porta da frente sendo aberta e de lá surgiu a minha lindíssima família.
Eu larguei tudo apenas para abraçá-los. Houve gritaria, choradeira, e tudo que é possível num reencontro de alguém que é muito próximo da família.
― É tão bom te ver! ― minha mãe falou em sua voz naturalmente fina e alta, enquanto quase me sufocava em seu abraço.
― É muito bom ver vocês, também. ― sorri pela primeira vez nas últimas doze horas.
― Achei que você estava passando a noite com o . ― Ryan, meu irmão mais velho, presumiu, e minha cara se fechou mais rápido do que uma porta automática.
― Eu estava... até que eu descobri que ele estava me traindo. ― eu tentei não chorar e, felizmente, obtive sucesso. Entretanto, meu rosto provavelmente não deixou de formar caretas bem bizarras.
A primeira pessoa a me acolher em seus braços reconfortantes foi meu pai que, mesmo sendo dois de mim no quesito altura, sempre teve o melhor abraço.
― Sempre soube que tinha algo errado com aquele garoto. ― ele disse, enquanto me fazia um cafuné.
― O pior é que eu tinha quatro malas enormes comigo e só consegui pegar duas, as outras ficaram no apartamento dele. ― eu relatei, fazendo biquinho e olhando para o meu irmão, que riu baixinho.
― Você quer que eu vá até lá para pegar as malas e aproveitar para dar um soco na cara dele, madame? ― ele me perguntou com muito humor.
― Eu adoraria. ― respondi.
Passei o resto do dia com eles. Meu pai e minha mãe aproveitaram o fato de não apenas eu ter voltado, mas ter tido uma desilusão amorosa, para me mimarem até não poderem mais e eu preciso confessar que não reclamei de nadinha. Era maravilhoso ficar dias e dias recebendo café na cama e comendo minhas comidas favoritas no almoço e na janta, além de poder comprar um estoque infinito de sapatos e maquiagens.
Durante duas semanas, eu ignorei qualquer tipo de abordagem de , fossem elas ligações, mensagens de texto, mensagens de voz e flores. Contudo, teve uma vez que eu não pude ignorá-lo.
Eu estava na minha cafeteria favorita, a Cups&Cookies, que ficava no centro da cidade de La Luna, com a minha melhor amiga, Joanne. Ela estava falando sobre seu plano de carreira agora que ela se formou na faculdade, como pretendia fazer mestrado e doutorado para poder ensinar em universidades ou escolas preparatórias e assim conseguir mais dinheiro, algo que eu achava muito válido, até que alguém nos interrompeu.
estava lá, e eu não exagero quando digo que ele estava mais bagunçado do que o quarto de um adolescente de quatorze anos. Ele usava uma camisa velha e furada, uma calça de moletom, seu cabelo castanho-claro parecia um ninho de pássaros, suas orelhas estavam mais fundas do que o oceano e ele estava até fedendo um pouco.
― , eu preciso falar com você. ― ele pediu.
― Agora não, . Não vê que estou com companhia? ― esbravejei.
― Tenho certeza que a Joanne não se importaria se eu te roubasse por alguns minutos.
― Na verdade, eu me importo sim. ― Joanne se intrometeu, e eu quase comecei a rir. ― O que você fez foi horrível, !
― Mas é por isso que estou aqui, estou tentando consertar a merda que fiz! ― tentou se justificar, mas ele parecia bem perturbado. Ele voltou seu olhar para mim, e seus olhos esbanjavam súplica. ― , por favor.
Eu queria ter a força para ser fria, para ignorá-lo e terminar com ele ali mesmo, na frente da cafeteria lotada. Queria conseguir ignorar aqueles olhos, que pareciam transmitir dor e arrependimento.
Então fiz a decisão mais burra da minha vida.
― Vamos lá para fora. ― disse, logo olhando para a minha amiga. ― Já volto.
Eu e fomos para o beco próximo da cafeteria para termos mais privacidade. Encostei-me na parede de tijolos e cruzei os braços.
― Você tem cinco minutos. ― disse.
respirou fundo e olhou em meus olhos.
― Eu sei que o que eu fiz foi errado, . Muito errado, assim por dizer. Mas você tem que entender que eu estava passando por um momento difícil. Você estava fora, meu pai estava na cadeia, minha mãe abandonou ele e eu estava no fundo do poço. Precisava de consolo.
― Nossas conversas não eram suficientes, por acaso? Meu apoio, meu amor, nada disso? ― rebati, já sentindo meu sangue ferver de raiva do que ele acabara de falar.
― Isso não é o que estou dizendo, ! ― ele aproximou-se de mim, tocou em meu rosto e baixou o tom de voz. ― Você sabe o quanto eu te amo, eu só... eu estava tão perdido nesses últimos seis meses, eu não sabia o que estava fazendo. Por favor, me perdoe. Eu preciso de você.
Céus, esse homem me deixava tão fraca. Ele me traiu, me enganou, e eu estava ali, sentindo pena do seu olhar de filhote deixado na mudança, apenas conseguindo pensar nos bons momentos que tivemos. Por que eu tinha que ser daquele jeito? Por que meu coração, não importava o quão golpeado fosse, ainda caía na conversa de pessoas como ?
― Eu... eu não sei, . ― e agora eu estava lutando contra as lágrimas que teimavam em fugir, eu odiava ser tão sentimental. ― Como sei que poderei confiar em você novamente?
Ele pousou a mão livre e pegou na minha, apertando um pouco demais.
― Não sei o que posso fazer para fazer você confiar em mim de novo, , a única coisa que você pode é escolher acreditar na minha palavra e acreditar no quanto eu te amo. ― ele encostou sua testa na minha, e eu podia sentir sua respiração. ― Eu imploro, acredite em mim. Acredite quando eu te digo que aquelas garotas não chegam aos seus pés, quando eu te digo que não sinto nada por elas, mas que o que sinto por você é eterno.
Respirei tão fundo que eu deveria ter roubado todo o oxigênio presente ali no momento. O que eu deveria fazer?
Tomar uma decisão era tão difícil. Nós já namorávamos há dois anos e era a primeira vez que passávamos por algo difícil como casal. Todos dizem que relacionamentos verdadeiros sobrevivem pelos tempos ruins, mas quando seu namorado te trai com outras seis mulheres, o discurso continua o mesmo?
Devido aos dias passados, eu já estava mais calma e já era capaz de ponderar certas coisas, mas eu tinha muito medo de não tomar a decisão certa. Se eu decidisse continuar com ele, ele poderia muito bem me machucar novamente, mas se eu não continuasse, eu poderia estar perdendo um amor com potencial.
Era horrível para mim que durante esse tipo de momento eu só conseguia pensar no momento em que nos conhecemos, ou quando nos apaixonamos, e todas as vezes em que fomos em encontros épicos e românticos. Ou também quando eu peguei pneumonia e , sem medo algum de também pegar, cuidou de mim 24h por dia por duas semanas. Nessa época, eu realmente conseguia sentir que ele me amava.
Talvez ele estava passando por um momento difícil, certo? Afinal pessoas cometem erros, ninguém é perfeito. Ele sempre foi um namorado bom para mim, muito melhor do que os outros, talvez eu deveria deixar essa passar.
― Eu posso considerar isso, . ― dei a minha resposta ainda um pouco cabisbaixa, mas não o suficiente para que não conseguisse ver o sorriso enorme no rosto dele.
― Sério? Uau, , você é tão incrível! ― ele me abraçou com uma força extraordinária.
― Mas com algumas condições. ― eu permanecia séria, e ele voltou a ficar com a expressão neutra. ― Não faça isso de novo. Se você fizer, eu estou fora, e estou falando sério. Aliás, minha confiança nunca mais será a mesma.
ouviu atentamente e assentiu com lentidão.
― Eu juro que vou fazer de tudo para recuperá-la. ― ele tocou em minha bochecha novamente. ― Eu te amo, .
E dessa vez quem deu um sorrisinho fui eu. Mas aquela conversa de nada adiantou; ele me decepcionaria novamente, ao contrário do que prometeu.
(...)
Dois anos depois
Ryan andava de um lado para o outro como um louco na frente da igreja. Talvez fosse porque eu não fiz parte do outro lado da história, mas eu nunca vi um noivo tão nervoso em toda a minha vida.
― E se ela disser “não”? E se ela repensar todo o nosso relacionamento e ver que não me ama de verdade? ― geralmente era tão fofo o jeito que ele ficava nervoso, mas dessa vez era apenas irritante; principalmente porque eu também estava cansada e nervosa para a cerimônia, depois de meses e meses ajudando a organizá-lo.
― Ela não vai dizer “não”, Ryan! Deixa com essa birra, já é a quinquagésima vez que você faz essa pergunta. Aceite que a Joanne te ama, caramba! ― respondi, irritadamente. E sim, você leu certo. Meu irmão e minha melhor amiga se casariam, o quão ótimo era isso? Eles começaram a ficar poucos dias depois de toda aquela confusão na cafeteria e não demoraram em se apaixonar loucamente. Foi como assistir uma história de amor ao vivo, e eu amei cada segundo daquilo.
Depois de minhas palavras um tanto quanto agressivas, meus pais interviram e começaram a consolá-lo de uma maneira mais reconfortante. Enquanto isso, fui checar meu celular para ver se tinha me mandado uma mensagem, mas nada. Ele já estava um pouco atrasado e, embora fôssemos entrar antes de Joanne que também não estava ali, combinamos que ele chegaria no mesmo horário que eu, que já estava lá há mais de meia hora.
Minha mãe logo anunciou que tinha recebido uma ligação dos pais da noiva, que disseram que já estavam à caminho e que Ryan e mamãe já poderiam entrar, e aquilo só fez eu ficar mais irritada com o atraso de meu namorado.
Por sorte, ele surgiu das sombras, correndo e com a gravata-borboleta desfeita, além do cabelo muito bagunçado.
― Onde diabos você estava? ― eu perguntei, quase gritando, enquanto ele se aproximava.
― Amor, amor, sinto muito! Eu estava cuidando de uma obra que eu estou encarregado e acabei me distraindo e perdi noção da hora, sério, me desculpa. ― quando ele parou de correr ele se encostou na parede da igreja e começou a ofegar. ― Quando vi que hora era eu corri para o meu apartamento para me trocar.
Eu respirei fundo e olhei para o céu, pedindo a Deus que me desse paciência para não xingar até as próximas 10 gerações da família de .
― Tudo bem. ― meu tom de voz estava um tanto quanto amargurado, mas fui até ele e o ajudei com a gravata e tentei fazer o possível para arrumar seu cabelo com meus próprios dedos.
Durante o tempo em que fiz tudo isso, ele olhou para mim de baixo para cima, encarando meu vestido prata longo e de frente única e sorriu.
― Você está linda, . ―ele disse, fazendo eu sorrir de volta.
No fim, tudo deu certo. Joanne chegou em menos de cinco minutos e conseguimos entrar triunfalmente. Foi uma cerimônia linda, todos choraram ― inclusive eu, principalmente na parte dos votos. Todas as palavras soaram tão honestas, o amor entre eles poderia ser sentido num raio de 100km, mas aquilo também me fez refletir.
Eu olhei para , que ao mesmo tempo que parecia atento à cerimônia, também parecia não estar ligando para o que diziam. Mesmo que eu tivesse o perdoado pelas suas traições, minha confiança por ele nunca se recuperou e a chama que antes era capaz de incendiar um prédio inteiro, estava lutando para manter-se acesa. Comparado ao que meu irmão e minha melhor amiga tinham, parecia algo tão vazio, porém eu nunca tive a coragem de ter uma conversa séria com ele sobre isso.
A festa também estava sendo um arraso; todos pareciam estar se divertindo, mas depois que eu tive o momento de choque com o fato de que eu não amava meu namorado do jeito que deveria, eu era a única que não se sentia confortável e feliz ali.
― Qual é a da vez? ― Joanne e seu vestido bufante de princesa lutaram para sentarem na cadeira ao meu lado. Eu odiava o quão bem ela me conhecia.
― Seu amor me deixa triste. ― eu torci meus lábios.
― Como assim? ― ela deu uma risadinha.
― Quando você e o Ryan estavam se declarando pelos votos. ― suspirei. ― Eu meio que percebi que o que sinto por não é o suficiente.
― Deve ser um sentimento passageiro, amiga. Vocês estão juntos há quatro anos, é comum que as coisas fiquem um pouco estagnadas. ― Joanne tentou me consolar, mas aquilo não foi o suficiente.
― É, talvez. ― abri um sorriso amarelado, mas logo mudei minha postura. ― Ei, vá aproveitar seu casamento. Não quero estragar seu dia.
― Ah, , você nunca poderia estragar o meu dia. Você é a razão pela qual ele está acontecendo, em primeiro lugar. ― ela sorriu e deu um beijo na minha bochecha antes de se levantar. ― Tente melhorar. Beba ou coma alguma coisa, dance. Esse dia é parte seu, também.
Joanne saiu dali e foi direto aos braços do meu irmão, dando-lhe um beijo de cinema e não conseguindo segurar o sorriso. Ver aquela cena era tão gratificante por saber que eu tinha feito aquilo acontecer e por ver duas das pessoas mais especiais da minha vida feliz, mas era triste ver que eu tinha 25 anos, namorando desde os 21, com a vida quase resolvida e mesmo assim me sentia mais vazia que um vaso decorativo.
Tentei me distrair e não me preocupar muito com a minha relação com , então retirei todos os meus pensamentos da minha mente, pelo menos até às 6h da manhã do dia seguinte e aproveitei a festa como a irmã do noivo, melhor amiga e madrinha da noiva deveria.
Contudo, não consegui me manter paz e amor para sempre.
Na segunda seguinte, fui trabalhar como era de costume. Eu era uma das chefs auxiliares num restaurante em San Diego, um dos melhores trabalhos do mundo. Me formei em Gastronomia pouquíssimo tempo depois de voltar do meu intercâmbio, obtendo sucesso até o momento, e meu próximo objetivo era virar a chef principal.
Duas semanas antes, uma nova auxiliar havia sido contratada, e eu fiquei responsável por treiná-la e fazer com que ela se adaptasse bem. Gigi era três anos mais nova que eu, um pouco aérea, porém muito talentosa. Além de ser nova no restaurante, ela também era nova na cidade e, embora eu também não morando lá integralmente, conhecia cada pedacinho de San Diego justamente por ser a meia hora da minha cidade e por ir lá quase todos os dias, então tentava ajudá-la com os lugares certos para ir e com direções.
― Bom dia, . ― ela alegremente me cumprimentou enquanto picava um tomate.
― Bom dia, Gigi. ― eu a cumprimentei de volta enquanto colocava meu uniforme por cima das minhas roupas normais. ― Como está?
― Com um pouco de ressaca, saí ontem à noite com aquela cara que te falei na semana passada. ― ela contou, o que me deixou animada.
― Ah é, eu me lembro! Como foi? Como ele é? ― questionei.
― Ele é perfeito, ! Não acredito no quão sortuda eu sou, estou aqui há pouquíssimo tempo e já conheci um cara incrível. Ele foi um cavalheiro, insistiu em que pagasse todo o jantar e não poupou elogios a mim, além de ter respeitado o fato de eu querer ir devagar com tudo por ser nova na cidade. ― os olhos dela brilhavam. Ok, com certeza tinha algo no ar para tantos romances estarem acontecendo.
― E qual é o nome dele? Você nunca chegou a me contar.
― . .
Assim que ela disse aquele nome, minha garganta fechou e eu congelei. Não, não, não, isso não poderia estar acontecendo de novo. Aquele cafajeste! Eu tentei manter o controle na frente de Gigi e manter o pé frio pelo resto do turno e por sorte, consegui. Mas foi por pouco, tão pouco.
Na meia hora que demorei para chegar em La Luna, pensei em todas as coisas que falaria para , todos as coisas que o xingaria, mas tudo que consegui foi me condenar pela minha burrice de tê-lo perdoado na primeira vez. Pois é como dizem “uma vez traidor, sempre traidor”.
Estacionei na frente do seu prédio e subi até seu apartamento sem nem cumprimentar Lerroy, de tão furiosa que estava. Toquei a campainha freneticamente até que ele atendeu.
Todo o discurso que eu tinha preparado foi por água abaixo quando vi o rosto daquele filho da puta. Sem pensar duas vezes, dei um tapa no seu rosto sem nenhum dó.
― Como se atreve a fazer isso comigo, ? Depois de tudo que fiz por você, depois de ter te perdoado e confiado em você?! ― esbravejei enquanto ele massageava o próprio rosto e me olhava como se eu fosse louca.
― Do que diabos você está falando, ?! ― ele teve a coragem de perguntar.
― Eu estou falando da Gigi, ! Você realmente achou que eu não iria descobrir? Bem, pois saiba que ela é a minha colega de trabalho. Além de cafajeste, também é burro.
― , por favor, vamos conversar... ― ao mesmo tempo que ele parecia um pouco apavorado, eu finalmente pude ver sua máscara caindo e o quanto ele agora mais parecia um manipulador do que um cara arrependido.
― Não, não vamos conversar, ! Da última vez que eu permiti essa “conversa”, eu caí na sua lábia e nos seus joguinhos, mas agora não! Eu te avisei, eu te disse, , que se você fizesse isso de novo eu pularia fora. E aqui estou eu, cumprindo com a minha palavra, mas não antes de falar o que você merece.
― Isso é apenas um engano, é...― antes que ele pudesse terminar de falar, eu o interrompi.
― Engano merda nenhuma! Você não passa de um idiota que só sabe decepcionar as pessoas em sua volta. Dessa vez não tem desculpinha de que eu não estava presente, que você estava perdido, porque eu estava aqui pra assistir a sua vida.
― , por favor, escute...
― Não, eu não vou escutar, você vai! ― exclamei. Eu já estava completamente sem filtro, e falava sempre as primeiras coisas que vinham em minha mente. ― Na verdade, eu fico até feliz que isso tenha acontecido, pois eu precisava reunir coragem para te deixar. Nos últimos dias eu percebi que isso, esse relacionamento, não é o que eu desejava, e que eu já não sentia quase nada por você. Bem, agora com o que eu descobri, eu realmente não sinto nada por você. Saiba que eu não contei para Gigi sobre nosso relacionamento e a deixei acreditar que você é o cara perfeito, mas agora eu preciso saber. Ela era a única? ― se fez de surdo e ficou cabisbaixo e eu comecei a gritar. ― Me responda, caralho! Ela era a única?!
Ele balançou a cabeça negativamente e eu ri de nervoso.
― Você é um babaca. Tchau, . ― fui em direção a porta, mas antes de sair, ainda disse outras palavras: ― Cuidado. Afinal, se eu te peguei, as outras também podem. Tenha uma vida miserável, .
Então eu saí daquele apartamento, que para mim agora parecia o imóvel mais imundo do universo, determinada, decidida e principalmente, me sentindo mais livre do que nunca.
Enquanto deslizava meu dedo delicadamente pela tela do celular enquanto via como as fotos ficaram, acabei me distraindo e vi algumas que eram de muito antes da Argentina, até que parei em uma selfie que me causava muitas emoções. A última selfie que eu e meu namorado, , tiramos juntos antes de eu ir embora. Só Deus sabe o quanto eu estava com saudades dele e o quão feliz estava por saber que o veria novamente em apenas alguns minutos.
Meu coração começou a acelerar quando foi possível observar a entrada de ônibus estreita e com pedregulhos para a Rodoviária de La Luna. Cada momento, desde o veículo sendo estacionado até o momento que fomos autorizados a sair, foi como se eu não raciocinasse direito. Não entenda-me errado, por favor, eu amei minha experiência na América do Sul, mas agora tudo que eu precisava era da minha cama, o abraço do meu namorado e a comida da minha mãe.
Depois de machucar meu pé tentando carregar todas as minhas quatro malas pesadíssimas completamente sozinha e quase me perder, tudo se resolveu quando eu vi aquele sorriso. Ah, aquele famoso sorriso, que poderia me levar à loucura em uma questão de segundos.
― Bem-vinda de volta, meu amor. ― ouvir a voz de pessoalmente depois de meses fez-me arrepiar. Larguei todas as minhas malas e fui em direção aos seus braços sem pensar duas vezes.
― Eu senti tanto a sua falta! ― eu quase gritei no meio da rodoviária, ao contrário das lágrimas, que não ficaram no “quase”. Eu praticamente ensopei a camisa do coitado.
― E eu a sua, . ― ele apertou o abraço, que perdurou por mais alguns bons segundos.
, como o cavalheiro que sempre foi, ajudou-me a levar as malas até o carro e ficou falando como a Argentina me “embelezou” mais ainda.
Quando ele já estava dirigindo, eu estava tagarelando sobre os acontecimentos, tudo que vi e todas as amizades que eu fiz, mesmo eu já tendo contado tudo para ele pelas nossas sessões de FaceTime e nossas madrugadas com mensagens e ligações.
― Seus pais voltam de San Diego em que dia? ― ele perguntou.
― Amanhã de manhã, o que significa que eu poderei dormir no seu apartamento essa noite. ― eu olhei para ele maliciosamente e sorri de canto, não esperando que ele fosse retribuir, já que estava prestando atenção no trânsito.
― Poderemos matar a saudade de algumas coisas, então. ― ele deu uma piscadinha rápida em minha direção quando parou em um sinal vermelho.
E ele estava certo. Eu estava contando os meses, as semanas, os dias, as horas, os minutos e segundos para voltar a tirar aquela velha camisa branca com uma estampa um tanto quanto obscena de peitos de uma mulher do corpo hipnotizante de . Graças às nossas malícias, isso foi tudo o que consegui pensar durante o caminho até o prédio onde ele morava e devo admitir que foi uma merda.
Dei um alegre “olá” ao preguiçoso porteiro, Lerroy, que me cumprimentou de volta com o mesmo entusiasmo, deixando-me muito feliz. Entretanto, minha felicidade quase se esgotou quando lembrei-me de que tínhamos que subir cinco lances de escada ― carregando malas, ainda por cima ― até chegar à moradia de .
― Lar, doce lar. ― quando chegamos, ele sensualmente sussurrou em meu ouvido enquanto estava atrás de mim.
― Uau, eu senti falta desse lugar... ― eu olhei em volta enquanto largava minhas malas no chão.
Muito tinha mudado, onde anteriormente estava um sofá de dois lugares remendado, hoje estava um sofá vermelho novo e lindíssimo; a televisão nova substituía a velha com uma rachadura no canto superior direito; quando saí de La Luna, as paredes da sala e do corredor eram de um tom de verde que me enojava, e agora estava tudo lindamente branco. No quarto, as cortinas velhas e rasgadas de vovó deixaram lugar para cortinas blecaute. Além de tudo isso, ele também comprou vários utensílios de cozinha novos e decorações descoladas e inéditas.
― Você ganhou na loteria e eu não soube? ― perguntei, virando meu pescoço para vê-lo.
― Essa é aquela novidade que eu queria te contar quando voltasse, lembra? ― tentou fazer minha memória funcionar, algo que era bem difícil, mas finalmente uma luz apareceu em minha mente e eu assenti. ― Então... fui promovido!
― Ai meu Deus, , isso é incrível! ― eu fui até ele e o abracei.. ― Parabéns!
― Obrigado, . ― meu namorado sorriu e foi até a geladeira, tirando dali uma taça de espumante. ― Que tal uma pequena comemoração?
― Ah, baby, agora você está falando a minha língua. ― fui sutilmente até ele e roubei a taça de sua mão.
Tínhamos muito a celebrar; eu tinha voltado, foi promovido, completei meus vinte e dois anos três meses antes e ele os vinte e quatro duas semanas depois que viajei, o pai dele tinha saído da cadeia, minha irmã ia se casar, eu tinha completado meu sonho de ir para o exterior, etc. Tudo isso deve ter rendido umas quatro taças de espumante para cada um, o que nos fez ficarmos um tanto quanto tontinhos. Contudo, isso não nos impediu de fazermos o que queríamos fazer antes.
Só de receber um beijo em meu pescoço eu já sentia calafrios intensos, mas depois todos aqueles beijos e de atirar-me na cama, eu já estava quase explodindo. Céus, ficar seis meses na seca certamente recompensou.
Depois de tudo, nós nos encontrávamos embaixo dos lençóis seminus, enquanto eu estava com a cabeça deitada no peito dele fazendo desenhos imaginários pelo seu corpo com o dedo indicador.
― Não fazem homens como você na Argentina, sabia? ― eu falei, e pousou seus olhos castanhos em mim.
― O que quer dizer com “homens como eu”? ― perguntou.
― Ah, é que você é único. Romântico, bom de cama, cavalheiro, etc etc. ― nossa, eu era horrível quando se tratava de ser amorosa.
― Oh, eu sei. ― jogou seu cabelo imaginário, fazendo-me gargalhar. ― Vou fazer a janta para gente, pode continuar aí.
― Ok. ― assenti, não protestando contra a ordem dele. Afinal, eu estava cansada da viagem e merecia ficar muito bem deitada na cama.
No momento em que ele se dirigia à porta, foi como se um raio tivesse me atingido. Tudo que eu sentia por ele veio em uma onda, atingindo-me e encharcando-me.
― , espera. ― pedi, e ele se virou para mim. Olhei no fundo de seus olhos. ― Eu te amo.
retribuiu o olhar e abriu um sorriso, logo sacudindo a cabeça e indo embora.
Sorri para mim mesma e coloquei as mãos em meu peito, feliz por estar ali. Esse era o lugar o qual eu sentia que pertencia. O lugar em que eu poderia me ver por um bom tempo.
Ocupei-me enquanto mandava mensagens para minhas amigas avisando-as que voltei para La Luna e navegava pelas redes sociais. Entretanto, minha atenção se voltou para outra coisa quando ouvi uma notificação no celular de .
Eu nunca fui uma daquelas garotas que fuçam pelo celular do namorado sempre que estavam com elas, muito pelo contrário. Mas é difícil explicar o que exatamente aconteceu naquele momento, foi praticamente instinto, peguei sem pensar direito. Vendo que ele não tinha mudado a senha nos últimos seis meses, consegui entrar para ver o que era.
E eu queria nunca ter visto aquilo. Quem sabe assim meu coração não teria quebrado em milhares de pedacinhos.
Uma garota com uma foto de perfil muito bonita apareceu mandando-o uma mensagem.
“E aí, gatinho, quer se encontrar hoje à noite?”
Meu coração disparou, minha mente se desligou. Eu tremia como uma chihuahua, mais nervosa do que quando prestei meu vestibular. Eu só queria sumir.
Eu não sei ao certo o que aconteceu comigo, que quis ver mais coisas. Fui para a página inicial e vi outras seis garotas ali além de mim. As conversas eram as coisas mais horríveis que eu já tinha visto na minha vida; enquanto nas nossas conversas ele dizia o quanto me amava e queria ficar comigo para sempre, ele trocava coisas obscenas com as outras, fossem elas mensagem ou fotos.
Tudo que consegui pensar foi em atirar aquele celular no chão e chorar, chorar muito. Saí imediatamente daquela cama que para mim, agora, parecia imunda. Só conseguia imaginar ele ali, com outras mulheres, com seus corpos suados e dizendo as mesmas coisas que diz para mim. Eu precisava me retirar dali imediatamente.
Quando eu estava prestes a abrir a porta da frente, apareceu como um fantasma.
― Onde você está indo, ? ― ele questionou na maior cara-de-pau, parecendo surpreso em me ver chorando.
― Eu descobri tudo, . Vou para a casa dos meus pais.― respondi com uma raiva nunca vista antes.
― Do que você está falando? ― parecia confuso, mas aquela expressão no rosto não me enganava.
― As conversas, as garotas, tudo que você fez enquanto eu estava fora! ― eu acabei perdendo o controle e gritei. Ele tentou se aproximar de mim, mas eu dei um passo para trás, tentando me afastar.
― , eu posso explicar...― ele estava mais pálido que o normal e parecia apavorado, mas eu não caí por essa.
― Eu não quero explicações, ! Eu já disse que estou indo para a casa dos meus pais. ― eu insistia.
― Mas seus pais não estão em casa! E o que você vai fazer com todas essas malas? ― apontou para as minhas quatro malas depositadas no canto da sala.
― Eu sei onde eles escondem a chave de emergência. ― eu falei, andando em direção às malas. ― Vou pegar o que conseguir e o que não conseguir eu peço para o meu irmão vir aqui e pegar por mim.
― Mas ... ― ele tentou falar alguma coisa, mas eu o interrompi, erguendo minha mão.
― Pare, . Não quero saber.
Sem ouvir mais uma palavra, fui embora dando os passos mais raivosos do mundo. Como pude ser tão cega? Claro que nossas conversas enquanto eu estava no intercâmbio diminuíram, mas eu achava que era por causa do fuso horário e da distância. E momentos antes, quando eu disse que o amava, e ele apenas sorriu sem dizer algo de volta?
Eu não sabia o que sentir. Não sabia o que falar. Eu estava apenas chocada, triste, furiosa. Eu estava sentindo tudo e nada ao mesmo tempo, e essa sensação era horrível.
Eu achava que era diferente de todos os caras que conhecia e que já namorei. Eu achava que ele era educado, verdadeiro, romântico e fiel. Em alguns momentos, eu chegava a fantasiar com nosso futuro juntos, mas com esse recente acontecimento, a realização dessa fantasia estava muito distante.
No caminho para casa, houveram algumas horas em que eu simplesmente não aguentava e eu precisava me encostar em uma parede aleatória e apenas deixar as lágrimas rolarem. Eu odiava isso,odiava me sentir assim. Como que outra pessoa consegue te machucar tanto?
Não conseguia parar de pensar nisso, imaginando com todas aquelas garotas, beijando-as, acariciando seus corpos, rindo de suas piadas, seus jeitos e suas manias exatamente como ele fazia comigo. E isso doía mais do que se é imaginável.
Quando cheguei, só queria achar a maldita chave que ficava embaixo do pé esquerdo de um anão decorativo, abrir a porta, pedir todos os tipos de comidas gordurosas, assistir um filme muito triste e só dormir quando estivesse praticamente desmaiando de sono. Foi justamente o que fiz, afinal eu merecia realizar alguns desejos depois desse dia horroroso.
Com a minha cabeça encostada no travesseiro e sentindo-me mais tranquila, por um lado eu queria pensar no assunto, por outro eu só queria fingir que esse dia nunca existiu, o que era humanamente impossível.
Honestamente, eu nunca fui uma pessoa que arrastava coisas importantes para os dias seguintes, mas dessa vez era extremamente necessário, pois se eu pensasse em por pelo menos um segundo, eu explodiria. Então tudo que eu pude fazer naquele momento era dormir.
Eu queria socar meu vizinho até o rosto dele sangrar.
Era 9h da manhã, e eu fui para cama às 2h da madrugada, e o infeliz do vizinho colocou música metal a todo volume enquanto limpava a casa, o que era seu ritual. Eu não tinha nada contra metal, mas não importava o gênero musical se me acordasse, especialmente depois de eu ter tido um péssimo dia anteriormente, eu era capaz de enlouquecer.
Já com um ótimo humor durante as primeiras horas do dia, vesti meu robe vermelho e lavei meu rosto, logo indo direto para a cozinha para encontrar algo para me alimentar. Avistei apenas uns waffles congelados no freezer e, embora eu não gostasse muito, era tudo que tinha e eu estava morrendo de fome, então os coloquei no forno.
Enquanto a comida não ficava pronta, fiz a burrice de checar meu celular apenas para ver as milhares de mensagens que havia me mandado. Decidi apenas ignorá-las e lidar com elas mais tarde.
Assim que retirei os waffles do forno, ouvi a porta da frente sendo aberta e de lá surgiu a minha lindíssima família.
Eu larguei tudo apenas para abraçá-los. Houve gritaria, choradeira, e tudo que é possível num reencontro de alguém que é muito próximo da família.
― É tão bom te ver! ― minha mãe falou em sua voz naturalmente fina e alta, enquanto quase me sufocava em seu abraço.
― É muito bom ver vocês, também. ― sorri pela primeira vez nas últimas doze horas.
― Achei que você estava passando a noite com o . ― Ryan, meu irmão mais velho, presumiu, e minha cara se fechou mais rápido do que uma porta automática.
― Eu estava... até que eu descobri que ele estava me traindo. ― eu tentei não chorar e, felizmente, obtive sucesso. Entretanto, meu rosto provavelmente não deixou de formar caretas bem bizarras.
A primeira pessoa a me acolher em seus braços reconfortantes foi meu pai que, mesmo sendo dois de mim no quesito altura, sempre teve o melhor abraço.
― Sempre soube que tinha algo errado com aquele garoto. ― ele disse, enquanto me fazia um cafuné.
― O pior é que eu tinha quatro malas enormes comigo e só consegui pegar duas, as outras ficaram no apartamento dele. ― eu relatei, fazendo biquinho e olhando para o meu irmão, que riu baixinho.
― Você quer que eu vá até lá para pegar as malas e aproveitar para dar um soco na cara dele, madame? ― ele me perguntou com muito humor.
― Eu adoraria. ― respondi.
Passei o resto do dia com eles. Meu pai e minha mãe aproveitaram o fato de não apenas eu ter voltado, mas ter tido uma desilusão amorosa, para me mimarem até não poderem mais e eu preciso confessar que não reclamei de nadinha. Era maravilhoso ficar dias e dias recebendo café na cama e comendo minhas comidas favoritas no almoço e na janta, além de poder comprar um estoque infinito de sapatos e maquiagens.
Durante duas semanas, eu ignorei qualquer tipo de abordagem de , fossem elas ligações, mensagens de texto, mensagens de voz e flores. Contudo, teve uma vez que eu não pude ignorá-lo.
Eu estava na minha cafeteria favorita, a Cups&Cookies, que ficava no centro da cidade de La Luna, com a minha melhor amiga, Joanne. Ela estava falando sobre seu plano de carreira agora que ela se formou na faculdade, como pretendia fazer mestrado e doutorado para poder ensinar em universidades ou escolas preparatórias e assim conseguir mais dinheiro, algo que eu achava muito válido, até que alguém nos interrompeu.
estava lá, e eu não exagero quando digo que ele estava mais bagunçado do que o quarto de um adolescente de quatorze anos. Ele usava uma camisa velha e furada, uma calça de moletom, seu cabelo castanho-claro parecia um ninho de pássaros, suas orelhas estavam mais fundas do que o oceano e ele estava até fedendo um pouco.
― , eu preciso falar com você. ― ele pediu.
― Agora não, . Não vê que estou com companhia? ― esbravejei.
― Tenho certeza que a Joanne não se importaria se eu te roubasse por alguns minutos.
― Na verdade, eu me importo sim. ― Joanne se intrometeu, e eu quase comecei a rir. ― O que você fez foi horrível, !
― Mas é por isso que estou aqui, estou tentando consertar a merda que fiz! ― tentou se justificar, mas ele parecia bem perturbado. Ele voltou seu olhar para mim, e seus olhos esbanjavam súplica. ― , por favor.
Eu queria ter a força para ser fria, para ignorá-lo e terminar com ele ali mesmo, na frente da cafeteria lotada. Queria conseguir ignorar aqueles olhos, que pareciam transmitir dor e arrependimento.
Então fiz a decisão mais burra da minha vida.
― Vamos lá para fora. ― disse, logo olhando para a minha amiga. ― Já volto.
Eu e fomos para o beco próximo da cafeteria para termos mais privacidade. Encostei-me na parede de tijolos e cruzei os braços.
― Você tem cinco minutos. ― disse.
respirou fundo e olhou em meus olhos.
― Eu sei que o que eu fiz foi errado, . Muito errado, assim por dizer. Mas você tem que entender que eu estava passando por um momento difícil. Você estava fora, meu pai estava na cadeia, minha mãe abandonou ele e eu estava no fundo do poço. Precisava de consolo.
― Nossas conversas não eram suficientes, por acaso? Meu apoio, meu amor, nada disso? ― rebati, já sentindo meu sangue ferver de raiva do que ele acabara de falar.
― Isso não é o que estou dizendo, ! ― ele aproximou-se de mim, tocou em meu rosto e baixou o tom de voz. ― Você sabe o quanto eu te amo, eu só... eu estava tão perdido nesses últimos seis meses, eu não sabia o que estava fazendo. Por favor, me perdoe. Eu preciso de você.
Céus, esse homem me deixava tão fraca. Ele me traiu, me enganou, e eu estava ali, sentindo pena do seu olhar de filhote deixado na mudança, apenas conseguindo pensar nos bons momentos que tivemos. Por que eu tinha que ser daquele jeito? Por que meu coração, não importava o quão golpeado fosse, ainda caía na conversa de pessoas como ?
― Eu... eu não sei, . ― e agora eu estava lutando contra as lágrimas que teimavam em fugir, eu odiava ser tão sentimental. ― Como sei que poderei confiar em você novamente?
Ele pousou a mão livre e pegou na minha, apertando um pouco demais.
― Não sei o que posso fazer para fazer você confiar em mim de novo, , a única coisa que você pode é escolher acreditar na minha palavra e acreditar no quanto eu te amo. ― ele encostou sua testa na minha, e eu podia sentir sua respiração. ― Eu imploro, acredite em mim. Acredite quando eu te digo que aquelas garotas não chegam aos seus pés, quando eu te digo que não sinto nada por elas, mas que o que sinto por você é eterno.
Respirei tão fundo que eu deveria ter roubado todo o oxigênio presente ali no momento. O que eu deveria fazer?
Tomar uma decisão era tão difícil. Nós já namorávamos há dois anos e era a primeira vez que passávamos por algo difícil como casal. Todos dizem que relacionamentos verdadeiros sobrevivem pelos tempos ruins, mas quando seu namorado te trai com outras seis mulheres, o discurso continua o mesmo?
Devido aos dias passados, eu já estava mais calma e já era capaz de ponderar certas coisas, mas eu tinha muito medo de não tomar a decisão certa. Se eu decidisse continuar com ele, ele poderia muito bem me machucar novamente, mas se eu não continuasse, eu poderia estar perdendo um amor com potencial.
Era horrível para mim que durante esse tipo de momento eu só conseguia pensar no momento em que nos conhecemos, ou quando nos apaixonamos, e todas as vezes em que fomos em encontros épicos e românticos. Ou também quando eu peguei pneumonia e , sem medo algum de também pegar, cuidou de mim 24h por dia por duas semanas. Nessa época, eu realmente conseguia sentir que ele me amava.
Talvez ele estava passando por um momento difícil, certo? Afinal pessoas cometem erros, ninguém é perfeito. Ele sempre foi um namorado bom para mim, muito melhor do que os outros, talvez eu deveria deixar essa passar.
― Eu posso considerar isso, . ― dei a minha resposta ainda um pouco cabisbaixa, mas não o suficiente para que não conseguisse ver o sorriso enorme no rosto dele.
― Sério? Uau, , você é tão incrível! ― ele me abraçou com uma força extraordinária.
― Mas com algumas condições. ― eu permanecia séria, e ele voltou a ficar com a expressão neutra. ― Não faça isso de novo. Se você fizer, eu estou fora, e estou falando sério. Aliás, minha confiança nunca mais será a mesma.
ouviu atentamente e assentiu com lentidão.
― Eu juro que vou fazer de tudo para recuperá-la. ― ele tocou em minha bochecha novamente. ― Eu te amo, .
E dessa vez quem deu um sorrisinho fui eu. Mas aquela conversa de nada adiantou; ele me decepcionaria novamente, ao contrário do que prometeu.
Dois anos depois
Ryan andava de um lado para o outro como um louco na frente da igreja. Talvez fosse porque eu não fiz parte do outro lado da história, mas eu nunca vi um noivo tão nervoso em toda a minha vida.
― E se ela disser “não”? E se ela repensar todo o nosso relacionamento e ver que não me ama de verdade? ― geralmente era tão fofo o jeito que ele ficava nervoso, mas dessa vez era apenas irritante; principalmente porque eu também estava cansada e nervosa para a cerimônia, depois de meses e meses ajudando a organizá-lo.
― Ela não vai dizer “não”, Ryan! Deixa com essa birra, já é a quinquagésima vez que você faz essa pergunta. Aceite que a Joanne te ama, caramba! ― respondi, irritadamente. E sim, você leu certo. Meu irmão e minha melhor amiga se casariam, o quão ótimo era isso? Eles começaram a ficar poucos dias depois de toda aquela confusão na cafeteria e não demoraram em se apaixonar loucamente. Foi como assistir uma história de amor ao vivo, e eu amei cada segundo daquilo.
Depois de minhas palavras um tanto quanto agressivas, meus pais interviram e começaram a consolá-lo de uma maneira mais reconfortante. Enquanto isso, fui checar meu celular para ver se tinha me mandado uma mensagem, mas nada. Ele já estava um pouco atrasado e, embora fôssemos entrar antes de Joanne que também não estava ali, combinamos que ele chegaria no mesmo horário que eu, que já estava lá há mais de meia hora.
Minha mãe logo anunciou que tinha recebido uma ligação dos pais da noiva, que disseram que já estavam à caminho e que Ryan e mamãe já poderiam entrar, e aquilo só fez eu ficar mais irritada com o atraso de meu namorado.
Por sorte, ele surgiu das sombras, correndo e com a gravata-borboleta desfeita, além do cabelo muito bagunçado.
― Onde diabos você estava? ― eu perguntei, quase gritando, enquanto ele se aproximava.
― Amor, amor, sinto muito! Eu estava cuidando de uma obra que eu estou encarregado e acabei me distraindo e perdi noção da hora, sério, me desculpa. ― quando ele parou de correr ele se encostou na parede da igreja e começou a ofegar. ― Quando vi que hora era eu corri para o meu apartamento para me trocar.
Eu respirei fundo e olhei para o céu, pedindo a Deus que me desse paciência para não xingar até as próximas 10 gerações da família de .
― Tudo bem. ― meu tom de voz estava um tanto quanto amargurado, mas fui até ele e o ajudei com a gravata e tentei fazer o possível para arrumar seu cabelo com meus próprios dedos.
Durante o tempo em que fiz tudo isso, ele olhou para mim de baixo para cima, encarando meu vestido prata longo e de frente única e sorriu.
― Você está linda, . ―ele disse, fazendo eu sorrir de volta.
No fim, tudo deu certo. Joanne chegou em menos de cinco minutos e conseguimos entrar triunfalmente. Foi uma cerimônia linda, todos choraram ― inclusive eu, principalmente na parte dos votos. Todas as palavras soaram tão honestas, o amor entre eles poderia ser sentido num raio de 100km, mas aquilo também me fez refletir.
Eu olhei para , que ao mesmo tempo que parecia atento à cerimônia, também parecia não estar ligando para o que diziam. Mesmo que eu tivesse o perdoado pelas suas traições, minha confiança por ele nunca se recuperou e a chama que antes era capaz de incendiar um prédio inteiro, estava lutando para manter-se acesa. Comparado ao que meu irmão e minha melhor amiga tinham, parecia algo tão vazio, porém eu nunca tive a coragem de ter uma conversa séria com ele sobre isso.
A festa também estava sendo um arraso; todos pareciam estar se divertindo, mas depois que eu tive o momento de choque com o fato de que eu não amava meu namorado do jeito que deveria, eu era a única que não se sentia confortável e feliz ali.
― Qual é a da vez? ― Joanne e seu vestido bufante de princesa lutaram para sentarem na cadeira ao meu lado. Eu odiava o quão bem ela me conhecia.
― Seu amor me deixa triste. ― eu torci meus lábios.
― Como assim? ― ela deu uma risadinha.
― Quando você e o Ryan estavam se declarando pelos votos. ― suspirei. ― Eu meio que percebi que o que sinto por não é o suficiente.
― Deve ser um sentimento passageiro, amiga. Vocês estão juntos há quatro anos, é comum que as coisas fiquem um pouco estagnadas. ― Joanne tentou me consolar, mas aquilo não foi o suficiente.
― É, talvez. ― abri um sorriso amarelado, mas logo mudei minha postura. ― Ei, vá aproveitar seu casamento. Não quero estragar seu dia.
― Ah, , você nunca poderia estragar o meu dia. Você é a razão pela qual ele está acontecendo, em primeiro lugar. ― ela sorriu e deu um beijo na minha bochecha antes de se levantar. ― Tente melhorar. Beba ou coma alguma coisa, dance. Esse dia é parte seu, também.
Joanne saiu dali e foi direto aos braços do meu irmão, dando-lhe um beijo de cinema e não conseguindo segurar o sorriso. Ver aquela cena era tão gratificante por saber que eu tinha feito aquilo acontecer e por ver duas das pessoas mais especiais da minha vida feliz, mas era triste ver que eu tinha 25 anos, namorando desde os 21, com a vida quase resolvida e mesmo assim me sentia mais vazia que um vaso decorativo.
Tentei me distrair e não me preocupar muito com a minha relação com , então retirei todos os meus pensamentos da minha mente, pelo menos até às 6h da manhã do dia seguinte e aproveitei a festa como a irmã do noivo, melhor amiga e madrinha da noiva deveria.
Contudo, não consegui me manter paz e amor para sempre.
Na segunda seguinte, fui trabalhar como era de costume. Eu era uma das chefs auxiliares num restaurante em San Diego, um dos melhores trabalhos do mundo. Me formei em Gastronomia pouquíssimo tempo depois de voltar do meu intercâmbio, obtendo sucesso até o momento, e meu próximo objetivo era virar a chef principal.
Duas semanas antes, uma nova auxiliar havia sido contratada, e eu fiquei responsável por treiná-la e fazer com que ela se adaptasse bem. Gigi era três anos mais nova que eu, um pouco aérea, porém muito talentosa. Além de ser nova no restaurante, ela também era nova na cidade e, embora eu também não morando lá integralmente, conhecia cada pedacinho de San Diego justamente por ser a meia hora da minha cidade e por ir lá quase todos os dias, então tentava ajudá-la com os lugares certos para ir e com direções.
― Bom dia, . ― ela alegremente me cumprimentou enquanto picava um tomate.
― Bom dia, Gigi. ― eu a cumprimentei de volta enquanto colocava meu uniforme por cima das minhas roupas normais. ― Como está?
― Com um pouco de ressaca, saí ontem à noite com aquela cara que te falei na semana passada. ― ela contou, o que me deixou animada.
― Ah é, eu me lembro! Como foi? Como ele é? ― questionei.
― Ele é perfeito, ! Não acredito no quão sortuda eu sou, estou aqui há pouquíssimo tempo e já conheci um cara incrível. Ele foi um cavalheiro, insistiu em que pagasse todo o jantar e não poupou elogios a mim, além de ter respeitado o fato de eu querer ir devagar com tudo por ser nova na cidade. ― os olhos dela brilhavam. Ok, com certeza tinha algo no ar para tantos romances estarem acontecendo.
― E qual é o nome dele? Você nunca chegou a me contar.
― . .
Assim que ela disse aquele nome, minha garganta fechou e eu congelei. Não, não, não, isso não poderia estar acontecendo de novo. Aquele cafajeste! Eu tentei manter o controle na frente de Gigi e manter o pé frio pelo resto do turno e por sorte, consegui. Mas foi por pouco, tão pouco.
Na meia hora que demorei para chegar em La Luna, pensei em todas as coisas que falaria para , todos as coisas que o xingaria, mas tudo que consegui foi me condenar pela minha burrice de tê-lo perdoado na primeira vez. Pois é como dizem “uma vez traidor, sempre traidor”.
Estacionei na frente do seu prédio e subi até seu apartamento sem nem cumprimentar Lerroy, de tão furiosa que estava. Toquei a campainha freneticamente até que ele atendeu.
Todo o discurso que eu tinha preparado foi por água abaixo quando vi o rosto daquele filho da puta. Sem pensar duas vezes, dei um tapa no seu rosto sem nenhum dó.
― Como se atreve a fazer isso comigo, ? Depois de tudo que fiz por você, depois de ter te perdoado e confiado em você?! ― esbravejei enquanto ele massageava o próprio rosto e me olhava como se eu fosse louca.
― Do que diabos você está falando, ?! ― ele teve a coragem de perguntar.
― Eu estou falando da Gigi, ! Você realmente achou que eu não iria descobrir? Bem, pois saiba que ela é a minha colega de trabalho. Além de cafajeste, também é burro.
― , por favor, vamos conversar... ― ao mesmo tempo que ele parecia um pouco apavorado, eu finalmente pude ver sua máscara caindo e o quanto ele agora mais parecia um manipulador do que um cara arrependido.
― Não, não vamos conversar, ! Da última vez que eu permiti essa “conversa”, eu caí na sua lábia e nos seus joguinhos, mas agora não! Eu te avisei, eu te disse, , que se você fizesse isso de novo eu pularia fora. E aqui estou eu, cumprindo com a minha palavra, mas não antes de falar o que você merece.
― Isso é apenas um engano, é...― antes que ele pudesse terminar de falar, eu o interrompi.
― Engano merda nenhuma! Você não passa de um idiota que só sabe decepcionar as pessoas em sua volta. Dessa vez não tem desculpinha de que eu não estava presente, que você estava perdido, porque eu estava aqui pra assistir a sua vida.
― , por favor, escute...
― Não, eu não vou escutar, você vai! ― exclamei. Eu já estava completamente sem filtro, e falava sempre as primeiras coisas que vinham em minha mente. ― Na verdade, eu fico até feliz que isso tenha acontecido, pois eu precisava reunir coragem para te deixar. Nos últimos dias eu percebi que isso, esse relacionamento, não é o que eu desejava, e que eu já não sentia quase nada por você. Bem, agora com o que eu descobri, eu realmente não sinto nada por você. Saiba que eu não contei para Gigi sobre nosso relacionamento e a deixei acreditar que você é o cara perfeito, mas agora eu preciso saber. Ela era a única? ― se fez de surdo e ficou cabisbaixo e eu comecei a gritar. ― Me responda, caralho! Ela era a única?!
Ele balançou a cabeça negativamente e eu ri de nervoso.
― Você é um babaca. Tchau, . ― fui em direção a porta, mas antes de sair, ainda disse outras palavras: ― Cuidado. Afinal, se eu te peguei, as outras também podem. Tenha uma vida miserável, .
Então eu saí daquele apartamento, que para mim agora parecia o imóvel mais imundo do universo, determinada, decidida e principalmente, me sentindo mais livre do que nunca.