’s P.O.V.

Abri os olhos e sentei-me na cama, ofegante. Acontecera de novo! Estiquei-me para ligar o abajur. Engatinhei até a borda do colchão e balancei meus pés pulando para o chão. Calcei minhas pantufas, parando somente para pegar Corey, meu sapo de pelúcia.
Abri a porta de meu quarto, encolhendo-me com seu rangido assustador e tateei pelo corredor até o que meu pai dormia.
O barulho de algo se aproximando de mim rapidamente, fez com que eu congelasse a meio caminho do destino final. Ao sentir uma lambida em meu tornozelo, suspirei tranquila. Era só Zeus, o cachorro de meu irmão.
Prossegui um pouco mais calma e escancarei a porta de meu pai fazendo com que ele acordasse no susto.
- Meu Deus, , assim eu não vou durar muito tempo. – Exclamou, com uma mão no coração, e ligando com a outra a luz de sua cabeceira.
- Desculpa, papai. – Repliquei abraçando Corey mais forte tentando segurar minhas lágrimas.
- Querida, tudo bem. – Começou ele com um tom gentil. – Vem aqui. – Suplicou, batendo com a palma no espaço vazio a seu lado.
Eu aproximei-me lentamente e escalei sua cama aconchegando-me perto dele.
- O que foi, querida? Mais um sonho?
- Sim, papai. Eu não entendo.
- O quê, coração?
- Era como se eu fosse ela. Como se eu fizesse as escolhas dela.
- Como quem, filhinha? – Perguntou ele puxando-me para mais perto com um abraço lateral.
- A princesa !
Papai riu baixinho encostando o queixo no topo de minha cabeça para disfarçar. Porém, estando recostada em seu peito senti seus tremeliques e fiz uma careta empurrando-o para longe.
- Não é brincadeira! – Exclamei com um biquinho, braços cruzados e uma carranca.
O combo que podia assustar qualquer pai solteiro de uma criança de sete anos.
- Eu sei. Sinto muito. Conte-me mais sobre como foi dessa vez. Talvez isso ajude a esquecê-lo.
- Que ideia boba, papai! Eu não quero esquecer.
- Não, ?
- Claro que não. Mas eu vou te contar de qualquer jeito. – Tagarelei recostando-me novamente em seu peito. – Tudo começou em um Castelo na cidade de Piemonte...

Anthea Santorini P.O.V.

- SENHORITA ! VOLTE AQUI IMEDIATAMENTE! – Berrava Wanda, tentando me alcançar, quase sem fôlego.
Algumas horas eu tinha pena da governanta. Com minha mãe tendo de lidar com seus deveres de Rainha, sejam lá quais fossem, era a pobre da Wanda que acabava tendo o dever de fazer as ordens da matriarca serem cumpridas.
Eu também não facilitava em nada a situação, sendo uma “pestinha”, como ambas gostavam de chamar minhas atitudes nos seus inúmeros sermões.
Em um dos banquetes que meus pais encomendaram para receber visitas do sul da França, brinquei com o padre Bain que se ele precisasse de ajuda em sua igreja, poderia chamar a mamãe. Ela, com certeza, sabia passar um sermão como ninguém.
Todos à mesa riram com o que eu disse... Menos meus pais. Claro que fiquei de castigo: uma semana sem poder ir à Vila brincar. Na verdade, até hoje acredito que o papai disfarçou a risada com uma crise de tosse em um timing suspeito. Quando apontei este fato para mamãe mais tarde, ela não gostou nem um pouco. Mais uma semana foi adicionada à minha sentença. “Por ficar inventando gracinhas”, ela disse.
Mamãe tinha ficado tão sem graça que eu a embaracei na frente de seus amigos, que engasgou em seu cálice de vinho. O pior é que acabou espirrando Fontenello Rosso - uma garrafa de vinho tinto, dos bons – em todo seu vestido branco. Por ter estragado o vestido que ela mandara fazer em Paris, ganhei mais uma semana de castigo.
Resumindo, perdi a conta de quantas semanas não pude ir à Vila. Era lá que moravam os camponeses, divididos entre pequenas províncias. Sempre os achei muito interessantes.
As crianças de lá, por exemplo, eram muito mais divertidas. Nenhum dos meus amigos nobres toparia sujar suas vestes para brincar comigo no riacho. Não, eles preferiam jogar cartas, xadrez, brincar de bonecas ou treinar algum instrumento em grupo.
Eram todos uns caretas que só sabiam fazer o que lhes era mandado. Suas mentes eram tão alienadas que não conseguiam perceber a imensidão do mundo à sua volta. Eu não era cega. Meus pais não podiam me proteger para sempre de conhecer outros modos de vida e errar. Errar era importante, porque sem isso, como eu iria aprender? Que tipo de plano era esse, de que a próxima na linha sucessória do trono não podia conhecer seu povo e para quem fosse governar?
Sempre que eu passava na Vila, não importa o distrito que fosse, me tratavam como uma igual. Tudo bem que ninguém me conhecia como a princesa. Isso era só algo que meu pai preferira fazer para não me pôr em perigo tão cedo: manter meu anonimato. Circular pelo reino como a Princesa perderia completamente o propósito e a graça para mim. Além disso, poderia ser letal com inimigos do Rei Alexandre IV, ou papai - como eu o conhecia - sempre à espreita.
Em meu tempo livre, nos dias em que mamãe não estava irritada ou Wanda não queria enfiar lições de tutoria na minha mente, eu podia descansar.
Descanso para mim significava que poderia encontrar o quarteto de amigos que eu fizera desde minha primeira ida à Vila. As meninas Claire e Dana não eram como as outras que eu conhecia. Vestiam calças de pano e sempre estavam com os cabelos presos em um rabo de cavalo ou até soltos ao vento! Eu não poderia fazê-lo. Minha mãe nunca permitiria. Mas a época de obedecer a suas ordens havia acabado.
Tecnicamente, agora eu era uma pré-adolescente e podia decidir o que faria com minha vida. Doze invernos se passaram desde que eu nasci e já sabia minha forma de escapar do castelo sem ser avistada.
“ Anthea Santorini é a única Herdeira do Trono”.
Todos viviam repetindo tal frase quase como um mantra ou uma benção. Mas eu via mais como uma maldição. Não sei por que sempre esperaram que eu aceitasse bem o fato de ter tido minha vida toda planejada por mim, antes mesmo de nascer.
Tanto Claire, quanto Dana eram muito legais, mas moravam em um vilarejo mais perigoso: a província de Saratov. Papai e mamãe receavam que alguém tentasse me machucar, então não tinha permissão de ir até a casa delas. Por esse motivo, eu acabava passando mais tempo com os meninos. era filho de um ferreiro muito habilidoso e o chefe de armas do Rei estava sempre lhe visitando. Se eu insistisse muito, o tio Louis deixava que eu fosse com ele à província de Vernazza.
e Patrick eram irmãos gêmeos e vizinhos de porta do então sempre acabávamos no quintal de um deles, brincando até o entardecer.
Perdi a conta de quantas tardes passara com o grupo durante minha infância. Porém, a cada ano, as visitas foram tendo de ser diminuídas. Em movimento contrário, a pressão de meus pais para que eu aprendesse tudo o que precisava para liderar o nosso povo só aumentava.
Atravessei a biblioteca da ala norte do palácio apressada, e vendo que Wanda ainda não havia me alcançado, entrei na passagem secreta que saía de dentro do armarinho. Não ousei me mover inicialmente, vendo através das frestas, que a governanta havia acabado de entrar no recinto, suando horrores e segurando um vestido bufante qualquer que minha mãe havia escolhido.
Mais uma roupa que não irei usar! Pensei, irritada. A rainha Theresa Anthea Santorini podia ser muitas coisas, mas flexível não era uma delas. Pois bem... Eu puxara isso dela.
Assim que a mulher saiu do quarto continuando a gritar meu nome, virei-me abaixando sob meus joelhos. No escuro, tateei a parede oposta às portas de madeira até encontrar a portinhola escondida. Peguei a chave em meu colar e destranquei a fechadura. Atravessei o túnel estreito engatinhando até os túneis subterrâneos. Lá eu mantinha uma mochila com meu disfarce e algumas moedas. Guardei uma maçã e uns biscottes* (torradinhas italianas) que eu havia roubado da cozinha para a viagem. Vesti-me como uma plebeia e trancei o cabelo lateralmente.
Saí pela lateral do castelo, vendo que já me aguardava no lugar em que havíamos combinado. O menino estava deitado com a cabeça recostada em um tronco de árvore. Gesticulava como se estivesse falando com Zeus, seu cavalo, que pastava há alguns metros dele. Estava tão absorto que não percebeu quando me esgueirei até perto dele, na periferia da floresta, que se estendia até a Vila.
- O que você está fazendo? – Perguntei dando um passo mais próximo de seu rosto, fazendo uma sombra em sua face.
Estendi uma maçã para Zeus enquanto ele se levantava.
- Ahn nada, ... Não tinha te visto.
Quando continuei a encará-lo como se fosse maluco, ele continuou tagarelando, com as bochechas vermelhas de vergonha.
– Você está ótima, uma verdadeira plebeia, menos pelo fato de que você cheira como rosas. -Completou com uma careta. Pegou um pouco de terra e jogou em mim como se isso fosse algo completamente normal a se fazer. Mas esse era , sempre mais preocupado com o que era prático e lógico do que com o racional. - Vamos?
O garoto sorriu para mim, assobiou chamando a atenção de Zeus e gentilmente pôs as mãos entrelaçadas para eu apoiar meu pé.
- Um abraço primeiro, não é camarada? Vem aqui! – Puxei-o em um abraço apertado, que ele retribuiu prontamente. podia ser o mais musculoso do grupo, mas certamente era a pessoa mais doce que você poderia conhecer.
- Senti saudades, .
- Eu também, . - Respondi, fazendo um gesto para dispensar sua ajuda. – E eu sei montar sozinha, por favor, né.
– Ah, sinto muito princesa. - Replicou montando em Zeus. – Não cometerei mais esse deslize.
- Shiu! –Alertei aceitando sua mão e subindo na garupa do animal. – Ninguém pode saber, lembra?
Pude sentir seu revirar de olhos mesmo de onde eu estava, encarando suas costas. Dei um tapinha em seu braço e circulei sua barriga com meus braços para segurar-me.
- Não entendo por que não conta logo para o resto deles. Para que deixá-los pensando que...
- Eu só não quero que me olhem de forma diferente! Você se lembra, quando descobriu ficou sem falar comigo por uma semana e olha que você que é o bonzinho.
- Tem razão... Eles iam surtar. Mas, , é melhor que descubram por você.
- Eu sei... – Falei suspirando. – Agora vai, que não temos o dia todo. – Continuei, com um tom entediado.
- Mandona. – Replicou sorrindo e fazendo com que Zeus acelerasse.
Ali, cavalgando com , me senti livre. Rindo, com o vento lambendo as mechas de meu cabelo que se revoltavam para fora de minha trança lateral. Feliz, com a sensação de que o resto de meu país me esperava para descobri-lo como um todo.
Algum dia, pensei. Um dia, quando atingisse a maioridade eu iria conhecer o resto de meu povo. A parte dele que não vivia no palácio e que tinha maiores problemas do que escolher a cor da cortina para o baile de inverno.

’s P.O.V.

- Eu tenho mesmo que ir, papai? – Perguntei, sentindo Jenna repuxar dolorosamente meu cabelo em um coque elegante.
Sempre odiei os eventos políticos do papai, mas como um governador aspirante à vice-presidência, ter seus filhos a seu lado traria uma boa imagem.
Viúvo e com dois filhos, Robert era a perfeita imagem de um pai dedicado à família e ao mesmo tempo comprometido com seus deveres à nação. Mesmo eu, sua filha, ficava impressionada com sua habilidade de arranjar tempo para tudo. Era admirável a forma como mesmo tendo um trabalho que exigisse muito dele, e o estressasse, papai ainda encontrasse tempo para ir me ver no meu torneio de esgrima ou no clube de debates de Gabriel.
Era por esse motivo que eu e meu irmão aceitávamos nos despencar para todos os eventos chatos e com comida ruim que papai nos fazia acompanhá-lo.
- Mas, papai, o Gabriel já vai com o senhor. Acaba tarde e...
- Meu amor, hoje é muito importante! Um candidato à presidência estará lá e eu precisava de todo o apoio de vocês no baile. Ele está procurando por alguém para aglomerar na sua campanha, eu tenho certeza disso. – Comentou andando de um lado para o outro enquanto a cabelereira me torturava com seus puxões em meu couro cabeludo.
- Prontos? – Perguntou Gabe aparecendo à porta do camarim vestido em seu terno bem cortado.
Sim. Tínhamos um camarim dentro de casa. Éramos ricos. Mas quando digo ricos, quero dizer que tínhamos dinheiro mesmo. Nossa mansão continha todo o tipo de cômodos supérfluos e milhões de quartos que nunca eram usados, exceto na grande festa de natal. Nela reuníamos toda a família e amigos do trabalho do papai.
- Quase. – Respondeu Jenna pegando o fixador e fazendo-me tossir com o spray exagerado.
Levantei em meu vestido desconfortável, que a arrumadeira havia me auxiliado a vestir mais cedo, e pus a mão na cintura virando o olhar para os dois babões que me encaravam, boquiabertos.
- O que foi? – Perguntei olhando para ver se o cachorro quente que eu comera havia manchado o profundo azul de meu vestido caro.
Tudo o que vi foi o corpete impecável com uma seda que se estendia até o início de meus saltos prateados. Voltei meu olhar aos homens de minha vida. Ambos confusos e admirados.
Começando a sentir vergonha de toda aquela atenção indesejada, apressei-os revirando os olhos.
- Vamos logo, papai, não vai querer se atrasar. – Virei-me para Jenna sorrindo. – Obrigada mais uma vez, Jen! Pelo cabelo e a maquiagem também. – Ah e por ter quase arrancado cada fio do meu cabelo. Pensei.
- Claro, senhorita . Senhor . - A mulher abriu um sorriso falso e apertou o braço de meu pai com suas unhas afiadas enquanto saía.
Jenna me odiava com todas as suas forças e eu não podia culpá-la. Eu frustrara todas as suas patéticas tentativas de seduzir meu pai. A última coisa que precisávamos era de uma madrasta sem cérebro.
Os parceiros de campanha de meu pai viviam insistindo para que ele arrumasse a tal da esposa troféu, mas ele se recusava todas as vezes. Ele sacrificaria muitas coisas pela campanha, mas nada que fosse afetar a mim e a Gabe.
Eu achava sua racionalidade admirável, mas Pattie, a chefe de campanha discordava e Robert fora obrigado a iniciar sua caça por uma esposa. Porém ele deixou bem claro que só aceitaria uma mulher que fosse boa conosco, vetada por mim, meu irmão e por fim, com quem ele tivesse um mínimo de afinidade.
O trajeto de limusine até o evento foi percorrido muito rapidamente. Passamos pela mesma rotina de desviar de repórteres, atender aos procedimentos de segurança e cumprimentar os mesmos velhos governantes de nosso país.
Quando dei por mim papai já me puxava a seu lado para acompanhá-lo até o pódio, onde discursaria naquela noite. Fora convidado a falar pelo anfitrião devido a seu dom com as palavras, o mesmo que o fizera ser eleito.
Robert tinha a famosa lábia. Isso era um poder perigoso para um pai. Ele conseguia ganhar todas as discussões comigo desde que eu era pequena.
Enquanto Gabe herdara esse dom, eu costumava ter abordagens um pouco menos diplomáticas. Sabia elaborar planos e estratégias geniais, porém persuadir não era meu forte. A irracionalidade de alguns indivíduos tinha o efeito inevitável de me irritar.
Meu pai era um daqueles homens românticos. Acreditava em destino e na ideia de que há todo um multiverso ao qual não conhecemos. O discurso que preparara durante semanas, trabalhara esse ponto exaustivamente e quando finalmente chegou a hora de entoá-lo ao público, ele o fez com seu carisma habitual.
- Boa noite, senhoras e senhores, guardiões da república.
O público acenou ou respondeu-lhe em um coro de boa noite.
- Venho aqui, nessa noite tão especial, falar um pouco mais sobre as ideias doidas que vem à minha mente. – Ouviram-se risadas compostas.
- Como já falei algumas vezes, mas eu vivo repetindo, porque vai que assim eu acabo atingindo alguém, sou um adepto à teoria do multiverso. Mas o que seria isso? Será que o velho bebeu de novo? – Brincou ele, fazendo movimentos circulares com o dedo perto de sua orelha, como se fosse maluco.
- Multiverso é um conjunto hipotético de todos os universos possíveis. Incluindo o em que estamos vivendo nesse exato momento. Todos sabemos que a vida é composta de escolhas, certo? Isso é o que defendemos em nossa amada república federativa. Que tenhamos a liberdade de escolher. Mas não é uma tarefa fácil. Desde selecionar uma cor de gravata, até decidir se declararemos ou não guerra a algum país estrangeiro, abrimos mão de uma opção em prol de outra. E é nesse ponto... – Começou debruçando-se no palanque confortavelmente, como eu nunca estaria se fosse eu lá, discursando com o atual presidente sentado na plateia, me ouvindo. – É exatamente aí que nossa trajetória se bifurca. Há um universo em que nunca saímos da Idade Média, um universo em que, Deus me perdoe, o terrorismo dominou o mundo por completo. Ou até mesmo um em que eu, Robert , decidi usar uma gravata vermelha de bolinhas no lugar dessa azul listrada.
Nesse ponto desviei o olhar para o público, que parecia hipnotizado e sedento por cada palavra que saía da boca de meu pai.
- Cada escolha que fazemos todos os dias é essencial. Ela define o futuro de nossa grande nação. – Completou, dando uma mão para mim e a outra para Gabe prostrado em seu outro lado.
- Então venho por meio deste discurso, e acompanhado de minha família, pedir que escolham sabiamente. – Fixou seu olhar com seriedade em cada um dos presentes, fazendo uma pausa dramática. - Principalmente se for quanto à cor da gravata! – Terminou brincalhão, retornando o bom humor que contagiou a multidão.
Descemos do palco com uma onda de aplausos retumbando em nossos ouvidos. Era tão alto que mesmo mais tarde enquanto me preparava para dormir, após ter retirado todos os apetrechos desconfortáveis de meu corpo, o som ainda ressoava no silêncio de meu quarto.
Deslizei pelo colchão macio por debaixo de meu cobertor e recostei minha cabeça no travesseiro. Estava exausta, mas sabia que a noite não acabaria por ali. Abri um sorriso e cerrei meus olhos curiosa para descobrir mais de .
Pode mandar, princesa, estou chegando. Esse foi meu último pensamento antes que sentisse o puxão habitual para fora de meu corpo. A leveza incomparável com qualquer outro sentido humano precedeu a queda. Se você já sonhou que estava em queda livre, entenderá o que quero dizer. Era como se aterrissasse no corpo daquela menina que eu aprendera a pensar como se fosse um outro eu.

Anthea Santorini’s P.O.V.

Sentei-me à mesa apoiando a cabeça entre as mãos. Meus pais conseguiram. Mais um baile em que eu tinha que sorrir até minha face ficar dolorida e cumprimentar os membros mais influentes da nobreza, em toda sua pomposidade.
Meu vestido pinicava com as contas bordadas à mão penetrando minha epiderme. Era tão colante que parecia uma segunda pele até chegar minhas coxas, quando se abria em uma cauda elegante. A bela máscara prateada repousava em meu nariz pesadamente. Ordens de meu pai, acredite ou não. Não era só Theresa que sabia ser rígida. Alexandre IV também tinha seus momentos.
Não via meus amigos fazia seis meses. Minha mãe descobrira minha passagem secreta e mandara selarem-na, para que eu nunca mais ousasse quebrar suas regras. aparecera para me buscar no dia habitual durante as primeiras semanas. Eu observara sua figura confusa, ligeiramente preocupada, da janela da sala de chá. Doera muito não poder lhe explicar o porquê de ter desaparecido. Porém, fora somente quando ele parara de vir, que eu realmente chorara.
Um toque em meus ombros despertou-me de devaneios. Virei a cabeça para o homem que estendia a mão para mim, com uma máscara vermelha como o fogo cobrindo sua face.
- Não estou interessada. – Repliquei revirando os olhos para a audácia do indivíduo.
Senti um cutucão em meu braço e finalmente levantei-me para ver o que ele queria.
- Mas o quê é?! Não sabe entender um não? – Repliquei aproximando-me do imbecil e pretendendo ensinar-lhe uma lição de boas maneiras.
A única coisa que evitou que eu quebrasse o braço do menino foi a voz que entoou a frase em seguida.
- Filha, está tudo bem? - Perguntou Theresa, farejando problemas.
Na última festa em que eu brigara, as consequências foram feias, então inspirei fundo e abri meu melhor sorriso falso.
- Claro, mãe, eu só estava oferecendo ao... Bem, a ele, uma voltinha pelos jardins. Vamos? –Perguntei sem esperar uma resposta do menino que foi puxado por mim até a varanda.
- Tire a máscara, agora. – Falei pausadamente, desconfiando que fosse alguém, mas não querendo que minhas esperanças fossem frustradas.
- Poxa, , é assim que me trata após seis meses sem nos vermos? - Perguntou ele.
Foi o suficiente para que eu corresse em sua direção antes mesmo que retirasse a máscara.
- ! – Abracei-lhe apertado. Sentira muitas saudades de meu amigo.
- Hey, pequena. – Sussurrou depositando a mão em minha cabeça carinhosamente.
Congelei ao perceber que estava ali, no palácio.
- Mas como você... Você sabe que eu sou...
- A princesa e futura rainha de nossa nação? Ah sim, e muito obrigado por ter me contado.
- Todos sabem? Você não me odeia?
- Nunca te odiaria, pequena. Mas sim, fiquei irritado por alguns dias. Como pôde confiar esse segredo a e não a mim? Ficou maluca? Aquele menino deixou escapar na primeira pressãozinha que eu fiz para saber o porquê do seu sumiço.
- Desculpe-me. Eu só não queria...
- Não precisa se desculpar. Eu entendo. Mas o resto do grupo ainda não sabe e eu pretendo manter assim, pelo menos de minha parte. Você é que precisa contar a eles, .
- Eu sei disso, ok? Eles são meus amigos e merecem saber, mas agora não é o momento certo.
- Como quiser. E não se preocupe com o bobão, - Começou levantando o olhar de seu rosto. –me certificarei pessoalmente que mantenha a matraca fechada.
- O bobão tem ouvidos, ok?
Virei-me para abraçar que surgira de trás de uma roseira.
- Uma Rosa, para a Rosa mais linda de todas. Você tem até os espinhos. – Falou com um tom de voz divertido, estendendo-me a flor. Aceitei-a ainda desnorteada com a surpresa.
- , eu não acredito que também está aqui. – Sorri abraçada de lado com meu melhor amigo.
- Claro que eu vim. não merece ganhar toda a atenção. Eu também estive ansiando para vê-la. Além disso, quem mais conseguiria acesso para dentro do castelo?!
- Você encontrou outra passagem? – Perguntei boquiaberta e muito empolgada.
- Eu disse que sempre encontraria uma forma de livrá-la da prisão. É isso que amigos fazem.
- Ta bem, para de ser fofo. Daqui a pouco estaremos falando sobre sentimentos e coisas melosas. – Falei com cara de nojo.
- Essa é minha . – Replicou revirando os olhos.
- Quero que me ensine essa passagem. Mas eu não irei usá-la tão cedo. Lembram-se de meus planos, meninos? Meus pais não podem descobrir que eu ainda tenho como fugir do castelo. Hoje eu faço dezesseis anos e daqui a dois anos, partirei daqui para descobrir as províncias. Ficarei fora por meses antes de retornar ao castelo e reclamar meu trono por direito.
- E nós iremos contigo.
- De jeito nenhum! Eu entendo que tem seus trabalhos nas oficinas da Vila e isso é algo que devo fazer sozinha.
Ambos olharam para mim em dúvida.
- Parem com essa de irmãos mais velhos, ok? Encarem como meu teste real. Se conseguir, poderei me tornar a rainha de Piemonte. Se não... Bem, prefiro ser otimista.
- ? – Ouvi uma voz chamando-me ao longe. Nós três nos entreolhamos desanimados. Isso significava que nosso tempo estava se esgotando.
Acompanhei-os pelos jardins até os muros que cercavam o castelo. Podíamos enxergar os guardas lá de cima fazendo sua ronda, mais preocupados em manter as pessoas fora do que impedir que escapassem. Sem motivos para perceber o momento em que dois meninos mascarados e de ternos escuros entraram em um buraco, escondido na sob exposta de uma árvore incorporada ao muro e atravessaram para o lado de fora sem serem detectados.
Nunca descobri como ambos haviam conseguido ternos de fineza o suficiente para disfarçar suas condições de membros fora da nobreza. Quando questionei mais tarde ele simplesmente deu de ombros e repetiu “Tenho meus contatos”.

’s P.O.V.

Meu aniversário de dezoito anos não foi nada convencional. É claro que meu pai queria dar uma grande festa. Na verdade, duas. Uma de minha escolha, com os amigos de minha escola e outra com a família e alguns de seus colegas da Casa Branca.
Sim. Não só ele conseguira o cargo de Vice-Presidente que tanto aspirava, como era um forte candidato à própria presidência nas próximas eleições. Se a imprensa e a quantidade de eventos chatos que eu tinha de comparecer já era grande, agora virara um número massacrante.
Às vezes eu desejava me distanciar daquele mundo, assim como fizera Gabe antes de mim. Porém, finalmente chegara minha vez. Minha data de nascimento batera exatamente com o dia de minha partida para estudar em Yale. Eu poderia perseguir minha verdadeira vocação e me descobrir na área do Direito. Isso com o bônus de estar a quilômetros de Washington D.C. e de tudo o que representava.
Claro que sentiria saudades de meu pai, porém com seu novo cargo, já não tinha mais tempo para mim como antes. Nossa mansão contribuía para nos isolarmos ainda mais, tornando impossível que eu esbarrasse com ele, quando estava em casa. Realmente não éramos uma família comum. Mas eu não tinha o que reclamar.
- Então é isso... Minha menininha está me deixando. – Falou meu pai, emocionado em nossa despedida.
- Pai! – Exclamei revirando os olhos para seu sentimentalismo exagerado. – Não é como se eu estivesse partindo para sempre, sabe. Só vou estudar na faculdade que sempre quis, conhecer tudo sobre a carreira que aspiro e sei lá, conhecer algo além dos portões da mansão.
- Eu não podia estar mais orgulhoso. Quem sabe não acaba enveredando pelo mesmo caminho que seu pai, hein? Seu velho aqui também começou no Direito. – Provocou ele balançando as sobrancelhas para cima e para baixo.
- Não começa. – Repliquei abraçando-lhe apertado. – Sentirei sua falta também, pai. –Sussurrei em seu ouvido, engolindo as lágrimas que ameaçavam serem derramadas.
- Eu também, filha. Vai conhecer esse mundão, mas volte para casa, tudo bem? – Perguntou emocionado.
- Ok, eu prometo. – Sorri para ele, recebendo um último beijo de despedida em minha testa.

***

O apartamento perto de Yale que eu alugara, fora, semanas antes, todo decorado e equipado com itens de minha escolha e com minhas coisas. Porém, assim que cheguei, uma caixa de papelão estava em cima do balcão da área de serviço.
Quando olhei dentro e vi uma gatinha tão pequena que parecia uma miniatura, peguei-a em minha mão acariciando seu pelo e abri a carta que estava a seu lado.

Querida , agora que você não mora mais com papai, pensei que não faria mal lhe presentear com o animalzinho que sempre quis, mas nunca pôde ter pela minha alergia.

Gabe deve estar é sentindo-se culpado por não ter estado lá quando fui embora, logo no dia de meu aniversário.

Na verdade, também quis te presentear por conta de seu aniversário. Estou muito triste que não possa estar aí, mas a nevasca aqui na região tornou impossível viajar. Sinto muito maninha, no próximo eu compenso, prometo.

Eu sabia! Pensei, balançando a cabeça com a previsibilidade de meu irmão mais velho.

Ainda não acredito que você também entrou para Direito. O papai realmente tem uma lábia daquelas, não é? Mas acho que irá gostar, apesar de tudo. Duvido que irá para a diplomacia como eu, mas o campo jurídico é tão vasto que tenho certeza de que está no caminho certo. Sendo a estrategista nata que é, suspeito que em pouco tempo estará que nem o papai, tentando pôr sentido na mente daqueles conservadores, que dominam a política. Mostrará de que uma é feita e será nosso orgulho. Mas , por favor, não se esqueça de curtir a faculdade. Você é jovem, vai passar por uns choques, nós fomos muito mimados pelo papai, mas tenho certeza que se virará bem. Boa sorte no primeiro dia e parabéns pelo aniversário. Beijos, Gabe – o irmão mais velho e mais bonito.

Fiz uma careta confusa. Não sabia se sorria ou formava uma carranca para seu bilhete. O miado de minha nova gatinha chamou novamente minha atenção para o presente. Só por causa dela, meu animalzinho ainda não nomeado, que eu optei pelo sorriso. Teria que agradecer a Gabe mais tarde.
- Mas agora, de que vou te chamar, fofinha? – Perguntei com uma voz fina para a bolinha de pelos, que lambia sua própria patinha, sem ligar para minhas carícias amorosas.
- Já sei. – Comecei com os olhos brilhando, certa de que o nome que viera a minha mente seria perfeito.
- Vou te chamar de Ísis. – Afirmei caminhando para a sala.
Eu aprendera da pior maneira que Ísis era bagunceira. Mesmo possuindo o nome da deusa egípcia, protetora da magia e da natureza, minha nova gatinha tinha capacidade para grandes estragos. Com o seu tamanho reduzido eu ainda estava tentando entender como conseguira destruir minha planta e espalhar terra por todo o chão do apartamento. Se não fosse tão bonitinha eu teria ficado muito brava, mas tudo o que consegui foi rir como uma mãe orgulhosa.
Nesse momento, pensei que talvez não fosse uma boa ideia eu ter filhos. Provavelmente eu acabaria por estragá-los. Se ao menos minha mãe estivesse viva para ter me dado um bom exemplo de como agir nesse tipo de situações... Mas não, ela morrera em meu parto. Papai costumava dizer que ela sacrificara sua força para que eu pudesse deslumbrar o mundo com minha existência.
Nunca o dizia com ressentimento ou mágoa. Papai não fazia esse tipo. Ele sofrera muito com a perda, mas sempre falava como se mamãe fosse uma heroína, e eu, o legado que deixara para o mundo. Também se consolava com o fato de que segundo suas crenças, o casal ainda estava junto em um universo alternativo. Talvez algum em que os médicos haviam conseguido salvá-la a tempo.
Fui me deitar cedo, após arrumar a bagunça de Ísis e receber ligações felicitando-me pelo aniversário. No dia seguinte eu teria meu primeiro dia de aula em Yale. Mas essa noite seria a primeira passada fora de meu lar.
Tudo o que senti ao deslizar para a inconsciência foi medo. Meu coração temia que não fosse sonhar com aquela noite, que minhas experiências desacordadas tivessem algo a ver com dormir em minha própria casa. Porém, minha intuição me dizia que os sonhos lúcidos não parariam tão facilmente.

Anthea Santorini’s P.O.V.

- Vamos, Ísis! – Murmurei para minha égua, com um tom de urgência.
Finalmente. Hoje, eu era oficialmente maior de idade. Meu plano de fuga, orquestrado dois anos antes, funcionara perfeitamente. Toda a espera valeria à pena assim que eu alcançasse a província de Vernazza e estivesse oficialmente fora das proximidades do castelo.
O dia começara como outro qualquer. Tomara café com Francesca na cozinha (aproveitando para pegar mantimentos), tomara um banho, vestira minhas roupas de plebeia e chocara muitos guardas em meu caminho até os jardins. Não precisaria mais de vestidos. Não até que retornasse.
Deixara uma carta para meus pais, pedindo. Não, suplicando que me deixassem viver essa jornada, mas sabia que não me permitiriam escapar tão facilmente. Eu conseguira despistar um guarda, que me avistara quando me esgueirei para fora do castelo. Porém, ainda não estava fora de perigo e teria de tomar muito cuidado para não estragar o plano.
Vinha treinando a cavalgada com Ísis fazia um ano. Conseguira com que mamãe aceitasse que eu cuidasse de um cavalo. Em troca, prometi comparecer às aulas de etiqueta, que ela insistia muito que eu fosse.
Em um mês, eu e a égua conseguimos nos conectar. Fora o suficiente para que eu me sentisse confortável de treinar saltos com ela, além de outras coisas que seriam necessárias para o longo percurso que tínhamos pela frente.
Eu deixara uma carta para meus pais, em cima de meu travesseiro. Sabia que eles se preocupariam comigo de qualquer maneira. Mas não quis fugir sem deixar nenhuma explicação.
Afirmei que voltaria e quando eu o faria. Visitar os 12 reinos no período de um ano seria difícil, mas possível. Meu maior objetivo era entender as reais condições que o povo vivia.
Em minhas aulas de política e lições de estratégia, que tinha com meu pai, ele sempre falava que o mais importante era manter estabilidade nas alianças com as províncias. Eu entendia e concordava com isto. Mas a forma em que ele se assegurava disso, mantendo os chefes de cada região endinheirados e satisfeitos, não me agradava.
De que adianta um líder satisfeito se seu povo não está? Isso era a questão raiz de toda a desordem no reino e do levante para depor meu pai. Sim, eu soubera dos sussurros de revolução, que corriam como fogo, ameaçando o reinado de Alexandre IV.
Papai era um bom governante. Ele repassava muitas riquezas, mas elas não chegavam a quem realmente precisava. Eu via as condições em que meus amigos viviam. E olha que Vernazza era uma das províncias mais ricas por se situarem mais próximas do castelo.
Puxei as rédeas de Ísis bruscamente ao cruzar a fronteira para a Vila. Desci da égua e amarrei-a em uma árvore, deixando-a pastar. Caminhei até a clareira, não muito longe, onde eu combinara de me despedir de meu antigo grupo.
Cheguei, para vê-los conversando sentados de qualquer maneira no gramado. foi o primeiro a perceber minha presença, levantando-se prontamente. Corri envolvendo meus braços em seu pescoço.
- . – Suspirei. – Senti saudades.
- Quase dois anos, . Não ouse fazer isso comigo novamente.
Sorri saindo das amarras de seus braços.
- Minha vez. – Falou puxando-me para seu peito que notei estar muito mais musculoso, quase tanto quanto o de .
Empurrei sua barriga arregalando os olhos.
- O que houve com você?!
- Não é só você que vem treinado as artes da espada, princesa. – Sussurrou em meu ouvido.
- Claire, e você que está mais alta do que eu?
A menina deu de ombros abraçando-me rapidamente e voltando a afiar a lâmina de sua faca. Sempre calada e introspectiva.
- Então, , decidiu finalmente fugir do cárcere? – Perguntou Dana, abrindo um sorriso.
- Sim, meus pais estavam me matando com aquela história de casamento arranjado. –Respondi cruzando os braços, sem graça com a mentira que eu ainda guardava de todos, menos e .
- É muito bom ver vocês. Onde está Patrick?
- Ah, ele foi buscar os mantimentos. Aquele menino é um esquecido. – Disse Dana, revirando os olhos.
- E você curte e muito isso, não é Dana? – Provocou levantando e descendo as sobrancelhas.
- Como assim? – Perguntei curiosa. A curiosidade aumentou ainda mais quando Dana corou e os demais riram.
- Ele está me cortejando, ou algo assim.
- Para mim é bem real. – Ouvi Patrick dizer sorrindo amorosamente para a amiga.
- Pegou tudo? - Perguntou segurando uma das trouxas de pano que Patch trouxera. - Sim.
- Uau, vocês dois, quem diria. – Observei ambos lado a lado admirada. - Mas como assim mantimentos? Finalmente vão fazer aquela incursão, que sempre quiseram, à Sardenha? - Perguntei confusa.
Claire olhou-me como se eu fosse burra.
- Não, bobinha. Iremos com você, claro.
- O QUÊ? Mas eu falei que era algo que eu queria fazer sozinha. – Repliquei com olhares acusadores para e . Ambos se entreolharam e eu levantei uma sobrancelha aguardando uma explicação.
- Eu posso explicar. – Suspirou . – Nós ouvimos o que falou. Pretendíamos atender seu pedido, , mas...
- O Reino já não é mais o mesmo. Está perigoso. – Interrompeu . – Ainda mais para você. – Terminou com um sussurro.
Sua última afirmação desarmou minha irritação. Ele tinha razão. Até mesmo eu sentira o cheiro de rebelião de dentro dos altos muros do palácio.
- Mas todos vocês? Cada um tem suas próprias atribuições e famílias. Não quero atrapalhar a...
- Está brincando? – Replicou Dana. – Claro que estamos dentro. Um ano me aventurando pelo reino...
- Com potenciais brigas. – Completou Claire erguendo sua faca afiada.
- Sim, , todos estamos dentro. Cada um de nós também precisa disso, por nossos próprios motivos. Você só nos deu essa oportunidade. – Terminou me lançando um sorriso.
- Tudo bem. Preparem suas coisas. Começaremos por Guradia e daremos a volta ao reino a partir de lá. – Falei batendo minhas mãos uma na outra e indo atrás de Ísis. – Vou logo buscar minha égua.
Partimos naquele mesmo dia. O que não sabíamos é que os inimigos de meu pai haviam acabado de organizar sua tão desejada rebelião. E, que estávamos caminhando para um campo de guerra.

’s P.O.V.

Meu primeiro dia trabalhando como estagiária na Casa Branca foi essencial em vários sentidos da palavra. Sim, meu pai conseguira me convencer a enveredar para o ramo da política e lá estava eu, anos depois, com um diploma com honras em Yale e auxiliando na assessoria de campanha para sua reeleição.
Foi nesta mesma data que vi minha vida como o clichê que era.
Eu carregava milhões de arquivos com as pesquisas mais recentes da aprovação do governo de meu pai e os resultados não eram tão animadores. Sua vantagem sob o candidato Simon Wyllis devia ser mais expressiva, para que respirássemos com mais facilidade.
Andei apressada, sem olhar para onde ia, e acabei esbarrando em um homem que saía do salão oval. Provavelmente após uma reunião com meu pai, que ainda estava terminando seu primeiro mandato.
Até saber seu nome, apelidei o ser musculoso do sexo masculino à minha frente de tijolo. Não chegava a ser algo exagerado como os lutadores de UFC, que eu gostava de assistir. Mas era perceptível que era forte, mesmo estando vestido formalmente com uma farda de oficial.
Fiz uma careta ao ver os arquivos deslizando para o chão. O secretário até começou a levantar-se para ajudar-me a catar os documentos, porém recusei categoricamente.
- Tudo bem, Dave, pode atender ao telefone. – Falei abaixando e sendo seguida pelo homem fardado. – Desculpa por ter trombado em você... – Continuei, levantando meu olhar ao homem que me ajudava em silêncio.
Fiquei arrepiada assim que meus olhos encontraram os seus. Eram azuis como o mar.
- Sem problemas, senhorita...
- Carver. – Respondi com um olhar furtivo para Dave. Não queria que desse um pio sobre meu nome.
- Senhorita Carver, muito pelo contrário, a culpa foi inteiramente minha. Aceitaria que te acompanhasse até seu destino? Está indo falar com o presidente ou...?
- Não. – Continuei minha mentira, com uma maestria que impressionou até a mim mesma. – Eu só ia entregar esses documentos ao Dave e terminar meu expediente, na verdade. –Terminei, levantando e entregando os arquivos para um Dave confuso, ainda com o telefone pendurado em sua orelha, mas atento a cada movimento meu.
Provavelmente você está se perguntado por que eu senti a necessidade de mentir sobre minha identidade a um homem que eu acabara de conhecer. Não me julgue. Estava farta de namorar caras que só tinham interesse em uma coisa, e quem dera que fosse sexo. Não. Por mais esquisito que soe, muitos de meus rolos na faculdade se deveram a quem meu pai era. Sendo uma faculdade de direito, a ambição era ainda mais intensa.
- Então me permita acompanhá-la até a saída, senhorita.
- Ah, claro. – Corei pegando o braço que ele estendera para mim, como um cavalheiro antigo. – Pode me chamar de ... Desculpe-me, acho que não perguntei seu nome.
- Me chamo , senho... . A seu dispor.
- É um prazer conhecê-lo, . – Sorri em sua direção, tentando acelerar nossa caminhada para que ele não notasse os olhares furtivos que estávamos recebendo de meus colegas de trabalho. – Você é oficial de que campo?
- Marinha. – Falou, abanando com a outra mão como se não fosse um tópico importante. - E você?
- Ah... Sou só uma estagiária na assessoria de campanha do Robert. Você sabe, toda o treco da reeleição e tal.
Ele riu com minhas divagações e a forma simplista com que eu contara tudo.
- Você é engraçada. Nunca vi ninguém que chamasse o presidente dos Estados Unidos pelo primeiro nome.
- Err... Sou assim, gosto de viver perigosamente. – Repliquei com um dar de ombros.
Seus olhos brilharam para os meus enquanto saíamos da Casa Branca.
- Bem... Aqui estamos.
- Sim. – Abri um meio sorriso estendendo a mão para o homem. - Foi um prazer, .
- Digo o mesmo, Carver. – Entoou apertando minha mão por uns segundos.
Comecei a virar-me, mas senti uma mão em meu braço impedindo-me de completar o movimento.
- , espera.
Suspirei aliviada que ele tivesse me parado.
- Acredito que te devo ao menos um almoço após ter te atropelado.
Fiz um biquinho fazendo-me de difícil.
- Claro que não deve, oficial . – Repliquei, com vontade de sorrir após a carranca que se formou na face do homem.
- Olha, mas tem muita pressão aqui, . Você não sente?
- Pressão? – Indaguei levantando as sobrancelhas, confusa.
- Sim. Sabe, o clichê de garoto conhece garota após esbarrar nela, esse tipo de coisa do destino.
Tentei segurar o sorriso enorme que ameaçava dominar minha face.
- Diga-me, você realmente acredita em destino, ? – Aproximei-me lentamente do homem, até que respirássemos o mesmo ar.
Ele inspirou fundo, sem conseguir desviar seus olhos dos meus.
- Como um homem que já viu muitas coisas acontecendo, algumas terríveis e outras miraculosas, seria um tolo se não acreditasse. Algumas coisas... – Começou pegando minha mão na sua e entrelaçando nossos dedos. – São destinadas a acontecer, não importa o quanto lutemos contra.
- Então isso foi um convite para um encontro, senhor ?
- Não. Foi o convite para ver se nas próximas horas juntos, nos sentiremos da mesma forma que sentimos nesses minutos. Ao menos eu senti. Mas comecemos com um café. O que me diz?
- Bem... Se é coisa do destino, eu tenho que aceitar. – Respondi, sem hesitar.
Apesar de ter conhecido o homem em circunstâncias duvidosas, havia algo em mim que me dizia para esquecer a racionalidade e me jogar no que quer que fosse aquele puxão que nos aproximava.

***

Voltei para a mansão sentindo-me completa. Como se tivesse encontrado algo que nem estava procurando. Alguns o chamavam de serendipidade, mas tudo o que eu conseguia pensar era no multiverso. A teoria tão defendida por meu pai era algo que eu vivia revisitando em minha mente.
Será que havia universos em que eu e não havíamos nos conhecido? Algum em que nós tivéssemos um encontro ruim, ao invés da tarde, e começo de noite, maravilhosa que tivemos?
Dispensei sua carona, já que precisaria ir até a mansão, onde voltara a morar temporariamente, já que já não estava mais em Connecticut por conta de Yale.
Sabia que era um tiro no escuro esconder minha identidade do homem. Eu ficara fora dos holofotes desde que meu pai fora eleito e mudara muito durante os anos de seu mandato.
Não seria surpresa se ele não me reconhecesse como a filha do comandante da nação. Porém, sabia que isso não se manteria assim por muito tempo, ainda mais agora que eu estava de volta à minha casa de infância. Além disso, o segundo nome Carver não fora a toa. No calor do momento, adotei o sobrenome de solteira de minha mãe.
Pela primeira vez, preparei-me para dormir animada, não por causa de , mas sim por algo que acontecera com . Ou Carver, na verdade.
Tudo bem, eu também estava empolgada para retornar ao mundo de espadas e conflitos em uma luta pelo trono. Um mundo em que eu tinha amigos de verdade, que largariam tudo para lutarem ao meu lado, não somente pelo fato de ser uma princesa. Esse mundo acabara passando a fazer parte de mim.
Passei a considerar-me uma agente dupla, vivendo duas vidas em segredo. O que mais me intrigava era que alguns acontecimentos de meus sonhos acompanhavam os da vida real.
Desliguei a luz, mandando uma última mensagem de boa noite a e recostei-me no travesseiro esperando que o puxão familiar me levasse ao reino dos sonhos.

Anthea Santorini’s P.O.V.

Ninguém parte de casa sabendo que nunca voltará.
Alguns podem ter o pessimismo, ou a tristeza de acreditar na impossibilidade de retorno. Mas sempre há alguma esperança, ainda que mínima, que esta volta seja tranquila.
Os primeiros meses foram de calmaria. Eu e meus amigos percorremos três cidades sem muitos problemas. O que eu vira nelas não me deixara nem um pouco satisfeita com a governança de papai.
As condições em que os camponeses viviam eram péssimas, sendo cobrados por impostos pesados todos os dias. Os subordinados dos líderes locais passavam para recolhê-los ou ameaçarem os que não tivessem condições de separar o suficiente para o pagamento.
Eu, que acompanhara de perto as finanças do reino, sabia que o tio Charlie não pedia tanto dinheiro assim das lideranças regionais. Pouquíssimo do que estavam cobrando era realmente essencial ao reino.
Mas não presenciara só situações tristes. Eu jogara futebol com as meninas da escolinha local, aprendera diferentes dialetos e me banqueteara no mercadinho, ao lado da taberna que dividíamos. Trocávamos produtos por pequenos trabalhos que cada um de nós aprendeu no ofício de sua família. No meu caso, tive de improvisar com a única coisa que sabia fazer como ninguém.
Comecei a instruir as artes da espada. Claro que sofri resistência a princípio, principalmente por esse tipo de aula ser ilegal, ao menos se ensinado a quem não fosse da guarda real. O fato de eu ser uma mulher seria um empecilho. Porém, após eu acabar com um espadachim local, considerado o melhor da região, conquistei o respeito merecido. Em pouco tempo eu recebi uma legião de alunos.
Finalmente os murmúrios de revolução haviam tomado formas sólidas. É claro que justamente após o começo de uma guerra, declarada por camponeses rebeldes, eu tinha que ser pega lecionando como lutar com uma espada. Minha sorte era desse nível.
Fui capturada por guardas subordinados de meu próprio pai e que nesse momento conversavam entre risadas. Alguns soltavam ameaças veladas a nosso grupo de reféns, capturados em flagrante cometendo atos fora-da-lei.
- O rei não sabe de nada disso. – Suspirei abaixando a cabeça tentando conceber a ideia que seria torturada e provavelmente morta por guardas de meu próprio pai.
Amarrada na periferia do acampamento, fui a primeira a ouvir sibilos no começo da matina. Como não consegui pregar o olho, acabei sendo uma das únicas a notarem um grupo de homens armados circulando o acampamento.
Uma face familiar, mas que eu não lembrava muito bem de onde, foi a última coisa que vi antes que um capuz de pano fosse colocado em minha cabeça e o inferno se abatesse sob o acampamento.

***

- Senhorita? – Entoou uma voz rouca.
Abri os olhos com certa dificuldade após a pancada. Levei a mão a minha testa tentando lembrar como havia chegado naquele quarto estranho. Senti uma bandagem cobrindo minha testa e olhei para meu captor com raiva.
- Não precisava ter batido com tanta força, ! – Repliquei fazendo um biquinho.
- Até parece que você ia querer que eu pegasse leve. – Respondeu divertido.
- Você também não precisava reabrir um talho em minha cabeça. - Repliquei com um biquinho.
Duas semanas se passaram desde que eu havia sido capturada, ou salva pelo homem à minha frente. Não que eu jamais fosse reconhecer isso.
Eu havia lutado com ele inicialmente para voltar e ajudar aos outros reféns da guarda, mas o homem não me deixou sair da cama. Durante o resgate eu acabara levando uma pancada na cabeça e ele dera uma de curandeiro, me forçando a repousar. Eu só cedera, por ele ter me avisado que os rebeldes iriam libertar os prisioneiros, uma vez que dominassem o campo.

- Só me responda uma coisa: por que eu? Por que me tirou de lá se todos iriam ser salvos?
- Eu nunca disse que seriam salvos, e sim libertos. Não é a mesma coisa.
- Os rebeldes vão recrutá-los para a causa, não é? – Perguntei nervosa.
- Sim. Eu vi você na vila com seus amigos e sabia que não poderia ser alguém determinada a depor o rei. Eu assisti a algumas de suas aulas, você sempre falou muito bem do governante.
- Eu não me lembro de você nelas.
- Eu assistia a tudo de longe. Você tem talento com a espada. – Respondeu, me fazendo corar.
- Você estava lá no dia da captura, não é? Sabe o que aconteceu com meus amigos?
- Estava. Não pude fazer nada na hora, mas dei uma pista aos rebeldes e consegui te tirar de lá. Sobre seus amigos, realmente não sei, devem estar se escondendo tanto da guarda quanto da rebelião. Assim como nós devemos fazer, a propósito.
- Obrigada... Eu acho. – Franzi a testa, não conseguindo negar a racionalidade do que ele dizia.
Foi a vez dele corar.
- Mas suas habilidades de luta... Não são tão boas assim. – Emendou ele após limpar a garganta.
Em vez de reclamar, como eu faria quando mais nova, eu aproveitaria minha chance.
- Então me ensine.

E foi com essa ideia de jerico que eu tive, que surgiram milhares de hematomas por minha pele e o novo corte em minha cabeça, responsável por me deixar desacordada por dois dias.
Estávamos abrigados em uma casa na periferia da cidade, escondida no meio da floresta. Sem ao menos perceber, entrei em uma rotina confortável com meu captor.
Eu acordava preocupada com meus amigos, discutia com sobre ir procurá-los. Ele me passava um discurso sobre como os rebeldes estavam tomando a cidade e que eu precisava aprender a lutar antes de sair em uma missão suicida. Depois caçávamos o que quer que fossemos almoçar e lutávamos até de noite, quando comíamos uma sopa com os vegetais coletados na pequena horta dos fundos.
Deitávamos sob as estrelas e contávamos cada um, os feitos de nossa infância. Claro que eu tinha que adaptar os meus para que ele não suspeitasse que eu fazia parte da realeza, mesmo assim, tinha muito a contar de minhas travessuras com meu grupo de amigos. tinha uma pinta de lenhador, introspectivo, calado. Porém quando enredava em uma conversa sobre sua gigante família, ninguém segurava a onda de sorrisos.
Eu me perguntava o porquê de ele ter lhes abandonado. Pelas histórias, eles pareciam viver felizes na província vizinha à Piemonte, e eu não via razão ou motivo para deixá-los.
Mais tarde, acendemos uma pequena fogueira, para não chamar muita atenção, e nos recostamos nos tocos de madeira, dispostos à sua volta.
- Aquilo passando no céu! Uma estrela cadente! – Murmurei sorrindo para o homem ao meu lado.
- Faz um pedido. O que mais deseja? – Indagou sorrindo de volta.
Não respondi sua questão com palavras, mas com gestos. Aproximei-me de seu rosto, tirando proveito de sua confusão inicial. O homem só se deu conta nos últimos segundos de que eu iria beijá-lo. Correspondeu o beijo com entusiasmo e muito cuidado, como se eu pudesse me desfazer em suas mãos a qualquer momento.

’s P.O.V.

Fazia uma semana que estava saindo com e havia conseguido conservar meu segredo. Ao menos até aquele dia.
Eu fora até a Casa Branca com a esperança de conseguir almoçar com meu pai, mas o presidente dos Estados Unidos sempre tinha alguma questão urgente a resolver.
Enquanto esperava na sala de Dave, o recepcionista, eu trocava mensagens com tranquilamente, afirmando estar buscando meu pai para almoçar em seu escritório. Tecnicamente não era mentira, mas eu ainda sim me sentia culpada de estar escondendo algo tão relevante.
Levam segundos para a vida revirar de cabeça a baixo. Eu aprendi isso da pior forma.
Percebi uma movimentação anormal do Serviço Secreto, alguns homens inquietos. Foi aí que ouvi um baque ensurdecedor e fui jogada no chão por um impacto. Acho que perdi a consciência por alguns minutos, mas a questão foi que pisquei captando algumas cenas do que fora um ataque com bomba à Casa Branca.
Há pouco que me recordo... A sensação de estar sendo levantada, a visão de sangue e cinzas por toda a parte como um verdadeiro pandemônio e o apito em meu ouvido.
Quando acordei, estava em uma cama macia e o desastre parecia estar tão longe que duvidei que houvesse realmente ocorrido. Se eu não soubesse que aparecia em todos os meus sonhos e não sentisse uma dor crepitante em meu pescoço ao tentar me levantar eu pensaria que tudo não passara de um delírio de minha mente criativa enquanto eu dormia.
- Calma, fique deitada, , vai ficar tudo bem, você está a salvo. – Meus olhos se encheram de lágrimas ao ver na poltrona ao lado de meu leito no hospital local.
-Mas e meu pai? – Perguntei, sem nem pensar nas consequências do que disse.
- O presidente está seguro. – Respondeu ele em uma voz dura, mas ao mesmo tempo gentil.
Suspirei, só então percebendo o que ele dissera. A princípio pensei que eu tivesse sido descoberta, mas ao notar suas vestimentas. Muitos não notariam, mas anos de experiência me disseram algo que eu não podia acreditar.
- Não. – Levei minha mão à boca magoada. – Você é do Serviço Secreto, não é?
- Sim. – Respondeu ele desviando o olhar para meu monitor cardíaco. – Mas, , nem tudo foi uma...
- Uma missão? Uma mentira? Quem te mandou me seguir, foi meu pai? Você ao menos é da marinha?
- Eu já fui da marinha, mas quando o presidente te pede algo... Era meu dever patriótico...
- Eu fui só isso pra você então? – Cortei, incrédula. - Era seu “dever patriótico” transar comigo também? – Sibilei, mal conseguindo conter minha raiva.
- O quê? Claro que não, ! Ele só queria que eu seguisse você de longe. Aquele dia que nos esbarramos foi totalmente acidental. Imagine minha surpresa quando mais tarde eu fui analisar quem eu teria de proteger e era justamente você?! Eu não fazia ideia! Eu juro que não sabia. Estive em serviço para a marinha por muito tempo e havia acabado de voltar quando seu pai me contatou. Mas você também mentiu para mim repetidamente nos últimos dias!
- Não ouse comparar a minha mentira à sua. Para mim tudo foi real. Eu realmente gostava de você! Poderia chegar a amá-lo um dia, mas não. Você estragou tudo! – Pausei esfregando o canto de meus olhos - Tinha que estragar. – Terminei em um sussurro melancólico.
- Eu errei. Eu sei disso, mas eu gosto muito de você, por favor, não me afaste. Eu preciso de você, . Nessa semana eu finalmente consegui respirar, ter algo pelo que esperar fora meu trabalho. Por favor... – Suplicou buscando meus olhos, mas já sabendo que havia perdido.
- Quero que vá embora. Agora.
- Eu não posso abandonar meu posto. – Replicou rangendo os dentes com uma fachada séria. Apesar dela, seus olhos entregavam a mágoa que estava sentindo.
- SAI DO MEU QUARTO! - Berrei, perdendo o controle. – Arrume outra pessoa para cuidar de minha segurança, porque por mim já chega, Agente . – Completei com frieza.
- Como quiser, Senhorita . – Respondeu ele, fechando a expressão em uma indiferente.
Assim que ele saiu de meu quarto eu cedi às lágrimas que pinicavam meus olhos, para serem derrubadas. Chorei até cair no sono. Novamente eu ansiava por e seu . Dessa vez mais do que nunca, eu só queria desaparecer.

Anthea Santorini P.O.V.

Não tive como saber que seria o pior dia de minha vida quando ele começou. Na verdade, acordei com um amplo sorriso em meu rosto e nos braços do homem que eu acreditava estar em meu destino.
Soube que estava acordado ao sentir as leves carícias que fazia no topo de minha cabeça. Abri os olhos para encarar seu peito largo sob minhas mãos.
- Bom dia, .
- Bom dia, . – Respondi selando meus lábios levemente nos seus. O olhar malicioso que me lançou me fez corar. Abaixei o rosto para esconder em seu peito, mas senti seus dedos levantando gentilmente meu queixo.
- Ei... Escute bem. – Falou encarando-me seriamente. - Estamos nisso juntos. Não importa o quanto o mundo esteja maluco agora. Também não muda nada entre nós que todos queiram lutar uma batalha que não sabemos se vamos vencer.
- Ah, isso é tudo? – Perguntei divertindo-me com o jeito simplista que ele apresentava os fatos. – Uma mera rebelião. O usual, não é?! – Ironizei dando de ombros e fazendo um biquinho para segurar o riso.
- Exato! É isso que estou tentando te dizer. Podemos contar um com o outro, , é isso que importa.
Ouvi-lo dizer que podia confiar em mim fez com que meu peito se apertasse. Eu não podia falar a ele que eu era a princesa. Tudo o que ele acreditava sobre meus pais, mesmo que estivesse lutando contra os rebeldes... Se ele descobrisse, nunca mais me olharia da mesma forma. E mirando o fundo de seus olhos naquele momento, eu sabia que não suportaria perdê-lo. Eu sobreviveria, claro. Mas acreditava que era aquilo. era com quem eu devia passar o resto de meus dias. Não havia mais ninguém que me olhasse e tratasse da mesma forma. Que me fizesse sentir tão bem. Que me amasse por quem eu realmente sou.
O sol brilhava através das árvores lançando pequenos e numerosos focos de luz. Passarinhos piavam seus cânticos afinados. Formigas trilhavam a nossa volta carregando pedacinhos de folhas e frutos de volta para o formigueiro. Meus amigos jogavam cartas em algum lugar do acampamento da resistência. Eu e aproveitávamos nossos últimos minutos juntos antes de sair em nossa última missão de resgate.
Há alguns metros de nós, na província de Anladino um grupo de reféns, familiares de oficiais a serviço do rei, apinhavam-se em uma casa fortemente guardada pelos soldados rebeldes.
Fazia duas semanas que havíamos encontrado meus amigos e nos juntado à resistência. Esse era um grupo, ainda menor, de apoiadores do Rei que viam a rebelião pelo que ela realmente era, uma perversidade. Rorik era o maior atiçador da rebelião e vivia espalhando mentiras sobre meu pai. Podia ser um maluco, mas tinha de admitir que sua estratégia era implacável. E até funcionaria, se não houvéssemos descoberto o plano antes, a partir de infiltrados da causa. Estávamos ganhando a Guerra, só faltava libertar mais um acampamento para havermos oficialmente vencido. Os guardas de papai não estavam se movendo para fazê-lo, pois haviam infiltrados também em seu lado e não queriam arriscar a vida de seus familiares assim. Desse modo, sobrou para mim e meu grupo tramarmos uma missão de extração.
A resistência tinha um ideal simples. O rei Alexandre IV podia não ser o melhor dos reis para o povo. Porém, Rorik era só um ser humano nojento que estava tentando se aproveitar desse momento de fragilidade política para impor suas próprias regras, sua própria ideologia. Esse homem só tinha interesse em uma coisa: as riquezas conquistadas por papai nas guerras contra as inúmeras cidadelas vizinhas.

***

- Pronta, ? – Perguntou Patrick logo antes de me jogar minha espada.
- Tão preparada quanto jamais estarei. – Repliquei dando de ombros. – Vocês estão mesmo de acordo com meu plano? – Olhei para as faces que eu tanto amava reunidos a volta do mapa improvisado de Anladino.
- É um plano muito bom. A senhorita tem jeito para estratégia. – Respondeu beijando minha testa após embainhar sua própria espada.
Abri um sorriso amarelo, recebendo olhares acusadores de e , os únicos que sabiam de meu segredo. Eu era treinada em táticas de guerra desde meus seis anos. Assim como qualquer boa rainha deveria ser. Ou ao menos era isso que mamãe vivia repetindo. Ah, mamãe, como eu sentia falta dela. De ambos meus pais. Mas eu sabia que aqui era onde devia estar. Lutando por minha coroa e pelo futuro de nosso povo.
- Então vamos. Não temos muito tempo até o entardecer. – Continuei, batendo minhas mãos em uma palma.
Cada um pegou sua arma e nos dividimos em duplas. Eu ficara com , por já estarmos acostumados a proteger os flancos um do outro. Cavalgamos até o mais próximo possível do acampamento rebelde sem chamar atenção. Ísis e Zeus foram deixados pastando próximos a um riacho, amarrados a uma árvore.
Circulamos a clareira até localizarmos a construção em que estavam mantendo os prisioneiros.
- Espere o sinal. – Ordenei sussurrando.
- Você nasceu para isso. – Replicou rindo baixinho, mas sem desviar os olhos do lado oposto do acampamento.
Assim que avistou a fumaça e o grande boom que se seguiu, ocorreu exatamente o que esperávamos. Alguns poucos guardas continuaram a guardar a casa, enquanto outros foram atrás dos potenciais intrusos. Somente encontrariam a poeira que os cavalos de Claire e Patrick, rápidos como o vento, haviam deixado para trás.
Assim que ouvimos o segundo estrondo ao norte e de onde estávamos, avançamos circulando os soldados remanescentes com e Dana chegando pelo outro lado.
Adrenalina foi bombeada em minhas veias assim que eu colidi minha espada com a de um homem claramente destreinado. Podiam ser muitos, rapidamente sufocando a mim e a com suas espadas e lançamento de facas, mas seu treinamento era claramente precário. Uma lança passou rente a meu rosto maculando minha bochecha, mas conseguiu tirar-me do caminho no momento exato da colisão. Derrubei dois em seguida, empurrei um contra o outro e dei com a bainha de minha espada na cabeça do seguinte. conseguiu derrubar mais um e esquivou-se de uma facada fatal. No momento em que conseguimos nos libertar dos dez homens que haviam se jogado em nossa direção, Dana estava derrubando o último soldado junto a .
Abrimos a porta da casa sem saber o que esperar. Certamente eu não esperava presenciar a cena de dezenas de mulheres, alguns homens jovens e crianças rodeando dois guardas amarrados. Assim que ouviram o sinal, haviam sido avisados e auxiliados por Jonas, um infiltrado.
- Vocês devem ser os nossos salvadores, não é? - Perguntou o homem de braços cruzados sorrindo.
Imaginei a visão dos infernos que devíamos apresentar, cobertos de sangue - a maioria não era nosso - e pequenos ferimentos. Os piores eram o braço de que sangrava por debaixo do estanque improvisado, feito às pressas, e o tornozelo torcido de Dana, que se apoiava em com uma expressão taciturna. Fora isso, só haviam os milhares de hematomas, mas nada que representasse perigo imediato a nenhum de nós.
Além disso, éramos um bando de adolescentes enquanto para minha surpresa, Jonas era um senhor de meia idade. Tudo bem que aparentava ser bem conservado e forte, mas seu pique já não era mais o mesmo.
- Sim. Vamos logo para o ponto de encontro. – Repliquei e direcionei-me aos reféns. – Sei que estão nervosos, mas preciso que se concentrem, para que tudo fique bem. Iremos correr pela floresta até chegar às carroças que , Claire e Patrick conseguiram encontrar. Não parem por nada. Só estaremos fora de perigo quando chegarmos a nosso acampamento. Lá temos outros guardas e curandeiros aguardando nossa chegada. Isso nunca foi uma missão de ataque, mas sim de resgate então queremos evitar o confronto ao máximo. Corram com o ritmo mais acelerado que conseguirem, por favor.
E assim, partimos, bem no momento que os rebeldes perceberam a cilada e começaram a retornar ao acampamento. Porém, a sorte estava do nosso lado e conseguimos escapar daquele inferno.
Corri pela floresta até o lugar combinado.
Respirei fundo quando consegui avistar as faces restantes de meu grupo, aparentemente intactas. estendeu a mão para mim, já montado em Ísis e ajeitou-me a sua frente abraçando minha cintura.
- Então você ainda está viva?
- Acho que sim. – Ri em resposta balançando a cabeça com a capacidade do homem de fazer graça mesmo em um momento daqueles.
Cavalgamos rapidamente e após o tardar do anoitecer montamos acampamento.
Reunimos todos ao redor da pequena fogueira e começou sua espécie de discurso motivacional.
- Conseguimos libertá-los hoje e os levaremos em segurança de volta para suas famílias. Não se preocupem. Estamos a alguns dias de...
Parei de prestar atenção nas instruções para olhar os reféns.
Congelei assim que encontrei uma face conhecida que me encarava por alguns minutos em dúvida. Seus olhos arregalaram-se quando minha face virou em sua direção e confirmou que era mesmo eu.
- Princesa! – Exclamou surpresa se ajoelhando.
Outros seguiram seu exemplo me avaliando com espanto.
Mas não me preocupei com eles. Virei para meus amigos que não pareciam muito surpresos.
- Eu... Desculpe por não ter contado, eu...
- Nós sabíamos, . – Replicou Claire revirando os olhos. – Acha que nascemos ontem, é? Demorou, mas acabamos juntando as peças.
- Vocês sabiam? – Perguntou chocado. olhou com igual surpresa.
- Claro que sim, bobões. Queríamos ver até onde iam com essa mentira. Não foi legal não descobrir por meio de você, , mas eu entendo que deve ter tido seus motivos. Só nunca mais guarde algo assim da gente. – Terminou Dana com um tom sério.
Aliviada, virei para a última pessoa dali que não sabia de nada. Uma pessoa que me olhava com uma expressão culpada e não magoada, fazendo com que as peças fossem se encaixando uma por uma em minha mente.
Diálogos antigos nossos, o jeito como sua face era familiar, mesmo antes de ter me resgatado, como queria que eu aprendesse a me defender, as circunstâncias esquisitas do resgate em si, que eu não me importara em questionar até aquele momento, tudo conspirando para a incógnita que eu nunca me permitira investigar.
Quem era realmente o ?
E foi aí que eu entendi. Antes mesmo de meus amigos juntarem um com um, eu soube.
- . – Chamei aproximando-me do homem. – Me diz que você não é um soldado de meu pai.
- Eu não posso... Dizer isso. – Revelou, fazendo-me recuar.
- Meu pai te mandou, não foi? Você sempre soube quem eu verdadeiramente era.
- Me desculpe, ! Eu não planejava me apaixonar por você. Por favor, deixe-me...
Acenei em negativa para sua mão levantada em minha direção.
- Fique. Bem. Longe. De. Mim! – Sibilei palavra por palavra deixando a mágoa me dominar.
Passei por ele montando novamente em Ísis, precisando ficar sozinha. A última coisa que ouvi antes de sair cavalgando, foi a voz de me chamando.
- !
Cavalguei até amanhecer com Ísis e resolvi dar um descanso para a pobre égua. Caminhei a seu lado, igualmente desgastada. Deve ter sido isto que me fez não perceber uma raiz intrincada, levando-me a tropeçar e deslizar barranco abaixo em direção a um riacho pedregoso.
Por sorte não fui atingida por nenhuma pedra, porém, a água não foi tão misericordiosa. Quando eu pensava que havia conseguido chegar à superfície, a correnteza me arrastava novamente ao fundo, acabando com minhas esperanças.
Descrever a sensação de afogamento é algo muito difícil. A combinação de desespero, desejo de respirar e queimação nos pulmões me levavam a inalar água.
Era como se eu fosse um balão e a qualquer momento fosse explodir. Meu corpo se contorcia involuntariamente buscando por mais oxigênio, mas isso só servia para pôr mais líquido para dentro.
Depois de estar cheia de uma substância intrusa, o desespero cessa, a inquietação para. Meus pensamentos viram calmaria e minha mente virou uma pluma, levando-me a lugares nunca antes explorados. Lugares estes de minha mente e do meu ser, os quais eu nem ao menos sabia que existia.
Por fim deslizei para a inconsciência revendo por uma última vez as faces de meus amigos, de meu pai, minha mãe e também de .

’s P.O.V.

Acordei com o coração acelerado. Logo me pus sentada, arregalando os olhos. Olhos estes que ardiam com lágrimas não derramadas.
Levei a mão a meu pescoço arrepiando-me ao ver o quanto estava quente e pegajoso. Suor acumulava-se em minha testa, escorrendo por minha face pálida.
Meu peito subia e descia em curtos intervalos na busca por ar puro.
Acontecera de novo. Minha vida em sonho acabara tornando-se um pesadelo e um fardo maior do que estava disposta a carregar.
Antes, brincar de ser a princesa era o que eu mais esperava de meu dia.
Agora, eu rezava para que viesse o amanhecer.
Não podia acreditar que eu havia passado pela morte de meu alter-ego fictício. Era a primeira vez desde que os sonhos estranhos começaram, que um deles se tornava um pesadelo.
Sempre que ia dormir, era como se existisse. Como se eu pudesse lhe dar vida. Assim, nunca passava pela mesma experiência mais de uma vez. Tudo era sempre novo no Reino de Piemonte. Quando “viajava” para esse outro mundo eu podia fazer coisas incríveis. Sabia cavalgar, falava italiano fluentemente e era uma espadachim habilidosa.
Na realidade eu sabia falar somente minha língua materna e mais algumas poucas palavras em francês. Não saía de casa a não ser para o trabalho e não tinha muitos amigos. Já as experiências que vivia como , eram sempre surpreendentes.
Um de meus sonhos com a princesa fora quando esta fugira de seu castelo ansiando por liberdade. Eu me identificava muito com essa vontade de ser livre e poder conhecer o mundo, o que ele realmente me reserva além de ficar fechada em uma mansão isolada.
Quando estava na pele de , como a chamava, tinha uma sensação inquietante de déja-vu. Talvez fosse um arrepio na espinha, uma coceira em minha nuca ou um frio na barriga.
Peguei meu celular na cabeceira e disquei o número que vinha ruminando ligar desde que os sonhos haviam ficado mais intensos.
- Alô? – Disse uma voz do outro lado da linha.
- Pois não, aqui quem fala é a doutora Byrnes.
- Bom dia, doutora, é que eu gostaria de marcar uma consulta...
- Qual o nome da paciente?
- .
- Ok, só um minuto, Senhorita .

***

- Você está desviando do ponto.
- Não, eu não estou.
- .
- Ok, doutora Byrnes, então me surpreenda. – Falei, ajeitando-me no divã para encarar a mulher irritante, mais conhecida como minha psicóloga.
- O ponto é que você veio aqui, há exatamente... – Olhou em seu prontuário. – Há um mês!
- E...
- Há um mês que vem me falar sobre seus sonhos com . Mas acabamos a sessão sempre na mesma situação. Você não quer realmente parar de sonhar com a princesa.
- Não quero?
- Não. Você só quer desvendar o porquê de os sonhos terem mudado subitamente de algo que você ansiava para um pesadelo.
Olhei para ela de forma enigmática, tentando enxergar quando fora o momento em que me perdera tanto de meu objetivo inicial. Do motivo de haver buscado ajuda. Os sonhos sempre foram muito reais, mas o último que tivera e continuara tendo era demais para eu suportar.
- Talvez... Mas o que sugere que eu faça então, doutora?
- Não é óbvio? Busque o que tanto anseia. Tente entender o porquê de tê-los, logo você. Interprete-os, se liberte deles e volte aqui para que eu te ajude com a recuperação desse evento traumático.
- Tudo bem. – Murmurei achando uma medida razoável. – Mas como sugere que eu o faça?
- Como todos que querem encontrar uma informação costumam começar. Busque no Google. Os lugares, vivências do sonho existem? Procure saber.
- Desculpe, Doutora... É só tão frustrante... Estou nessa há muito tempo. Sinto falta de pessoas que não existem.
- Que você saiba. – Completou ela, com uma piscadela.
Iria perguntar o que isso significava, mas o secretário bateu à porta anunciando a chegada de mais um paciente.
- Até a próxima. – Falei pegando minha bolsa.
- Espero que encontre o que tanto busca, senhorita . – Respondeu virando-se e voltando para sua sala.
Voltei para casa com as últimas frases da doutora martelando em minha mente. Foi aí que comecei minha investigação. Primeiro peguei o bloco da bancada de minha escrivaninha e comecei a anotar perguntas.
Piemonte era um lugar real? Sabia que existia uma região na Itália de mesmo nome, mas será que corresponderia às paisagens tão campestres dos sonhos? realmente existiu? Essa questão era a mais simples de ser respondida. Bastaria uma busca com o nome completo da princesa para ter certeza.
E por fim, onde na Itália se passara meu último sonho? Tal questão era a que mais me intrigava. De nada adiantava descobrir as outras duas se esta última não fosse respondida. Em algum lugar em meu cerne, eu sabia que essa era a questão principal.
Liguei para meu supervisor avisando que tiraria a licença por mais duas semanas. Ele não reclamou muito, após o atentado à Casa Branca não é como se a campanha fosse prioridade para o papai.
Nada me impediria de descobrir a verdade sobre o que estava acontecendo comigo. Eu podia parecer maluca, mas não estava ainda. Ao menos era o que eu repetia para mim mesma, todos os dias, para continuar com minha busca sem um peso na consciência. Aquilo podia ser um erro, mas com dizia, só cometendo erros é que se aprende. Meu Deus, eu já estava até citando suas frases.
Sim, talvez eu estivesse maluca. Mas quem liga?! Minha vida nunca esteve tão interessante quanto após o momento que conheci , , , e o restante do grupo. Escolho viver a fantasia. Escolho perseguir o sonho, custe o que custar.
Encarei a tela do computador, completamente chocada. Eu conseguira. Após três dias enclausurada em casa pesquisando cidades na Itália finalmente achara Anladino. A cidade mudara de nome para Ravena, por isso não fora tão facilmente encontrada como Varnazza.
Cada correspondência de meus sonhos com a realidade fazia com que ficasse ainda mais arrepiada. Anthea Santorini realmente existira, eu tinha certeza disso. Até o momento somente encontrara registros de Alexandre VI Santorini. Porém, fazia sentido que fosse mais difícil de achar, já que sua identidade fora mantida em segredo por tanto tempo.
Parei para pensar em todas as perguntas que eu havia respondido. E daí que tudo era real? Eu realmente estava disposta a viver na fantasia para sempre? Talvez esse fosse o ponto. Eu não queria ver o fim da estória de , pois temia que o sonho me mostrasse algo sobre minha própria vida que eu não queria reconhecer: eu amava .

Anthea Santorini’s P.O.V.

Bocejei abrindo os olhos como se estivesse acordando de um sonho. Porém, ao olhar em volta e ver onde eu estava, meu coração deu um pulo. Sentei-me na minha cama com dossel do Palácio de Piemonte. Observei um homem adormecido na cadeira ao lado de meu leito. Levei as mãos a boca, emocionada.
dormia com uma expressão angelical e impecável, não fossem as grandes olheiras que lhe abatiam sua face. Eu vestia um de meus diversos vestidos, feitos do pano mais rico de todo o reino. A princípio estranhei minhas vestimentas reais, mas logo percebi que havia me trazido de volta a meu verdadeiro lar.
- . – Sussurrei, acordando o menino com um susto.
-... Você acordou! – Completou ele emocionado, aproximando-se e dando inúmeros selinhos em minha face.
- O que houve? – Perguntei, confusa, gesticulando para o palácio a nossa volta. – Como chegamos aqui?
- Depois de nossa briga, e eu fomos atrás de você e te tiramos do rio. Você me deu um grande susto, . Podia ter morrido, mas não se afogou como pensávamos, a princípio. Trouxemos você de volta ao reino e o curandeiro cuidou de sua enfermidade. Mas mesmo depois de saudável você continuou desacordada. Foi um pesadelo para mim. Não consegui sair de seu lado.
- Mas e meus amigos? E a rebelião? – Perguntei, segurando sua mão.
- Acabou tudo, já faz um mês, . Seus amigos estão bem, mas seus pais... Em seu último ato de vilania, Rorik invadiu o castelo e... Conseguiu matá-los. –Disse ele, engolindo em seco.
- Não! – Berrei, pondo a mão em minha boca e sentindo lágrimas preencherem meus olhos. –Não pode ser...
- Sinto muito, .
- Eu quero vê-los. – Sussurrei baixinho.
- Seus pais? – Perguntou ele estranhando.
- Não, meus amigos. Preciso me certificar que estão bem, só me leve até eles.
- É claro. Estou aqui por você, .
Cavalgamos em direção à vila. A floresta de Ravena se estendia a minha volta, observei as cores fortes da mata densa que ornava meu lar. Aproveitei a sensação do vento fresco soprando ar puro em meu rosto, como por muito tempo eu não sentira. Assim que desci de Ísis e avistei meus amigos, abri um sorriso tão largo que minha face doeu.
e Patrick corriam brincando com umas crianças com espadas de madeira. Dana, e Claire conversavam afiando suas espadas, alheios a minha presença.
- Bem vinda de volta, . Eu te amo. – Falou para mim com um olhar sincero de desculpas.
- Eu também te amo, . E entendo, sei que sempre teve como maior missão o meu bem.
Ele puxou-me de volta para a floresta, antes mesmo que pudesse alcançar meus amigos. Ouvi passos me seguindo e virei-me assim que já havíamos atingido alguma distância de nossos amigos.
- Você. Tem. Alguma. Noção. Do. Quanto. Senti. Sua. Falta?
circulou uma de suas mãos em minha cintura empurrando-me até a árvore mais próxima. Sua face chegou tão perto da minha que o ar que eu respirava se tornou o que ele expirava.
Levantei minha mão para acariciar seu rosto robusto, seu queixo quadrado e circulei sua nuca.
- Ah, sentiu? – Perguntei, com um tom fingido.
- O que farei com você, senhorita Santorini?
- Eu tenho umas ideias. – Sorri aproximando-me do homem que esperara por mim mesmo sem saber se eu voltaria. Que me amou mesmo quando eu ainda não havia encontrado meu verdadeiro eu. Que aguardou ao meu lado mesmo quando eu poderia nunca haver acordado.
Beijamo-nos longamente e lentamente aproveitando para redescobrir cada pequena parte um do outro a qual um dia havíamos conhecido. Ele passou as mãos descendo por minhas costas para repousar pouco acima da curva de minhas nádegas. Aprofundei o beijo trazendo sua cabeça para mais perto puxando seus cabelos, agora se estendendo até os ombros. Ele pressionou-se colando o corpo ao meu. Partimos o beijo para retomar o ritmo da respiração. envolveu meu rosto com suas mãos e colou nossos lábios em um último selinho.
- Acho que eu tenho que me afogar e quase morrer mais vezes. – Brinquei com um meio sorriso.
- Nem brinca com isso. – Falou, fechando a cara. – Não ouse. Agora vamos logo encontrar seu grupo. Vão me matar se souberem que estou mantendo você só para mim.

’s P.O.V.

- ! – Chamou o homem, aproximando-se do banco em que eu estava sentada.
- . – Sorri, levantando e lhe abraçando.
- Eu não acreditei quando você retornou minha ligação. Pensava que nunca me perdoaria...
- Eu realmente não ia perdoar. Machucou-me muito saber que parte de nossa estória era uma farsa.
- Então o que mudou? – Perguntou ele, curioso. – Não que eu esteja reclamando. – Terminou, com um selinho na ponta de meu nariz.
- Na verdade, tive uma realização em um sonho. Percebi que mesmo que em parte nosso relacionamento tenha começado com uma mentira, não significava que tudo o que passamos juntos também fosse.
Ao entoar o que me ensinara, lembrei-me de tudo o que papai já me contara sobre as diferentes dimensões e comecei a me perguntar: e se houvesse uma passagem? E se as coisas só ocorressem de certa maneira, pois uma dimensão está sempre influenciando a outra?
Só conseguia especular, mas eu sentia como se após tantos anos vivendo no mundo dos sonhos, tivesse conhecido o verdadeiro propósito de em minha vida. Seu ensinamento final fora o que eu precisara para me libertar do mundo dos sonhos e passar a perseguir minha própria felicidade.

Anthea Santorini’s P.O.V.

- Eu prometo... – Repeti após o cerimonialista. – Servir e honrar Piemonte, - Continuei, lançando um olhar furtivo para e a meu lado no palco. – E manter a paz entre todas as províncias, honrando seus habitantes e vivendo pela lei e por minha coroa.
Com o falecimento de meus pais, o povo clamava por liderança. Era por isso que uma semana após haver acordado eu estava sendo coroada e recebendo o trono que era meu por direito.
- Senhoras e Senhores, recebam Anthea Santorini, Rainha de Piemonte, líder da Guarda Real e protetora dos clãs por todas as províncias do reino.
Com essas últimas palavras, ajoelhei-me e senti a Coroa sendo posta em minha cabeça. Seu peso e toda a responsabilidade que vinha junto deviam ter me assustado, mas não. Só podia pensar em tudo o que poderia fazer para tornar a vida de meu povo mais fácil.
Virei-me sorrindo para a multidão que aplaudia efusivamente, assistindo à minha ascensão. Eu sentia em meus ossos que minha idade não importava, nem minha inexperiência. Tudo o que sabia era que eu estava pronta.

Nota da autora: Olá pessoal! Espero que tenham gostado do ficstape! Foi difícil decidir como um universo poderia se ligar ao outro, mas pensei que a influência por meio dos sonhos foi o mais adequado, até mesmo pela música. Obrigada novamente por terem lido <3! Por favor, não se esqueçam de deixar seu comentário ali embaixo, seja surtando, elogiando ou fazendo uma crítica construtiva. Amarei ler seus feedbacks e reações. No mais, quem quiser, será super bem-vindo no grupo do Face ou do Whats!
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