Capítulo Único
— Carda precisa voltar a receber o seu nível de abastecimento normal de água.
— Não posso fazer isso agora. Estamos negociando novos termos.
— E para isso você precisa deixar pessoas morrerem de sede no caminho? Que tipo de ser humano você é?
já tinha perdido noção de seu tom de voz há algum tempo. Não conseguia acreditar que Eugene realmente era capaz de sacrificar vidas por conta de um tratado de negócios. Mesmo que não fossem do seu próprio reino.
— Enquanto você não tiver a coroa de Wamoor sobre a cabeça, sua opinião e seus ataques sobre a minha estratégia de governo não são do meu interesse - Eugene disse, a voz cortante como um punhal recém-afiado. — Você só está aqui para aprender. E a primeira lição: silêncio enquanto os adultos responsáveis trabalham.
bufou, andando a passos pesados até a porta e buscando o caminho para o seu quarto. Estava cansado de ser menosprezado pelo pai. Ele já tinha idade o suficiente para assumir o trono assim que necessário e, principalmente, bom senso para ter as próprias ideias sobre o que era adequado para o seu povo e para a política externa do reino. Se nunca poderia dizer nada, por que ainda era obrigado a frequentar as reuniões do rei? Para aprender a ser a última coisa que ele desejava ser?
Ao se aproximar da entrada de seu quarto, assistiu a seus guardas empurrando as altas portas, como de costume. Cumprimentou-os com um aceno de cabeça, enquanto os mesmos abaixavam o olhar em uma reverência minimalista e silenciosa em direção ao príncipe. Tinha perdido as contas de quantas vezes já tinha dito que as reverências eram desnecessárias, mas aqueles homens eram treinados daquela forma. Não havia muito o que discutir.
O primeiro passo que deu para o interior de seu dormitório era o suficiente para ter suas narinas invadidas pelo cheiro conhecido de seus sais de banho. Sorriu minimamente, esperando que seus olhos encontrassem também a cena que permeava suas memórias imediatas olfativas.
E lá estava ela. Checando mais uma vez a temperatura da água despejada na banheira, andando de um lado para o outro como se flutuasse pelo ambiente.
— Vossa Alteza. - A mulher inclinou o tronco. — Preparei seu banho. Pensei que lhe agradaria depois de um dia cheio.
— Tem toda a razão - o homem comentou, repuxando o canto do lábio em um sorriso minimamente mais largo que o anterior. — Como sempre, Lady .
prontamente dispensou os guardas, ouvindo o agradável som das portas fechando às suas costas. Estavam finalmente a sós.
— Ouvi vozes alteradas quando passei pelos corredores da Sala de Reunião do Conselho - a mulher explicou. — Pensei que um banho quente lhe faria bem depois de mais uma discussão.
O príncipe bufou, enquanto retirava o agasalho de tecido grosso. O inverno começava a dar seus primeiros suspiros ao acordar para assumir seu posto como estação da vez. Sua chegada estava longe de ser silenciosa, manifestada na gradual queda da temperatura, das folhas e dos índices pluviométricos. Mais um motivo pelo qual se preocupava tanto com o abastecimento de água de Carda. Os pequenos lagos e riachos não eram suficientes para sustentar a população toda nem em períodos que beiravam situações de enchente. Quem diria agora, quando tudo o que viam eram as plantas secando, bem como seus últimos córregos.
— É sobre a água - explicou-se. — De novo.
assentiu. Sabia bem como Wamoor basicamente monopolizava toda a distribuição de água da região, sendo o único reino capaz de se auto sustentar e obter sobras suficientes para lucrar com elas. Eram um povo de abundância em meio a terras secas e, frequentemente, o modo pelo qual as coisas funcionavam não parecia justo.
— Eu imaginei - respondeu. — Seu pai não é uma pessoa ruim. Ele só está fazendo pressão porque sabe que é uma proposta que Carda pode cobrir. Jamais deixaria que seu povo realmente padecesse.
— Não sei se tenho mais tanta certeza disso. Mas eu juro que queria ter. Queria poder afirmar com todas as letras que acredito em uma possível misericórdia do meu pai, mas não sei se aquele coração velho tem algum resquício de bom senso.
deu um sorriso doce, enquanto dobrava as peças de roupa que havia deixado para trás.
— Ele tem, sim. Você vai ver.
— Já disse que sei dobrar minhas roupas - ele falou, tentando pará-la.
— E eu já te disse que é minha função.
— Não da porta do meu quarto para dentro - ele lembrou, levando a própria mão à cintura dela em uma tentativa de trazê-la para mais perto de si.
deu um sorriso malicioso antes de permitir que a boca dele encontrasse o caminho da sua com a facilidade que a familiaridade trazia. Era intenso e instigante, como absolutamente tudo o que eles faziam. Ela sabia que, em algum momento, havia enrolado o cabelo em um coque firme, protegendo-o da água. No entanto, não tinha consciência completa do momento exato em que suas próprias roupas tinham ido fazer companhia às dele no chão.
Estava frio demais para expor a nudez dos corpos ao ar gélido, mesmo com o calor dos corpos em movimento constante. A decisão mais sábia era utilizar a água cuidadosamente aquecida a seu favor. tinha as pernas entrelaçadas no corpo de , facilitando a sincronia de suas interações. Devoravam um ao outro com as bocas famintas e as mãos sedentas por mais contato, mais toque, mais proximidade.
Com invadindo-a avidamente, a mulher suspirou em um gemido abafado, tentando conter os barulhos o melhor possível. As paredes do castelo eram grossas o suficiente para não ceder a ataques militares, mas ela ainda tinha receio da audição curiosa do outro lado. Sua mãe sempre lhe dissera que as paredes tinham ouvidos e era essa sua maior aflição. O que tinham era maravilhoso e indescritivelmente prazeroso, mas era um segredo que deveria ser guardado a sete chaves e morrer com eles.
Some things are meant to be secret and not to be heard
(Algumas coisas são feitas para serem segredos e não serem ouvidas)
So if I tell you, just keep it and don’t say a word
(Então se eu te contar, apenas guarde e não diga nenhuma palavra)
Yeah, when the doors are all closing, it’s bound to get loud
(Quando as portas se fecham, as coisas estão destinadas a ficarem altas)
‘Cause all these bodies are hoping to get addicted to sound
(Porque todos esses corpos estão esperando para ficarem viciados pelo som)
Oh, not everything is so primitive
(Nem tudo é tão primitivo)
Oh, but I’m giving in
(Mas eu estou cedendo)
Era especialmente difícil manter qualquer tipo de tentativa de autocontrole enquanto fazia questão de arfar tão perto de seu pescoço. Não importava quantas vezes já tinham se deleitado com momentos semelhantes àquele, a vontade de ter o outro tão sensualmente perto de si não diminuía por um segundo sequer.
— O que eu faria sem você aqui? - ousou perguntar, ainda ofegante depois de sua singela diversão.
— Talvez se divertiria sozinho - zombou. — Ou arranjaria outra mulher para colocar na sua cama. Não é como se não fosse capaz de conseguir várias em questão de segundos.
A mulher se levantou, retirando-se da banheira. Ele ficou observando o trajeto das gotas que escorregavam tranquilamente, delineando suas curvas desnudas como um habilidoso pincel traçando a mais impressionante das obras primas.
— Sabe que eu não sou mais assim.
— Sei, é? - O sorriso doce e ao mesmo tempo irônico em seu rosto fazia com que ele quisesse ir atrás dela imediatamente apenas para poder roubar outro beijo. O único beijo que ele havia desejado em muito tempo, mesmo que ela se recusasse incansavelmente a acreditar naquilo.
— Ao menos deveria - respondeu firmemente.
— Por quê? Nós dois sabemos que isso nunca vai poder passar da mais pura consumação de uma simples atração sexual. Eu sou literalmente serva do palácio e você, o dono dele. Então pode ficar tranquilo que eu já deixei de acreditar em contos de fadas há muito tempo.
sentiu a alfinetada explícita e o esboço da raiva que sempre cortava seus pensamentos ao refletir sobre toda aquela situação. Existiam tantas coisas que ele se recusava a aceitar, mas não sabia como mudar. Era simplesmente ridículo.
— Isso é injusto - murmurou, meneando a cabeça.
já estava seca e vestida, passando as mãos pela saia do vestido na tentativa de desamassá-lo ao máximo e não esboçar quaisquer indícios de que havia feito mais do que preparar um bom banho quente.
— A vida não é justa - respondeu simplesmente.
apenas a observou deixar seus aposentos com naturalidade, como se não tivesse feito mais do que a sua obrigação. Às vezes receava que fosse essa a ideia que ela tinha presa em sua mente. Sabia que precisava de ideias. E precisava delas o mais rápido possível.
♕♕♕
Os dedos nervosos de batiam incessantemente contra a extensa mesa de madeira da Sala dos Mapas. Estava estudando as fronteiras desde que a carta de Bersefels tinha lhe sido entregue. Chegava a ser irônico o quão propício aquele momento tinha sido para que seu pai viajasse e deixasse todas as decisões na mão de quem ele mal costumava aceitar uma simples opinião.
Quando o conselheiro real lhe dissera “O Rei Eugene pediu que lhe avisasse que confia plenamente em suas decisões durante a próxima semana”, o príncipe teve vontade de gritar até que seu tom de voz fizesse com que a Cozinha pensasse que ele estava gravemente ferido e à beira da morte. Aquilo só podia ser uma enorme piada de mau gosto.
Já tinha olhado todos os recortes possíveis e imagináveis de projeções de ataques vindos de Bersefels e até mesmo de Herivik, que entraria na jogada assim que ele tomasse qualquer tipo de decisão. E não, ele não podia esperar o retorno de Eugene. O aviso na carta era bem claro quanto à necessidade de resposta praticamente imediata.
— Vossa Alteza - uma das serviçais chamou da porta, anunciando a própria entrada. — Não sabíamos que o senhor começaria a trabalhar tão cedo e acabamos não preparando a Sala. Perdão, Alteza.
— Não tem porque se desculpar, Lady Lydia. Eu realmente pulei da cama um pouco antes da hora. Pode deixar os pães e os queijos sobre a mesa como de costume, por favor.
A mulher concordou com a cabeça, sorrindo educadamente enquanto deixava o alimento conforme solicitado.
— Obrigado, Lady Lydia.
Com mais um sorriso, ela deixou o ambiente. Era incrível como um simples agradecimento, em um lugar em que eram frequentemente ignoradas e, às vezes, até mesmo humilhadas, podia mudar completamente o humor de alguém para o resto do dia. E sabia muito bem que sua língua não cairia se cumprisse o mínimo da educação que sua mãe havia lhe ensinado.
Com tinta preta e uma pena de ponta fina, rabiscou alguns pontos específicos do mapa, tentando clarear a própria mente com a sua paradoxal bagunça. Não sabia ao certo se realmente acreditava que chegaria a algum lugar com aquilo. Parecia completamente inútil, assim como absolutamente tudo o que lhe surgira desde a chegada da carta.
Dois tapinhas desconcertantes com os nós dos dedos na porta afastaram novamente seus pensamentos, tomando sua atenção tão disposta a se perder.
— Com licença, Alteza. Lady Lydia pediu que lhe trouxesse uma garrafa de água.
não conseguiu evitar a batida fora de ritmo de seu coração que veio na sequência.
— Por favor, entre, Lady .
A mulher entrou e deixou o recipiente ao lado dos pães, despejando um pouco do conteúdo líquido em uma taça brilhante.
— Parece cansado, senhor - comentou despretensiosamente, tentando disfarçar a sincera preocupação que brilhava em seus olhos, mostrando-se para quem quisesse ver.
— Decisões difíceis - respondeu, levando as mãos ao rosto em uma tentativa de conter o próprio desespero. — Quer saber? Preciso de uma segunda opinião. Pode ficar?
Não foi só que não conseguiu evitar que a surpresa e o choque transparecessem. Os guardas, tão bem treinados, também tinham se remexido levemente em seus lugares, estranhando a situação. A que raios uma mera empregada poderia ser útil quando se tratava de questões complicadas de política externa? Nem ela própria saberia responder a essa pergunta.
— Se eu puder ser útil, será um prazer ajudar - disse, ainda bastante desconcertada.
simplesmente estendeu a carta para ela, sem se importar com o detalhe de que aquele manuscrito havia chegado com um aviso garrafal de ‘correspondência confidencial’.
apertou os olhos, tentando garantir - de uma forma um tanto estranha e nem um pouco eficaz - que nenhuma palavra daquela carta fugisse da percepção de seus olhos atentos.
Ao governante de Wamoor,
Gostaríamos de sugerir um novo acordo entre nossos reinos. Bersefels está passando por um grande momento de otimização em produção. Nossas colheitas nunca foram tão bem sucedidas e acreditamos piamente que o câmbio de nossos grãos pode ser extremamente proveitoso. Nenhum entre seus demais parceiros comerciais tem a qualidade agrícola que nós podemos oferecer, como todos bem sabem; de forma que um acordo seria de grande proveito para ambas as partes.
Pretendemos diminuir os preços de cada safra. Em troca, esperamos que as importações de seu reino sejam feitas exclusivamente conosco no que se diz respeito aos grãos. Isso inclui os repasses para nações aliadas. A competição entre nossos produtos não me parece benéfica para nenhum dos dois lados.
Aguardo respostas urgentes, em respeito a um povo amigo.
Em nome do reino de Bersefels.
Finalizada a leitura, ainda levou alguns segundos para absorver tudo e perceber que tinha mordiscado o lábio e arrancado uma pelinha incômoda, que agora causava uma ardência irritante. Era uma mania dela, sempre que estava concentrada em algo e, mesmo com a dor resultante, ela simplesmente não conseguia abandonar aquele mau hábito.
— O que você acha? - perguntou, retirando-a de seus devaneios.
— O que você acha? - Ela devolveu a pergunta.
O príncipe bufou, bagunçando os cabelos com os dedos inquietos.
— Que eles querem demais. Não posso simplesmente dizer que cortaremos nossa própria produção. O solo deles é melhor, todos nós sabemos disso. Mas temos nossas próprias colheitas e acordos com Herivik. Eles nunca aceitariam receber os produtos de Bersefels, nem por intermédio nosso. Principalmente enquanto eles estão enfrentando a iminência de uma guerra.
— Também acho. Então, qual é o problema?
— O problema é que eu preciso dar um retorno e eu simplesmente não sei o que fazer.
— É só recusar a proposta - disse, como se fosse óbvio. Não entendia mesmo qual era a grande dificuldade naquilo. — Até porque Herivik não vai gostar nada da ideia e precisamos dos minérios deles. Principalmente do ferro.
— Nós ainda precisamos dos grãos de Bersefels também - apontou. — O que produzimos não é o suficiente em parâmetros de variedade e eu não posso arcar com a possibilidade de eles cortarem os suprimentos.
— Eles não vão fazer isso. Precisam da água, inclusive para manter exatamente essas plantações.
— E se eles decidirem adiantar as coisas e resolver a situação por meio de força?
— Também não vão fazer isso. Guerras custam muito em preparamento bélico e recursos humanos. Um reino que finalmente se estabilizou provavelmente tem pouca intenção de entrar em conflito armado por tão pouco.
— Como você pode ter tanta certeza de que não precisamos temer?
— Primeiro porque não tem lógica alguma. Segundo porque propostas de cunho semelhante já foram feitas, inclusive com ameaças sutis. Nunca deu em nada. Isso é tudo pressão.
estreitou os olhos, tentando acompanhar a situação. Ela era tão objetiva e soava tão segura de si. Como podia ser tão assertiva sem titubear por um instante sequer enquanto ele estava prestes a entrar em algum tipo de colapso nervoso?
— Como você sabe de tudo isso?
deu de ombros simplesmente, estendendo a carta de volta.
— Não sei. Talvez seja por passar tanto tempo levando as coisas de um lado para o outro no castelo. Devo ter ouvido demais.
— Esse tipo de conhecimento não é simplesmente algo que você imita, como se estivesse de frente para um espelho. Você é muito mais inteligente do que deixa transparecer.
A mulher soltou uma risada abafada.
— Talvez porque a única inteligência requisitada para ser uma servente seja ter decorado os caminhos para os cômodos dentro do palácio.
— Isso é ridículo. - Ele bufou. — Era você que deveria estar fazendo essas coisas. É muito mais capaz de lidar com a nossa política externa do que eu.
riu abertamente, sem se preocupar com a polidez ou a discrição naquele momento.
— Não é assim que as coisas funcionam. Eu te trago água e você debate estratégias de comércio com outros monarcas. É assim que as coisas são.
— Você não deveria estar servindo água. Deveria estar na porcaria do trono. É mais sensata que meu pai e, ao mesmo tempo, infinitamente mais ágil e inteligente do que eu. É melhor que nós dois.
— Filhas de lavradores não nascem com jeito para serem princesas, Alteza - fez questão de dizer a última palavra de forma lenta e afiada, obrigando-o a saborear a sensação de ouvir todas aquelas letras acompanhadas de certo asco.
Ele sabia muito bem do que ela estava falando, por trás de toda aquela carga de sarcasmo. Trabalhar no castelo já era considerado um objetivo alto demais para quem vinha das classes mais baixas da sociedade de Wamoor. Estar entre as paredes do palácio significava nunca precisar se preocupar com a fome ou com o frio, o que era mais do que a maioria das pessoas poderia esperar do lado de fora. Fazer parte de qualquer coisa além disso, era simplesmente inimaginável, mesmo que não fosse ilegal. Não precisava ser, como seu pai dizia, porque ninguém se arriscaria a perder o próprio tempo com ideias tão erradas e surreais assim.
Mas ele perderia o tempo que fosse.
— Tenho uma ideia - ele disse. — Vou provar para ele que você está sendo completamente desperdiçada e que isso é tudo um grande absurdo.
sorriu ironicamente, colocando uma mecha teimosa do cabelo atrás da orelha, tentando tirá-la da frente dos olhos de uma vez por todas.
— E como pretende fazer isso, meu príncipe?
— Vou precisar de todos vocês - disse em direção aos guardas, que se moveram, prestes a negar a ajuda. — Não podem me dizer não. Servem ao meu pai, mas ele foi claro. Em sua ausência, eu estou no comando. O que significa que, agora, obedecem a mim. Preciso do seu silêncio completo.
Os homens abaixaram a cabeça, concordando.
— Certo. Eis o que faremos.
I love your hair in your face
(Eu amo seu cabelo em seu rosto)
I wouldn’t dare let you down
(Eu não me atreveria a te decepcionar)
Don’t let that glass go to waste
(Não deixe essa taça ser desperdiçada)
Oh, you’re a queen but uncrowned
(Você é uma rainha, mas sem coroa)
♕♕♕
Lady Lydia tinha levado uma cesta de frutas aos aposentos do príncipe. Sem reverências, sem formalidades extremas. Apenas um gesto de singela preocupação, mais que obrigação. As coisas tinham mudado muito nos últimos dias e todos estavam felizes e orgulhosos por ver sendo tão ativa e, finalmente, podendo mostrar do que era capaz. Se havia aprendido tanto só pelo pouco que ouvira ao andar de um lado para o outro do palácio, quanto poderia agregar de conhecimento se lhe dessem oportunidades mais palpáveis?
A mulher não quis que sua participação como conselheira de fosse escancarada para todos os trabalhadores reais no início. Tinha receio da possível inveja dos demais e medo de ser excluída ou agredida de alguma maneira por eles. Não se continha de felicidade ao perceber como estava imensamente enganada ao deixar que seu pessimismo esperasse tais condutas negativas.
— É sério que acabamos de fechar esse acordo? - ainda mal podia acreditar naquilo. Algo que seu pai nunca tinha feito. Uma brecha. Uma proposta. Um benefício. Ele só conseguia gargalhar sem se importar com mais nada.
— E você ainda duvidava disso? Precisa ter mais fé - caçoou, antes de ver o homem parar em sua frente, tão rápido que não havia percebido sua chegada.
deu um sorriso de canto, aproximando-se para encostar os lábios em um beijo lento em seu pescoço. Soltou uma risada abafada e vitoriosa ao sentir a pele dela se arrepiar tão facilmente sob o toque de sua boca.
— Não duvido de nada mais. Não quando você tem todo o controle. Sabe bem o que fazer com ele.
ergueu a sobrancelha, compreendendo a provocação.
— Então eu tenho o controle sobre tudo? - Fez questão de destacar a última palavra em sua entonação, devolvendo a chama que a faísca dele havia acordado.
Ele prendeu os dentes ao lóbulo da orelha dela, puxando-a de leve, antes de encará-la com os olhos transbordando de desejo.
— Tudo o que quiser - soprou, quase em um sussurro, antes de encontrar sua boca com voracidade.
Foi fácil encontrar o caminho até a cama; ainda mais quando ambos já tinham o caminho decorado o suficiente para desviar o suficiente das mobílias distribuídas, evitando alguns tropeços desastrosos.
deitou o corpo sobre a cama, recebendo a mulher sobre si, emaranhada em seus braços e perdida com o toque incansável de sua língua e lábios em toda a sua pele exposta. estendeu a mão, segurando-o deitado, enquanto se sentava e se encaixava confortavelmente no seu lugar favorito.
Levou as mãos às costas, desamarrando e puxando a faixa de tecido que marcava a cintura em seu vestido. Abaixou o torso, estendendo-se o suficiente para alcançar a cabeceira e colocar em prática o tal controle que tinha da forma mais literal que sua mente conseguia conceber. Enrolou as pontas do pano na mão e se dedicou ao seu objetivo de amarrá-lo, passando a faixa pelos pulsos dele e pelas barras de ferro que decoravam a base superior da cama.
sorriu ao sentir o aperto intensificado embaixo das mãos. Estava preso e submisso às vontades dela e isso era incrivelmente excitante para ele. sustentava a fisionomia que gritava malícia e volúpia, preparada para assumir o controle.
Com os lábios pregados ao torso do príncipe, ela desceu os beijos em um caminho cuidadoso que já o fazia suspirar. Em meio a carícias locais, levou seus dedos à barra da calça dele, retirando-a lentamente, sabendo bem como ele ansiava por agilidade naquele momento. Não era o tempo dele que importava e aquilo só a divertia. Mas, quando finalmente realizou as vontades dele e as suas, teve a certeza mais óbvia do universo. Ela realmente se saía bem quando assumia o controle, especialmente entre quatro paredes.
If these walls could talk, I hope they wouldn’t say anything
(Se essas paredes puderem falar, eu espero que elas não digam nada)
Because they’ve seen way too many things
(Porque elas viram coisas demais)
‘Cause we’d fall from grace, we’re falling
(Porque nós cairíamos em desgraça, estamos caindo)
♕♕♕
estava nervoso, ansioso de verdade. Provavelmente aquele era o pior estado em que se reconhecia em muito tempo. Ainda mais por algo do tipo.
— Por que está demorando tanto? - Verbalizou em voz alta, enquanto seus passos incessantes continuavam batendo contra a grama em círculos. Olhava para a pequena bagunça organizada que tinha posto e só conseguia se sentir ainda mais angustiado.
— Fala sozinho agora, Alteza? - A voz doce e conhecida quase o fez desmanchar sobre o gramado fundo por seus pisões. — Talvez precise ver um médico.
exibia o seu sorriso lindo de sempre, acompanhado por seu par de olhos intensamente fixados nos dele. não sabia como era capaz de sequer tentar manter sua própria sanidade em tantos momentos enquanto ela o olhava daquele jeito, como se enxergasse sua alma sem pedir qualquer tipo de permissão ou licença. Ela simplesmente tinha se aproveitado da noção de que os olhos eram a janela da alma, pulado para dentro e se aconchegado nele, sem previsão de data ou horário para sair.
— Se eu acabar precisando de algum médico, vou culpar você. Lydia foi te chamar há séculos! Roma talvez estivesse surgindo ainda no momento em que pedi para que ela fosse atrás de ti.
A mulher revirou os olhos, fazendo uma careta ao ouvir tamanho exagero. Seu pai gostava o suficiente de história para ter lhe contado absolutamente tudo o que ele sabia do Império Romano enquanto ela crescia. Ele podia não ter recebido os melhores ensinamentos ou recursos durante a vida - e com certeza não os tinha para transmitir aos filhos -, mas tinha curiosidade suficiente para arranjar suas próprias informações em suas próprias maneiras. — Nem cinco minutos.
— Tudo bem. Talvez eu perca mesmo a noção de tempo quando estou perto de você.
riu alto, apesar de, internamente, ter achado aquilo… Legal? Fofo de certa forma? Era difícil até de definir e de admitir que estava encantada por uma tirada tão clichê quanto aquela.
— Ah, Seb… Só existem dois tipos de pessoas que dizem isso: as tontas apaixonadas e aquelas que estão tentando arranjar uma transa fácil. A segunda você já tem, então talvez a gente precise abrir uma terceira categoria.
— E por que eu não posso ficar na primeira?
mordeu o próprio lábio, incerta sobre o que dizer a seguir. Tinha consciência de que provavelmente tinha extrapolado os limites de onde poderia chegar com aquela contínua descrença em qualquer esboço de apego ou afetividade que ele tentasse demonstrar. No fundo, sabia que aquilo era um mecanismo de defesa que ela mesma estava praticando para não dar o braço a torcer de que era ela quem tinha perdido o controle e se esquecido de traçar a linha que definia até onde era seguro ir quando as perspectivas eram tão rasas.
— Você sabe por que eu pedi para você vir aqui, ? - Ela meneou a cabeça, negando. — Porque eu vou tentar, mais uma vez, te provar que eu te amo, apesar de você se recusar a acreditar nisso.
De repente, parecia que seu coração tinha sido substituído por um passarinho impaciente, querendo bater asas e sair voando por sua garganta. Aquela declaração era inédita e inesperada, mesmo que provavelmente fosse tudo o que ela sempre quis ouvir.
— Pedi para prepararem massa, que você sempre disse adorar. E pedi uma garrafa do melhor vinho que encontraram na adega para nós dois.
— Receberei tratamento de rainha, então? - Ela quase ronronou, olhando para o piquenique descuidado que tinha a identidade vaporosa e carismática de estampada em cada centímetro quadrado.
— Da forma que deve ser.
O príncipe puxou a mulher pelas mãos, passando o polegar pelos nós de seus dedos em um carinho gostoso. fechou os olhos ao se aproximar dela e deixar um toque delicado de lábios na testa dela. se permitiu fechar os olhos também, sentindo o calor que ela conhecia tão precisamente.
Guiou-a até o cantinho em que ele tentara planejar como local para sentar, apesar da textura estranha da grama e das dobras que a toalha fazia toda vez em que alguma perna apresentava sinais de dormência e decidia que era hora de se mexer minimamente para liberar a circulação antes que alguma amputação fosse necessária. As guerras já eram desastrosas o suficiente nesse quesito.
Entre uma garfada e outra, arriscou puxar papo com uma pergunta que poderia ser considerada, por muitos, como perigosa. Talvez até mesmo inconveniente, considerando o quão íntima poderia se tornar. Mas era exatamente esse o tipo de profundidade e proximidade que ele esperava ter com ela.
— Onde você queria estar no futuro? Sério, sem realismos dolorosos. Algo que a pequena teria crescido querendo, sabe? As coisas que a gente realmente leva no coração e que acabam nos definindo de jeitos bem curiosos.
— Poético - ela murmurou, soltando uma risadinha logo em seguida. Engoliu o resto de sua comida e buscou o guardanapo de tecido, limpando quaisquer restos de molho ou uva que pudesse ter optado por permanecer em seu rosto. — Essa pergunta é bem mais complicada do que parecia.
sorriu, assentindo.
— Eu sei. Mas eu realmente quero saber.
— Não sei. Acho que a de uns sete anos atrás te diria que gostava tanto de ler que esperava poder ser professora, mesmo sabendo que ela própria não tinha muita educação formal. Ela diria que sempre sonhou em ter uma casa mais confortável que a dos pais, mas não um lugar grande. Uma casinha aconchegante, sabe? Só o suficiente para cada um poder ter sua cama, suas gavetas… Ah! E com árvores e flores; colorida do jeito que minha mãe sempre sonhou que a nossa casa fosse. Acho que acabei sonhando um pouco os sonhos dela também.
sorriu, sentindo uma fisgada de saudades de sua própria mãe e de como ela tinha as melhores histórias e também as músicas mais doces. Quando falava de sua família, era quase como se ele conseguisse, mais uma vez, sentir o afago da presença materna ali, apertando seu ombro e lhe dizendo para ter coragem.
— Ela também te diria que a avó sempre disse que as gerações pulavam e isso a faria ter filhos gêmeos e como ela sempre torceu para ser um menino e uma menina. Sempre pensei em como seria esse momento. Ter pequenos pedaços de mim me deixando louca, mas também me enchendo de orgulho a cada pequena possibilidade de que eu estivesse ensinando-os a serem pessoas melhores. Gente que faz a diferença no mundo e que consegue exalar bondade por onde passar. — Que nem você - o homem ponderou, com toda a sinceridade do mundo. — Eles teriam sua inteligência, com certeza.
— Espero que sim. - Ela sorriu. — Mas aquela cresceu, não é? Essa queria mesmo poder voltar à simplicidade dos sonhos antigos e poder imaginar que eles são possíveis.
— Essa estaria disposta a me encaixar nos sonhos dela?
— Essa provavelmente não quer nem imaginar um futuro sem você - ela admitiu, percebendo a feição dele se iluminando automaticamente em resposta. — Mas e os seus sonhos?
passou os dedos pelo rosto, com a barba por fazer pinicando levemente a pele de suas mãos.
— O pequeno queria ser rei mais do que tudo. Achava que era a coisa mais legal do mundo, porque meu pai estava sempre lá sentado com aquela coroa enorme em um trono lindo. Ele parecia poder mandar no mundo todo e isso era basicamente tudo o que uma criança como eu queria na época. Acho que eu não poderia ter mudado de ideia mais bruscamente. Totalmente da água pro vinho.
levou a própria mão para o lugar no qual a dele tinha acabado de passar, acariciando as bochechas do homem em movimentos curvos, como se desenhasse em sua face com um pincel.
— Hoje, eu realmente queria não estar aqui. Não precisar fazer nada disso. Queria poder agarrar a sua mão, sair correndo por aqueles portões e sumir nesse mundo até encontrarmos a sua casinha florida em algum canto mais calmo. Não tinha pensado com tanta seriedade em filhos, mas eu ia achar perfeito ter gêmeos com os seus olhos berrando aos ventos sem parar. Ele respirou fundo, forçando seu rosto um pouquinho mais em direção a ela, buscando o contato como se fosse um gato se embrenhando nas pernas de alguém.
— Não posso fugir, mas quero mesmo acreditar que posso ter o resto. Principalmente você. Aguento a tempestade que for, vinda de qualquer um dos reinos que nos cercam; desde que eu tenha você ao meu lado.
sentiu uma ardência leve nos olhos e se repreendeu mentalmente, tentando impedir a si mesma de começar a chorar ali.
— Sabe, Seb, talvez o que eu tenha para dizer consiga acalmar minimamente o seu coração.
— O que é?
— Eu também amo você.
E não havia beijo que pudesse repousar em seus lábios que a fizesse sentir sequer metade da felicidade que tomava seu peito naquele momento.
— Estamos no jardim - o lembrou, interrompendo o toque por alguns segundos. — Os outros vão nos ver aqui.
— E você acha mesmo que, depois de eu pedir um jantar para nós dois, ninguém está pelo menos suspeitando? Não precisamos mais nos esconder. Eu não vou mais ter você só entre quatro paredes. E podia não ser a resolução de seus problemas. Realmente não o era. Mas, naquele momento, era o suficiente.
♕♕♕
Todos estavam vestindo seus melhores trajes e haviam se aprontado muito mais cedo do que o comum. Era esse o efeito do retorno do rei Eugene sobre todos aqueles que habitavam o palácio, independente da função desempenhada dentro dele.
Mas não era uma antecipação boa ou mesmo minimamente calorosa. Era reflexo da mais completa apreensão. Ninguém queria nem cogitar o tanto que poderiam perder assim que as coisas voltassem ao normal. Estavam torcendo gritantemente para que, quaisquer fossem os planos do príncipe, eles dessem certo.
Até as abotoaduras estavam incomodando . E por que aquelas ombreiras? Qual a necessidade de tanta pompa enquanto um pingo de suor descia alegremente pelo vão central de suas costas, perfeitamente direcionado sobre suas vértebras. Pelo som irritante e exagerado dos instrumentos de sopro da comitiva, ao menos seu nervosismo estava perto de encontrar suas motivações reais cara a cara.
Eugene pisava com força pela passarela de pedras, como se não fosse capaz de se evitar ceder ao impulso de demonstrar seu poder e força. Era como se ele precisasse da afirmação de sua hierarquia e, na verdade, tinha convicção completa de que ele precisava mesmo. E isso só piorava as expectativas quanto à probabilidade de o pai não ter um surto violento assim que ouvisse a menor possibilidade sequer de qualquer mudança. Mas isso não anulava as suas esperanças no pai consciente e sensato de que ele se lembrava, mesmo que há tanto tempo. Aquele homem tinha que estar ali em algum lugar.
— Filho! - O rei sorriu grandiosamente, mostrando os dentes como se fossem presas afiadas, mas não demonstrou intenção alguma de abrir os braços e demonstrar qualquer carinho gestual. — Como foi a temporada sem mim?
— Boa, acredito eu - respondeu, simplesmente. Tinha decidido evitar palavras e frases compridas demais em uma tentativa de não se dar mais oportunidades de ouvir a própria voz falhando e o fazendo passar vergonha em frente a tantas pessoas que contavam com ele.
— Pelo que os mensageiros me informaram, foi melhor do que boa. - O rei parecia ainda maior com o peito estufado de algo que quase soava como orgulho. — Resolveu perfeitamente a questão entre Bersefels e Herivik, conseguiu acordos comerciais melhores com as terras ao Norte e, ainda por cima, trouxe-nos os meus tão queridos faisões por preço de batatas!
comemorou silenciosamente. Sabia que os faisões tinham grandes chances de amolecer o coração - ou o estômago - do pai. Era incrível o impacto que uma simples ave conseguia ter.
— Parabéns, . Fez um trabalho incrível. Será um grande rei um dia.
O príncipe teve que conter o próprio engasgo e feição de surpresa. Estava velho demais para ouvir aquelas palavras pela primeira vez. Aquele dia demorara muito, mas finalmente estava recebendo um mínimo de reconhecimento e parabenização.
— Obrigado, pai - respondeu, ajeitando a própria postura, buscando afastar a sensação de pequenitude que doía em seu peito. — Mas eu não fiz nada disso sozinho.
A fisionomia de Eugene se transformou brutalmente em questão de segundos. Alguns funcionários resistiram ao impulso de retração, enquanto outros acabaram cedendo, temerosos demais para enfrentar fosse lá o que poderia estar por vir. Já tinham visto explosões de fúria real o suficiente para preferirem se afastar a abrir o peito para combate e confronto.
— Que absurdo é esse?
O mais novo respirou fundo, juntando todo o ímpeto que tinha dentro de si para se colocar na linha de frente de sua própria guerra e encarar o que tinha decidido por fazer.
— Cada pessoa nesse lugar faz muito para que nós possamos fazer nossa própria parte, pai. E eu acho que o senhor deixou de se dar conta disso durante os últimos tempos. Sem contar todo o potencial deles sendo desvalorizado e negligenciado por causa de uma porcaria de posição social que nunca deveria ter existido.
Eugene esfregou as têmporas, exalando o ar de forma pesada.
— , quantas vezes eu vou te dizer que as classes são uma tendência e não uma regra? Não é problema meu.
— Se não é uma regra, então podemos ignorá-las, não podemos? Não temos total liberdade de adequar as pessoas conforme seus talentos e disposições em vez de nos contentarmos em entregar cargos considerados baixos simplesmente por considerá-los inferiores de alguma forma.
— Em teoria, sim. - A voz do rei havia deixado de soar como um trovão e começado a se parecer mais com uma garoa mansa, baixa.
— Lady esclareceu meus pontos de vista e sugeriu direcionamentos e ações que eu poderia jamais ter sequer cogitado se estivesse sozinho. Ela é muito mais competente do que eu um dia poderei ser e tem um instinto quase nato para a política. Então, eu me pergunto, pai: por que ela continua nos levando água se deveria estar nos entregando conselhos?
A mulher ergueu o olhar, ignorando o rubor leve que se apossara das maçãs de seu rosto. Não abaixaria a cabeça enquanto falavam dela. Não mais. Dali para frente, tomaria frente nas decisões que envolviam seu futuro, por respeito a si mesma e à de sete anos atrás, que queria flores lilases, rosas e vermelhas. Agora, também queria dignidade e respeito.
O rei gargalhou; sua risada tão forte que parecia prestes a romper os vidros das janelas.
— Você deve mesmo ter acabado com todo o estoque da minha adega. Não só um serviçal, mas uma mulher ?
— Sim, senhor. Uma mulher - ela respondeu. — Algum problema? Por acaso vai agir como o velho intolerante que sua idade denuncia e dizer que eu deveria estar com as mãos no fogão em vez de mantê-las sobre a mesa de uma sala de reunião? O que sua falecida esposa pensaria disso?
sentiu a adaga no próprio peito com a referência à mãe, mas o ardor logo fora substituído pela chama curativa do orgulho que tomava todo seu espírito. Ela estava certa. Sua mãe já era muito mais inteligente do que eles e nunca, sob hipótese alguma, toleraria que alguém pensasse menos de uma mulher pelo simples fato de ser mulher.
E, acima de tudo, aquilo desestabilizava o rei porque ele a amava. E talvez tivesse sido um governador completamente diferente se sua amada houvesse lhe abençoado com o dom da sensatez por mais alguns anos.
— Eu jamais diminuiria uma mulher - murmurou. — Devo ter sido mal compreendido.
achava graça em como os homens eram capazes de distorcer a história para adequá-las à sua versão. Mas não discutiria. Não sobre aquilo. Não quando ao menos tinha colocado o rei em seu devido lugar mais uma vez.
— Eis a minha reivindicação, pai. - tomou a atenção para si. — Quero que Lady seja liberada dos afazeres domésticos e realocada como minha conselheira e braço direito. Ela participará de tudo a que tenho que comparecer e terá os mesmos direitos e respeito que os seus homens recebem. Além disso, quero que dê uma moradia digna para a família dela e que possamos garantir pessoalmente o seu sustento em épocas de seca em que suas colheitas possivelmente se tornam insuficientes.
Eugene soltou uma risada irônica.
— O que mais você quer? Casar com a garota?
— Sim, pai. Pretendo me casar com ela um dia. Mas não estou pensando em cerimônias por agora. Mais alguma pergunta?
estava impressionado com a própria segurança e confiança. Finalmente.
— Não é assim que as coisas funcionam - o rei disse simplesmente, demonstrando o mais completo tédio. — Você não manda em absolutamente nada. E eu não sou obrigado a receber reivindicações de um filho estúpido e ingênuo o suficiente para querer mudar o mundo por alguém que ele pensa amar.
— Ao contrário do senhor, ainda não me esqueci de como é sentir amor - o mais novo o cortou. — E também não sou obrigado a ouvir as suas ordens estúpidas e discriminatórias. Ou aceita meus pedidos ou eu renuncio e sumo de sua vista. Boa sorte para encontrar um novo herdeiro, enquanto seus irmãos abutres continuam rondando o castelo. É o fim da sua dinastia e das suas justificativas para não ceder.
Eugene parecia prestes a urrar. Se as lendas antigas de seu povo fossem reais, aquele parecia um momento propício para a ira do rei transformá-lo em urso, fazendo-o destruir tudo o que ele havia construído.
já estava preparado para os gritos - incluindo os seus. Mas também já estava de mente tranquila para seguir seu caminho com se o pai não desse o braço a torcer. Tinha o coração leve o suficiente para saber que, independentemente do que aconteceria a seguir, seria a coisa certa.
— Um passo de cada vez, . A família dela pode ter a casa e a comida. Mas ela passará uma semana frequentando os eventos antes de oficializarmos qualquer coisa sobre a participação dela.
— Tudo bem. - deu de ombros. — A consequência continua sendo a mesma se o senhor decidir mudar de ideia.
— Inferno! - Eugene reclamou. — Eu mal cheguei e já tenho que lidar com essas dores de cabeça. Vou dormir e depois discutimos. Inferno!
E a silhueta do rei sumiu pelo longo corredor, enquanto ria e expirava o ar que vinha segurando finalmente.
— Ele não parece muito contente com a ideia - ela apontou.
O homem ao seu lado deu de ombros.
— Vai ser mesmo um inferno para ele. Mas é assim que se muda as coisas. Vamos? - Estendeu o braço, esperando que ela o aceitasse.
— Quer dizer que vamos casar, então?
riu alto, já esperando aquela pergunta.
— Mais uma coisa que ainda voltaremos a discutir.
— Não posso fazer isso agora. Estamos negociando novos termos.
— E para isso você precisa deixar pessoas morrerem de sede no caminho? Que tipo de ser humano você é?
já tinha perdido noção de seu tom de voz há algum tempo. Não conseguia acreditar que Eugene realmente era capaz de sacrificar vidas por conta de um tratado de negócios. Mesmo que não fossem do seu próprio reino.
— Enquanto você não tiver a coroa de Wamoor sobre a cabeça, sua opinião e seus ataques sobre a minha estratégia de governo não são do meu interesse - Eugene disse, a voz cortante como um punhal recém-afiado. — Você só está aqui para aprender. E a primeira lição: silêncio enquanto os adultos responsáveis trabalham.
bufou, andando a passos pesados até a porta e buscando o caminho para o seu quarto. Estava cansado de ser menosprezado pelo pai. Ele já tinha idade o suficiente para assumir o trono assim que necessário e, principalmente, bom senso para ter as próprias ideias sobre o que era adequado para o seu povo e para a política externa do reino. Se nunca poderia dizer nada, por que ainda era obrigado a frequentar as reuniões do rei? Para aprender a ser a última coisa que ele desejava ser?
Ao se aproximar da entrada de seu quarto, assistiu a seus guardas empurrando as altas portas, como de costume. Cumprimentou-os com um aceno de cabeça, enquanto os mesmos abaixavam o olhar em uma reverência minimalista e silenciosa em direção ao príncipe. Tinha perdido as contas de quantas vezes já tinha dito que as reverências eram desnecessárias, mas aqueles homens eram treinados daquela forma. Não havia muito o que discutir.
O primeiro passo que deu para o interior de seu dormitório era o suficiente para ter suas narinas invadidas pelo cheiro conhecido de seus sais de banho. Sorriu minimamente, esperando que seus olhos encontrassem também a cena que permeava suas memórias imediatas olfativas.
E lá estava ela. Checando mais uma vez a temperatura da água despejada na banheira, andando de um lado para o outro como se flutuasse pelo ambiente.
— Vossa Alteza. - A mulher inclinou o tronco. — Preparei seu banho. Pensei que lhe agradaria depois de um dia cheio.
— Tem toda a razão - o homem comentou, repuxando o canto do lábio em um sorriso minimamente mais largo que o anterior. — Como sempre, Lady .
prontamente dispensou os guardas, ouvindo o agradável som das portas fechando às suas costas. Estavam finalmente a sós.
— Ouvi vozes alteradas quando passei pelos corredores da Sala de Reunião do Conselho - a mulher explicou. — Pensei que um banho quente lhe faria bem depois de mais uma discussão.
O príncipe bufou, enquanto retirava o agasalho de tecido grosso. O inverno começava a dar seus primeiros suspiros ao acordar para assumir seu posto como estação da vez. Sua chegada estava longe de ser silenciosa, manifestada na gradual queda da temperatura, das folhas e dos índices pluviométricos. Mais um motivo pelo qual se preocupava tanto com o abastecimento de água de Carda. Os pequenos lagos e riachos não eram suficientes para sustentar a população toda nem em períodos que beiravam situações de enchente. Quem diria agora, quando tudo o que viam eram as plantas secando, bem como seus últimos córregos.
— É sobre a água - explicou-se. — De novo.
assentiu. Sabia bem como Wamoor basicamente monopolizava toda a distribuição de água da região, sendo o único reino capaz de se auto sustentar e obter sobras suficientes para lucrar com elas. Eram um povo de abundância em meio a terras secas e, frequentemente, o modo pelo qual as coisas funcionavam não parecia justo.
— Eu imaginei - respondeu. — Seu pai não é uma pessoa ruim. Ele só está fazendo pressão porque sabe que é uma proposta que Carda pode cobrir. Jamais deixaria que seu povo realmente padecesse.
— Não sei se tenho mais tanta certeza disso. Mas eu juro que queria ter. Queria poder afirmar com todas as letras que acredito em uma possível misericórdia do meu pai, mas não sei se aquele coração velho tem algum resquício de bom senso.
deu um sorriso doce, enquanto dobrava as peças de roupa que havia deixado para trás.
— Ele tem, sim. Você vai ver.
— Já disse que sei dobrar minhas roupas - ele falou, tentando pará-la.
— E eu já te disse que é minha função.
— Não da porta do meu quarto para dentro - ele lembrou, levando a própria mão à cintura dela em uma tentativa de trazê-la para mais perto de si.
deu um sorriso malicioso antes de permitir que a boca dele encontrasse o caminho da sua com a facilidade que a familiaridade trazia. Era intenso e instigante, como absolutamente tudo o que eles faziam. Ela sabia que, em algum momento, havia enrolado o cabelo em um coque firme, protegendo-o da água. No entanto, não tinha consciência completa do momento exato em que suas próprias roupas tinham ido fazer companhia às dele no chão.
Estava frio demais para expor a nudez dos corpos ao ar gélido, mesmo com o calor dos corpos em movimento constante. A decisão mais sábia era utilizar a água cuidadosamente aquecida a seu favor. tinha as pernas entrelaçadas no corpo de , facilitando a sincronia de suas interações. Devoravam um ao outro com as bocas famintas e as mãos sedentas por mais contato, mais toque, mais proximidade.
Com invadindo-a avidamente, a mulher suspirou em um gemido abafado, tentando conter os barulhos o melhor possível. As paredes do castelo eram grossas o suficiente para não ceder a ataques militares, mas ela ainda tinha receio da audição curiosa do outro lado. Sua mãe sempre lhe dissera que as paredes tinham ouvidos e era essa sua maior aflição. O que tinham era maravilhoso e indescritivelmente prazeroso, mas era um segredo que deveria ser guardado a sete chaves e morrer com eles.
Some things are meant to be secret and not to be heard
(Algumas coisas são feitas para serem segredos e não serem ouvidas)
So if I tell you, just keep it and don’t say a word
(Então se eu te contar, apenas guarde e não diga nenhuma palavra)
Yeah, when the doors are all closing, it’s bound to get loud
(Quando as portas se fecham, as coisas estão destinadas a ficarem altas)
‘Cause all these bodies are hoping to get addicted to sound
(Porque todos esses corpos estão esperando para ficarem viciados pelo som)
Oh, not everything is so primitive
(Nem tudo é tão primitivo)
Oh, but I’m giving in
(Mas eu estou cedendo)
Era especialmente difícil manter qualquer tipo de tentativa de autocontrole enquanto fazia questão de arfar tão perto de seu pescoço. Não importava quantas vezes já tinham se deleitado com momentos semelhantes àquele, a vontade de ter o outro tão sensualmente perto de si não diminuía por um segundo sequer.
— O que eu faria sem você aqui? - ousou perguntar, ainda ofegante depois de sua singela diversão.
— Talvez se divertiria sozinho - zombou. — Ou arranjaria outra mulher para colocar na sua cama. Não é como se não fosse capaz de conseguir várias em questão de segundos.
A mulher se levantou, retirando-se da banheira. Ele ficou observando o trajeto das gotas que escorregavam tranquilamente, delineando suas curvas desnudas como um habilidoso pincel traçando a mais impressionante das obras primas.
— Sabe que eu não sou mais assim.
— Sei, é? - O sorriso doce e ao mesmo tempo irônico em seu rosto fazia com que ele quisesse ir atrás dela imediatamente apenas para poder roubar outro beijo. O único beijo que ele havia desejado em muito tempo, mesmo que ela se recusasse incansavelmente a acreditar naquilo.
— Ao menos deveria - respondeu firmemente.
— Por quê? Nós dois sabemos que isso nunca vai poder passar da mais pura consumação de uma simples atração sexual. Eu sou literalmente serva do palácio e você, o dono dele. Então pode ficar tranquilo que eu já deixei de acreditar em contos de fadas há muito tempo.
sentiu a alfinetada explícita e o esboço da raiva que sempre cortava seus pensamentos ao refletir sobre toda aquela situação. Existiam tantas coisas que ele se recusava a aceitar, mas não sabia como mudar. Era simplesmente ridículo.
— Isso é injusto - murmurou, meneando a cabeça.
já estava seca e vestida, passando as mãos pela saia do vestido na tentativa de desamassá-lo ao máximo e não esboçar quaisquer indícios de que havia feito mais do que preparar um bom banho quente.
— A vida não é justa - respondeu simplesmente.
apenas a observou deixar seus aposentos com naturalidade, como se não tivesse feito mais do que a sua obrigação. Às vezes receava que fosse essa a ideia que ela tinha presa em sua mente. Sabia que precisava de ideias. E precisava delas o mais rápido possível.
Os dedos nervosos de batiam incessantemente contra a extensa mesa de madeira da Sala dos Mapas. Estava estudando as fronteiras desde que a carta de Bersefels tinha lhe sido entregue. Chegava a ser irônico o quão propício aquele momento tinha sido para que seu pai viajasse e deixasse todas as decisões na mão de quem ele mal costumava aceitar uma simples opinião.
Quando o conselheiro real lhe dissera “O Rei Eugene pediu que lhe avisasse que confia plenamente em suas decisões durante a próxima semana”, o príncipe teve vontade de gritar até que seu tom de voz fizesse com que a Cozinha pensasse que ele estava gravemente ferido e à beira da morte. Aquilo só podia ser uma enorme piada de mau gosto.
Já tinha olhado todos os recortes possíveis e imagináveis de projeções de ataques vindos de Bersefels e até mesmo de Herivik, que entraria na jogada assim que ele tomasse qualquer tipo de decisão. E não, ele não podia esperar o retorno de Eugene. O aviso na carta era bem claro quanto à necessidade de resposta praticamente imediata.
— Vossa Alteza - uma das serviçais chamou da porta, anunciando a própria entrada. — Não sabíamos que o senhor começaria a trabalhar tão cedo e acabamos não preparando a Sala. Perdão, Alteza.
— Não tem porque se desculpar, Lady Lydia. Eu realmente pulei da cama um pouco antes da hora. Pode deixar os pães e os queijos sobre a mesa como de costume, por favor.
A mulher concordou com a cabeça, sorrindo educadamente enquanto deixava o alimento conforme solicitado.
— Obrigado, Lady Lydia.
Com mais um sorriso, ela deixou o ambiente. Era incrível como um simples agradecimento, em um lugar em que eram frequentemente ignoradas e, às vezes, até mesmo humilhadas, podia mudar completamente o humor de alguém para o resto do dia. E sabia muito bem que sua língua não cairia se cumprisse o mínimo da educação que sua mãe havia lhe ensinado.
Com tinta preta e uma pena de ponta fina, rabiscou alguns pontos específicos do mapa, tentando clarear a própria mente com a sua paradoxal bagunça. Não sabia ao certo se realmente acreditava que chegaria a algum lugar com aquilo. Parecia completamente inútil, assim como absolutamente tudo o que lhe surgira desde a chegada da carta.
Dois tapinhas desconcertantes com os nós dos dedos na porta afastaram novamente seus pensamentos, tomando sua atenção tão disposta a se perder.
— Com licença, Alteza. Lady Lydia pediu que lhe trouxesse uma garrafa de água.
não conseguiu evitar a batida fora de ritmo de seu coração que veio na sequência.
— Por favor, entre, Lady .
A mulher entrou e deixou o recipiente ao lado dos pães, despejando um pouco do conteúdo líquido em uma taça brilhante.
— Parece cansado, senhor - comentou despretensiosamente, tentando disfarçar a sincera preocupação que brilhava em seus olhos, mostrando-se para quem quisesse ver.
— Decisões difíceis - respondeu, levando as mãos ao rosto em uma tentativa de conter o próprio desespero. — Quer saber? Preciso de uma segunda opinião. Pode ficar?
Não foi só que não conseguiu evitar que a surpresa e o choque transparecessem. Os guardas, tão bem treinados, também tinham se remexido levemente em seus lugares, estranhando a situação. A que raios uma mera empregada poderia ser útil quando se tratava de questões complicadas de política externa? Nem ela própria saberia responder a essa pergunta.
— Se eu puder ser útil, será um prazer ajudar - disse, ainda bastante desconcertada.
simplesmente estendeu a carta para ela, sem se importar com o detalhe de que aquele manuscrito havia chegado com um aviso garrafal de ‘correspondência confidencial’.
apertou os olhos, tentando garantir - de uma forma um tanto estranha e nem um pouco eficaz - que nenhuma palavra daquela carta fugisse da percepção de seus olhos atentos.
Ao governante de Wamoor,
Gostaríamos de sugerir um novo acordo entre nossos reinos. Bersefels está passando por um grande momento de otimização em produção. Nossas colheitas nunca foram tão bem sucedidas e acreditamos piamente que o câmbio de nossos grãos pode ser extremamente proveitoso. Nenhum entre seus demais parceiros comerciais tem a qualidade agrícola que nós podemos oferecer, como todos bem sabem; de forma que um acordo seria de grande proveito para ambas as partes.
Pretendemos diminuir os preços de cada safra. Em troca, esperamos que as importações de seu reino sejam feitas exclusivamente conosco no que se diz respeito aos grãos. Isso inclui os repasses para nações aliadas. A competição entre nossos produtos não me parece benéfica para nenhum dos dois lados.
Aguardo respostas urgentes, em respeito a um povo amigo.
Em nome do reino de Bersefels.
Finalizada a leitura, ainda levou alguns segundos para absorver tudo e perceber que tinha mordiscado o lábio e arrancado uma pelinha incômoda, que agora causava uma ardência irritante. Era uma mania dela, sempre que estava concentrada em algo e, mesmo com a dor resultante, ela simplesmente não conseguia abandonar aquele mau hábito.
— O que você acha? - perguntou, retirando-a de seus devaneios.
— O que você acha? - Ela devolveu a pergunta.
O príncipe bufou, bagunçando os cabelos com os dedos inquietos.
— Que eles querem demais. Não posso simplesmente dizer que cortaremos nossa própria produção. O solo deles é melhor, todos nós sabemos disso. Mas temos nossas próprias colheitas e acordos com Herivik. Eles nunca aceitariam receber os produtos de Bersefels, nem por intermédio nosso. Principalmente enquanto eles estão enfrentando a iminência de uma guerra.
— Também acho. Então, qual é o problema?
— O problema é que eu preciso dar um retorno e eu simplesmente não sei o que fazer.
— É só recusar a proposta - disse, como se fosse óbvio. Não entendia mesmo qual era a grande dificuldade naquilo. — Até porque Herivik não vai gostar nada da ideia e precisamos dos minérios deles. Principalmente do ferro.
— Nós ainda precisamos dos grãos de Bersefels também - apontou. — O que produzimos não é o suficiente em parâmetros de variedade e eu não posso arcar com a possibilidade de eles cortarem os suprimentos.
— Eles não vão fazer isso. Precisam da água, inclusive para manter exatamente essas plantações.
— E se eles decidirem adiantar as coisas e resolver a situação por meio de força?
— Também não vão fazer isso. Guerras custam muito em preparamento bélico e recursos humanos. Um reino que finalmente se estabilizou provavelmente tem pouca intenção de entrar em conflito armado por tão pouco.
— Como você pode ter tanta certeza de que não precisamos temer?
— Primeiro porque não tem lógica alguma. Segundo porque propostas de cunho semelhante já foram feitas, inclusive com ameaças sutis. Nunca deu em nada. Isso é tudo pressão.
estreitou os olhos, tentando acompanhar a situação. Ela era tão objetiva e soava tão segura de si. Como podia ser tão assertiva sem titubear por um instante sequer enquanto ele estava prestes a entrar em algum tipo de colapso nervoso?
— Como você sabe de tudo isso?
deu de ombros simplesmente, estendendo a carta de volta.
— Não sei. Talvez seja por passar tanto tempo levando as coisas de um lado para o outro no castelo. Devo ter ouvido demais.
— Esse tipo de conhecimento não é simplesmente algo que você imita, como se estivesse de frente para um espelho. Você é muito mais inteligente do que deixa transparecer.
A mulher soltou uma risada abafada.
— Talvez porque a única inteligência requisitada para ser uma servente seja ter decorado os caminhos para os cômodos dentro do palácio.
— Isso é ridículo. - Ele bufou. — Era você que deveria estar fazendo essas coisas. É muito mais capaz de lidar com a nossa política externa do que eu.
riu abertamente, sem se preocupar com a polidez ou a discrição naquele momento.
— Não é assim que as coisas funcionam. Eu te trago água e você debate estratégias de comércio com outros monarcas. É assim que as coisas são.
— Você não deveria estar servindo água. Deveria estar na porcaria do trono. É mais sensata que meu pai e, ao mesmo tempo, infinitamente mais ágil e inteligente do que eu. É melhor que nós dois.
— Filhas de lavradores não nascem com jeito para serem princesas, Alteza - fez questão de dizer a última palavra de forma lenta e afiada, obrigando-o a saborear a sensação de ouvir todas aquelas letras acompanhadas de certo asco.
Ele sabia muito bem do que ela estava falando, por trás de toda aquela carga de sarcasmo. Trabalhar no castelo já era considerado um objetivo alto demais para quem vinha das classes mais baixas da sociedade de Wamoor. Estar entre as paredes do palácio significava nunca precisar se preocupar com a fome ou com o frio, o que era mais do que a maioria das pessoas poderia esperar do lado de fora. Fazer parte de qualquer coisa além disso, era simplesmente inimaginável, mesmo que não fosse ilegal. Não precisava ser, como seu pai dizia, porque ninguém se arriscaria a perder o próprio tempo com ideias tão erradas e surreais assim.
Mas ele perderia o tempo que fosse.
— Tenho uma ideia - ele disse. — Vou provar para ele que você está sendo completamente desperdiçada e que isso é tudo um grande absurdo.
sorriu ironicamente, colocando uma mecha teimosa do cabelo atrás da orelha, tentando tirá-la da frente dos olhos de uma vez por todas.
— E como pretende fazer isso, meu príncipe?
— Vou precisar de todos vocês - disse em direção aos guardas, que se moveram, prestes a negar a ajuda. — Não podem me dizer não. Servem ao meu pai, mas ele foi claro. Em sua ausência, eu estou no comando. O que significa que, agora, obedecem a mim. Preciso do seu silêncio completo.
Os homens abaixaram a cabeça, concordando.
— Certo. Eis o que faremos.
I love your hair in your face
(Eu amo seu cabelo em seu rosto)
I wouldn’t dare let you down
(Eu não me atreveria a te decepcionar)
Don’t let that glass go to waste
(Não deixe essa taça ser desperdiçada)
Oh, you’re a queen but uncrowned
(Você é uma rainha, mas sem coroa)
Lady Lydia tinha levado uma cesta de frutas aos aposentos do príncipe. Sem reverências, sem formalidades extremas. Apenas um gesto de singela preocupação, mais que obrigação. As coisas tinham mudado muito nos últimos dias e todos estavam felizes e orgulhosos por ver sendo tão ativa e, finalmente, podendo mostrar do que era capaz. Se havia aprendido tanto só pelo pouco que ouvira ao andar de um lado para o outro do palácio, quanto poderia agregar de conhecimento se lhe dessem oportunidades mais palpáveis?
A mulher não quis que sua participação como conselheira de fosse escancarada para todos os trabalhadores reais no início. Tinha receio da possível inveja dos demais e medo de ser excluída ou agredida de alguma maneira por eles. Não se continha de felicidade ao perceber como estava imensamente enganada ao deixar que seu pessimismo esperasse tais condutas negativas.
— É sério que acabamos de fechar esse acordo? - ainda mal podia acreditar naquilo. Algo que seu pai nunca tinha feito. Uma brecha. Uma proposta. Um benefício. Ele só conseguia gargalhar sem se importar com mais nada.
— E você ainda duvidava disso? Precisa ter mais fé - caçoou, antes de ver o homem parar em sua frente, tão rápido que não havia percebido sua chegada.
deu um sorriso de canto, aproximando-se para encostar os lábios em um beijo lento em seu pescoço. Soltou uma risada abafada e vitoriosa ao sentir a pele dela se arrepiar tão facilmente sob o toque de sua boca.
— Não duvido de nada mais. Não quando você tem todo o controle. Sabe bem o que fazer com ele.
ergueu a sobrancelha, compreendendo a provocação.
— Então eu tenho o controle sobre tudo? - Fez questão de destacar a última palavra em sua entonação, devolvendo a chama que a faísca dele havia acordado.
Ele prendeu os dentes ao lóbulo da orelha dela, puxando-a de leve, antes de encará-la com os olhos transbordando de desejo.
— Tudo o que quiser - soprou, quase em um sussurro, antes de encontrar sua boca com voracidade.
Foi fácil encontrar o caminho até a cama; ainda mais quando ambos já tinham o caminho decorado o suficiente para desviar o suficiente das mobílias distribuídas, evitando alguns tropeços desastrosos.
deitou o corpo sobre a cama, recebendo a mulher sobre si, emaranhada em seus braços e perdida com o toque incansável de sua língua e lábios em toda a sua pele exposta. estendeu a mão, segurando-o deitado, enquanto se sentava e se encaixava confortavelmente no seu lugar favorito.
Levou as mãos às costas, desamarrando e puxando a faixa de tecido que marcava a cintura em seu vestido. Abaixou o torso, estendendo-se o suficiente para alcançar a cabeceira e colocar em prática o tal controle que tinha da forma mais literal que sua mente conseguia conceber. Enrolou as pontas do pano na mão e se dedicou ao seu objetivo de amarrá-lo, passando a faixa pelos pulsos dele e pelas barras de ferro que decoravam a base superior da cama.
sorriu ao sentir o aperto intensificado embaixo das mãos. Estava preso e submisso às vontades dela e isso era incrivelmente excitante para ele. sustentava a fisionomia que gritava malícia e volúpia, preparada para assumir o controle.
Com os lábios pregados ao torso do príncipe, ela desceu os beijos em um caminho cuidadoso que já o fazia suspirar. Em meio a carícias locais, levou seus dedos à barra da calça dele, retirando-a lentamente, sabendo bem como ele ansiava por agilidade naquele momento. Não era o tempo dele que importava e aquilo só a divertia. Mas, quando finalmente realizou as vontades dele e as suas, teve a certeza mais óbvia do universo. Ela realmente se saía bem quando assumia o controle, especialmente entre quatro paredes.
If these walls could talk, I hope they wouldn’t say anything
(Se essas paredes puderem falar, eu espero que elas não digam nada)
Because they’ve seen way too many things
(Porque elas viram coisas demais)
‘Cause we’d fall from grace, we’re falling
(Porque nós cairíamos em desgraça, estamos caindo)
estava nervoso, ansioso de verdade. Provavelmente aquele era o pior estado em que se reconhecia em muito tempo. Ainda mais por algo do tipo.
— Por que está demorando tanto? - Verbalizou em voz alta, enquanto seus passos incessantes continuavam batendo contra a grama em círculos. Olhava para a pequena bagunça organizada que tinha posto e só conseguia se sentir ainda mais angustiado.
— Fala sozinho agora, Alteza? - A voz doce e conhecida quase o fez desmanchar sobre o gramado fundo por seus pisões. — Talvez precise ver um médico.
exibia o seu sorriso lindo de sempre, acompanhado por seu par de olhos intensamente fixados nos dele. não sabia como era capaz de sequer tentar manter sua própria sanidade em tantos momentos enquanto ela o olhava daquele jeito, como se enxergasse sua alma sem pedir qualquer tipo de permissão ou licença. Ela simplesmente tinha se aproveitado da noção de que os olhos eram a janela da alma, pulado para dentro e se aconchegado nele, sem previsão de data ou horário para sair.
— Se eu acabar precisando de algum médico, vou culpar você. Lydia foi te chamar há séculos! Roma talvez estivesse surgindo ainda no momento em que pedi para que ela fosse atrás de ti.
A mulher revirou os olhos, fazendo uma careta ao ouvir tamanho exagero. Seu pai gostava o suficiente de história para ter lhe contado absolutamente tudo o que ele sabia do Império Romano enquanto ela crescia. Ele podia não ter recebido os melhores ensinamentos ou recursos durante a vida - e com certeza não os tinha para transmitir aos filhos -, mas tinha curiosidade suficiente para arranjar suas próprias informações em suas próprias maneiras. — Nem cinco minutos.
— Tudo bem. Talvez eu perca mesmo a noção de tempo quando estou perto de você.
riu alto, apesar de, internamente, ter achado aquilo… Legal? Fofo de certa forma? Era difícil até de definir e de admitir que estava encantada por uma tirada tão clichê quanto aquela.
— Ah, Seb… Só existem dois tipos de pessoas que dizem isso: as tontas apaixonadas e aquelas que estão tentando arranjar uma transa fácil. A segunda você já tem, então talvez a gente precise abrir uma terceira categoria.
— E por que eu não posso ficar na primeira?
mordeu o próprio lábio, incerta sobre o que dizer a seguir. Tinha consciência de que provavelmente tinha extrapolado os limites de onde poderia chegar com aquela contínua descrença em qualquer esboço de apego ou afetividade que ele tentasse demonstrar. No fundo, sabia que aquilo era um mecanismo de defesa que ela mesma estava praticando para não dar o braço a torcer de que era ela quem tinha perdido o controle e se esquecido de traçar a linha que definia até onde era seguro ir quando as perspectivas eram tão rasas.
— Você sabe por que eu pedi para você vir aqui, ? - Ela meneou a cabeça, negando. — Porque eu vou tentar, mais uma vez, te provar que eu te amo, apesar de você se recusar a acreditar nisso.
De repente, parecia que seu coração tinha sido substituído por um passarinho impaciente, querendo bater asas e sair voando por sua garganta. Aquela declaração era inédita e inesperada, mesmo que provavelmente fosse tudo o que ela sempre quis ouvir.
— Pedi para prepararem massa, que você sempre disse adorar. E pedi uma garrafa do melhor vinho que encontraram na adega para nós dois.
— Receberei tratamento de rainha, então? - Ela quase ronronou, olhando para o piquenique descuidado que tinha a identidade vaporosa e carismática de estampada em cada centímetro quadrado.
— Da forma que deve ser.
O príncipe puxou a mulher pelas mãos, passando o polegar pelos nós de seus dedos em um carinho gostoso. fechou os olhos ao se aproximar dela e deixar um toque delicado de lábios na testa dela. se permitiu fechar os olhos também, sentindo o calor que ela conhecia tão precisamente.
Guiou-a até o cantinho em que ele tentara planejar como local para sentar, apesar da textura estranha da grama e das dobras que a toalha fazia toda vez em que alguma perna apresentava sinais de dormência e decidia que era hora de se mexer minimamente para liberar a circulação antes que alguma amputação fosse necessária. As guerras já eram desastrosas o suficiente nesse quesito.
Entre uma garfada e outra, arriscou puxar papo com uma pergunta que poderia ser considerada, por muitos, como perigosa. Talvez até mesmo inconveniente, considerando o quão íntima poderia se tornar. Mas era exatamente esse o tipo de profundidade e proximidade que ele esperava ter com ela.
— Onde você queria estar no futuro? Sério, sem realismos dolorosos. Algo que a pequena teria crescido querendo, sabe? As coisas que a gente realmente leva no coração e que acabam nos definindo de jeitos bem curiosos.
— Poético - ela murmurou, soltando uma risadinha logo em seguida. Engoliu o resto de sua comida e buscou o guardanapo de tecido, limpando quaisquer restos de molho ou uva que pudesse ter optado por permanecer em seu rosto. — Essa pergunta é bem mais complicada do que parecia.
sorriu, assentindo.
— Eu sei. Mas eu realmente quero saber.
— Não sei. Acho que a de uns sete anos atrás te diria que gostava tanto de ler que esperava poder ser professora, mesmo sabendo que ela própria não tinha muita educação formal. Ela diria que sempre sonhou em ter uma casa mais confortável que a dos pais, mas não um lugar grande. Uma casinha aconchegante, sabe? Só o suficiente para cada um poder ter sua cama, suas gavetas… Ah! E com árvores e flores; colorida do jeito que minha mãe sempre sonhou que a nossa casa fosse. Acho que acabei sonhando um pouco os sonhos dela também.
sorriu, sentindo uma fisgada de saudades de sua própria mãe e de como ela tinha as melhores histórias e também as músicas mais doces. Quando falava de sua família, era quase como se ele conseguisse, mais uma vez, sentir o afago da presença materna ali, apertando seu ombro e lhe dizendo para ter coragem.
— Ela também te diria que a avó sempre disse que as gerações pulavam e isso a faria ter filhos gêmeos e como ela sempre torceu para ser um menino e uma menina. Sempre pensei em como seria esse momento. Ter pequenos pedaços de mim me deixando louca, mas também me enchendo de orgulho a cada pequena possibilidade de que eu estivesse ensinando-os a serem pessoas melhores. Gente que faz a diferença no mundo e que consegue exalar bondade por onde passar. — Que nem você - o homem ponderou, com toda a sinceridade do mundo. — Eles teriam sua inteligência, com certeza.
— Espero que sim. - Ela sorriu. — Mas aquela cresceu, não é? Essa queria mesmo poder voltar à simplicidade dos sonhos antigos e poder imaginar que eles são possíveis.
— Essa estaria disposta a me encaixar nos sonhos dela?
— Essa provavelmente não quer nem imaginar um futuro sem você - ela admitiu, percebendo a feição dele se iluminando automaticamente em resposta. — Mas e os seus sonhos?
passou os dedos pelo rosto, com a barba por fazer pinicando levemente a pele de suas mãos.
— O pequeno queria ser rei mais do que tudo. Achava que era a coisa mais legal do mundo, porque meu pai estava sempre lá sentado com aquela coroa enorme em um trono lindo. Ele parecia poder mandar no mundo todo e isso era basicamente tudo o que uma criança como eu queria na época. Acho que eu não poderia ter mudado de ideia mais bruscamente. Totalmente da água pro vinho.
levou a própria mão para o lugar no qual a dele tinha acabado de passar, acariciando as bochechas do homem em movimentos curvos, como se desenhasse em sua face com um pincel.
— Hoje, eu realmente queria não estar aqui. Não precisar fazer nada disso. Queria poder agarrar a sua mão, sair correndo por aqueles portões e sumir nesse mundo até encontrarmos a sua casinha florida em algum canto mais calmo. Não tinha pensado com tanta seriedade em filhos, mas eu ia achar perfeito ter gêmeos com os seus olhos berrando aos ventos sem parar. Ele respirou fundo, forçando seu rosto um pouquinho mais em direção a ela, buscando o contato como se fosse um gato se embrenhando nas pernas de alguém.
— Não posso fugir, mas quero mesmo acreditar que posso ter o resto. Principalmente você. Aguento a tempestade que for, vinda de qualquer um dos reinos que nos cercam; desde que eu tenha você ao meu lado.
sentiu uma ardência leve nos olhos e se repreendeu mentalmente, tentando impedir a si mesma de começar a chorar ali.
— Sabe, Seb, talvez o que eu tenha para dizer consiga acalmar minimamente o seu coração.
— O que é?
— Eu também amo você.
E não havia beijo que pudesse repousar em seus lábios que a fizesse sentir sequer metade da felicidade que tomava seu peito naquele momento.
— Estamos no jardim - o lembrou, interrompendo o toque por alguns segundos. — Os outros vão nos ver aqui.
— E você acha mesmo que, depois de eu pedir um jantar para nós dois, ninguém está pelo menos suspeitando? Não precisamos mais nos esconder. Eu não vou mais ter você só entre quatro paredes. E podia não ser a resolução de seus problemas. Realmente não o era. Mas, naquele momento, era o suficiente.
Todos estavam vestindo seus melhores trajes e haviam se aprontado muito mais cedo do que o comum. Era esse o efeito do retorno do rei Eugene sobre todos aqueles que habitavam o palácio, independente da função desempenhada dentro dele.
Mas não era uma antecipação boa ou mesmo minimamente calorosa. Era reflexo da mais completa apreensão. Ninguém queria nem cogitar o tanto que poderiam perder assim que as coisas voltassem ao normal. Estavam torcendo gritantemente para que, quaisquer fossem os planos do príncipe, eles dessem certo.
Até as abotoaduras estavam incomodando . E por que aquelas ombreiras? Qual a necessidade de tanta pompa enquanto um pingo de suor descia alegremente pelo vão central de suas costas, perfeitamente direcionado sobre suas vértebras. Pelo som irritante e exagerado dos instrumentos de sopro da comitiva, ao menos seu nervosismo estava perto de encontrar suas motivações reais cara a cara.
Eugene pisava com força pela passarela de pedras, como se não fosse capaz de se evitar ceder ao impulso de demonstrar seu poder e força. Era como se ele precisasse da afirmação de sua hierarquia e, na verdade, tinha convicção completa de que ele precisava mesmo. E isso só piorava as expectativas quanto à probabilidade de o pai não ter um surto violento assim que ouvisse a menor possibilidade sequer de qualquer mudança. Mas isso não anulava as suas esperanças no pai consciente e sensato de que ele se lembrava, mesmo que há tanto tempo. Aquele homem tinha que estar ali em algum lugar.
— Filho! - O rei sorriu grandiosamente, mostrando os dentes como se fossem presas afiadas, mas não demonstrou intenção alguma de abrir os braços e demonstrar qualquer carinho gestual. — Como foi a temporada sem mim?
— Boa, acredito eu - respondeu, simplesmente. Tinha decidido evitar palavras e frases compridas demais em uma tentativa de não se dar mais oportunidades de ouvir a própria voz falhando e o fazendo passar vergonha em frente a tantas pessoas que contavam com ele.
— Pelo que os mensageiros me informaram, foi melhor do que boa. - O rei parecia ainda maior com o peito estufado de algo que quase soava como orgulho. — Resolveu perfeitamente a questão entre Bersefels e Herivik, conseguiu acordos comerciais melhores com as terras ao Norte e, ainda por cima, trouxe-nos os meus tão queridos faisões por preço de batatas!
comemorou silenciosamente. Sabia que os faisões tinham grandes chances de amolecer o coração - ou o estômago - do pai. Era incrível o impacto que uma simples ave conseguia ter.
— Parabéns, . Fez um trabalho incrível. Será um grande rei um dia.
O príncipe teve que conter o próprio engasgo e feição de surpresa. Estava velho demais para ouvir aquelas palavras pela primeira vez. Aquele dia demorara muito, mas finalmente estava recebendo um mínimo de reconhecimento e parabenização.
— Obrigado, pai - respondeu, ajeitando a própria postura, buscando afastar a sensação de pequenitude que doía em seu peito. — Mas eu não fiz nada disso sozinho.
A fisionomia de Eugene se transformou brutalmente em questão de segundos. Alguns funcionários resistiram ao impulso de retração, enquanto outros acabaram cedendo, temerosos demais para enfrentar fosse lá o que poderia estar por vir. Já tinham visto explosões de fúria real o suficiente para preferirem se afastar a abrir o peito para combate e confronto.
— Que absurdo é esse?
O mais novo respirou fundo, juntando todo o ímpeto que tinha dentro de si para se colocar na linha de frente de sua própria guerra e encarar o que tinha decidido por fazer.
— Cada pessoa nesse lugar faz muito para que nós possamos fazer nossa própria parte, pai. E eu acho que o senhor deixou de se dar conta disso durante os últimos tempos. Sem contar todo o potencial deles sendo desvalorizado e negligenciado por causa de uma porcaria de posição social que nunca deveria ter existido.
Eugene esfregou as têmporas, exalando o ar de forma pesada.
— , quantas vezes eu vou te dizer que as classes são uma tendência e não uma regra? Não é problema meu.
— Se não é uma regra, então podemos ignorá-las, não podemos? Não temos total liberdade de adequar as pessoas conforme seus talentos e disposições em vez de nos contentarmos em entregar cargos considerados baixos simplesmente por considerá-los inferiores de alguma forma.
— Em teoria, sim. - A voz do rei havia deixado de soar como um trovão e começado a se parecer mais com uma garoa mansa, baixa.
— Lady esclareceu meus pontos de vista e sugeriu direcionamentos e ações que eu poderia jamais ter sequer cogitado se estivesse sozinho. Ela é muito mais competente do que eu um dia poderei ser e tem um instinto quase nato para a política. Então, eu me pergunto, pai: por que ela continua nos levando água se deveria estar nos entregando conselhos?
A mulher ergueu o olhar, ignorando o rubor leve que se apossara das maçãs de seu rosto. Não abaixaria a cabeça enquanto falavam dela. Não mais. Dali para frente, tomaria frente nas decisões que envolviam seu futuro, por respeito a si mesma e à de sete anos atrás, que queria flores lilases, rosas e vermelhas. Agora, também queria dignidade e respeito.
O rei gargalhou; sua risada tão forte que parecia prestes a romper os vidros das janelas.
— Você deve mesmo ter acabado com todo o estoque da minha adega. Não só um serviçal, mas uma mulher ?
— Sim, senhor. Uma mulher - ela respondeu. — Algum problema? Por acaso vai agir como o velho intolerante que sua idade denuncia e dizer que eu deveria estar com as mãos no fogão em vez de mantê-las sobre a mesa de uma sala de reunião? O que sua falecida esposa pensaria disso?
sentiu a adaga no próprio peito com a referência à mãe, mas o ardor logo fora substituído pela chama curativa do orgulho que tomava todo seu espírito. Ela estava certa. Sua mãe já era muito mais inteligente do que eles e nunca, sob hipótese alguma, toleraria que alguém pensasse menos de uma mulher pelo simples fato de ser mulher.
E, acima de tudo, aquilo desestabilizava o rei porque ele a amava. E talvez tivesse sido um governador completamente diferente se sua amada houvesse lhe abençoado com o dom da sensatez por mais alguns anos.
— Eu jamais diminuiria uma mulher - murmurou. — Devo ter sido mal compreendido.
achava graça em como os homens eram capazes de distorcer a história para adequá-las à sua versão. Mas não discutiria. Não sobre aquilo. Não quando ao menos tinha colocado o rei em seu devido lugar mais uma vez.
— Eis a minha reivindicação, pai. - tomou a atenção para si. — Quero que Lady seja liberada dos afazeres domésticos e realocada como minha conselheira e braço direito. Ela participará de tudo a que tenho que comparecer e terá os mesmos direitos e respeito que os seus homens recebem. Além disso, quero que dê uma moradia digna para a família dela e que possamos garantir pessoalmente o seu sustento em épocas de seca em que suas colheitas possivelmente se tornam insuficientes.
Eugene soltou uma risada irônica.
— O que mais você quer? Casar com a garota?
— Sim, pai. Pretendo me casar com ela um dia. Mas não estou pensando em cerimônias por agora. Mais alguma pergunta?
estava impressionado com a própria segurança e confiança. Finalmente.
— Não é assim que as coisas funcionam - o rei disse simplesmente, demonstrando o mais completo tédio. — Você não manda em absolutamente nada. E eu não sou obrigado a receber reivindicações de um filho estúpido e ingênuo o suficiente para querer mudar o mundo por alguém que ele pensa amar.
— Ao contrário do senhor, ainda não me esqueci de como é sentir amor - o mais novo o cortou. — E também não sou obrigado a ouvir as suas ordens estúpidas e discriminatórias. Ou aceita meus pedidos ou eu renuncio e sumo de sua vista. Boa sorte para encontrar um novo herdeiro, enquanto seus irmãos abutres continuam rondando o castelo. É o fim da sua dinastia e das suas justificativas para não ceder.
Eugene parecia prestes a urrar. Se as lendas antigas de seu povo fossem reais, aquele parecia um momento propício para a ira do rei transformá-lo em urso, fazendo-o destruir tudo o que ele havia construído.
já estava preparado para os gritos - incluindo os seus. Mas também já estava de mente tranquila para seguir seu caminho com se o pai não desse o braço a torcer. Tinha o coração leve o suficiente para saber que, independentemente do que aconteceria a seguir, seria a coisa certa.
— Um passo de cada vez, . A família dela pode ter a casa e a comida. Mas ela passará uma semana frequentando os eventos antes de oficializarmos qualquer coisa sobre a participação dela.
— Tudo bem. - deu de ombros. — A consequência continua sendo a mesma se o senhor decidir mudar de ideia.
— Inferno! - Eugene reclamou. — Eu mal cheguei e já tenho que lidar com essas dores de cabeça. Vou dormir e depois discutimos. Inferno!
E a silhueta do rei sumiu pelo longo corredor, enquanto ria e expirava o ar que vinha segurando finalmente.
— Ele não parece muito contente com a ideia - ela apontou.
O homem ao seu lado deu de ombros.
— Vai ser mesmo um inferno para ele. Mas é assim que se muda as coisas. Vamos? - Estendeu o braço, esperando que ela o aceitasse.
— Quer dizer que vamos casar, então?
riu alto, já esperando aquela pergunta.
— Mais uma coisa que ainda voltaremos a discutir.
FIM
Nota da autora: Não sei o que dizer dessa história. Eu esperava que ela tivesse saído um pouco diferente, mas ela praticamente foi finalizada em um fluxo estranho de consciência, então eu vou deixar ela vir ao mundo do jeitinho que ela saiu.
Espero que tenham gostado!
Para mais informações sobre minhas histórias e atualizações, entrem no grupo
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08. No Goodbyes
10. Is it Me
10. Simple Song
10. Trust
11. Robot
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12. Wild Hearts Can't Be Broken
13. Kiss The Girl
13. Part of Me
13. See Me Now
14. Tonight
15. Overboard
A Million Dreams
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Señorita
Wallflower
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