Finalizada em: 16/06/2018

Prólogo

— Mostra pra mamãe o que a gente fez. - o homem disse e a mulher ergueu os olhos do bebê em seu colo para os dois que vinham da cozinha.
Óia mamãe, bligadero! - Sammy disse animado, exibindo um sorriso sujo de chocolate.
— Hm, que delícia, tem pra mim também?
— Aham. Só não tem pra Emma, porque o papai disse que ela não pode. - ele ergueu o dedinho indicador e fez não. - Ela não pode mesmo, mamãe?
— Não, querido, só quando ela crescer.
Clecer igual eu?
— Sim, igual você.
— Tá ouvindo, Emminha? - ele se aproximou da mãe e da irmã que mamava, tocando a bochecha da segunda. - Você vai clecer igual eu e aí você vai comer bligadero igual eu.
A bebê parou o que estava fazendo, olhou pro irmão e sorriu.
Óia mamãe, ela gostou.
Os pais do garotinho riram.
— Eu vou levar a Emma pro quarto dela. - a mulher disse olhando a bebê que agora dormia em seus braços. - E você, - olhou para o marido. - pode ir lavar seu filho e pôr ele para dormir também.
O homem cochichou algo com Sammy e de pé os dois prestaram continência à mulher.
— Sim, senhora.
A mulher riu e dirigiu-se às escadas, pensando em quanto tempo seu marido teria gastado para combinar aquilo com o filho de quatro anos.

***

— Sua vez. - a mulher disse logo que o choro estridente se fez ouvido pela babá eletrônica.
Não obtendo resposta, ela olhou para o outro lado da cama, notando que o marido não estava ali.
Lembrou-se de ter ido deitar-se tão cansada que apagou antes mesmo do marido chegar do quarto de Sammy.
Levantou-se e foi até o quarto do bebê.
Chegou ao batente e viu sentado na poltrona ninando Emma, enquanto Sammy cantava uma musiquinha que tinha aprendido aquela semana na escolinha.
Teve vontade de perguntar o que eles estavam aprontando e o porquê de Sammy ainda não estar dormindo.
Mas olhando aquela cena, que merecia ser fotografada de tão perfeita que era, só pôde sorrir e agradecer por tudo o que ganhara da vida.



Capítulo 1: Summer after high school, when we first met

(2005)

nunca tocava músicas românticas nos seus shows, nem ele sabia bem o porquê.
Às vezes, entrava uma garota no bar em que ele estava tocando que lhe chamava atenção e ele quase, eu disse quase, iniciava uma música sobre amor e essas coisas, chegando a dedilhar os acordes de uma do Elvis Presley uma vez, mas nunca de fato tocava.
Até que um dia entrou uma garota que não o fez querer, simplesmente, tocar uma música romântica, mas ter inspiração para escrever uma especialmente para ela.
Uma que dissesse o quanto os cabelos dela pareciam implorar para serem tocados, ou o quanto os olhos dela brilhavam refletindo as luzes do local, ou o quanto ele queria tirar o batom rosinha que ela usava naquela noite.
realmente não sabia de onde esses pensamentos surgiram, ele até se assustou com a intensidade deles e por um momento, acreditou em amor à primeira vista.
Eu disse um momento, porque quando ele levantou o olhar do braço do violão, ela não estava mais lá.

***


Na casa silenciosa havia barulho.
Muito barulho.
Só que o barulho todo estava dentro da cabeça de e ela tinha que lidar com ele sozinha.
Era domingo de manhã e enquanto sua mãe passava o café na cozinha e seu pai folheava o jornal sentado em sua poltrona, à garota permanecia deitada na cama sob o edredom estampado.
Com os olhos fechados ela tentava controlar a imensidão de sentimentos que lhe atingiam todo dia, comumente, àquele horário.
“Até isso tem que ser rotineiro” pensou ela e recomeçou a contagem das respirações rápidas que geralmente a acalmavam.
não contara aquilo a ninguém, ela ainda não possuía palavras que pudessem explicar tudo o que sentia e muito menos um ouvinte para aquilo.
Mas se houvesse alguém em quem confiar ela diria que há dias acordava desesperada pela rotina que a vida lhe impunha.
Tudo era sempre igual naquela casa.
Tudo era sempre igual na vida dela e pelo jeito, continuaria assim, ainda mais levando em conta que seu futuro fora praticamente todo planejado pelos seus pais há muito tempo.
Eles é que haviam planejado que ela iria para a Universidade de Manchester depois das férias de verão.
Eles não haviam obrigado a escolha por Direito, mas como não havia nada que a garota quisesse fazer, além de fotografia, ela simplesmente acatou o que seus pais achavam ser melhor para ela.
não gostava de planejar, na verdade, ela não costumava planejar, talvez porque seus pais sempre fizessem isso por ela, talvez porque ela, simplesmente, gostasse de viver assim.
odiava rotinas e isso era uma coisa que ela, inexplicavelmente, sempre teve.
gostava de quando alguma coisa saía do planejado e a vida a surpreendia, como quando a previsão do tempo dizia que ia haver sol e chovia.
amava fotografar, mas não era como se ela fosse ser fotógrafa um dia, isso não estava no plano.
Ela gostava de sair por aí, fotografando tudo o que lhe chamasse atenção e adorava quando sem querer a foto ficava embaçada, aquelas eram as suas fotos favoritas, porque elas lhe surpreendiam.
, querida, o café está pronto.
8:07.
A garota conferiu no relógio digital sobre o criado mudo, o mesmo horário de sempre. Revirou os olhos e suspirou audivelmente.
— Já vou, mãe.
Disse destinada a descer antes que a mãe voltasse a chamá-la às 8:22.
E ainda deitada na cama, ela pediu mais uma vez que uma coisa diferente acontecesse.

***


viu pela lente de sua câmera semiprofissional o exato instante em que o garoto notou que ia ser fotografado.
Ele estava ali debaixo de uma árvore afinando seu violão e ela esperando que o momento perfeito para tirar a foto surgisse.
Ela não o fotografaria mais, não, porque ela estava morrendo de vergonha e não, porque ela gostava de fotos espontâneas.
Conferiu se tinha guardado tudo na bolsa de couro que carregava e ergueu-se.
— Eu ao menos posso ver a foto?
A garota deu um pulinho e voltou seus olhos arregalados ao garoto que sorria ladino para ela.
— Eu não tirei. - disse baixinho e mexeu, desconfortavelmente, no cabelo.
se atentou a esse fato e gostou tanto do cabelo dela que quis tocar neles também. Na verdade, pareceu mais como se os cabelos quisessem que ele os tocasse.
“Que doideira!” abanou a cabeça.
— Por quê?
— Eu estava esperando o momento perfeito.
— E?
— Eu percebi que você tinha me visto.
Ele riu do desconcerto dela e a viu morder os lábios cobertos por um batom estranhamente familiar em sinal de nervosismo.
Os olhos dela também eram familiares, ainda mais quando ela olhou para cima e eles refletiram os raios de sol que passavam por entre as muitas árvores.
— Você já foi no Jack’s?
— Hã?
— O bar que fica perto da Catedral.
— Eu sei o que é o Jack’s, não tô entendendo é essa pergunta aleatória. - ela sorriu e ele riu da própria estranheza.
— E então?
— Fui uma vez, mas tive que ir embora rapidinho.
sentiu como se uma lâmpada se acendesse sobre sua cabeça e sabia que se estivessem em um desenho animado o objeto com certeza surgiria simultaneamente a um efeito sonoro.
Ele se lembrava da noite que vira a garota, por isso ela lhe era familiar, ele não se lembrava do rosto, mas se lembrava do que sentira tão estranhamente.
Aqueles sentimentos não voltaram e ele não soube o que acontecera aquela noite, mas tomando tudo isso como um sinal, ele decidiu que conheceria a garota até descobrir o que de tão especial tinha visto nela naquela noite.
. - ele estendeu-lhe a mão.
. - ela retribuiu surpresa pelo modo como o diálogo deles caminhava. - Alguém já te disse que você é muito estranho?
— Hoje ainda não.
Ele riu, ela riu dele.
“Pelo menos, ele é uma coisa diferente” pensou ela.

***

Aquela era a primeira vez que e saíam juntos.
adorou a cara que a mãe dela fez quando viu o rapaz em sua porta e adorou ainda mais a cara de seu pai quando ouviu que ele era músico.
adorou o vestido florido que ela usava e adorou que o tempo estivesse tão bom naquele dia.
— Você tá muito bonita. - ele disse quando eles deixaram a casa dos .
— Obrigada. - ela sentiu as bochechas corarem e não olhou para o garoto. - Você também.
— Obrigado.
Os dois ainda não tinham muito o que conversar.
só a convidou para sair porque queria entender o que sentira quando a vira pela primeira vez no Jack's e só aceitara porque queria fazer coisas diferentes.
Sair com caras que possuíam perfis totalmente contrários ao que seus pais classificavam como ideal era uma coisa bem diferente.
Na verdade, os dois tinham muito o que conversar, só não sabiam como começar e por isso na caminhada até o cinema e durante o filme muito pouco foi dito.
— Quantos anos você tem? - se sentiu meio tolinha por fazer aquela pergunta clichê, mas não aguentava mais o silêncio que os cercava enquanto eles caminhavam sem rumo.
— Faço 19 daqui um mês.
— Em agosto? - ele assentiu. - Que dia?
— 17. E você?
— Faço 18 dia 24 de janeiro.
— Hm, legal. - se sentiu tolo por respondê-la assim, mas não tinha mesmo o que falar.
— Sua vez.
— Minha vez do quê?
— De puxar assunto ou você me convidou para ficarmos em silêncio o tempo todo? - ela sorriu.
— Não, mas não te chamei para conversar também, foi pra ir ao cinema. - disse humorado.
— Grosso. - fez-se de ofendida, mas riu.
— Tô brincando. E aí? O que achou do filme?
O filme em questão era A Fantástica Fábrica de Chocolate, que estava em cartaz há uma semana.
— Muito bom, mas acho que prefiro o original e você?
— Eu só sei que fiquei com muita vontade de comer chocolate. Deveríamos comprar alguns, o que acha?
— Uma ótima ideia, vamos logo.
E em meio a muitos chocolates e assuntos nada a ver, o gelo foi quebrado e a amizade começou a ser construída.

***

mal se deu conta da música que havia começado até que ouviu os gritos animados de alguns clientes e o coro de vozes no refrão.
You’re Beautiful de James Blunt fazia muito sucesso e havia a ouvido mais de duas vezes no rádio só naquele dia, talvez essa fosse a razão de estar tocando-a naquele momento.
estava no Jack's naquele sábado e foi uma das pessoas que gritaram quando reconheceram a letra daquela música, ela a adorava.
A garota tirava fotos do amigo no palco, das pessoas dançando e dos amigos de , a quem fora apresentada mais cedo, bebendo.
Ela estava adorando tudo aquilo.
, por sua vez, estava amando ver os sorrisos que ela lhe dirigia vez ou outra e mais tarde, quando ela lhe mostrou as fotos que tirara e lhe elogiou, especialmente, pelo cover de You’re beautiful, ele pensou que talvez, mas só talvez, tivesse cantado aquela música para ela.

***


— Meu Deus! Esse filme foi incrível!
— Pois é, quase tão bom quanto o livro.
— E o Cedrico é tão lindo, né? - disse toda sorridente. - Preciso de um pôster dele para pôr no meu quarto.
— Você tem muitos?
— Sim.
— E você beija eles?
— Aham. - ela disse revirando os olhos. - Foi assim que perdi meu bv.
riu e imaginou beijando fotos de caras famosos na parede.
— A Emma é que estava incrível, naquela cena do baile então! Acho que estou apaixonado. - o garoto disse quando, de algum modo, sua mente começou a criar cenários em que beijava ele e não mais os pôsteres. - Se eu tiver uma filha, ela com certeza vai se chamar Emma.
— Eu também gosto desse nome.
, eu não acredito.
— Não acredita no quê?
— Que você está dando em cima de mim tão descaradamente assim.
— Eu o quê?
— A gente nem se beijou e você já tá pensando em ter filhas comigo.
, você tá doido? - ela riu.
— Eu não, você que tá. Doida por mim.
— Essa foi podre. - a garota riu ainda mais. - Eu deveria era parar de andar com você.
— Não é como se isso fosse uma opção.
— Não é mesmo.
Os dois riram e seguiram em silêncio até a casa de .
— Eu ainda queria entender porque você me obriga a chegar até aqui na porta. - disse enquanto subia os degraus puxado por .
— Porque eu gosto que a minha mãe te veja.
— Depois eu que sou o estranho.
— Você é estranho. - ela disse parada à porta bem próxima à .
— Eu tô começando a achar que você só anda comigo para provocar seus pais.
— É um dos motivos.
— Eu tô me sentindo muito usado, eu vou até embora.
— Ah não, deixa de drama e volta aqui. - ela disse puxando-o pela mão para perto demais.
sentiu intensamente aquela proximidade repentina.
encarou-o meio nervosa.
Os rostos se curvaram, espontaneamente, em direção um ao outro.
Os narizes ficaram muito próximos.
E aquilo tudo durou apenas alguns segundos, porque logo ela completou:
— Minha mãe não te viu ainda.
— Ah, vá se danar . - ele disse, obstinado a ir embora dessa vez. - Até amanhã.
— Tchau, eu te adoro, você sabe, né?
virou-se para trás sorrindo, aquele sorriso que era dirigido somente a garota, e piscou para ela.
E naquela noite, ao invés de pensar em Harry Potter e o Cálice de Fogo, filme que se tornara seu novo favorito, só conseguiu imaginar como seria beijar .



Capítulo 2: On my eighteenth birthday, we got matching tattoos

(2006)

— Feliz aniversário!
— Você lembrou.
— Claro que lembrei, 24 de janeiro não é mais um dia comum no meu calendário. - disse ao que dava dois passos para abraçar , resolvendo ignorar a cara de incômodo que a mãe dela ainda sustentava. - Parabéns, gracinha! - ele disse antes de beijar o topo da cabeça dela, torceu o nariz para aquele apelidinho bobo.
Aquele abraço durou mais tempo que o normal e aqueles dois só pareceram perceber isso quando ele acabou.
Meio sem graça, , notando que a Senhora não se encontrava mais na sala, puxou do bolso traseiro um envelope e entregou-o à garota.
— Aqui, espero que goste.
— Não precisava. - ela disse por costume, enquanto já abria, com todo o cuidado, o presente.
— Não, não, a carta você lê depois. - tomou a folha da mão dela, ele não queria de modo algum estar presente enquanto ela lesse aquilo. - Olha o resto.
resolveu não contrariá-lo e pegou o pequeno cartão que estava no fim do embrulho.
— Vale uma tatuagem! - ela leu empolgada a caligrafia meio bagunçada do garoto e dirigiu a ele um sorriso que o fez muito feliz. - Eu nem acredito! Muito obrigada, , agora finalmente eu vou ser obrigada a criar coragem e fazer uma. - envolveu a cintura do garoto em um abraço forte e depois esticou-se para beijar-lhe as duas bochechas.
— Com um agradecimento desses, tô pensando seriamente em te arranjar outros presentes.
— Bobo. - ela riu e desvencilhou-se do abraço. - Mas então, pode ser qualquer tatuagem? De qualquer tipo? Qualquer tamanho?
— O Rick é meu amigo e me deve umas, então sim, pode escolher a vontade.
— Que ótimo, mal posso esperar para me decidir e ir fazer.
então começou a tagarelar sobre as inúmeras tatuagens que queria fazer, sobre como ela achava que os pais dela reagiriam, sobre os lugares em que doeria mais ou menos, além, é claro, de perguntar mais a sobre as experiências e opiniões dele, mas sem dar a ele a chance de responder.
O garoto não disse a ela, quando, mais tarde, ela pediu desculpas pela falação, mas ele adorava quando ela começava a falar e não parava nunca, porque ela só fazia isso quando estava realmente feliz e saber que ele era a razão para aquilo o deixava cheio de um sentimento que ele não entendia muito bem, mas que era muito bom.

***


— Decidiu mesmo dessa vez? - perguntou assim que ela entrou no carro que ele pegara emprestado com Carl para levá-la ao estúdio de Rick.
— Oi, tudo bem, ? Eu tô ótima, obrigada por perguntar. - ele revirou os olhos e arrancou com o veículo, enquanto ela reprimia uma risadinha.
— Depois de você ter voltado atrás três vezes, é normal que eu queira ter certeza.
— Eu sei, eu sei. - ela ainda sorria. - Mas dessa vez é sério, estou decididíssima. Desde que você me garantiu que pode ser duas tatuagens, eu já sei exatamente o que nós vamos fazer.
— Espera aí, nós?
— Sim! - sorriu empolgada. - Vamos fazer uma tatuagem de amizade e eu já sei exatamente como ela vai ser, só falta você decidir onde vai ser a sua.
A garota nem sabia de onde tinha tirado a certeza de que toparia fazer a tatuagem com ela, ela só sabia e estava certa.
— Você tem certeza? Não parece meio precipitado? Você sabe, a gente se conheceu nem tem muito tempo. - ele alternava o olhar do trânsito à garota.
— Tenho, porque eu sei que mesmo se amanhã não formos mais amigos eu não irei me arrepender. Essa tatuagem vai marcar minha pele assim como você marcou minha vida, não importa o que aconteça isso não vai mudar.
— Você ensaiou esse discurso. - o garoto acusou divertido, tentando disfarçar o quanto aquela declaração havia mexido com ele.
— Mais ou menos. - ela riu.
— E o que vai ser?
— A tatuagem?
— Aham.
— Duas flechas cruzadas, porque simboliza amizade e eu quero que a ponta seja um triângulo, porque representa mudança e você mudou muito a minha vida.
— Triângulos também representam união de três coisas.
— Sim, eu, você e a coisa que nos une, seja lá o que ela for.
Eles sorriram e permaneceram em silêncio por grande parte da viagem.
— Onde vai ser a sua? - perguntou quando avistou a logo do estúdio e buscava uma vaga para estacionar.
— Na costela e a sua?
— Não sei bem. - ele observou o braço pontuado por outras tatuagens. - Talvez na parte interna do antebraço, será que fica bom?
— Acho que sim.
— Então, vamos lá, vamos marcar nossa amizade na pele. - o garoto disse quando já estavam do lado de fora do carro e passou um braço pelos ombros de que lhe sorriu novamente.

***

nunca havia feito aquilo.
Ela nem conhecia alguém que já tivesse feito aquilo.
Ela nunca se imaginaria deitada em um terraço de um prédio sobre um colchão fino e encolhida debaixo de um cobertor.
já fizera aquilo muitas vezes, aquilo o inspirava, ele tinha dado a ideia e era no terraço do prédio dele que eles estavam.
Eu tô cansado da vida…
assustou-se com aquela fala repentina e olhou com os olhos assustados.
— Não diga isso, ainda há…
— Eu ia dizer cansado da vida nessa cidade. - ele riu e a garota sentiu seu rosto queimar de vergonha - Mas agora estou curioso, o que você ia dizendo?
— Eu só ia dizer que você é jovem e tem muito pra viver ainda.
— Tipo?
— Ué, você tem que ficar famoso. Encontrar o amor da sua vida, ter filhos, uma casa, perder o cabelo.
Eles riram e por uns minutos, ficaram apenas olhando as estrelas.
— Eu acho que já encontrei o amor da minha vida. - ele disse de repente.
— Pois então, você tem muito o que viver com ela ou ele.
— Ela.
— Ok, ela.
— Você. - ele disse antes que a garota pudesse perguntar se a conhecia.
Os dois voltaram a ficar em silêncio, porque não havia nada a dizer e por dias, os dois agiram como se nada houvesse sido dito.
Porque eles estavam meio bêbados e sonolentos e no dia seguinte, nenhum dos dois tinha certeza se aquelas palavras foram realmente ditas.

***


— Sua mãe já viu a tatuagem? - perguntou.
— Ainda não.
— Vou mostrar a minha para ela só para ver se ela gosta.
— Sabia que ela te chama de “tatuado”?
— Sério?
— Aham, que nem no dia do meu aniversário, ela subiu lá no meu quarto e disse “ seu amigo tatuado tá aqui”.
— Pelo menos não é um adjetivo pejorativo, né? Eu podia ser o amigo idiota, o amigo feio...
— Ah, mas acredite, para ela, tatuado é pejorativo sim. - os dois riram.
— Sua mãe é engraçada.
— Às vezes. - suspirou.
— E a faculdade? Como anda?
— Eu já te disse que você é muito aleatório, né?
— Aham, quando a gente se conheceu. Mas é que você suspirou e você sempre suspira quando fala sobre a faculdade.
— Você é observador demais e tem a memória boa demais também.
— Obrigado. - ele sorriu. - Mas você ainda não me respondeu.
— Ah, anda como sempre, legal, mas, definitivamente, não é o que eu queria fazer.
— E o que você queria fazer? - ele sorriu sugestivo.
— No momento, eu queria ouvir você cantar, porque foi para isso que eu vim, né?
— Você só me usa, garota. - fez uma cara indignada e foi até seu quarto buscar o violão.
havia ligado para ele mais cedo, toda desanimada e, como sempre, ele havia se oferecido para animá-la e uma vez que ele sabia que ela não toparia uma amizade colorida, ele fazia isso cantando para ela.
— Pedidos? - ele perguntou ao que retornou à sala e começou a afinar o instrumento.
— Eu gosto de quando você escolhe. - ela disse sincera e se ajeitou no sofá.
Ele limitou-se a sorrir para ela, sorriso esse que aqueceu algo dentro dela e começou a tocar os acordes que faziam a introdução de Apenas mais uma de amor de Lulu Santos.
não soube o porquê de ter escolhido aquela música, ela só lhe surgiu na mente.
ouviu tudo em silêncio, apaixonando-se ainda mais pela voz do amigo e embora não entendesse uma só palavra daquela letra, achou a música muito bonita.
Quando terminou, olhou-a ansioso, nem sabia porquê.
— É linda. - disse quebrando o silêncio. - Sobre o que ela fala?
— Sobre amor. - coçou a cabeça meio sem graça e desviou o olhar da garota para o braço do violão.
— Como que chama?
— Apenas mais uma de amor.
— Isso é português?
— Sim.
— Você fala?
— Fluentemente. - ele disse meio exibido. - Meu pai é brasileiro.
— Sério?
— Sim, ele mora no Brasil inclusive.
— E sua mãe?
— Ela mora em Leeds. Eles se separaram quando eu tinha seis anos.
— Ah, deve ter sido difícil.
— Eu não lembro, para falar a verdade. - ele disse e ela sorriu meio sem graça.
— Você nunca me falou sobre sua família. - disse torcendo para que ele não se zangasse.
— E você quer que eu fale? - ela confirmou com um aceno de cabeça. - E eu posso saber o por quê?
— Porque nós somos amigos.
— Amigos? - fez um bico enorme e a cara mais triste que conseguiu. - Essa é definitivamente a última resposta que eu queria ouvir.
— Ah, para de graça. - a garota disse, embora soubesse que ele falava sério.
— Admite que nós somos mais que amigos que eu te conto o que você quiser saber sobre a minha extraordinária vida. - ele disse com um sorriso provocante e encarou a garota com aquele olhar do qual ela não conseguiu desviar. - Admitiu?
— Eu não disse nada.
— Eu quero que você admita para você, não para mim.
— Você é muito esquisito. - ela riu.
— Estou esperando, .
— Okay, okay. Nós somos mais que amigos e eu estou admitindo isso em voz alta para mim mesma.
Ele sorriu e se conteve para não beijá-la naquele momento.
Ela encarou aquele sorriso e se conteve para não beijá-lo naquele momento.
— Tudo certo então, o que você quer saber?
— Por que você não mora com a sua mãe?
— É meio complicado.
— Você não precisa responder se não se sentir à vontade.
— Eu me sinto muito à vontade com você. - sorriu safado e riu em seguida quando corou.
— Então responde logo.
— Deixa eu ver. - ele olhou para cima e ficou um tempo em silêncio, buscando as palavras certas. - É que tipo a minha mãe nunca foi uma mãe de verdade, pelo menos, ela nunca chegou nem a ser parecida com as outras mães que eu conheço. Por muito tempo, isso me machucou bastante, eu pensava que ela não gostava de mim. Eu era bem pequeno e já pensava assim e sempre ficava buscando motivos para isso. Eu acreditava que se eu parecesse menos com o meu pai, ela poderia me amar. Pensava que se eu fosse bem na escola e a ajudasse em casa, ela poderia me amar. Mas aí, um dia, eu parei de buscar os motivos em mim e passei a procurá-los nela.
— E encontrou?
— Encontrei a opção na qual eu acredito e a que dói menos. - ele fez outra pausa e contemplou a curiosidade estampada nos olhos de , ela estava adorável. - Eu acho que minha mãe nunca quis ser mãe, nem se casar. Pelo que eu ouvi, ela se casou para poder sair da casa do pai super rígido dela e engravidou, porque é isso que as pessoas fazem um tempo depois de se casarem. Acho que ela nunca cogitou que tivesse outras opções. Ela podia ter saído de casa por conta própria, ela podia ter escolhido não ter filhos.
— Mas ela não fez.
— Pois é. E depois de “descobrir” isso - ele fez aspas com as mãos - eu também me dei conta que a minha mãe me ama sim. Porque ela nunca quis um filho e mesmo assim me criou e lutou para fazer isso, se isso não é amor eu não sei o que é. - suspirou. - E aí, eu só descobri que nós dois funcionamos melhor e nos amamos melhor vivendo separados. Eu ainda a vejo às vezes e sempre ligo para ela, ela é a minha melhor amiga, eu a conto tudo, porque ela não é uma mãe comum, tipo a sua. E eu sei que comigo longe, ela vive a vida que sempre quis, ela tem namorados, sai com as amigas e está até fazendo faculdade, mas isso tudo não desqualifica o amor que ela tem por mim.
— Nossa. - disse meio sem querer. - Eu não sei nem o que falar.
— Eu disse que era complicado.
— E você sente falta dela?
— É claro que sinto, mas eu a amo e se ela pode fazer o sacrifício de tentar ser uma mãe por mim, eu posso fazer o sacrifício de ficar longe a maior parte do tempo para que ela viva a vida dela do jeito que ela sempre quis.
suspirou e pensou que por mais que se irritasse com sua mãe diversas vezes, ela nunca conseguiria viver longe assim dela.
— E seu pai?
— Meu pai é um pai como os outros, a única diferença é que ele mora em outro continente. Eu o vejo umas três vezes no ano e ele já me chamou para ir morar com ele.
— E por que você não foi?
— Ele é casado e eu adoro a minha madrasta, mas sei lá, acho que me sentiria meio intruso no casamento deles.
— Entendi.
— Ainda bem que eu não fui, né? - ele esperou que ela lhe olhasse nos olhos antes de prosseguir: - Do contrário, eu nunca conheceria você.

***


Pela segunda vez em meses, tocou You’re Beautiful de James Blunt.
Dessa vez foi completamente intencional, ele cantou porque estava ali.
Cantou porque o refrão dizia muito sobre eles.

You’re beautiful
You're beautiful
You're beautiful, it's true I saw your face in a crowded place And I don't know what to do

Cantou porque era linda.
Cantou porque ele viu o rosto dela, pela primeira vez, em um lugar lotado.
Mas cantou fazendo questão de mudar o “Cause I’ll never be with you” da letra original por um “Cause I wanna be with you”.
notou a mudança.
Notou o olhar dele sobre ela durante quase toda a música.
Notou que pela segunda vez ele incluía aquela música no repertório que nunca tinha músicas românticas.
E foi por isso que, quando a apresentação acabou, ela foi até com o coração acelerado e as mãos tremendo.
Não o abraçou como sempre fazia, apenas ficou olhando-o guardar o violão na case e depois deixá-lo sobre o sofá que era o único móvel daquela salinha.
— Gostou do show? - disse e deu dois passos em direção a ela.
— Sim, ótimo como sempre.
— Então por que você tá calada?
— Porque… - ela abaixou a cabeça e mexeu no cabelo, nervosa. - Você cantou para mim, ?
— Cantei.
— E o que isso significa?
— Significa que você é linda. - ele disse e fez com que ela erguesse os olhos até ele. - Que eu vi você em meio a um lugar lotado. - não sabia que ele a vira no Jack's quando ela foi lá pela primeira vez, ela abriu a boca para perguntar o que ele queria dizer, mas foi silenciada pelo dedo dele em seus lábios. - E que eu quero ficar com você. - disse olhando nos olhos dela que se fecharam em seguida.
puxou-a pela cintura e aproximou seus rostos.
— Você mudou a letra. - ela disse ao que sentia o nariz dele tocando o seu em um beijo de esquimó e passava seus braços pelo pescoço dele.
— Mudei.
— Eu gostei mais assim.
— Que bom. - ele sorriu.
E antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, juntou seus lábios em um beijo que demorou tempo demais para acontecer, mas que valeu toda a espera.



Capítulo 3: Talk about our future like we had a clue\

(2006)

— Mas vão ser quantos?
— Isso não importa, o que importa é que um deles será uma menina e se chamará Emma.
— Você ainda não tirou isso da cabeça? - riu.
— Não e nem vou tirar.
— Sua sorte é que eu gosto desse nome.
— Eu sei. - disse e esticou-se para alcançar os lábios da namorada.
Nenhum dos dois sabia dizer como a conversa deles havia chegado ao tópico filhos.
— Acho que minha mãe não vai querer ser chamada de avó. - o garoto disse depois de um tempo. - E meu pai vai querer levá-los para o Brasil em todas as férias.
— Meus pais vão escolher a escola em que eles vão estudar.
— Bom que a gente não vai ter que se preocupar com isso.
— É e nem com a viagem de férias.
— Vamos mimar essas crianças tanto.
— E morar em uma casa enorme.
— A gente vai morar aqui?
— Sabe que eu não sei, acho que depende do seu nível de fama até lá. - riu. - Eu tô falando sério. Já estou até me preparando para ser esposa de um famoso.
— E eu já estou preparando meus discursos do Grammy.
— Espero que eles falem muito sobre mim.
— Eles são praticamente só sobre você.
— Awn. Escolhi o futuro marido certo. - disse e apertou as bochechas de . - Agora vamos, antes que você se atrase para a apresentação de hoje.

***


— Meu Deus, ! - observava as folhas que espalhara sobre a cama do garoto, enquanto ele estava sentado em frente ao computador que ganhara de sua mãe, como um presente de despedidas. - Quantas garotas já quebraram seu coração?
— Nenhuma.
— O quê? - ela estava impressionada. - Suas músicas só falam sobre traições e dores de cotovelo.
— Eu sei. - ele riu, finalmente girando a cadeira para olhá-la. - Mas nenhuma delas é baseada em experiências minhas.
— As pessoas vão achar que eu sou uma vadia, por te inspirar coisas assim.
— Eu não escrevi música alguma desde que te conheci.
— Eu sei, mas as pessoas não sabem. - ela estava realmente decepcionada. - E espera aí, eu cortei sua inspiração para escrever? - se atentou a esse fato enquanto ajuntava a bagunça que havia feito.
— Não. - ele riu e veio até ela tirando de suas mãos a pasta com as folhas que ela tinha ajuntado. - Você inspira muito.
— Então por que você não escreve mais?
— Não sei. - sentou de frente a ela na cama.
— Você não está me convencendo. - disse desconfiada e não fez objeção quando ele fez com que ela se deitasse para ficar parcialmente sobre ela. - E não vai me convencer me beijando também.
riu e encarou os olhos que tanto amava, pensando nas palavras certas para dizer a ela.
— Você me inspira, porque quando eu toco músicas românticas é em você que eu penso. Você sabe, eu não tinha músicas assim em meu repertório antes.- ele fez uma pausa e passou o nariz pelo dela lentamente. - Por enquanto, eu só consigo escrever músicas sobre nada e sobre decepções, mas um dia eu vou aprender a escrever músicas de amor e elas serão todas sobre você.
sorriu e convencida deixou que ele lhe beijasse o quanto quisesse.
— Você acredita em amor à primeira vista? - perguntou depois de um tempo.
— Mais ou menos, quando eu te vi pela primeira vez, eu senti uma coisa muito louca, mas se quando eu te conhecesse você não fosse incrível como é, acho que eu não permaneceria apaixonado.
— Acho que eu penso assim também. - ela virou-se de lado para encará-lo na cama. - Mas quando foi que você me viu pela primeira vez? No parque? Eu não senti nada quando te vi lá, eu só estava morrendo de vergonha.
— Eu te vi quando você foi ao Jack's e saiu uns dois minutos depois.
riu baixinho da expressão de surpresa que ela assumiu, a boca dela formava um “o” perfeito.
— Era você que estava tocando, bem que a Elisa tinha dito que o cantor era bonitinho. - ela disse como se de repente toda a vida começasse a fazer sentido. - E foi por isso que você me perguntou se eu já tinha ido até lá!
— Sim.
— Você se lembrou de mim.
— Na verdade, lembrei do seu cabelo, dos seus olhos e do seu batom. - ele disse passando a mão pelos cabelos dela e depois contornando os lábios dela com o indicador.
— Você é muito estranho, garoto.
— Você me disse isso quando a gente se conheceu e olha na cama de quem você está. - ele sorriu sugestivo.
riu e ao invés de mandá-lo ficar calado, garantiu que ele tivesse a boca ocupada pela maior parte do tempo naquela tarde.

***

— O que eles queriam?
— Acho que você deveria me contar primeiro a sua grande novidade.
estava curiosa, mas estava feliz demais com a notícia que havia recebido de sua mãe e não podia esperar mais para compartilhá-la.
— Meus avós vão se mudar para a casa ao lado da minha! - ela disse sorrindo largamente.
— Maternos ou paternos? - se sentiu contagiado pela felicidade dela.
— Paternos, os maternos já moram aqui em Manchester. Eu nem estou acreditando. Eu quase não os via, porque moravam longe, em Brighton, e meu pai tem birra com aquela cidade, Deus sabe por que. Agora eu vou poder ver eles todos os dias e eu amo tanto eles. Acho que vou me mudar para a casa deles.
O garoto riu do falatório dela e sentiu a sincera empolgação dela.
— Eu já tô falando demais de novo, né?
— Eu não me importo.
— Eu sei, mas é que você também tem uma coisa para contar.
— Sim, se prepara.
— Tá bom. - ela fez uma pausa e respirou fundo. - Tô pronta.
— Aqueles caras que estavam falando comigo trabalham com a The Middle, sabe? Eu te disse que a banda estava aqui na cidade.
— O QUÊ? - se exaltou e viu algumas pessoas olhando para ela, sorte que o bar estava quase vazio. - Desculpa, o quê?
The Middle era uma banda com certa fama no noroeste na Inglaterra e os dois, particularmente, gostavam bastante dela.
— Eles trabalham com o The Middle e estão procurando um guitarrista temporário, porque o Mark quebrou o pulso, você sabe. - ela assentiu. - E sei lá como, eles souberam da minha existência e disseram que vão voltar mais tarde para assistir meu show, disseram que eu tenho grande chance porque eu canto também e é bom que haja uma segunda voz para o Tommy.
— Meu Deus, ! Meu Deus! - disse já rodeando a mesa e se jogando sobre o namorado. - Isso é incrível!
— Eu sei, eu sei. - disse enquanto recebia os beijos dela no rosto.
— Uma pena que eu não vou estar aqui para assistir e vender seu peixe. - era quinta feira e tinha uma prova importante no dia seguinte, não podia ficar até tarde.
— Uma pena mesmo, mas pelo menos, terei uma pessoa a menos para tentar impressionar.
— Você ainda tenta me impressionar? Pensei que isso fosse coisa de começo de namoro.
— Eu sempre tento te impressionar, porque eu amo você.
Não era a primeira vez que dizia aquilo, mas era sempre uma sensação inexplicável para ouvir aquilo.
— Eu…
— Você não tem que me dizer de volta só por que eu disse, .
— Eu sei.
Ele sorriu e a beijou só para tirar aquela carinha meio frustrada que ela exibia.
não conseguia retribuir aquela frase, mesmo que às vezes sentisse que o amava, ela, simplesmente, não conseguia dizer.
E isso fazia com que ela ficasse meio em dúvida sobre o sentimento.
— É melhor eu ir, porque ainda tenho que dar uma revisada e você tem que ensaiar.
— Isso e com você aqui eu só consigo aprimorar minha habilidade em beijar. - ele sorriu safado só para vê-la corar, porque depois de todo aquele tempo, ela ainda corava e isso era uma das coisas que ele amava nela.

***


— E aí? E aí? - desceu as escadas de sua casa correndo completamente empolgada com o que ouviria de .
— Eles me adoraram.
— Eu sabia, amor! - ela abraçou-o forte e encheu o rosto dele de beijos, ainda bem que eles estavam no portão e não na sala de frente ao Senhor e a Senhora .
— Amor. - ele repetiu no ouvido dela, era a primeira vez que ela o chamava assim.
— Cala a boca. - ela riu e o beijou. - Mas então? Como vai ser? Você já está contratado?
— Basicamente, eles vão trazer o contrato para que eu assine amanhã. - ele fez uma pausa e riu do gritinho de . - E eles querem que eu saía em turnê com eles mês que vem.
— Mês que vem já? - assentiu. - E quanto tempo você vai ficar fora?
— Era sobre isso que eu queria falar com você, o contrato é de um ano, mas eu tô pensando em não voltar.
— Como assim? - ela ficou séria de repente.
— Você sabe que eu não gosto daqui e eu tô realmente esperando que esse contrato vire permanente ou que outra oportunidade surja.
— Mas e nós?
— Eu quero que você vá comigo.
— O quê?
— Eu já falei com eles e você pode ser a fotógrafa da banda. Já pensou? Nós dois viveríamos nossos sonhos. Você larga essa faculdade e a gente volta aqui quando der, para você ver seus pais.
— Isso é muita coisa.
— Eu sei. - ele beijou o rosto dela. - E é por isso que eu tô falando agora, você tem tempo para pensar.
— Tá bom.
foi embora e deixou para trás uma mais confusa do que nunca, ela era metade animação e metade frustração.
Ela teria que pensar e traçar um plano, e céus! Como ela odiava aquilo.

***


e não falaram sobre a decisão dela durante aquele mês, que passou mais rápido que o esperado.
não disse nada porque queria dar espaço para ela pensar.
não disse nada porque não sabia o que fazer.
Mas o dia que eles tentaram tanto adiar chegou.
iria embora em dois dias, o apartamento alugado dele, em que estavam, era só caixas e malas.
. - ele olhou para ela e já soube do que iriam falar, pela primeira vez, o medo de perdê-la tomou conta dele.
E pela primeira vez o peso da decisão que fizera caiu sobre .
— Eu pensei e a gente não pode adiar mais essa conversa, né? - ele assentiu.
Ela olhou para cima, tentando, inutilmente, conter as lágrimas.
— Mas agora eu não sei se vou conseguir falar.
— Você vai, porque, olha pra mim. - ele pegou o rosto dela entre as mãos. - Não importa o que você escolheu, eu vou te amar para sempre.
chorou ainda mais e quis com todas as forças dizer que o amava também, mas não pode.
Talvez porque ela ainda não tivesse certeza, talvez porque dizer o “eu te amo” iria tornar tudo mais difícil.
— Eu não posso, . - ela disse em meio a soluços. - Eu não posso ir com você. Eu não consigo deixar minha família aqui e ir, meus avós mudaram para cá e eu adoro essa cidade. - percebeu que ela também falava muito quando estava muito nervosa. - Eu queria muito, mas não consigo. Me perdoa.
— Shhh. - ele tentava secar as lágrimas dela e conter as suas ao mesmo tempo. - Vai ficar tudo bem.
— Não vai. - ela disse e ele não quis dizer, mas concordava. - Sua cara nem está engraçada agora. - se referiu a feição prestes a chorar dele, que sempre a fazia rir.
Os dois permaneceram abraçados, tentando se agarrar aos últimos momentos que precediam o fim tão prematuro deles.
— Me perdoa, .
, olha para mim. - ele esperou que ela o fizesse. - A culpa não é sua.
— Mas…
— Eu entendo você. Porque você sabe, eu nunca tive uma família assim como a sua e se eu tivesse eu não sei se conseguiria deixá-la. Eu não posso desistir do meu sonho pelo nosso amor e você não pode desistir da sua família. É só isso.
— Eu…
— Shh, vai ficar tudo bem.
Nenhum dos dois seria capaz de dizer por quanto tempo ficaram ali abraçados, em meio a lágrimas, afagos e beijos.
Mas os dois diriam que foi por muito pouco, porque o tempo passou rápido demais.
E antes que notasse, o dia do adeus chegara.
disse que sempre iria amar .
Ela quis dizer o mesmo, mas não conseguiu.
Mais tarde diria às pessoas o que não foi capaz de dizer a ele.
Diria a elas que ele era , o amor da sua vida.
Mas que ele também era aquele que foi embora.



Capítulo 4: In another life, I’ll be your girl

(2015)

fazia 27 anos naqueles 24° dia de janeiro.
E como em todos os anos, desde que fizera 19, ela acordou cedo, fez uma xícara de chá e sentou em sua cama novamente.
A cama de dossel que ocupava a maior parte do único quarto de seu apartamento bem localizado em Manchester.
Sobre a cama repousava A Caixa.
Uma caixa de madeira pintada que sua avó lhe dera.
A Caixa, com A maiúsculo, porque não era uma caixa qualquer, era A Caixa.
Dentro da caixa, algumas fotos, alguns presentes e a carta que recebera há quase dez anos atrás.
A carta que lia a cada aniversário.
A carta que leria imaginando se teria um 27° motivo naquele ano, se eles tivessem ficado juntos.
A carta que fazia ela ir de volta ao passado e imaginar o futuro que teria se não tivesse deixado ir.

Querida ,
(eu sempre quis começar uma carta assim)

Perceba que eu não coloquei a data no início da folha, porque nós dois sabemos que dia é hoje e a importância dele para as nossas vidas.
Hoje é seu aniversário! (eu sei que você vai revirar os olhos lendo isso e pensar “Jura?” Pois é, eu juro)
Informação adicional: você está fazendo 18 anos!
Incrível, né?
Eu sei tanto sobre você hahahaha.
Isso tá ficando horrível e é por isso que eu não ia escrever nada para você, porque eu não sei escrever cartas.
Mas aconteceu que há dois dias você me obrigou a ver 10 Coisas que eu odeio em você e você sabe que eu odeio ver filmes que eu já vi
(a não ser que seja Harry Potter ou Star Wars). Mas tá né, você me convenceu porque disse que era a semana do seu aniversário, como se na semana do MEU aniversário você tenha feito alguma de minhas vontades, mas tudo bem, nem ligo, porque nossa relação é toda injusta, porque é só você sorrir que eu faço o que você quiser (acho que nem deveria estar te contando isso aqui).
Mas enfim, voltando ao filme, a garota lá fez a lista das dez coisas que odeia no garoto bonitão lá, e eu, quero fazer as 18 coisas que eu adoro em você, em comemoração aos seus 18 anos.
Espero que a cada ano você invente outra coisa legal para que eu adore e essa lista seja atualizada, se isso não acontecer, o problema é seu e eu vou parar de te adorar.
E finalmente, a tão esperada lista:
1. Eu adoro o seu sorriso, mesmo que você o use para o mal, me forçando a fazer coisas que eu não quero;
2. Eu adoro que você goste de fotografar, porque a minha beleza tem que ser registrada;
3. Eu adoro que você sempre ri no cinema, quando tá todo mundo chorando, mesmo que você só ria porque acha minha cara de “prestes a chorar” engraçada;
4. Eu adoro a cara que você faz quando eu toco, você é muito apaixonada por mim, garota;
5. Eu adoro como você ri abafado quando seu pai fala comigo, mesmo que às vezes eu desconfie que você só é minha amiga para contrariar ele e sua mãe;
6. Eu adoro como você fica vermelha quando eu faço uma piadinha idiota;
7. Eu adoro o jeito que você fala, fala e fala quando está muito feliz;
8. Eu adoro quando você me ouve, porque eu sei que você, realmente, presta atenção nas bobeiras que eu digo;
9. Eu adoro você dançando, porque você dança engraçado e me faz pensar que eu danço bem;
10. Eu adoro quando você tá tristinha e fica toda carente, não que eu goste de te ver assim, mas é que eu gosto muito de te abraçar;
11. Eu adoro o seu cheiro, acho que fico até meio chapado às vezes;
12. Eu adoro quando você cozinha, porque você me faz acreditar que coisas boas podem sim surgir do imenso caos;
13. Eu adoro como você adora que coisas inusitadas aconteçam e isso eu nem sei explicar;
14. Eu adoro que você não goste de planejar e por isso, me deixe escolher os lugares em que vamos (vou ser sincero e dizer que às vezes eu odeio isso também);
15. Eu adoro quando você do nada segura minha mão;
16. Eu adoro que você goste de fazer vários nada, porque às vezes é só isso que eu quero fazer: ficar deitado com você em algum lugar só curtindo a presença um do outro;
17. Eu adoro como você me acalma, mesmo nas vezes que você faz isso fazendo umas caretas ridículas;
18. E eu adoro que você também me adore, porque, você sabe, não tem tantas pessoas no mundo que gostem de mim assim.
E todos esses 18 “eu adoro” se resumem em uma só coisa: eu amo você.
No mais, eu desejo que você tenha os dias mais lindos, os abraços mais aconchegantes e os sorrisos mais sinceros recheando a sua vida pra sempre e sempre.
Feliz aniversário, gracinha!

P.s. eu realmente espero que você esteja chorando e se você estiver saiba que eu estou rindo de você, em vingança.

não só chorou quando leu aquilo a primeira vez, como chorou em todas as vezes que leu depois, e em todas as vezes ela imaginava que em algum lugar daquele país estava rindo dela e de alguma forma isso a deixava feliz.

***


havia se formado em Direito.
Quando foi embora ela pensou seriamente em trancar a matrícula e até se inscreveu escondido em diversos cursos de fotografia.
Se ele estava seguindo o sonho dele, ela tinha que, pelo menos em partes, seguir o dela também.
Eventualmente, seus pais descobriram dos cursos e finalmente se abriu com eles. Depois de muita briga, muitos discursos, ficou acordado que terminaria a graduação, ganharia o apartamento, que sempre lhe fora prometido e depois poderia fazer o que quisesse.
E ela fez.
Não advogou nem por um ano e abriu seu próprio estúdio de fotografia, para isso fez empréstimos e utilizou, meio a contragosto, uma economia de seus avós.
Agora ela era bem sucedida, seus pais se orgulhavam dela e “tudo” estava bem.
viajou o país com a The Middle naquele primeiro ano, assim como previsto.
Alguns meses depois ele já era o guitarrista oficial da banda, para sorte dele, o guitarrista original era meio esquentadinho e foi expulso.
por vezes tinha notícias deles, mas não se aprofundava no assunto, ela só sabia que eles estavam crescendo, já não eram mais só conhecidos no Noroeste e tinha a certeza, que , uma hora ou outra, ainda se tornaria o vocalista e líder daquela banda.
Ele havia nascido para aquilo.

***


Na época em que estavam juntos, não tinha certeza se amava .
Era forte, mas ela não sabia se o que sentia era, de fato, amor.
Quando dizia que a amava, ele tinha uma certeza que ela nunca encontrou.
Se ela tivesse dito que o amava, talvez ele teria desistido de ir embora, talvez ele insistisse mais para que ela fosse junto.
Se ela tivesse dito que o amava, talvez eles ainda estivessem juntos.
A de hoje sabia que deveria ter prestado atenção, deveria ter se atentado ao fato de que quando ela pensava no futuro ela nunca se imaginava sem ele.
E por mais tolo e sem sentido que isso pareça, ela ainda não se imagina sem ele.
E é por isso que todo dia ela acordava pensando que aquele seria o dia em que ela daria um jeito e iria atrás dele e toda noite, antes de dormir, ela rezava para que esse dia fosse o amanhã.
fez isso naquela noite que encerrava o 24° dia de janeiro, o dia que fazia 27 anos, ao mesmo tempo em que, em algum lugar daquele país, tocava You’re beautiful, torcendo para que de alguma forma ela soubesse e sentisse que ele ainda tocava músicas de amor só para ela.



Epílogo

— Mostra pra mamãe o que a gente fez. - o homem disse e a mulher ergueu os olhos do bebê em seu colo para os dois que vinham da cozinha.
Óia mamãe, bligadero! - Sammy disse animado, exibindo um sorriso sujo de chocolate.
— Hm, que delícia, tem pra mim também?
— Aham. Só não tem pra Emma, porque o papai disse que ela não pode. - ele ergueu o dedinho indicador e fez não. - Ela não pode mesmo, mamãe?
— Não, querido, só quando ela crescer.
Clecer igual eu?
— Sim, igual você.
— Tá ouvindo, Emminha? - ele se aproximou da mãe e da irmã que mamava, tocando a bochecha da segunda. - Você vai clecer igual eu e aí você vai comer bligadero igual eu.
A bebê parou o que estava fazendo, olhou pro irmão e sorriu.
Óia, mamãe, ela gostou.
Os pais do garotinho riram.
— Eu vou levar a Emma pro quarto dela. - a mulher disse olhando a bebê que agora dormia em seus braços. - E você, - olhou para o marido. - pode levar seu filho e pôr ele para dormir também.
O homem cochichou algo com Sammy e de pé os dois prestaram continência à mulher.
— Sim, senhora.
A mulher riu e dirigiu-se às escadas, pensando em quanto tempo seu marido teria gastado para combinar aquilo com o filho de quatro anos.

***

— Sua vez. - a mulher disse logo que o choro estridente se fez ouvido pela babá eletrônica.
Não obtendo resposta, ela olhou para o outro lado da cama, notando que o marido não estava ali.
Lembrou-se de ter ido deitar-se tão cansada que apagou antes mesmo do marido chegar do quarto de Sammy.
Levantou-se e foi até o quarto do bebê.
Chegou ao batente e viu sentado na poltrona ninando Emma, enquanto Sammy cantava uma musiquinha que tinha aprendido aquela semana na escolinha.
Teve vontade de perguntar o que eles estavam aprontando e o porquê de Sammy ainda não estar dormindo.
Mas olhando aquela cena, que merecia ser fotografada de tão perfeita que era, só pôde sorrir e agradecer por tudo o que ganhara da vida.

***


acordou ofegante.
Esse era um daqueles sonhos bons que viravam pesadelos quando ela acordava e percebia que não eram reais.
Ela já perdera as contas de quantos desse ela já tivera.
Aqueles sonhos representavam a vida que ela achava que teria se tivesse ficado com .
A vida que ela queria ter.





Fim!



Nota da autora: Muito obrigada a você que leu isso aqui até o fim, vocês não sabem o quanto significa para mim <3
The One That Got Away é simplesmente minha música favorita no mundo e eu espero ter agradado com essa história.
Então vamos lá, deixa eu saber o que você achou, comenta aí, eu vou adorar ler.
Beijão e até a próxima.



Nota da beta: Lembrando que qualquer erro nessa atualização e reclamações somente no e-mail.


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