Capítulo Único
- Então, pessoal, aula passada começamos a discutir o texto de Campo Científico e hoje vamos continuar conversando sobre o conceito de Habitus, que não conseguimos acabar. Alguém lembra como Bourdieu definia isso?
Alex, provavelmente uma das pessoas mais empenhadas da sala – de uma forma profundamente irritante – levantou a mão imediatamente.
revirava os olhos conforme ouvia a voz do rapaz falando sobre “estruturas estruturadas estruturantes”. Aparentemente havia estudado mais do que Erich, o professor, pedira.
A aula de Psicologia Social era, definitivamente, uma das preferidas da garota. Erich era um excelente professor e a matéria era sensacional por si só. Porém, neste dia em especial, só conseguia pensar em sair dali. Precisava espairecer, não conseguiria se concentrar nem se tentasse. Seu término com , com quem namorara por três anos, tinha quebrado totalmente sua rotina. Já havia dois meses desde o fim da relação, mas esse dia não era uma data qualquer: comemorariam mais um mês juntos se não tivessem terminado. A garota tentava não demonstrar seu abalo emocional, principalmente para não preocupar os outros ou demonstrar fraqueza; odiava que pensassem que era frágil, já que, por sua aparência, sempre fora tratada como uma boneca de porcelana, algo que abominava com todas as suas forças.
- Erika – virou-se para a garota sentada ao lado – responde a chamada por mim? Esqueci que tinha um compromisso hoje e vou precisar sair agora pra conseguir chegar a tempo.
A ruiva arqueou as sobrancelhas, olhando desconfiada para a amiga. A conhecia bem o suficiente para saber o real motivo de sua saída súbita da aula, mas também sabia que precisava de seu espaço e que, além disso, era orgulhosa demais para admitir esse fato também.
- Respondo. – sorriu em agradecimento, já pegando suas coisas e se preparando para levantar – mas juízo! Vê se não faz coisa errada, hein. – A garota apenas deu um riso fraco, levantando e em seguida saindo da sala de aula.
Erika era sua melhor amiga, apesar do pouco tempo de amizade. Ambas estavam no primeiro ano de faculdade e tinham se conhecido no primeiro dia de aula. Era estranha a conexão praticamente instantânea que criaram assim que se conheceram; as duas se entendiam como ninguém. Também cuidavam uma da outra, já que eram sozinhas na selva de pedra chamada Nova York. era extremamente grata por ter encontrado a garota.
Assim que saiu de dentro do campus da Columbia University, parou para pensar para onde iria. Não queria voltar para casa, precisava distrair a cabeça e lá sabia que isso não aconteceria. Pensou, então, nas suas possibilidades e concluiu que a melhor seria o bar. Que mal faria um copo de cerveja às dez da manhã de uma quinta? Às vezes pensava que esse tipo de coisa beirava o alcoolismo, mas depois que chegava ao bar e via inúmeros colegas lá, concluía que não era nada demais para um universitário. E, por essas e outras, amava o fato de estar na faculdade.
Andou por alguns poucos minutos e logo avistou o tão amado bar que frequentava ao menos uma vez por semana. Por ser relativamente cedo, não reconhecia muitas pessoas que estavam lá, porém, não deixava de ver alguns rostos familiares. Alguns de seus veteranos se encontravam sentados mais ao fundo, mas decidiu ficar sozinha no momento.
- E aí, , Bud de sempre?
- Com certeza, Jack. – sorriu de volta ao barman. O fato de o barman conhecê-la por nome e de ela ter um ‘de sempre’ no bar a levava de volta ao questionamento do quase alcoolismo, mas isso pouco importava a ela.
Jack logo entregou a garrafinha de Budweiser à garota e voltou a atender seus outros clientes. observava a televisão que passava o reprise de algum clássico da UEFA Champions League. Adorava futebol, mas ultimamente andava completamente alheia a todos os jogos. Assistia atentamente ao gol de bicicleta que Cristiano Ronaldo marcara contra o Juventus – nunca o suportara, mas tinha que admitir que havia sido uma jogada espetacular – quando percebeu a presença de alguém ao seu lado.
- Jack, me vê mais uma dessa, por favor.
A moça, então, virou-se sutilmente em direção à voz masculina próxima a ela. Logo de cara identificou o rosto. era seu veterano, conhecido entre todo o pessoal do curso, principalmente pela sua fama de ‘rei das calouras’. Só por esse apelido já tinha adquirido um leve repúdio em relação ao garoto. Também achava que ele tinha cara de babaca. Tentava não julgá-lo, afinal, não o conhecia; mas aquele sorrisinho de lado a irritava profundamente.
- Gostei do seu casaco.
olhou para o casaco do Homem-Aranha que vestia, voltando seu olhar ao rapaz logo em seguida, ainda um pouco espantada pelo fato de estar falando com ela. Já haviam se cruzado em outras ocasiões, mas nunca dirigira a palavra a ele ou vice-versa.
- Ah, obrigada. – deu um pequeno sorriso na tentativa de ser simpática.
- Gosta de super-heróis? – a garota assentiu com a cabeça.
desde sempre fora fã de super-heróis; assistira a todos os filmes da Marvel e amava cada um deles de uma maneira que os assistia repetidamente sempre que possível. Um passo que ainda queria dar era ler mais os quadrinhos antigos com as histórias originais, mas a preguiça era tão grande quanto a quantidade de HQ’s que teria para ler.
- Digamos que sou uma grande fã.
- Marvel ou DC? – revirou os olhos com a pergunta. Embora preferisse a Marvel, odiava esse tipo de comparação. Achava que as duas eram ótimas e não havia motivo para desmerecer nenhuma. No entanto, não aceitava que falassem mal de sua preferida e esperava que o garoto não se atrevesse a fazer isso.
- Marvel.
- Ah, não. Como preferir a Marvel quando a DC tem o Super-Homem e a Mulher-Maravilha?
- Sobre o Super-Homem: passo. Mas devo admitir que a Mulher-Maravilha faz jus ao nome. Só que mesmo assim continuo preferindo a Marvel.
Neste momento, já se encontrava sentado no banco ao seu lado. Pelo jeito aquela conversa iria longe, mas tinha que admitir que, conversando assim com o garoto, ele não parecia mais tão babaca. Era na verdade bem simpático.
- Então vamos ver se você é uma Marvete sensata: Homem de Ferro ou Capitão América?
- Team Cap até o fim. – Ergueu a garrafa de cerveja, dando um gole e colocando-a em cima do balcão novamente.
- Assim não dá pra te defender. Tony Stark é mil vezes melhor, desculpa.
- Tão melhor que perdeu pro Capitão no filme de Guerra Civil. – arqueou as sobrancelhas enquanto dava um pequeno sorriso irônico – Tudo bem, Tony Stark é foda, mas admiro muito a integridade do Steve.
- Você sabe que nos quadrinhos ele é da Hydra, né?
- Sei, mas ainda não chegamos nesse ponto.
- Desculpa, mas não me lembro de ter perguntado seu nome, apesar de saber que você é minha caloura.
- . – estendeu a mão em direção ao rapaz.
- Prazer, . Mas então, , gostando da faculdade até agora?
E, assim, a conversa vigorou por um bom tempo. Descobriram que tinham muito em comum: o gosto por super-heróis, suas séries favoritas e, pasme, o dia do aniversário. , no decorrer da conversa, foi chegando à conclusão de que o rapaz era, na verdade, um cara bem legal. Isso apenas a fez se sentir mal por tê-lo julgado tão precipitadamente.
No fim das contas a garota conseguiu o que queria ao ir ao bar: uma distração. Durante toda a conversa mal lembrara do motivo pelo qual estava lá. No entanto, ao olhar no relógio em seu pulso, levou um susto: tinha se esquecido completamente do seu compromisso de toda quinta-feira. Após a aula, nesse dia da semana, ocorriam as reuniões do Coletivo Feminista da universidade, do qual participava e era vigorosamente ativa.
- Merda! – disse pegando o dinheiro das cervejas em sua carteira.
- O quê? – indagou confuso.
- Tenho compromisso daqui a cinco minutos lá na universidade e tinha esquecido completamente dele. Adorei nossa conversa, mas agora preciso ir.
Deixou o dinheiro em cima do balcão, pegou sua bolsa e saiu apressada em direção à porta, deixando o rapaz para trás.
Enquanto corria desviando de todos os outros pedestres na calçada, só conseguia pensar no quanto odiava o excesso de pessoas que andavam pelas ruas da cidade grande – inclusive as que estavam dentro do campus. A cada pessoa que estagnava à sua frente repentinamente, a moça soltava um suspiro e um xingamento mental, afinal, qual era a dificuldade das pessoas em andar rapidamente?
Após impressionantes cinco minutos de corrida, chegou esbaforida à sala onde ocorriam as reuniões. Abriu a porta e se deparou com praticamente todas as meninas já sentadas em roda no chão, como geralmente acontecia. O Coletivo era razoavelmente recente e as reuniões tinham uma pegada mais informal, dando, talvez, uma maior sensação de conforto e intimidade. Assim que avistou Erika foi em sua direção e sentou-se ao seu lado.
- Pensei que não viesse mais. – a ruiva cochichou para .
- Me perdi no horário. – respondeu brevemente. Não queria se prolongar nem entrar no assunto do porquê havia se distraído com as horas.
As duas ficaram em silêncio assim que uma das garotas começou a falar, voltando suas atenções a ela.
- Boa tarde, meninas. Hoje a reunião vai ser um pouco diferente do normal. Recebemos um pedido de ajuda de uma garota, cujo nome não vamos divulgar a pedidos dela, que está passando por um relacionamento abusivo e não sabe como sair dessa situação. Como a maioria deve saber, é uma situação extremamente delicada. A dependência emocional criada é algo muito forte e difícil de quebrar, uma vez que a pessoa passa a depender do outro para encontrar segurança, valorização e senso de identidade. Então, antes de tudo, queremos saber quem daqui já passou por uma situação dessas.
Todas as mulheres se entreolharam, algumas levantando os braços aos poucos. permanecia com o braço abaixado; apesar de tudo, seu relacionamento com sempre fora saudável e nunca tivera problemas com esse tipo de coisa. Haviam terminado pelo simples fato da grande distância e dificuldade em se ver, mas, fora isso, não tinha nada a reclamar sobre o antigo namorado.
- Dessas meninas que levantaram a mão, alguma quer compartilhar a história conosco? Só façam isso se ficarem confortáveis com a situação, não queremos pressionar ninguém.
Um momento de silêncio se instaurou até que uma voz tímida se pronunciou.
- No início era tudo como um conto de fadas, sabe? Parecia o cara ideal, o próprio estereótipo de namorado perfeito. Isso durou pouco, talvez uns dois meses no máximo. A partir do terceiro mês, ele se transformou. Queria controlar cada passo meu, me afastou de todos os meus amigos, apesar de fazer isso com certa sutileza. Minha autoestima era nula, extremamente insegura, já que ele sempre fazia questão de me rebaixar ou humilhar quando fazia algo que não era de sua vontade. O medo do abandono e rejeição me tomavam e por causa disso tinha uma necessidade enorme em tentar agradar a todo custo. Mas o pior de tudo era a sensação de impotência de sair dessa situação. Eu me negava a acreditar que as coisas iam ser sempre desse jeito, tinha fé de que ele ia mudar, já que em todas as vezes que ameaçava terminar nosso relacionamento ele voltava a ser o que era no início e implorava para não deixá-lo. Era um ciclo vicioso e sem fim. Tive que superar a vergonha e o medo de julgamento pra conseguir pedir ajuda. Hoje, graças ao apoio que recebi dos meus amigos, família e terapeuta, consegui sair da situação.
Algumas meninas começaram a aplaudir como uma demonstração de apoio, enquanto outras apenas sorriam pela coragem da moça para compartilhar sua experiência.
A reunião continuou por cerca de mais quarenta minutos, dando espaço para mais pessoas compartilharem suas histórias e para sugestões de como ajudar a garota que procurara a ajuda do coletivo. Ao fim dela, as garotas se dispersaram e foram cada uma para um canto.
Erika e iam andando em silêncio a caminho do apartamento que alugaram juntas próximo a universidade. A ruiva se questionava se perguntaria ou não sobre o sumiço da amiga, enquanto esta pensava se contaria ou não sobre sua conversa com o famoso veterano do curso.
- Então... – as duas falaram juntas, rindo em seguida.
- Pode falar – disse a ruiva, na esperança de que a amiga lhe desse alguma pista sobre onde tinha ido depois de sair no meio da aula.
- Adivinha com quem passei as duas últimas horas antes da reunião. Se você acertar te deixo comer algum chocolate do meu estoque em casa, já que o seu acabou.
- Hm, interessante. Deixa eu pensar... Ah, sei lá, com seu ex?
olhou para a garota com uma expressão confusa. Era óbvio que não havia sido com seu ex, levando em consideração que este morava em outra cidade e que era a última pessoa que gostaria de ver no momento.
- Quê? Só... não.
- Ué, você não deu nenhuma dica, eu tinha que chutar alguém, né.
- Tá, tudo bem. Enfim, como você não vai acertar nem em um milhão de anos: fiquei todo esse tempo conversando com ninguém mais, ninguém menos que... – fez um breve silêncio para dar um ar de suspense – .
- O QUÊ? – a ruiva parou de andar, perplexa com a informação que acabara de receber. Sabia que a amiga não ia com a cara do garoto, então não fazia o mínimo sentido o que acabara de ouvir. – Não era com a cara dele que você não ia?
- Era. Mas sabe que ele me impressionou bastante? Bem diferente do que eu imaginava. Foi uma conversa boa. – olhou para o chão sorrindo enquanto se lembrava das duas horas que passara com . – Mas e aí, perdi muita coisa da aula?
- Um pouco, só. Mas depois eu te passo as coisas. Só não anotei algumas coisas porque em alguns momentos me distraí com a beleza do Erich. Misericórdia, que homem.
começou a rir, mas entendia; como um amigo dizia, todos têm um desejo profundo de dar uns beijos no Erich. Assim, começaram uma discussão sobre esse assunto e seguiram o caminho para casa.
- Erika, anda logo, pelo amor de Deus.
- Já vou, mulher!
estava pronta havia mais de uma hora enquanto a ruiva enrolava uma eternidade para acabar de se arrumar. Mal conseguia conter o nervosismo de sair para uma festa oficialmente depois de meses sem ir a uma. Não era nada de mais: open bar com porções de batata frita, tudo incluso no preço pago previamente, em um outro bar próximo à universidade. Entretanto, mesmo sendo um evento pequeno e com a maioria das pessoas sendo de seu curso, a garota não conseguia esconder sua animação.
- Pronto! Vamos?
- Amém. Vamos logo que eu só quero meu open de cerveja.
Saíram, então, do apartamento, chamando logo em seguida o elevador que não demorou a chegar. Vantagens de se morar no terceiro andar.
- Mas e aí, sabe quem pode estar lá? – olhou confusa para a ruiva, como se não fizesse ideia do que ela estava falando – .
Erika fazia uma cara engraçada enquanto a amiga apenas revirava os olhos rindo. Um mês se passara desde que a caloura – não mais tão caloura, considerando que o ano letivo já estava quase no fim – e seu veterano conversaram pela primeira vez. Depois disso, se adicionaram nas redes sociais e se cumprimentavam nos corredores da faculdade sempre que se encontravam. No bar, só troca de olhares. Por essas e outras Erika insistia em dizer que estava interessado na colega de apartamento, enquanto esta insistia em negar veemente isso.
- Ai, garota, não começa, hein.
- Você só diz isso porque sabe que o que eu digo é verdade.
- Se é ou não é, não me interessa. Quero só curtir hoje sem pensar em macho, por favor.
- Tudo bem, tudo bem. não será mais mencionado por mim em sua presença.
- Agradeço.
Depois de cerca de vinte minutos de caminhada, as duas chegaram ao lugar. Aparentemente era um bar pequeno, no entanto, indo mais ao fundo se encontrava um amplo salão com um balcão, várias mesas de madeira distribuídas e três de sinuca. As paredes eram vermelhas, com exceção da que ficava ao fundo do salão, que tinha uma espécie de lousa onde os clientes podiam desenhar o que quisessem. A morena só conseguia pensar em quão talentosa era a freguesia de lá, já que não conseguia localizar um desenho feio sequer.
analisava o local atentamente, tentando localizar rostos familiares. Imaginava que o lugar fosse estar mais cheio, já que, comparando com outras festas que tinha ido no início do ano, aquela estava razoavelmente vazia. Sendo assim, grande parte das pessoas que estavam lá eram conhecidas pelo menos de rosto.
- Luke! – Erika gritou assim que viu o loiro perto de uma das mesas de sinuca ao fundo.
Lucas era da mesma sala das duas, tendo, assim, se tornado um membro do atual trio. No entanto, o rapaz era bem mais sociável do que as amigas, o que fazia com que ele andasse também com outras pessoas do curso.
- E aí, minha ruiva! – disse ao se aproximar para cumprimentá-las.
- Lucas. Garoto. Já disse que não sou propriedade de ninguém para ser chamada de ‘minha’.
- Eu sei, só falo isso pra te irritar. – a ruiva deu um leve soco em seu ombro, arrancando uma risada do garoto. – E você, meu bombonzinho, como vai? – se virou para .
- Vou bem, meu mel. – deu um abraço no amigo. Os dois só se chamavam por meio de apelidos como esses. Começaram tirando sarro de pessoas que chamavam umas às outras assim e não conseguiram parar mais. Era como uma piada interna entre eles.
Os três acharam uma mesa vaga ao lado do balcão de madeira e lá se acomodaram. Segundo Luke, um lugar estratégico: sem grandes esforços para pegar bebida e, o mais importante, para pegar as famigeradas batatas fritas que, segundo ele, acabavam em um estalar de dedos.
- O que as madames vão beber? – o rapaz perguntou, levantando-se para pegar as bebidas para as amigas.
- Até parece que você não conhece a gente, né, seu trouxa. – a ruiva retrucou.
- Cerveja, então.
- Isso mesmo, paixão. – completou, rindo em seguida.
Aos poucos o lugar parecia estar mais cheio, porém ainda sem grandes lotações. O trio de amigos estava inspirado, tendo bebido, em menos de duas horas de festa, cinco canecões de cerveja cada. Já estavam bem alegres quando Erika insistiu em puxar Luke para dançar. , que já estava mais tonta e não queria arriscar cair no meio da festa, ficou sentada na mesa enquanto ria dos amigos dançando desajeitadamente. Acabou, então, se dispersando, olhando sem atenção pelo salão inteiro. No entanto, em questão de instantes, encontrou um par de olhos direcionados a ela.
Era óbvio que estaria na festa. Sua fama ia além de ser o conquistador do curso, tinha todos os estereótipos ligados a ele: festeiro, pegador, popular. costumava pensar que esse tipo de coisa ficaria na época de colegial, mas, pelo jeito, havia se enganado.
A garota, apesar de negar veemente enquanto estava sóbria, tinha certo interesse no rapaz. Ele era interessante, isso ela não podia negar, principalmente após a conversa que tiveram um mês antes. Também era certo de que o veterano tinha um charme próprio, mesmo que não o achasse propriamente bonito.
Em meio aos devaneios embriagados, a moça se assustou com os amigos retornando à mesa. Se perguntava se tinha encarado por muito tempo, desejando do fundo de seu coração que não tivesse parecido algum tipo de maníaca perseguidora como sempre imaginava que ficava ao tentar flertar com alguém somente pelo olhar.
- Luke, você é um péssimo dançarino. – Erika disse gargalhando enquanto se sentava ao lado da amiga.
- Calúnia! Meu docinho discorda, não é?
- Desculpa, meu anjo, mas tenho que concordar com a Erika. Você é péssimo, mas tu supera. Como dançarino você é um ótimo futuro psicólogo. – disse pegando na mão do rapaz. Antes que ele pudesse dizer algo, levantou-se – Agora, se me dão licença, vou ao banheiro. Sabem como é, pareço uma idosa com incontinência urinária quando bebo cerveja.
- Vai lá, vovó. – Lucas retrucou, recebendo o dedo médio da garota como resposta.
Dito isso, a garota seguiu em direção ao banheiro, que já havia localizado ao analisar o local mais cedo. Se concentrava ao máximo para andar em linha reta. Se amaldiçoava por ter bebido tão rápido, sabia que era fraca para bebidas, mas sempre se esquecia desse detalhe enquanto desfrutava de seus tão amados sucos de cevada.
Saindo do banheiro, deu uma olhada no espelho para garantir que estava tudo em ordem. ‘Não é por nada, não, mas hoje eu tô um mulherão’. Eram raras as vezes em que se sentia assim, então nada a deixava mais feliz do que oportunidades para se arrumar e se sentir bem consigo.
A moça ia caminhando até sua mesa quando foi interrompida por uma mão em seu ombro, fazendo-a virar para ver quem era.
- Hey!
- Oi, ! – disse enquanto cumprimentava o rapaz com um beijo no rosto.
- Não esperava te ver aqui. Faz tempo que não vai nas festas. – ‘Ele presta atenção em mim há quanto tempo pra perceber que não vou mais nas festas? A gente só se “fala” há um mês’. – Tá tudo bem?
percebeu que provavelmente tinha ficado alheia do mundo externo por mais tempo do que o normal e se amaldiçoava mentalmente por isso.
- Desculpa, a bebida me deixa um pouco lerda. – riu tentando contornar a situação, o que pareceu dar certo devido ao fato de o rapaz ter se juntado a ela na risada. Ao cessarem o riso, um silêncio se instaurou. só conseguia lembrar de Erika enchendo seu saco por causa do rapaz, deixando-a extremamente sem graça e desconfortável para conversar com ele novamente.
- Ahn... Quer ir pra lá? Aqui tá meio cheio. – o garoto se referiu à área da sinuca, onde só se encontravam poucas pessoas, apenas as que jogavam concentradas em uma das três mesas.
- Ah, claro.
Os dois foram caminhando em silêncio, lado a lado, até a mesa mais afastada. estava nervosa com a situação, mas ao mesmo tempo não queria recuar. Queria ver até que ponto isso iria. Até imaginava no que acabaria, mas queria ter certeza disso. Para ela era um pouco surreal ter alguém interessado nela, não ficara com mais ninguém após seu término e também fora seu primeiro beijo e namorado, então, além de tudo, tinha praticamente zero experiência no quesito ‘flerte’.
- E aí, como está sendo o fim do seu primeiro ano na faculdade?
- Muito bom. Surpreendente, até diria. Minha média tá ótima, conheci muita gente legal e fiz as duas melhores amizades que poderia ter feito. Acho que foi um ano bom. – disse enquanto se encostava na mesa.
- Parece ter sido ótimo mesmo. – ia aproximando seu corpo lentamente no da garota, que no momento só conseguia sentir seu coração batendo mais forte a cada passo do rapaz em sua direção. – Eu tô te deixando desconfortável?
‘Será que tá tão evidente assim meu nervosismo?’
- Não, é que... eu sou tímida. Bem tímida. – disse desviando o olhar. O rapaz deu um riso fraco.
- Desculpa, mas se tem uma coisa que você não é, essa coisa é tímida. – a moça olhou confusa para ele, como se esperasse uma explicação. – Toda vez que você me olha, me olha no fundo dos olhos. Uma pessoa tímida não faz isso.
voltou seu olhar ao do garoto, que se aproximava cada vez mais, agora de seu rosto. Em questão de segundos, os dois finalmente se beijaram. A garota sentia coisas que havia se esquecido que podia sentir. Estavam completamente imersos no momento, curtindo um ao outro.
Passaram um bom tempo da festa juntos. Entre um beijo e outro dançavam juntos, alheios das pessoas ao redor. A moça não era muito fã de demonstrações de afeto assim em público, sempre achou incômodo tanto para ela quanto para as pessoas ao redor, mas não parecia dar a mínima e, pela primeira vez, decidiu deixar-se levar pelo momento também.
Em certo momento, a garota resolveu olhar em volta e percebeu que o salão, antes com uma quantidade razoável de pessoas, se encontrava quase vazio. Só então se deu conta de todo o tempo que havia passado. Olhou no relógio do celular enquanto olhava confuso para ela. Ao acender a tela viu inúmeras mensagens de Erika e Lucas. A maioria eram os dois tirando sarro de toda a situação e outras falando que estavam indo jantar. Ótimo, agora teria que ir embora sozinha para casa.
- Droga.
- O que foi?
- Meus amigos resolveram me abandonar aqui. Vou ter que voltar sozinha pra casa.
- Não seja por isso. Eu te acompanho.
parou por um instante, um pouco receosa. Não sabia se seria uma boa ideia. Mal conhecia direito e também não queria atrapalhar a vida do rapaz.
- Olha, não precisa, não quero atrapalhar.
- Eu insisto. Vem, não é bom andar por aí sozinha agora à noite. – A garota pensou que aquele era realmente um bom ponto. Não era tão tarde e sua casa não era tão longe, mas de qualquer modo, odiava ter que andar por essa região sozinha no escuro.
- Tudo bem.
Os dois, então, saíram do bar e foram andando silenciosamente pelas ruas do bairro. estava totalmente sem graça. Não sabia como agir direito, e pareceu perceber, já que logo puxou assunto.
- Lembro que disse que se mudou pra cá esse ano. Você mora sozinha?
- Não, moro com a Erika. Quando me mudei morava em uma república, mas então eu e ela nos conhecemos e resolvemos dividir um apartamento. Ela já tinha um que é dos pais, então eu ajudo pagando as contas. Dei sorte, ainda mais sendo praticamente do lado do campus.
- Tenho uma leve inveja de você agora. Tenho que pegar o metrô lotado todo dia pra chegar lá e você mora do lado de tudo! Se um dia vocês se mudarem eu com certeza vou pedir pra Erika alugar esse apartamento pra mim. – riu.
- Sinto muito em te desapontar, mas não acredito que isso vá acontecer muito cedo.
- Ah, vale a tentativa. Pelo menos já deixo meu lugar na fila caso aconteça. – viu que estava conseguindo deixá-la relaxada e continuou. – Ei, você quer comer algo antes de eu te deixar em casa? Não sei você, mas eu tô morrendo de fome.
- Por mim pode ser. Tem um McDonald’s aqui perto, pode ser lá?
- Perfeito por mim.
A partir daí, a noite ficou mais descontraída. Conversaram, riram e se divertiram com a presença um do outro. O tempo passou rápido e quando viram, já estavam na porta do prédio de .
- Bem, é aqui. – o silêncio voltou. Quando ia abrir a boca de novo para agradecer a companhia, foi interrompida.
- Gostei muito de hoje. Será que podemos repetir?
A garota travou. Tinha gostado muito da noite e da companhia, mas se sentia extremamente insegura com a situação. Era algo novo para ela e, levando em conta seus sentimentos por , – que ainda continuavam ali, mesmo que no fundo – seria injusto meter alguém no meio de sua bagunça interna.
- ... eu tenho que ser sincera com você. Há pouco tempo saí de um relacionamento longo e não sei se estou pronta pra algo novo. Gosto da tua companhia, mas não quero acabar te usando como artifício pra superar minha antiga relação, não seria justo com você.
- Eu agradeço a sinceridade, mas não tenho pressa. Tome o tempo que precisar, estamos apenas nos conhecendo. Posso ao menos te passar meu número?
parou por um segundo. Não sabia se era uma boa ideia manter contato sem intenção de se envolver. Não se sentia pronta para outra pessoa, mesmo que não fosse algo sério. Por outro lado, gostava muito de estar e conversar com , assim como dissera ao mesmo. Por fim, chegou à conclusão:
- Que mal faria, não é?
- Esse é o espírito.
A moça deu seu celular ao rapaz para que ele colocasse seu número em seus contatos e depois colocou seu número no aparelho dele.
- Bem, é isso. Boa noite. – disse, em seguida dando um beijo na bochecha do garoto.
- Boa noite.
A moça entrou no prédio, sentindo ainda o olhar de te seguindo. Entrou no elevador e se encostou em uma das paredes deste com um sorriso no rosto. Olhando seu reflexo no espelho só conseguia pensar no quão idiota parecia ao ficar desse jeito após apenas uma noite na companhia de .
Entrou em seu apartamento e encontrou Erika sentada no sofá. A ruiva, antes entretida com a televisão, levantou-se no pulo e foi em direção à amiga que acabara de chegar.
- EU FALEI. – disse apontando o dedo enquanto fazia uma pose engraçada, o que fez abrir ainda mais o seu sorriso enquanto ria da amiga.
- TU NÃO COMEÇA A ME ENCHER, MULHER. – respondeu ainda aos risos.
- Me conta. Como foi sua noite com ? Superestimado pelas bixetes ou faz jus à sua fama? – revirou os olhos, mas acabou cedendo uma resposta.
- Só preciso dizer que foi bom e que eu me diverti muito nesse tempo que passei com ele. Não vou mais me pronunciar sobre esse assunto. Agora, se a senhorita me permite, vou tomar um banho e me jogar na cama. Boa noite, chuchu da minha horta.
- Boa noite, meu bombom. Vê se não baba sonhando com o moço.
simplesmente mostrou o dedo para a ruiva, que ria sem parar da amiga toda feliz pela noite. Talvez esse fosse o recomeço que precisava.
O tempo foi passando e, com ele, e só ficavam mais próximos. Sempre saíam juntos, porém, sem se envolverem amorosamente. Iam ao cinema, passeavam no Central Park, faziam piqueniques, se encontravam no bar. Passavam horas e horas rindo e se divertindo juntos, tanto pessoalmente quanto via mensagem. O fato de o rapaz respeitar o espaço que a garota pedira só a fez criar um carinho enorme por ele. Não pensou que ele fosse realmente ser tão paciente com toda a situação, e isso a ajudou a dar um passo importante; decidiu que talvez devesse, sim, dar uma chance ao jovem. Se sentia pronta para dar esse passo.
segurava seu celular na mão, nervosa para passar uma mensagem para o garoto dizendo que precisavam conversar pessoalmente. Entretanto, sentiu o aparelho tremer. Olhou rápido para a tela, imaginando que era, coincidentemente, uma mensagem de . No entanto, assim que viu a notificação, paralisou.
“Hey. Estou pela cidade e gostaria de te ver. Quero conversar.”
Seu coração parou por alguns milésimos de segundo. Nem em um milhão de anos estaria esperando essa mensagem de . Várias perguntas se passavam pela sua cabeça; o que ele estaria fazendo na cidade? Por que queria falar com ela? Havia meses que não trocavam uma mísera palavra desde que terminaram via uma ligação de vídeo do Skype.
A garota ficou um bom tempo olhando para a tela, lendo e relendo a mensagem na barra de notificações. Não sabia o que fazer. Agora que as coisas pareciam estar se resolvendo, elas só se complicavam. Porém, após pensar muito, finalmente respondeu.
“Claro. Quando está livre?”
Marcaram de se encontrar em uma cafeteria perto de onde estava hospedado. Antes de sair de casa pensou em não ir diversas vezes, mas decidiu que devia isso ao rapaz. Não poderia fugir de se resolver com alguém com quem tivera um relacionamento tão longo, afinal, tinha sido algo muito especial e ainda havia muito carinho envolvido entre os dois.
Ao chegar no local, avistou o ex-namorado de costas sentado em uma mesa perto da porta. Respirou fundo e foi em sua direção, dando apenas um leve toque em seu ombro que fez com que o garoto olhasse para trás e se levantasse imediatamente.
- Oi. – disse sem graça. Nenhum dos dois sabia direito como agir.
- Oi, quanto tempo! – deu cautelosamente um abraço na ex. percebeu o quanto sentira falta daquele abraço por todos esses meses em que estavam separados. – Obrigado por me encontrar. Senta!
Os dois se sentaram e ficaram em silêncio por alguns instantes. A garota esperava que o moço fosse direto ao assunto. Não aguentaria todo aquele papinho de ‘como vai sua vida?’ ou ‘está gostando da cidade?’. Porém, pareceu ler seus pensamentos. Ou talvez a conhecesse melhor do que ninguém para saber que a famosa small talk a irritava profundamente.
- Bem, eu vou direto ao assunto porque sei o quanto você odeia quando enrolam para falar o que querem, então não vou cometer esse erro com você. – a moça deu um pequeno sorriso, apoiando-se na mesa como sinal de que estava pronta para ouvir – Eu sinto sua falta, . Sei que o nosso relacionamento fica praticamente impossível comigo morando na Califórnia enquanto você mora do outro lado do país. O final do nosso namoro foi uma das piores épocas da minha vida. A gente brigava sem parar e era o que eu menos queria porque, antes de namorada, você sempre foi minha melhor amiga.
- ... – tentou interromper. Não sabia o rumo que essa conversa ia tomar, mas já tinha seu coração apertado e sentia seus olhos marejarem.
- Deixa eu acabar. – a garota assentiu – Sei que esse tempo sem nos falarmos era necessário para nós dois, mas eu não quero mais isso. Sinto falta da minha melhor amiga e gostaria de poder conversar com ela quando eu quiser. Se for ainda muito cedo para você, eu vou entender, mas espero que algum dia a gente consiga ser amigos de novo.
- Eu também sinto sua falta. Todos os dias. Você sempre foi meu melhor amigo e é um saco não poder falar contigo. Retomar nossa amizade vai ser uma das melhores coisas que poderiam acontecer. – pegou na mão do rapaz. Sabia, porém, que teria que contar sobre seu envolvimento com . Gostaria que soubesse, mas tinha medo que este achasse que ela o tinha superado rápido demais e que isso o magoasse. – Mas eu tenho que te contar uma coisa e eu não sei se você vai continuar querendo ser meu amigo depois de ouvir isso. Eu estou começando a me envolver com um cara da faculdade. Ficamos umas vezes há uns meses, mas eu ainda não estava pronta para seguir em frente do nosso relacionamento, então ele concordou que esperaria. Eu amo você, sempre vou amar. Você foi meu primeiro amor. Só que... eu sinto que tá na hora de eu seguir em frente.
- Você tá feliz?
- Pela primeira vez desde que terminamos, eu posso dizer que sim, eu estou.
- Por mais que me dê uma dorzinha no coração ao saber que você está gostando de outra pessoa, é isso que importa. Que você esteja feliz. – sentiu um peso enorme sair de suas costas. sempre fora super compreensivo com tudo, não poderia ser diferente nessa situação.
- Obrigada por isso, de verdade. – olhava para o rapaz com gratidão, apertando ainda mais sua mão. – Mas então, o que você tá fazendo aqui em Nova York?
Dessa forma, a conversa que deveria ter durado pouco tempo se tornou um papo de horas, com os dois redescobrindo uma amizade esquecida no tempo e colocando os assuntos em dia. já iria embora em dois dias, já que tinha aproveitado a viagem a trabalho do pai para ir encontrar . Combinaram que no dia seguinte a moça lhe mostraria um pouco da cidade, inclusive os lugares que geralmente frequentava.
A garota voltou pra casa com outra energia, muito mais leve do que antes. Resolver toda a situação com tinha sido a melhor coisa a acontecer e só fortaleceu a ideia que já estava em sua cabeça: ter um novo início com .
- O que aconteceu que a bonita tá toda feliz? – deu um pulo com Erika surgindo do nada.
- Ai, garota, quer me matar taca um tijolo na minha cabeça logo, misericórdia. – a ruiva riu – Então... Me encontrei com o .
- O ? – a amiga assentiu – Mas como assim? Por acaso a madame se teletransportou pra Califórnia por um dia?
Então, contou tudo para a amiga; desde a decisão que havia tomado mais cedo em relação a seguida pela mensagem de até a conversa com ele. A ruiva permanecia de boca aberta, ainda embasbacada com o fato de o rapaz ter ido a Nova York apenas para ter uma conversa decente com a amiga.
- Amiga do céu. Tudo isso hoje? – a morena assentiu. – Rapaz. Tô um pouco chocada. Mas e aí, já conversou com o ? O garoto vai ficar todo feliz que você finalmente parou de enrolar.
- Ainda não. Vou ver se ele pode me encontrar agora.
- Vai na fé.
Pegou o celular e, ao invés de passar uma mensagem, discou diretamente o número dele. Seu coração batia forte e sua respiração estava descompassada. Parecia que o telefone tocava infinitamente, sem respostas. Quando estava quase desistindo e desligando, finalmente atendeu.
- Alô?
- ? Tá fazendo alguma coisa? Preciso conversar com você.
- ? Pode falar.
- Quero que seja pessoalmente. Pode me encontrar no bar de sempre?
- Claro. Em meia hora eu chego.
Imediatamente pegou suas coisas e foi andando até o bar perto do campus, onde tinha falado com pela primeira vez. Não sabia se seria o lugar mais adequado para conversar com o rapaz sobre esse assunto, mas não tinha conseguido pensar em mais nenhum outro no nervosismo da ligação.
Sentou-se em um dos bancos do balcão assim que chegou, pedindo a cerveja de sempre a Jack, afinal, precisava de um estímulo para o momento de coragem. Tamborilava os dedos na madeira envernizada olhando incessantemente para os ponteiros do relógio próximo aos alvos de dardos na parede. O tempo parecia passar insuportavelmente devagar e toda vez que o sino da porta tocava indicando que alguém havia entrado no lugar, olhava para ver se era . Depois de vários alarmes falsos, a moça finalmente avistou o rapaz adentrando o lugar a procura dela.
- ! – chamou a atenção do garoto, que deu um sorriso assim que a viu.
- Hey! – foi em sua direção, dando um beijo em sua bochecha e sentando-se ao seu lado. – E aí, o que você precisava falar pra mim com tanta urgência e pessoalmente?
respirou fundo e se dispôs a falar o que já havia planejado e passado e repassado em sua cabeça dezenas de vezes.
- Primeiro eu queria agradecer por toda a paciência que tem tido comigo. Qualquer um teria desistido de mim ao perceber como sou uma pessoa complicada. Mas o motivo de eu ter te chamado aqui é pra falar que eu realmente quero dar uma chance ao que pode acontecer entre nós. Quer dizer, eu nem sei se você quer ter algo a mais do que isso que a gente tá tendo, óbvio que eu posso ter inventado um monte de coisa na minha cabeça, eu não me surpreenderia se eu tives...
- . – a garota parou de falar. foi lentamente aproximando seu rosto ao da moça que, no momento, parecia hipnotizada pelo olhar do rapaz. Os dois iniciaram um beijo lento, com muita ternura e carinho de ambas as parte, mas que logo foi partido pelo garoto para continuar sua fala. – Você não criou nada na sua cabeça. Eu gosto de você. – deram mais um selinho. – O que te fez tomar essa decisão? Porque confesso que não estava esperando.
- Bem... Pra ser bem sincera já estava pensando nisso há algum tempo, mas hoje me encontrei com uma pessoa que me fez decidir.
- Ah, é? E a quem eu devo agradecer, então? – olhou para baixo. Seria estranho mencionar que tinha sido seu ex?
- Na verdade isso é meio estranho, mas... foi o meu ex. – fez uma cara de interrogação. – Pois é. Ele está por aqui esses dias e pediu para me encontrar. Decidimos que voltaremos com a nossa amizade e eu conversei com ele sobre você. A única coisa me impedindo de te dar uma chance era meu medo de ser cedo demais e parecer que eu segui em frente muito rápido, mas nessa conversa ele deixou claro que o que importa é a minha felicidade. Afinal, faz quase cinco meses que terminamos. Ainda acho que é um pouco cedo para me relacionar seriamente com alguém, mas... podemos continuar indo com calma. A única diferença é que não seremos mais apenas amigos.
- E é isso que importa. Como eu disse, não tenho pressa. Você vale a espera. – disse por fim arrancando um sorriso da garota.
se olhava no espelho enquanto colocava os brincos e acabava a maquiagem. Seus pensamentos, entretanto, não estavam nem um pouco voltados ao que estava fazendo, mas sim aos acontecimentos dos últimos tempos. Três meses se passaram desde que decidira dar uma chance a , e nesse meio tempo, muita coisa mudou.
Pra começar, sua relação com havia mudado completamente; tinham se aproximado bastante e sempre conversavam. Sua amizade tinha se tornado de grande importância para a garota, apesar de não se sentir confortável para falar sobre certos assuntos com ele – tais como sua relação com o novo namorado.
Apesar de terem combinado de irem com calma, as coisas foram se desenrolando muito rápido. Tinham comemorado o primeiro mês de namoro havia uma semana. se jogou de cabeça no novo relacionamento sem nem sequer perceber, mas estava muito feliz. No entanto, o namoro estava tomando mais tempo de sua vida do que gostaria.
Como estava em uma turma razoavelmente mais avançada na universidade, tinham pouco tempo para ficarem juntos. Isso acabou fazendo com que a garota abrisse mão de algumas atividades para que conseguisse mais tempo livre para ficar com o namorado no período que ele tinha disponível. Largou as aulas de dança, o futebol e várias saídas com Lucas e Erika para ter a companhia do rapaz. Se sentia incomodada com esse fato, mas acreditava que devia se dedicar para que o namoro fosse para frente. Realmente queria que desse certo.
Essa seria a primeira vez no mês em que sairia com seus amigos, sem o namorado. Iriam a um barzinho diferente que abrira havia pouco tempo. Um grupo de amigos de Luke iria tocar ao vivo, e o garoto achou legal convidar as duas melhores amigas para se juntarem a ele. Tinha convidado também, porém o rapaz tinha que estudar para uma prova importante que teria em breve. Este, por sua vez, não gostara muito da ideia de a namorada sair sozinha com dois amigos solteiros quando ela dissera que iria mesmo sem ele, mas acabou cedendo após uma pequena discussão. não se privaria de sair só porque ele não iria junto. nunca implicara com isso e a garota achava relativamente estranho que o novo namorado se incomodasse com esse tipo de coisa.
- Vamos, mulher! Os meninos começam a tocar em meia hora e o palerma do Lucas já tá me enchendo o saco porque não chegamos ainda.
- Já tô pronta. – disse aparecendo na sala enquanto acabava de guardar as coisas na pequena bolsa preta que tinha pego em seu armário especialmente para a ocasião.
- Meu Deus, garota, vou ter que aprender a falar grego pra me comunicar agora com essa deusa que tá na minha frente. – A amiga riu sem graça, olhando para a própria roupa. Vestia um body de tule preto transparente de manga longa com um top rendado por baixo, uma calça jeans cintura alta azul-clara e um scarpin preto.
- Olha quem fala, a própria rainha da beleza. Mas, pra ser bem sincera, já tô começando a me arrepender de ter colocado esse salto. – geralmente optava pelo conforto do tênis, mas vez ou outra gostava de usar um salto. – Bom, vamos? Daqui a pouco dá um treco no garoto esperando a gente.
Desceram e esperaram o Uber que chamaram em frente ao prédio, que não demorou a chegar. Assim que entraram no carro, sentiu seu celular tremer. Sorriu ao ver o nome de na tela.
“Entediado com os estudos aqui. Queria ir com você :(“
“Se concentra aí, bobão. Pode deixar que me divirto por mim e por você! Mas vou sentir sua falta.”
Guardou o celular, ainda sorrindo. Tinha decidido que essa noite seria focada em seus amigos, portanto, nada de ficar no celular com o namorado. Fora que se fizesse isso, Erika cometeria um assassinato no qual a vítima seria a morena.
Chegando lá, Luke já as esperava em frente ao local. Pelo o que tinha dito, o lugar lotava e tinha lista de espera devido ao fato de ser novo e ter essa proposta de música ao vivo. Dessa forma, como estavam atrasadas e o amigo conhecia o pessoal da banda que tocaria, elas entrariam como staff.
- Finalmente. As madames foram costurar as roupas que estão usando? – as amigas reviraram os olhos. – Vamos, já vai começar.
Os três passaram pelo segurança, que liberou a entrada delas facilmente ao ver que estavam com Lucas, e as duas foram sendo guiadas pelo amigo até chegarem à uma mesa ao lado do pequeno palco.
As luzes amareladas e razoavelmente fracas deixavam o local com um ambiente gostoso. As conversas paralelas tomavam conta do som ambiente, tendo em vista que todas as pequenas mesas redondas distribuídas ao longo do grande espaço do bar estavam ocupadas.
- E aí, famoso suco de cevada?
- Com certeza. – Erika e Lucas responderam.
Chamaram o garçom, que logo menos levou as três cervejas aos amigos. Em questão de poucos minutos a banda começou a tocar. Logo no início, já reconheceu uma de suas músicas favoritas. A melodia de Follow You, do Bring Me The Horizon, fluía nos ouvidos da garota como poesia, e esta cantava mentalmente a letra que sabia tão bem. A vibe do resto das músicas escolhidas pra setlist não mudou muito, agradando a todos, aparentemente. No entanto, quando Sex começou a tocar, o álcool falou mais alto e levou Erika e a levantarem da mesa para que conseguissem dançar ao som de The 1975.
A garota se divertiu como não se divertia há tempos. Sentia muita falta desse tempo com os amigos. Eles reclamavam um pouco de seu sumiço, mas no fim diziam que entendiam a situação, apesar de saber que esse afastamento os chateava no fundo.
Ao final da noite, os três foram para o apartamento de Erika e totalmente alcoolizados. Luke ficaria por lá pois não tinha condições nem de pegar um táxi sozinho.
Antes de cair na cama, resolveu checar o celular, que ficara guardado a noite inteira, assim como havia prometido. Ao desbloquear a tela, se deparou com inúmeras mensagens e ligações de . Como não estava em condições de ler e responder cada uma delas e muito menos de completar uma ligação, apenas mandou um “amanhã te ligo” e deixou o aparelho de lado, caindo no sono em seguida.
No dia seguinte, acordou exatamente do mesmo jeito em que havia dormido, mas com a maquiagem totalmente borrada. Foi ao banheiro tomar uma ducha. A ressaca estava péssima, apesar de ter melhorado após o banho. Escovou os dentes tranquilamente e, em seguida, saiu do banheiro, usando um shorts de moletom e uma blusa de manga comprida. Se deparou com Lucas completamente desmaiado no sofá. Percebeu que Erika também provavelmente ainda estava dormindo. Voltou ao seu quarto e deitou na cama, ligando a TV. Pela primeira vez no dia pegou seu celular e, só então, lembrou de todas as mensagens que deixara na noite anterior.
- Droga.
Imediatamente abriu sua conversa com o rapaz e foi ler os recados. Os primeiros eram todos perguntando como estava a noite; no entanto, ao ler as mais recentes, parecia que o namorado havia se irritado com o sumiço da moça. suspirou e resolveu ligar para ele.
O telefone chamava, chamava, mas não era atendido. Tentou duas, três, quatro vezes. Nenhuma foi respondida. Olhou no relógio pensando na possibilidade de que o garoto pudesse estar dormindo ainda, mas a descartou automaticamente quando viu que já se passava do meio-dia.
- Eu não acredito nisso.
Será que estava tão bravo a ponto de não querer atender nem o telefone? não sabia nem o que pensar. Porém, decidiu ir até o apartamento do garoto. Ele podia não querer vê-la, mas ela não podia deixar essa situação ficar desse jeito.
Se trocou rapidamente, deixou um bilhete para os amigos e saiu apressada de casa. Em poucos instantes já estava dentro do metrô, que felizmente não estava movimentado. A garota já estava nervosa o suficiente para enfrentar o transporte público cheio, agradeceu aos céus pela colaboração do universo.
Cerca de meia hora depois, estava na portaria do prédio de seu namorado. Tocou o interfone, esperando por alguns instantes até obter alguma resposta.
“Pronto?”
- , sou eu.
“Resolveu lembrar de mim agora?”
A garota revirou os olhos com o tom de deboche do rapaz. Não conhecia esse lado dele ainda, mas não estava gostando nem um pouco.
- Para de drama, vai, me deixa subir pra gente conversar.
parou de responder. ficou alguns instantes parada no mesmo lugar, esperando para ver se seria liberada ou não para subir. Quando já estava quase virando para ir embora, ouviu o barulho da porta sendo destravada. Adentrou o saguão e foi logo em direção ao elevador. Apertou o botão do sétimo andar e, conforme ia subindo, ia se preparando mentalmente para uma quase certa discussão.
Assim que a porta do elevador abriu, se deparou com já a sua espera na porta do apartamento. Quando a viu, se virou de costas e entrou no lugar sem falar uma palavra sequer, sendo seguido pela namorada.
- Vai continuar sendo infantil mesmo? – afrontou.
- Infantil? Você que passa a noite inteira ignorando minhas mensagens e ligações e EU que sou o infantil?
- Você queria o quê? Que eu passasse a noite toda contigo no telefone? Eu saí com os meus amigos, queria aproveitar a presença deles, já que agora eu mal tenho tempo pra isso.
- Eu fiquei preocupado com você. – já alterava um pouco mais o tom de sua voz. – Chegou um momento em que pensei que podia estar se divertindo mesmo é com outro cara, já que pela sua mensagem você parecia querer se divertir sem mim. – A garota o olhou perplexa.
- O que você disse não faz o menor sentido. Eu disse que ia me divertir e foi só. E tu realmente não confia em mim para me deixar ir curtir com os meus amigos sem achar que eu te traí? Olha, se você tem essa imagem minha, eu realmente não sei o que a gente tá fazendo junto.
- Então talvez seja melhor você ir embora mesmo. Volta correndo pro seu amigo. – A garota, que já estava encostando na maçaneta da porta para sair, se virou de olhos arregalados. Não podia acreditar no que acabara de ouvir.
- Então é disso que se trata? Você tem ciúmes de mim com o Luke? Um dos meus melhores amigos? – riu em tom de deboche. – Eu não acredito nisso.
- Como não ter, ? Vocês se chamam de apelidos como ‘meu mel’ ou ‘meu bombonzinho’. Vivem agarrados na faculdade. Você acha que eu não vejo? Não me surpreenderia se você tivesse um caso secreto com ele.
Nesse momento, a garota começou a gargalhar ironicamente, tentando achar palavras para responder a acusação ridícula do namorado.
- Olha, depois dessa eu realmente acho que devo ir embora. Não tô com cabeça pra ouvir asneira.
Abriu a porta e saiu em disparada na escada. Não queria ter que esperar o elevador chegar ao andar. Lágrimas de raiva embaçavam sua vista enquanto tentava não cair nos degraus. Logo chegou ao hall e saiu do prédio, pegando o celular e ligando para Erika, na esperança de se acalmar e não cometer um assassinato na volta para casa. Assim que a ruiva atendeu, nem deu tempo para que a amiga falasse, despejando o que tinha acontecido em seguida.
- Eu acho que não tenho mais namorado.
- É o quê?
- Tive uma briga horrível com o agora. Ele acha que eu traio ele com o Luke. Que tipo de ciúmes doentio é esse? Isso é um absurdo, como ele pode achar que eu sou o tipo de pessoa que faz essas coisas?
- Calma, amiga. Respira fundo e vem pra casa, aí a gente conversa melhor.
- Não, não quero mais falar sobre isso hoje.
- Tá, tudo bem. Mas vem pra cá, a gente faz alguma coisa pra se distrair.
- Ok, tô no metrô já.
As duas desligaram e tentou controlar as lágrimas que insistiam em cair. Se sentiu completamente ofendida pelas palavras de . Ainda não conseguia acreditar nas coisas que ouvira saindo da boca do próprio namorado. Não parecia a mesma pessoa que conhecia e gostava.
Assim que chegou em casa, Erika a recebeu com um abraço, deixando a amiga chorar tudo o que precisava. Quando esta se acalmou, foram para o sofá da sala, onde a ruiva já tinha deixado tudo preparado: pipoca, chocolate, um cobertor e o DVD de Monte Carlo pronto para dar play. agradecia mentalmente por ter ela como amiga. Nenhuma palavra tinha sido trocada entre elas. Luke já tinha ido embora antes da chegada da garota, pois sabia que com toda essa situação ela precisava apenas da companhia da melhor amiga.
O dia passou extremamente rápido. A sessão de filmes planejada às pressas por Erika parecia ter funcionado muito bem para distrair a amiga, tendo em vista o fato de que a morena já estava com outro semblante, bem mais alegre do que o de antes. Já estava de noite quando resolveram que pediriam a pizza preferida das duas: brócolis com bacon. Pouco mais de quarenta minutos depois de fazerem o pedido, a campainha tocou.
- Que estranho, ninguém interfonou. – foi pegando o dinheiro já separado, abrindo a porta em seguida. Porém, para sua surpresa, não era a pizza.
- Posso entrar? – perguntou com um tom de voz baixo, quase inaudível. Mantinha sua cabeça um pouco baixa, como se estivesse envergonhado.
O interfone tocou, sendo atendido por Erika. A ruiva apareceu atrás da amiga em seguida.
- Bom, eu vou descer para pegar a pizza e dar um pouco de privacidade para vocês. – disse pegando o dinheiro da mão de e passando pelo rapaz, que ainda se encontrava do lado de fora do apartamento. Porém, antes de abrir a porta do elevador, a garota se virou para a amiga do lado de dentro piscando, como um sinal para dizer que, qualquer coisa, era só gritar.
- Você veio fazer o que aqui, me insultar mais só que dessa vez dentro da minha casa? Se for pra isso nem se dê ao trabalho e pode virar as costas.
- – pegou na mão da garota, que já estava pronta para fechar a porta. – Me perdoa pelo o que eu disse. Fui um completo babaca e não deveria ter falado aquelas coisas. Quando eu tô de cabeça quente não penso direito no que eu digo, deixei o ciúmes me consumir.
- Me magoa você não confiar em mim pra passar uma noite fora com meus amigos sem a sua presença. Que tipo de pessoa você pensa que eu sou?
- Me desculpa. É que quando você não respondeu minhas mensagens e nem atendeu minhas ligações, deixei minhas inseguranças tomarem conta de mim. Tenho diversos traumas de relacionamentos passados que não me deixam confiar completamente nas pessoas e eu sinto muito por isso. Vou tentar me controlar mais. Prometo que não vai acontecer de novo.
O garoto tinha seus olhos marejados e parecia estar realmente arrependido. , porém, estava com um pé atrás. Se ele tinha surtado por algo tão bobo como isso agora, logo no início do namoro, o que poderia acontecer no futuro? Por outro lado, seu coração estava apertado vendo naquele estado. Pensou no que ele tinha falado sobre seus traumas e chegou à conclusão de que poderia ser compreensiva por isso, afinal, essa parte não era culpa dele.
- Promete mesmo? – o garoto assentiu. – Tudo bem. Mas hoje eu prefiro ficar sozinha com a Erika, você se importa? Preciso de um tempo pra me acalmar e digerir essa história por completo.
- Podemos sair amanhã? – a garota assentiu. – Te mando mensagem depois, então. Boa noite. – deu um selinho na namorada, que deu um mínimo sorriso e continuou na porta até o rapaz desaparecer entrando no mesmo elevador em que Erika saía.
As duas entraram no apartamento em silêncio, indo para a cozinha e pegando os pratos para a pizza. A ruiva sabia que se quisesse falar sobre o assunto, ela que começaria o mesmo.
- Ele veio se desculpar. – soltou quebrando o silêncio. – Disse que se deixou levar pelo ciúmes e pelos traumas que ele sofreu em relações passadas e prometeu que não vai mais ter surtos como esse.
- E como você tá se sentindo?
- Eu resolvi dar uma chance a ele. Não sei se foi o certo a se fazer, afinal, se isso já aconteceu com um mês de namoro, imagina nos próximos. Mas, sei lá... Acho que vale a pena tentar mais uma vez. Eu gosto dele, ele gosta de mim. Desistir assim tão fácil parece errado.
- Como sua amiga, eu apoio sua decisão. Só quero dizer pra você tomar cuidado com esse tipo de atitude dele. No futuro pode tomar proporções maiores. Ciúmes desse tipo não é algo saudável.
- Eu sei, bonita. Fica tranquila. Obrigada pelo apoio. – apertou a mão da amiga que estava em cima da mesa. – Mas eu fiquei pensando, também teria ficado um pouco insegura se a situação fosse ao contrário. Acho que vou conversar com o Lucas para pararmos com os apelidos. Você acha que ele vai ficar chateado?
- O Luke é seu amigo e só quer o seu bem. Tenho certeza de que ele vai entender.
As duas acabaram de comer a pizza e de assistir o filme. Decidiram, então, dormir. Ambas ainda estavam cansadas da noite anterior e por causa de toda a emoção do dia. Deitada na cama, só conseguia pensar na promessa do garoto. Ela realmente esperava que cumprisse com suas palavras.
Algum tempo se passou, mas as coisas não mudaram exatamente. As brigas por ciúmes eram constantes. Tudo era motivo para crises: desde as amizades de até coisas completamente idiotas, como uma suposta troca de olhares que apenas o rapaz enxergava. Porém, sempre acabava se desculpando quando a garota tentava terminar. Levava flores, chocolates, fazia declarações, e uma coisa era certa: sempre fazia uso de chantagens emocionais para que a namorada o perdoasse. Seus “traumas” sempre eram os culpados por sua personalidade, fossem eles traumas amorosos, familiares ou até mesmo de amizade.
A cada dia que passava, parecia mais distante de tudo e de todos. Inicialmente, tinha pedido para que se afastasse pelo menos de , o que, na visão da garota, era compreensível, tendo em vista o fato de que era seu ex. Porém, quando viu, já tinha cortado relações com praticamente todos os seus amigos, o que incluía Luke, as meninas do coletivo feminista – do qual também tinha aberto mão de fazer parte para passar mais tempo com o namorado – e outros colegas da faculdade. A única que ainda não tinha se afastado completamente era Erika, já que moravam juntas. Esta, por sua vez, não poderia estar mais preocupada com a amiga.
A ruiva conseguia perceber nitidamente a mudança no comportamento de : ficava em casa e, quando saía, era para ir à aula ou para sair com ; tinha emagrecido e seu semblante era triste quase todos os dias, apesar de sempre afirmar que estava bem. E, além de tudo, era possível escutar a amiga chorando quase todas as noite antes de dormir. Porém, em uma dessas noites ao ouvir chorando, decidiu que não poderia mais ficar parada assistindo sua companheira de apartamento destruir a própria vida para manter um relacionamento que claramente não era nem um pouco saudável.
Bateu na porta do quarto da morena, não esperando resposta antes de abri-la. Ao entrar no cômodo, viu o rosto vermelho de choro da garota deitada na cama, que olhava assustada para ela. Foi andando lentamente até a cama, sentando-se nela em seguida.
- . A gente precisa conversar. – não obteve respostas. A ruiva respirou fundo e continuou – Não dá mais pra te ver assim e não fazer nada. Você tá acabando com a sua vida e precisa de ajuda pra sair dessa situação. Tu entende que esse relacionamento não é saudável?
- Eu não aguento mais, amiga. – respondeu entre soluços, finalmente se pronunciando. – Toda vez que tento sair dessa situação eu não consigo. Penso no cara que conheci meses atrás e fico na esperança de encontrar ele em algum lugar dentro desse de agora. Quando a gente briga, ele volta a ser aquele garoto que me fazia rir, que era gentil e compreensivo, mas, depois de um tempo, ele desaparece de novo e dá espaço pra esse que é explosivo, ciumento e controlador.
- Bonita, você tem que entender uma coisa: o “príncipe dos sonhos” só aparece quando convém. É a forma que ele encontrou de não te deixar ir embora. Ele pode até ser assim de verdade fora dos relacionamentos, com os amigos e família, mas não quando se trata do namoro.
- Eu sei disso, mas não sei se seria o suficiente para outra pessoa. Ele mesmo já deixou claro que não sou fácil de lidar e que só ele tem paciência para ficar comigo. Óbvio que ele retirou o que disse depois, mas...
- Para. Eu já disse: isso é medo de te perder. Ele sabe a mulher maravilhosa que tu é e diz essas coisas pra você parar de acreditar em si mesma.
- O problema é que ele tá certo. Eu só tenho a ele agora. Eu me afastei de todo mundo que gosto pra ficar com ele.
- Mas essas pessoas ainda estão aqui por você! Elas se importam e se preocupam contigo. Você não perdeu ninguém, . E, se depender de mim, nunca vai estar sozinha. Agora, você precisa acabar com esse relacionamento de uma vez por todas, antes que ele acabe de vez com você. – a moça assentiu em silêncio. – Lembra daquela reunião do coletivo de uns meses atrás, do dia que você conversou com o pela primeira vez? Lembra do que aquela menina falou? Isso é um relacionamento abusivo. É difícil sair dele, mas é possível. E você tem todo o suporte para passar por cima dessa situação.
A morena abraçou a amiga de um jeito que não fazia havia tempos. Sentia-se muito mais leve sabendo que não estava completamente sozinha. Talvez, se fosse forte o suficiente, conseguisse acabar com o relacionamento que estava acabando com ela própria.
- Obrigada por isso, Erika. Promete que não vai me abandonar?
- Jamais abandonaria minha melhor amiga. Eu amo você, coisinha.
- Eu também te amo. – recebeu um beijo da ruiva na testa. – Dorme comigo hoje?
- Mas é claro, bonita. Como recusar uma proposta dessas? – as duas riram. – Vai dar tudo certo, te garanto.
E então, pela primeira vez em meses, sentia que tudo ia ficar bem.
O dia estava ensolarado. Há tempos não fazia um dia bonito como aquele, e aquilo só poderia ser um bom sinal. olhava para as árvores do Central Park, todas verdes devido à época do ano, enquanto sentia uma leve brisa bater em seu rosto. Lembrava de sua conversa com Erika no dia anterior e na que tiveram assim que acordaram. Tinha decidido que encontraria sozinha. Era algo que precisava fazer por conta própria. Sabia que a amiga estaria lá quando ela voltasse para recebê-la de braços abertos.
Avistou de longe. Ele usava uma calça jeans com uma camiseta estampada com os heróis da DC. Isso fez com que a moça retornasse internamente à primeira conversa dos dois. Sorriu com ternura, relembrando o quanto aquela conversa fizera bem a ela naquele dia. Começou a pensar em como as coisas haviam mudado – e não para melhor. Fechou os olhos e respirou fundo, juntando todas as suas forças e energias que usaria para a conversa que teria a seguir. Por mais que tudo aquilo fosse extremamente tóxico para ela, o apego era enorme e tudo fora muito importante para ela. Afinal, tiveram momentos bons, mesmo que fossem minoria. Isso tornava tudo muito, mas muito, difícil.
Sem dizer nada, o rapaz sentou-se ao seu lado no banco. No fundo sabia o que viria a seguir e, honestamente, dessa vez tinha a consciência de que aquilo provavelmente seria definitivo só pelo olhar na namorada ao avistá-lo.
Os dois ficaram em silêncio por um bom tempo, como se aproveitassem aquele momento raro de paz que não tinham há muito tempo na companhia um do outro. Por fim, começou a falar, mantendo a calma na voz.
- Depois de toda discussão nossa, fica na minha memória todas as coisas que você fala. Por menores que sejam, parecem facas penetrando na minha mente. Fico pensando em todas as palavras ruins que você profere e que me ferem de um modo que você não faz ideia. Nunca digo o que penso, mas agora não dá mais pra segurar nada. – Nesse momento, a garota já tinha inúmeras lágrimas rolando por seu rosto, falando com uma voz trêmula. – Você me destruiu, . Eu não me reconheço mais. Eu tentei manter esse relacionamento o máximo que pude, porque eu te amo. Só que esse amor é tóxico. Entre todas essas idas e vindas, depois de todas as crueldades que você me falava, eu sempre te aceitava de volta. Mas toda vez que eu faço isso, você só me traz mais dor. Você sempre tinha todas as desculpas do mundo, mas não posso mais me prestar a esse papel. – Pela primeira vez na conversa, olhou para , que tinha seus olhos vermelhos como se estivesse segurando seu choro. Respirou fundo e juntou o resto da força que tinha para acabar com aquilo tudo. – Então só ande para longe até que eu não possa mais te ver. Vire seu rosto, vá embora e fique longe, porque eu não preciso disso na minha vida. Não mais.
ficou calado, encarando o chão. Ameaçou falar algo, mas desistiu em seguida. Sabia que não existiam palavras o suficiente que compensassem o mal que fizera à garota, mesmo que de forma automática e muitas vezes sem ter plena consciência disso. Então, ainda em silêncio, levantou-se. Ficou um tempo parado, em pé, até que finalmente arranjou coragem para dizer algo, apenas uma palavra. A palavra que sempre dizia em todas as vezes em que se reconciliavam e que parecia sair automaticamente de sua voz, mas não dessa vez. Dessa vez, havia sinceridade.
- Perdão. – disse dando um beijo na testa da garota, surpreendendo-a.
Dito isso, foi embora, como se seguisse à risca as palavras da garota. A partir desse momento, uma paz interior atingiu de uma forma inexplicável. Sentia-se leve como uma pena. Era como se tivesse saído da caverna do mito de Platão, chegando à clareza de suas ideias. Mas, além de tudo, olhando todo aquele ambiente e sentindo os cabelos voarem com o vento fraco, sentia uma coisa mais forte do que tudo: liberdade.
Fim.
Nota da autora: Hey, bonitas! Espero que tenham gostado. Escrever sobre esse tema com essa música foi uma das coisas mais complexas que já tive que fazer. Poderia ter escolhido um tema menos pesado, mas que teria sido completamente clichê. Escolhi falar sobre relacionamento abusivo porque em muitos lugares eles são retratados como relacionamentos normais e até mesmo como se fossem algum tipo de “goal”, o que é extremamente absurdo. Pesquisei muito o assunto para escrever sobre, inclusive fui a uma palestra com uma psicóloga que trabalha atendendo apenas mulheres que sofrem ou que já sofreram com esse tipo de relação. Portanto, com esse final, queria passar o recado que é: se você tá passando por isso, você não tá sozinha e você consegue, sim, sair dessa. É uma merda, é difícil, mas é possível. Procure ajuda, você não merece estar com uma pessoa que nada te acrescenta. Você vale a pena.
Bem, é isso. Comentem o que acharam e obrigada a quem leu até aqui. Até a próxima, quem sabe!
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Bem, é isso. Comentem o que acharam e obrigada a quem leu até aqui. Até a próxima, quem sabe!