Capítulo Único
POV
Finalmente o último ano na Bibury College, o internato mais famoso da região, estava começando. Ironicamente tudo o que eu mais queria era que chegasse logo ao fim, quando eu finalmente poderia ser livre. Ou assim eu gostava de pensar, uma vez que meus pais tinham toda uma trajetória de vida traçada para mim desde que eu nasci. Talvez antes até.
Me formar no Bibury College com notas excelentes, ser aceito na faculdade de direito de Oxford, me tornar membro da poderosa empresa da família e quem sabe um dia assumi-la. Era o planejamento de uma vida profissional perfeita, só tinha um problema. Não me atraía em absolutamente nada!
Não que o internato fosse ruim, depois de seis anos lá eu já estava mais que acostumado com todas as regras e funcionamento, além disso era aluno modelo como meus pais queriam o que rendia minha liberdade pelo vilarejo nos finais de semana. Mas eu sentia que faltava alguma coisa, faltava sentir alguma coisa.
Eu não me considerava antissocial, mas também não fazia questão de socializar. Ao longo de todos esses anos eu tive dois amigos e uma namorada, foram as pessoas mais próximas a mim. Quando se tem uma família como a minha é preciso ser esperto, a quantidade de pessoas interesseiras que tentam se aproximar é incrível, foi ainda pior quando meu pai decidiu se aventurar pela política.
Ryan foi meu primeiro amigo, logo que entrei no internato, ele já era um aluno de lá. Meu irmão era um aluno e poderia ter sido um apoio, mas os quatro anos de diferença entre nós fez com que ele nem quisesse ser associado a mim. Dois anos depois Dean e sua irmã Danielle foram transferidos e na primeira semana fizemos um trabalho em grupo para a aula de história, com a convivência nos tornamos todos amigos.
Um ano depois eu e Danielle começamos a namorar, no entanto, um ano e meio depois ela e Dean se mudaram por causa do trabalho dos pais e acabamos perdendo o contato. E no final do ano passado Ryan foi aprovado para um estágio em administração e acabou se mudando para um outro colégio em Oxford, de meio período apenas. Era o último ano e conhecendo as pessoas eu realmente não fazia questão de aprofundar meu relacionamento com nenhum deles.
Como qualquer outra escola, o internato tinha os grupinhos muito bem divididos e eu não em encaixava em nenhum deles, e honestamente, não fazia questão. Embora o esporte não tivesse um peso muito grande na nossa grade, era disponibilizado e então tinha o grupo dos atletas. Bem parecido com esse em comportamento tinham os populares, composto de pessoas vindas de famílias bem ricas e que não precisavam se preocupar com absolutamente nada na vida. Eu me encaixaria nesse perfil, se não fizesse questão de um cérebro e gostasse de festas e de ser o centro das atenções. Meu irmão tinha sido parte desse grupo e a popularidade até que caía bem nele.
O último grupo era o dos nerds e bem, eu realmente me encaixaria nesse, se não fosse por dois motivos: eu não tinha paciência para puxar saco de professores e Maya. Maya era aluna do internato há apenas 2 anos, mas já tinha sido o suficiente para me tirar do sério mais de uma vez, o que eu nunca iria entender. Nós já chegamos a trabalhar juntos num projeto de química que tinha sido o melhor da turma e do nada, depois das férias de julho ela voltou me odiando, me considerando o inimigo mortal dela e tudo que se importa é em tirar notas maiores que as minhas para ser a melhor aluna do ano.
Acontece que eu era inteligente e tinha me acostumado a estudar bastante ao longo da vida, tirar notas altas fazia parte de quem eu era, mesmo assim nunca fiz questão de ser o número um da turma. Ela parecia considerar tudo que eu fazia uma ameaça à vida acadêmica dela e eu não podia me importar menos. Na verdade eu era uma pessoa que se importava demais, com tudo, sempre. Mas toda regra tem exceção e Maya era uma delas.
Um mês e meio tinha se passado desde que o ano letivo começou e como sempre alguns alunos tinham saído e outros entrado. A rotatividade em internatos era uma coisa comum, alguns saíam por não aguentar as regras e a pressão, outros eram expulsos por não cumprir com as obrigações, e a menor parte eram aqueles que simplesmente se mudavam. O que não era comum era isso acontecer depois das duas semanas de aula, mas pelo nível das fofocas pelos corredores, Bibury estava prestes a receber um aluno com uma reputação e tanto: Van Sueesen.
Segundo fontes nada confiáveis ele havia sido expulso de um internato na Holanda por estar metido numa briga grande com outros alunos, incluindo o irmão gêmeo dele. Todos os envolvidos haviam sido expulsos e os pais deles mandaram o irmão para a França e ele estava a caminho da Inglaterra. Além da fama de não se importar muito com nada, muito menos com regras, ainda diziam que ele era lindo e irresistível ao ponto de ter pessoas implorando para ficar com ele. Eu não acreditei nos boatos, mas se fossem verdade ele realmente seria notado ali. Não tinha ninguém assim em toda a história do internato.
Claro que o mesmo chegou aos ouvidos dos jogadores que se achavam a última coca-cola do deserto e agora eles faziam apostas entre eles sobre o que aconteceria primeiro, ser expulso ou pedir para sair. Ele nem tinha chegado e eu já sentia que o ano não seria nada calmo.
No dia seguinte, no meio do segundo período, o novato enfim apareceu. De óculos escuros e sem uniforme, parecendo um turista que chegava a um hotel. Os cochichos começaram quase que instantaneamente. Alguns rolaram os olhos, algumas meninas suspiraram e eu segurei um riso juntamente com outras pessoas. Aquele menino parecia ter “encrenca” tatuado na testa, talvez o ano letivo não fosse ser tão chato afinal.
- Você deve ser o . - o professor Harrison falou sem muita emoção na voz, claramente contrariado por ter sido interrompido no meio de sua explicação sobre ligações covalentes. - Sou sim. - ele respondeu numa animação que nenhum de nós sentia. - Seja bem-vindo... - ele continuou num tom monótono. - Se puder se sentar rápido, eu gostaria de terminar minha aula. deu de ombros e mais alguns risos foram ouvidos. Ele se sentou numa cadeira vaga no fundo da sala, apoiou os braços na mesa e a cabeça nos mesmos. - Aposto cinco que ele vai ganhar uma advertência até o final da aula. - pude ouvir um dos garotos dizer. - Aposto o dobro. - outro respondeu e eu rolei os olhos. - Senhor, Sueesen. - o professor chamou alto e ele levantou a cabeça e deu um sorriso sem mostrar os dentes. - Se não tinha intenção de assistir à aula, não deveria ter entrado em sala de aula. O professor Harrison era conhecido pelos enormes sermões sobre ser ético, os deveres e direitos do aluno e coisas do tipo. - Me desculpe, é o fuso horário. - ele deu de ombros como se não tivesse algo que pudesse ser feito sobre isso e Harrison voltou-se para a explicação. Eu costumava almoçar mais no final do intervalo, pois a maioria dos alunos já estava na área externa e eu não era obrigado a socializar com ninguém. - Me diga que esse garoto novo também te incomodou. - levei um susto ao ver Maya ao meu lado. - Acho que não. - dei de ombros e continuei comendo. Para Maya ter decidido falar comigo imaginei que as amigas dela não concordavam com ela. - Não acho que ele vá concorrer com você para ser o melhor aluno da sala. - Não mesmo, ele nem tem notas boas, eu chequei. - continuei mastigando e tentando entender a atitude de Maya. - Mas escute o que eu digo, ele atrai confusão. - saiu da mesa na mesma educação com que havia se sentado. - Louca... - murmurei notando que vários alunos da nossa turma o cercavam no pátio. Ele era uma celebridade em questão de três horas.
Os dias se passaram e o novato continuava sendo a sensação do Bibury. Se deveríamos montar duplas em alguma aula ele era disputado, em qualquer horário livre ele estava cercado de pessoas e até os atletas que tinham apostado sobre ele tentavam convencê-lo a se juntar a algum time. Eu não conseguia entender aquilo, ele era só um cara normal. Muito bonito, eu admito. Mas ainda sim, um cara normal.
Não me atreveria a dizer que eu era o único que não tinha trocado palavras com ele, já que os nerds do clube de xadrez pareciam pensar o mesmo que eu. Mesmo assim, vez ou outra meu olhar parava nele, por algum motivo que nem eu mesmo reconhecia. Vez ou outra quando eu o olhava, percebia que ele estava me encarando, mas diferente de mim que desviava o olhar, ele o sustentava.
Essa sensação de ser observado passou a ser mais frequente e comecei a achar que estava paranóico, nossas camas nem mesmo eram perto no dormitório e deitado com olhos fechados a sensação estava lá novamente. Abri meus olhos realmente incomodado e então o notei de pé, escorado no beliche do lado, com os braços cruzados e me encarando. Me sentei rapidamente, mas não tomei iniciativa de puxar assunto.
- Acho que você é a única pessoa que eu ainda não sei o nome. - ele comentou. - Talvez você seja o mais normal por aqui. - esboçou um sorriso e me mantive sério.
- Você esteve bem ocupado. - dei de ombros. - Sou . - estendi minha mão para cumprimentá-lo. - Baker.
- . van Sueesen. - ele retribuiu o aperto de mão. - Mas acho que você já sabia. - concordei com a cabeça.
- Sua fama chegou antes de você, meio impossível não saber.
- Queria saber como isso aconteceu, já ouvi cada coisa… - ele fechou os olhos e pela expressão em seu rosto ele havia se perdido em pensamentos. Acabei não segurando um riso e isso o trouxe de volta à realidade. - Seremos colegas de cama. - disse e levantou as sobrancelhas de forma sugestiva.
- Como é? - fiz uma careta e a gargalhada dele foi imediata.
- Cara, você realmente leva tudo a sério né? - ele balançou a cabeça e eu agradeci mentalmente pelos outros alunos ainda não terem retornado do jantar. - Troquei de beliche com o James. Vou dormir em cima de você agora. - soltou outra piadinha com duplo sentido e desviei o olhar, pois fiquei sem graça. - Foi mal, sai sem eu perceber.
- Por que trocou com o James? - mudei de assunto. Não que eu realmente me importasse, James roncava bastante.
- Tayler conversa dormindo e você parece ser uma pessoa mais legal de se dividir o beliche. - ele deu de ombros. - Vai descer para o jantar? - neguei com a cabeça.
deu as costas e saiu do dormitório. Isso não era o que eu esperava dele.
POV
Eu não me importava em mudar de escola, isso já tinha acontecido umas três vezes, todas por mau comportamento, do Maurice é claro. Ele não conseguia ficar fora de brigas e eu não conseguia não me preocupar com ele, o resultado era a mudança não só de escola, mas dessa vez de país. E também meu olho roxo, que não sei nem de onde veio.
Nós dois tínhamos uma relativa fama em Amsterdã, não só por brigas, mas por causar em festas e outras coisas do tipo. Porém, ao chegar em Bibury e saber que já sabiam sobre mim antes de eu chegar era muito estranho. Estranho, mas divertido, eu me sentia uma celebridade com tanta gente querendo se aproximar. Os caras dos times tentando me convencer a fazer algum esporte eram os mais engraçados, sem dúvidas. Ser disputado para os trabalhos em dupla também. Mas entre me juntar a algum time ou pegar alguém, eu preferia pegar alguém, ainda mais quando tantas meninas pareciam estar interessadas.
Fiquei com duas delas na primeira semana, se elas continuassem aparecendo assim talvez até o final do ano eu tivesse ficado com todas. Incrivelmente não me meti em nenhuma confusão, o que confirmava minha teoria de que o Maurice era quem me levava para os problemas. Com duas semanas de aula, praticamente todos da sala já tinham falado comigo, com exceção dos nerds do xadrez que me olhavam parecendo que eu era o próprio diabo, três meninas que faltavam lamber o chão onde os professores passavam e um garoto que parecia nerd, mas não andava com os nerds.
Descobri que se chamava e o fato de ele não mostrar interesse nenhum para praticamente nada me deixou curioso para saber mais sobre ele. Passei a prestar mais atenção nele durante as aulas e cada vez mais minha ideia sobre ele ser certinho se confirmava, ainda assim, o fato de ele não andar com os outros desse tipo me mostrava que ele não era um daqueles babacas que me julgavam sem nem mesmo me conhecer. Consegui convencer o cara que dividia o beliche com ele, James, a trocar comigo. Em troca eu só teria que ajudá-lo a organizar uma corrida clandestina, não era grande coisa assim, afinal eu tinha permissão para sair.
Eu e conversamos algumas vezes e conclui que ele realmente não era um retardado, mas ele também não fazia questão nenhuma de socializar. As coisas dele eram impecavelmente organizadas e eu o zoei algumas vezes por isso, eu não tinha paciência de organizar nada, nem mesmo a minha cama e minha bagunça também não parecia irritá-lo. Meus problemas de insônia continuavam e quando eu não queria pensar demais eu observava os outros alunos de cima do beliche.
Em uma dessas noites sem dormir, ouvi risos abafados. Olhei as horas em meu telefone e era estranho ter alguém ainda acordado. Apenas com a luz do aparelho procurei quem estava rindo, me surpreendi ao perceber que era , mas não deixei que ele me visse. Ele continuava rindo de algo que via no celular, com a mão na boca para não fazer muito barulho e logo dormiu. Acabei notando que isso era algo que ele fazia constantemente, quase todos os dias ele via algo que o fazia rir até pegar no sono. Não sabia o que era e nem podia tocar no assunto sem confessar que eu o observava na minha falta de sono, mas passei a ter a sensação de que a vida dele não era tão tranquila quanto aparentava ser.
Algumas semanas se passaram e por causa de um feriado o internato estava praticamente vazio. Infelizmente eu não via sentido em voltar para Amsterdã por quatro dias, então fiquei com outros por ali. O tédio me dominava e eu estava muito inquieto, andando de um lado para o outro nos corredores procurando algo que efetivamente ocupasse minha mente. No fundo eu sentia falta de me meter em confusões, eram elas que davam emoção à minha vida. Foi então que reparei em alguém saindo como de forma escondida do dormitório. Reconheci mesmo de costas e acabei o seguindo para fora do internato, me escondendo cada vez que ele olhava para trás.
Cerca de seis quadras depois ele entrou numa loja de reparos de carro, achei estranho ele entrar pelos fundos da loja, mas a curiosidade era maior e fiquei do lado de fora esperando ele sair. O que eu realmente não contava era que ele fosse sair dirigindo um Jaguar. nunca pareceu ser rico, mas para tirar aquele carro dali, ele com certeza tinha dinheiro. Não fazia ideia de que ele dirigia também, mas isso não era tão incomum. Achei que acompanhá-lo a pé não seria muito fácil, mas ele não dirigia muito rápido e logo parou em frente a uma grade com uma placa de proibida a entrada. Saiu do carro e abriu o cadeado, aquilo estava cada vez melhor. O garoto certinho estava aprontando alguma e eu descobriria o que era.
Com a grade fechada novamente e o carro já dentro, me esgueirei pelo espaço entre duas grades e caminhei seguindo entre as árvores, seguindo o som do carro. Notei o carro parado no que parecia uma linha de chegada. Escalei uma árvore para ver melhor e não acreditei no que meus olhos viram. Era uma pista clandestina de corrida. O barulho do carro acelerando me chamou a atenção e então o Jaguar já não estava em minha vista mais.
Eu estava impressionado com a habilidade de ao volante, várias vezes tive a impressão de que iria capotar por causa das curvas em alta velocidade, ou que atravessaria as grades diretamente, mas ele continuava na pista mais e mais rápido. Me lembrei do racha que James tinha me pedido para ajudar e me questionei se participaria, ele deveria. Perdi a noção do tempo e só percebi que muito devia ter passado quando senti minha bunda dormente. Não sabia quanto tempo ele ainda ficaria por lá e decidi achar outra coisa para fazer.
POV
Correr era minha terapia, acelerar o máximo que conseguia, sentir o perigo das curvas, eu podia ficar horas naquilo até sentir meu corpo cansar. No carro eu tinha o controle que eu não tinha sobre outras coisas e ao final do dia eu me sentia bem comigo mesmo. Já estava anoitecendo quando deixei a pista e devolvi o carro ao Joe. Esse era um hobby recente, e não era exatamente barato ou seguro, mas o fato de que meus pais nunca perguntaram com o que eu gastava tanto dinheiro só me mostrava que eles realmente não se importavam.
Comi um sanduíche na volta para o internato e assim que entrei no dormitório senti o cansaço tomar conta do meu corpo. Peguei uma roupa qualquer e fui para o banheiro tomar um banho, me sentindo praticamente com energia renovada depois de correr. Pelo barulho ouvi outras pessoas deixando o banheiro e depois de me secar, enrolei a toalha em meu quadril, deixando o box. Achava um saco vestir roupa lá dentro. Caminhei até a pia e passei as mãos pelo cabelo, deixando do jeito que eu gostava.
- Então você corre. - não era uma pergunta e sim uma afirmação. Congelei de susto, não tinha visto ninguém ali pelo reflexo do espelho. - Oi e oi. - virei meu rosto e vi encostado na parede oposta. Olhei para o outro lado procurando quem mais estava ali, porém não havia outra pessoa.
pareceu entender o que eu pensei e riu, explicando em seguida.
- O oi era pra você, mas pareceu falta de educação não cumprimentar sua bunda. - arregalei meus olhos extremamente perplexo. - Está de parabéns. - acabei rindo ao vê-lo com um sorriso no rosto. Eu já deveria ter me acostumado com o jeito dele.
- Obrigado, eu acho.
- Ela deveria ter um nome. - disse encarando o teto e eu agradeci já que tê-lo encarando minha bunda era estranho.
- Fique a vontade. - dei de ombros e dei corda a ele. fez uma cara pensativa e logo tinha a expressão de quem descobriu algo genial.
- Já sei! O nome dela vai ser BeBe.
- BeBe? - repeti pedindo uma explicação indiretamente e torcendo para não ser o que eu pensava.
- Sim, apelido de Brendon. - disse em tom de obviedade.
- Então ela tem nome e apelido…
- Posso dar um sobrenome também se quiser. - se ofereceu prontamente e eu neguei com a cabeça.
- Acho que ela pode usar o meu sobrenome. - ri ao perceber o quanto essa conversa seria estranha se mais alguém estivesse ali.
- Além disso, lembra bebê que tem que pegar e cuidar direitinho. - ele disse encarando a minha bunda novamente e era hora de encerrar aquilo e vestir uma roupa.
- Se importa? - perguntei sutilmente, esperando que me deixasse sozinho para me vestir.
- Não. - foi tudo o que ele respondeu e continuou no mesmo lugar e do mesmo jeito. - Pode ficar a vontade. - ele completou vendo que eu esperava ele sair.
- Sai daqui, ! - chutei um tapete nele, que saiu rindo.
Vesti minha roupa rapidamente e depois de arrumar minhas coisas, deixei o banheiro coletivo. Vi sentado na cama dele, balançando as pernas. Ele parecia uma criançona e me espantava o fato de não ter ficado com raiva dele pelo que ele tinha acabado de fazer. Se fosse qualquer outro aluno tanto a conversa como as encaradas dele não teriam acontecido. Além disso não tinha esquecido como ele chamou minha atenção falando sobre correr. Será que ele tinha me visto? Eu tinha tomado o maior cuidado, como tomava todas as vezes. No entanto eu não era fã de suspense e seria melhor tirar aquilo a limpo. não parecia alguém que usaria isso contra mim, afinal ele não me conhecia e nem devia saber que aquilo podia ser usado contra mim.
Subi na minha cama e dei impulso para a cama dele, ele apenas me acompanhou com os olhos.
- Você me seguiu? - perguntei diretamente o olhando e ele também me olhou.
- Sim. - sorriu descaradamente e eu acabei rindo fraco. - Eu estava muito entediado e vi você saindo, nem pensei muito e comecei a te seguir. Eu gosto de te observar, você é interessante. E eu não fazia ideia de que você corria. - naquele momento ouvi vozes se aproximando do dormitório e tampei a boca dele com minha mão automaticamente.
podia não saber de nada, mas qualquer outra pessoa ali era uma ameaça. Ele tirou minha mão da boca dele.
- Muito mais estranho eles verem a gente com sua mão na minha boca do que verem a gente conversando, não acha?
Claro que ele tinha razão, eu estava agindo como um retardado.
- É complicado. - confessei vendo os dois garotos saírem novamente e nem mesmo notar a gente ali.
- Continuo entediado, se quiser me contar. - aquilo era muita informação para um que evitava ao máximo compartilhar sua vida.
Mais uma vez me incomodou a forma como eu me sentia à vontade em estar perto dele e perceber que não tinha receio em compartilhar parte da minha vida com ele.
- Não garanto que o seu tédio irá embora, mas já que você me viu… - respirei fundo e olhei a parede a nossa frente. Era mais fácil falar sem olhá-lo. - Eu gosto de correr, mas isso é segredo. Vai contra a imagem de perfeito que tenho que passar.
- Quem liga pra imagem? - aquilo parecia absurdo para ele. - Você é ótimo, as pessoas deviam saber disso. Fiquei um bom tempo vendo você correr, até que cansei de ficar sentado na árvore.
- Espera aí, o que você quis dizer com gostar de me observar? - lembrei de ouvi-lo falar. dava muita informação de uma vez e era complicado levar todas a diante de uma vez só. - Me diz que não ficou me observando no banheiro. - fechei os olhos com medo da resposta, mas tudo o que ouvi foi uma gargalhada alta dele.
- Apesar da minha fama eu não sou tão tarado assim, no banheiro foi só hoje mesmo. - respirei aliviado e abri os olhos novamente.
- Quais foram os outros lugares? - ao mesmo tempo que eu queria saber eu não queria.
- Ah, algumas vezes na sala de aula, principalmente quando você não falava comigo. Você sempre pareceu interessante. E depois que mudei pra essa cama te observei mais vezes. - falava como se fosse algo normal de se fazer e a ideia de que ele era um staker passou pela minha cabeça.
- Você… me viu dormir? - aquilo em voz alta soava ainda mais estranho.
- Não exatamente, você está achando que sou um psicopata perseguidor né? Eu também acharia, mas eu tenho insônia. Como não consigo dormir fico pensando em muitas coisas e às vezes para me distrair eu observo outras pessoas. O Fred conversando dormindo, o Boyce babando no travesseiro, você vendo coisas engraçadas antes de dormir...
- Entendi. Você não pode tomar um remédio ou alguma coisa assim? - sugeri. Não dormir devia ser insuportável.
- Não me dou bem com eles, tenho muitos pesadelos e acabo preferindo não dormir. - apenas concordei com a cabeça, ele deveria saber o que era melhor pra ele. - Mas me conte, porque ninguém pode saber que você corre? O que era aquilo de imagem?
- Ah, você sabe. Você tem uma imagem. - estava enrolando buscando uma certeza sobre contar tudo para ele ou não.
- Eu tenho uma fama, que por sinal nem metade dela é verdadeira. - ele pareceu se lembrar de alguma coisa e riu. - E sim, tenho uma imagem, mas não ligo para ela. Ligo para fazer o que me deixa feliz, o que me deixa bem.
- Eu tenho que manter uma imagem por causa da minha família. Eles são bem influentes em Oxford, a empresa é bem conhecida e tem o lado envolvido na política também. Minha vida foi toda planejada por eles e eu preciso seguir. Fazer algo como a corrida é perigoso demais para eles.
- Ah, agora entendi porque você tem dinheiro e não liga.
- O dinheiro é deles, mas eles realmente não se importam, desde que as exigências deles sejam cumpridas. Como as notas, por exemplo.
- Isso explica o nerd não nerd. - a expressão no rosto de era engraçada e eu ri com ele. - Mas você não pode fazer nada que gosta sem ser escondido?
- Não, eu arruinaria uma linhagem de Bakers perfeitos. - falei sem a menor emoção na voz.
- Isso também não é viver. - e mesmo sabendo disso, as palavras foram como tapas na minha cara.
- Gosto de achar que vou poder me livrar de tudo isso quando sair daqui, mas parte de mim sabe que isso é quase impossível.
A conversa durou mais um tempo até os alunos voltarem para o dormitório e nós acabamos indo dormir também, pelo menos eu tinha, provavelmente tinha achado algo para fazer.
Outra semana se arrastou, o último ano era o menos interessante de se estudar. Mesmo tendo conversado com aquele dia, durante a semana quase não nos falamos. Ele continuava sempre cercado e eu continuava na minha, mas eu me sentia bem por saber que tinha com quem contar.
A aula de história nunca pareceu tão chata e todos fomos pegos de surpresa com o toque alto do meu telefone indicando uma mensagem. Instantaneamente senti meu rosto esquentar de vergonha. Isso nunca tinha acontecido comigo, até porque ninguém falava comigo durante as aulas.
- Me desculpe. - pedi ao professor que apenas indicou que estava tudo bem.
Rapidamente peguei o aparelho para colocar no silencioso e vi que a mensagem era de um número bloqueado. Aquilo era muito estranho. Voltei a prestar atenção na aula e senti uma coisa no meu braço. Duas. Três. Olhei para o lado e vi preparando para jogar a próxima bolinha de papel.
- O que foi? - perguntei sem emitir som.
- Lê a mensagem! - mesmo sem som ele era enfático.
- Não! - neguei com a cabeça e a expressão de obviedade estava estampada na minha cara. - Estamos no meio da aula. - rolou os olhos.
- Deixa de ser tão certinho. - neguei com a cabeça novamente. - Não vai acontecer nada.
Ignorei completamente até o final da aula, mas quando juntei minhas coisas para sair da sala, vi que ele já não estava ali. Peguei o telefone a caminho do refeitório para ver o que tinha me feito passar vergonha.
“Corrida no próximo sábado às 21h. Você sabe onde.”
Instantaneamente procurei com os olhos pelo refeitório e não o encontrei. Eu tinha o número dele e aquela mensagem tinha vindo de um número bloqueado, claro que existia a chance de mais alguém ter me seguido e me visto correr no final de semana, no entanto eu não podia desconsiderar a hipótese de ter contado para alguém.
Tentei me distrair de todas as formas possíveis, mas nada parecia ser o suficiente para não me fazer pensar no assunto. Coincidentemente tinha desaparecido pelo dia todo e isso era suspeito. Os alunos já estavam se arrumando para dormir e decidi esperar por na entrada do dormitório, assim quando ele aparecesse eu poderia confrontá-lo e isso teria que ser do lado de fora para que ninguém nos ouvisse.
Os minutos pareciam se arrastar e o sono começou a ganhar força, talvez fosse inútil esperar por ele ali, já que eu nem mesmo sabia onde ele estava. E quando me levantei para ir para a cama ouvi barulhos bem discretos de passos, esperei para conferir se era apenas um dos funcionários, mas apareceu e com uma mão tampei a boca dele para que ele não fizesse barulho e com a outra o empurrei pelo tórax para fora. - Não sabia que sua mão era firme assim. - ele disse assim que tirei a mão da boca dele. - Ela só empurra ou faz outras coisas? - ele tinha uma expressão sugestiva e me limitei a rolar os olhos. - Aonde você estava? - talvez aquilo já me desse a resposta que eu queria. - Sentiu minha falta tanto assim? - respondeu visivelmente satisfeito com aquilo. - Pra quem você contou? - soltei de uma vez, cortando a brincadeira. - Pra quem eu contei o quê? - ele segurou meu braço e só então percebi que ainda estava segurando-o contra a parede. - Que eu corro. - falei praticamente sem emitir som. - Claro que não. Você disse que ninguém podia saber. - peguei o celular do bolso e mostrei a mensagem para ele. - Porque não disse logo que todo esse chilique era por causa de uma mensagem? - eu o encarei um pouco frustrado por ele não ter percebido o que aquilo significava. - Fui eu que mandei. - Você? - não controlei a surpresa em minha voz. - Mas esse número é bloqueado e eu tenho o seu. - usei a primeira justificativa que veio a minha mente tentando me livrar do papel de idiota que tinha feito o acusando de ter contado para alguém. - Eu te disse que estava ajudando a organizar a corrida. Mandei a mensagem do celular da organização, todas as mensagens são assim porque se cair em mãos erradas não dá pra culpar ninguém. - Faz sentido. - admiti sem saber se me sentia aliviado ou não. - E eu teria te contado se você tivesse lido a mensagem quando chegou, mas você preferiu ficar afetado porque seu celular apitou fora do silencioso uma vez na vida. - eu entendi a crítica nas palavras dele, mas não ia discutir, não tinha o que discutir. - Eu não vou correr. - afirmei deixando claro que era o fim do assunto e entrei no dormitório. - Sabe, , você se preocupa demais. - disse logo atrás de mim. - Seja errado uma vez na vida, você não vai morrer por isso. - Boa noite, . - cortei o assunto e me joguei na cama em seguida. Eu estava frustrado e triste. tinha razão e eu sabia disso, mas ouvir de alguém que me conhecia há tão pouco tempo doía, não ser verdadeiramente feliz me incomodava. Era como se fosse um lembrete constante de uma versão diferente da vida que eu poderia ter se eu aceitasse, mesmo que por um segundo, viver sobre os princípios dele e não sobre os meus.
Se me perguntassem eu diria que estava me ignorando e a culpa daquilo era toda minha, afinal de contas eu havia sido um idiota. Parte de mim sabia que ele estava envolvido na corrida e que talvez não estivesse realmente me ignorando, independente do que fosse me ocupei de coisas para estudar e evitei ao máximo pensar sobre mim, sobre minha vida e sobre ele.
A corrida parecia ter sido sucesso, vários alunos tinham ido e comentavam sobre o evento. Isso era a prova de que eu realmente não poderia participar, havia sempre testemunhas demais. Mesmo já tendo ouvido várias impressões e versões dos outros alunos, parte de mim queria que aparecesse por lá e me contasse na visão dele, mas pelo que ouvi da conversa de James, ele tinha saído da corrida com a garota gostosa que indicava a largada da corrida e provavelmente não dormiria ali aquela noite. E foi o que aconteceu.
A semana de provas havia chegado e com ela o meu estresse também. Essa época do ano letivo era uma das poucas em que meus pais entravam em contato comigo, apenas para lembrar tudo o que estava em jogo. Isso se repetia ao longo das outras semanas de prova e, embora já estivesse acostumado, me sentia pressionado. Eu não gostava de ser pressionado, e nesse caso tinha aprendido a transformá-la em foco.
Sem contato com ninguém eu conseguia aumentar minha concentração e absorver ao máximo os conteúdos. Ao final de cada prova eu me sentia mais aliviado por ter cumprido o combinado com meus pais, que tinham acesso às minhas notas, muitas vezes antes de mim.
Maya estava mais insuportável naquela manhã, o que confirmava as minhas suspeitas de que os desempenhos dos alunos tinham sido divulgados e que ela provavelmente não ocupava o primeiro lugar da turma. Minha teoria foi confirmada quando ela fechou a porta da sala na minha cara. A lógica feminina era bem estranha, isso eu já havia aprendido durante meu namoro, e continuava com essa opinião sobre o comportamento de Maya. A única pessoa que podia mudar aquilo era ela mesma, porém ela atacava os outros na esperança de os fazerem cair.
No intervalo da aula seguinte fui até a secretaria para checar a lista e ver o meu nome em primeiro me deixava orgulhoso. Mesmo que em teoria eu não ligasse tanto e fizesse pelos meus pais, era como se me sentisse recompensado pelo esforço e era uma das poucas sensações que me confortava naquele lugar. O nome de Maya vinha logo em seguida e eu realmente não entendia todo aquele mau humor, pois a nossa diferença era de décimos. Desci os olhos pela lista e logo focalizei o nome de , quinto lugar. O novato podia surpreender até quem não esperava.
- Quinto lugar, hein? - coloquei minha bandeja ao lado da de e ele me olhou um pouco surpreso, afinal eu o havia evitado nas últimas semanas por causa dos estudos. - Acho que não esperavam que você se saísse tão bem.
- Voltou a falar com os meros mortais? - ele sorriu e me sentei na cadeira ao lado dele.
- Me desculpe, isso é a coisa mais importante… - ele me interrompeu.
- Para os seus pais. Eu sei. - espetou uma das batatinhas fritas do meu prato com o garfo dele. - Eu só estava pegando no seu pé.
- Maya quer me matar. - comentei começando a comer já que continuava roubando comida do meu prato.
- Ela é louca. - ele disse simplesmente e deu de ombros. - Ainda bem que fiquei mais pra baixo. Assim ela não fica querendo que eu morra e você ainda pode andar comigo sem falarem que te influencio negativamente.
- Eu não deixaria de andar com você por isso. - o fato de ele sequer considerar aquilo me fez pensar que talvez eu estivesse deixando a desejar no quesito amizade.
- Você leva tudo a sério demais, . - ele riu e eu neguei com a cabeça. - Tente não levar as coisas tão a sério, que tal? E peça menos desculpas também. - continuei comendo, evitando assim falar sobre mim, afinal eu estava feliz e não queria estragar o momento.
- . . - senti algo me cutucando e tive a impressão de ouvir meu nome. Abri os olhos e me assustei com tão perto e a luz do celular ligada em meu rosto.
- O que foi, ? - cocei meus olhos sentindo que não havia dormido o suficiente ainda.
- Se arrume, nós vamos sair. - ele disse simplesmente e eu continuei parado. - Anda, ! Estou falando sério. - puxou minha coberta e eu soltei meu corpo na cama.
- O que você quer? Quantas horas são? - tampei meus olhos com o braço, pois a luz do celular estava me incomodando.
- Quero sair, vamos comemorar o seu primeiro lugar. - ele só podia estar delirando. - São uma hora, já te respondi. Agora levanta antes que alguém acorde.
- , são uma da madrugada de quinta feira. - suspirei.
- E daí, eu tenho permissão pra sair e você também… - o interrompi.
- Você sabe que essa permissão só serve para o final de semana. - com o flash do celular ainda ligado pude ver ele rolando os olhos.
- Dá pra parar de ser certinho e só arrumar? - entendi que não tinha escolha.
- Fala a verdade, você não consegue dormir e está entediado. - joguei meu travesseiro nele e me levantei.
- Também. - ele se jogou em minha cama enquanto eu trocava meu pijama por uma roupa qualquer.
Vesti uma calça preta, uma camiseta cinza e um casaco preto, calcei meu tênis, peguei minha carteira e meu telefone e sai do dormitório atrás de . Não foi tão difícil sair escondido da escola como eu achei que seria e só do lado de fora com a luz iluminando a rua foi que vi o que estava usando. Se a minha intenção era ser discreto e não chamar a atenção, a dele era o completo oposto. Ele vestia uma camisa florida, uma calça preta bem apertada e um par de botas douradas. Desde quando eu reparava em roupas eu não sabia, mas era, sem dúvidas, algo difícil de não se notar.
- Achei que ia precisar de mais argumentos pra te convencer a sair e quebrar as regras. - ele disse o final num sussurro e o empurrei de leve com o ombro.
- Não conte vitória antes da hora, posso me arrepender disso a qualquer minuto. - olhei para trás, na direção da escola.
- Nem pense nisso. Há quanto tempo você não se diverte? - não o respondi, minhas respostas prontas e ensaiadas não serviriam de nada para . - Você ainda sabe o significado dessa palavra?
- Vai pegar no meu pé a noite toda? - se a intenção era diversão ele não estava ajudando.
- No pé não, mas adoraria pegar na BeBe. - virei meu rosto para olhá-lo e ele secava minha bunda descaradamente.
- Larga de ser tarado, ! - a expressão lerda continuava no rosto dele e acabei rindo junto.
- Olha, não é minha culpa se você usa umas calças justas assim… - ele esboçou uma expressão de quem está arrependido.
- As minhas calças são justas? Você se olhou no espelho? - olhou para as próprias pernas e depois para mim.
- Você estava me secando, ? - ele jogou minhas palavras contra mim. Neguei com a cabeça enquanto pensava numa resposta que não me comprometesse.
- Eu saí da escola te seguindo, não foi bem uma escolha. - fiz uma careta ao falar.
- Como quiser. - o sorriso no canto da boca apareceu e o segurança liberou a entrada do pub, encerrando a conversa para o meu alívio.
Mal chegamos ao balcão e o bartender entregou duas cervejas para , que estendeu uma delas para mim. Neguei com a cabeça automaticamente. Eu bebia, nos eventos sociais da minha família e outras ocasiões. Ali não parecia uma boa ideia.
- , não. Só… não. - acabei rindo e peguei a garrafa da mão dele. - Me escute com atenção. Hoje você vai ser livre, ok? Vai fazer o que você quiser e não vai ficar pensando demais. - ele levantou a garrafa mostrando que tinha transformado o brinde em um trato. - Temos um trato?
- Nossa, que mandão. - puxei o ar e levei minha garrafa de encontro à dele. - Temos um trato. - repeti as palavras e ambos bebemos um pouco.
me deu as costas analisando o local ou mais provavelmente as pessoas e eu me sentei em uma das banquetas do bar e olhei o placar de um jogo qualquer que estava sendo transmitido.
- O que você está fazendo? - sua expressão de incredulidade me deixou em dúvida.
- Vendo o jogo? - respondi em tom de pergunta, já que era óbvio.
- E quanto anos você tem? Sessenta? - não me deixou responder. - Vem, vamos jogar dardos.
Se não dormir o deixava agitado assim isso era um círculo vicioso e eu bebi vários goles da cerveja, me ajudaria e ser menos eu. foi conversar com os dois caras que haviam acabado uma partida e voltou com os dardos na mão.
- Melhor de três, quem ganhar tem direito a pedir uma coisa. - peguei meus três dardos da mão dele.
- Eu começo. - avisei já me posicionando atrás da linha marcada. Me concentrei, mirei no centro do alvo na parede à nossa frente e lancei o primeiro.
- Sete. - falou minha pontuação e trocamos de lugar. Ele tinha passado a frente acertando na linha de 9 pontos.
- Dezesseis. - minha nova pontuação após acertar na mesma linha que ele havia acabado de acertar.
fez dezessete pontos ao acertar a linha de 8, eu acertei o centro e fiquei com vinte e seis pontos. Por fim ele acertou a de 8 novamente e terminou com vinte e cinco pontos.
- Ganhei! - gritei e me senti idiota por comemorar aquilo.
- Qual o seu desejo? - perguntou me entregando os três dardos novamente.
- Que você pague as próximas três rodadas de cerveja. - falei a primeira coisa que pensei.
- Tudo bem. Eu começo agora. - se posicionou na linha e lançou o dardo acertando o centro. - Dez pontos. - sorriu vitorioso para mim.
- Oito. - anunciei e o assisti acertar o centro novamente. - Ei, isso não vale! - reclamei.
- Achou mesmo que ia ganhar de mim fácil assim? - me concentrei para jogar, mas acertei o nove. - Vinte a dezessete. - ele mantinha o sorriso ali e me arrependi de ter concordado com o tal prêmio.
- Vinte e nove. - fiz uma careta e joguei meu último dardo sem nem olhar, eu já tinha perdido de qualquer jeito. - Qual o seu pedido? - dei mais um gole na bebida.
- Quero um beijo seu. - ele disse diretamente e eu engasguei e comecei a rir. riu junto, mas não falou nada.
- Sério, o que você quer?
- Um beijo seu. - continuei o encarando sem falar nada, aquilo era estranho, mas não necessariamente ruim. - Estou falando sério. - virei o resto do líquido da garrafa adiando qualquer resposta que eu fosse dar. - Quando quiser me dar meu prêmio é só falar. - entregou os dados para um casal que esperava para jogar.
- Eu só pedi pra você pagar as bebidas. - queria que ele entendesse a diferença de pedidos que tinha ali.
- Quem mandou você não ser criativo. -Me deu as costas e foi ao bar, voltando com mais duas garrafas. - Não precisa ficar com essa cara, eu não vou te beijar. - me entregou uma delas. - Embora eu queira. - disse a última parte mais baixa e eu fiz questão de fingir que não tinha escutado.
O volume da música aumentou e uma nova havia começado a tocar. estava se balançando no lugar e apesar de eu não ser um bom dançarino, pelo menos não sóbrio, lembrei que não deveria me julgar e decidi chamá-lo para a pista de dança.
- Podemos ir para a pista dançar se você quiser. - ele me olhou em dúvida.
- E você dança? - neguei com a cabeça.
- Não, mas quem liga. - dei de ombros e o segui entre as pessoas para a pista de dança que era mais próxima de onde um dj estava.
Estava distraído balançando a cabeça no ritmo da música e observando as pessoas ali e só percebi que tinha parado de andar quando senti meu corpo se chocando com o dele.
- Foi mal, estava distraído. - me senti um pouco sem graça com ele me olhando por cima do ombro.
- Relaxa, cara. - ele se virou de frente e começou a se mover na batida da música.
passou a mão no cabelo, colocando-o para trás. Em seguida deslizou a mesma pelo pescoço, peito, barriga e até a coxa, tudo isso sem parar de me olhar e era como se ele me hipnotizasse com os movimentos. No instante seguinte senti o braço dele passar pela minha cintura e me puxar para mais perto, ignorei a sensação.
- Estamos muito longes um do outro para o meu gosto. - senti o aperto da mão dele em minha cintura.
- Você estava tentando me seduzir, ? - perguntei levando a garrafa à minha boca, ele não respondeu e nem precisava. - Conseguiu.
Fechei os olhos e continuei dançando, pelo jeito de eu diria que ele adorava essa atenção e não dá-la a ele era meu jeito de conseguir uma vantagem, independente do que aquilo significava. Senti a mão dele não mais em minha cintura e não me importei, continuei dançando e bebendo, repetindo em minha mente que não deveria pensar em nada e sim aproveitar.
Congelei no lugar ao sentir a proximidade de alguém atrás de mim, abri os olhos instantaneamente e percebi que era , encostou o peito em minhas costas e continuou a dançar como se fosse algo normal. Tentei relaxar e continuar dançando, mas parecia que a missão dele aquela noite era realmente me provocar. Senti os lábios dele deslizando em minha orelha e um arrepio percorreu o meu corpo, o que eu esperava que ele não tivesse percebido.
Era, de certa forma, estranho para mim perceber que outro homem conseguia causar as sensações que eu havia sentido outras vezes, mas com mulheres. A ideia de que aquilo não era certo ocupou minha mente de uma vez só e como se pudesse perceber que eu estava racionalizando, chamou minha atenção mesmo sem saber. Senti sua mão em minha nuca e joguei a cabeça para trás de uma vez, fazendo-o tirar a mão.
- Me desculpe! - pedi um pouco sem graça. - Tenho uma certa… agonia no pescoço. É tipo ponto fraco ou algo do tipo, não tenho muito controle.
- Ponto fraco é? - ele sorriu de canto. - Informação interessante e valiosa, . - mordeu o próprio lábio inferior e eu desviei o olhar, voltando a olhar para frente. - Aliás, você é todo interessante. - senti a mão dele descendo por minhas costas e parando bem próximo a minha bunda. Ri fraco percebendo que a intenção dele ali era outra.
- Minha bunda realmente te atrai, não é? - me assustei com o que saiu da minha boca. O álcool já estava fazendo efeito. Ouvi a risada dele e simplesmente empinei meu corpo de forma que a mão dele foi para onde ele queria.
Aquilo era muito para minha cabeça, mas surpreendentemente eu não tinha a menor vontade de sair dali. passou a mão vagarosamente e parecia estar adorando aquilo, mas eu estava começando a ficar constrangido e me virei de frente para ele. Para minha surpresa ele não soltou minha bunda e sim a apertou.
- Tudo tem limite. - disse dando um tapa na mão dele, fazendo-o tirar ela dali. E mais uma vez tudo o que ele fez foi rir.
- Ok, ok. Reconheço que fui com muita sede ao pote. Vou com mais calma. - se afastou um pouco e bebeu um longo gole de sua garrafa. - Mas que foi um sonho realizado, isso foi. - e riu ainda mais da minha cara assustada.
terminou a bebida e indicou que iria buscar mais duas cervejas para nós. Ao invés de ir direto ele fez questão de passar atrás de mim e passar sua mão em minha cintura. Agradeci por estar com a garrafa na boca. Engoli e respirei fundo, acompanhando-o com o olhar. O que estava acontecendo? Neguei com a cabeça e esvaziei a minha garrafa, vendo-o se aproximar com uma nova. Peguei assim que ele me entregou a garrafa gelada e dei um longo gole.
- Há quanto tempo conhece isso aqui? - perguntei próximo ao ouvido por causa do barulho que parecia ter aumentado e ele me puxou pelo braço, fomos para um corredor e cruzamos uma porta super discreta que dava para o beco do lado de fora do pub.
- Aqui é melhor para conversar. - se encostou na parede e eu me encostei ao lado dele notando umas poucas pessoas ali. Três caras fumando, um casal conversando ou se pegando, e duas garotas mais afastadas. - Te respondendo, eu dou umas saídas da escola quando não consigo dormir. - ele deu de ombros.
- Isso acontece muito?
- Mais do que eu gostaria, mas já acostumei.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, a noite não estava muito fria então estava agradável ali. desencostou da parede e foi até os caras que estavam fumando e voltou com um cigarro.
- Quer? - ele me ofereceu e eu neguei com a cabeça.
- A bebida em meio de semana e escondido já está de bom tamanho. - brinquei e ele entendeu o que eu quis dizer. Eu já estava fora da minha zona de conforto a muito tempo e eu tinha limites. - Não sabia que você fumava. - E então me dei conta de que não sabia tanto assim sobre ele.
- Não fumo. - ele respondeu tragando o que estava na mão dele. - Só quando estou ansioso ou estressado. Não dormir faz isso comigo. - assenti e bebi mais um pouco.
Encarei de cima a baixo e acho que não fui discreto.
- O que foi? - ele perguntou rindo, provavelmente estranhando também a minha atitude. O olhei mais uma vez de cima a baixo.
- Estava pensando em nomear alguma parte sua também. - a risada alta dele ecoou pelo beco.
- Gostei. O que vai nomear?
- Não sei, não sou criativo. Já te olhei de cima a baixo três vezes e nada. - fiz uma careta.
- Talvez precise olhar mais. - sugeriu. - Não me importo. Fique a vontade. - concordei com a cabeça e levei a mesma para trás, encostando na parede. Olhei para o lado e vi as duas garotas olhando em nossa direção.
- As garotas estão interessadas em você. - soltei, encarando o céu.
- O que? Em mim? - ele riu como se a chance daquilo acontecer fosse mínima.
Um sentimento diferente tomou conta de mim, pela primeira vez eu não queria agradar a ninguém senão a mim mesmo. Eu não queria que ficasse com alguma delas, e eu não queria ficar com nenhuma delas. Num ímpeto me virei ficando de frente para ele e o cerquei contra a parede. Ele arregalou os olhos, mas no instante seguinte o sorriso estava ali.
- Acabei de perceber que não gosto de concorrência. - soltei um pouco constrangido.
- E quem disse que você tem concorrência? - encarou minha boca e eu dei um passo à frente. Encarei os lábios dele e ele sorriu. Foi o que bastou para que eu unisse nossas bocas.
era mais alto que eu e nunca tinha beijado alguém mais alto, mas também nunca tinha beijado um cara, mas todos esses pensamentos sumiram quando senti a mão dele em minha nuca, a língua dele passando por minha boca e retribuindo o beijo com intensidade. Eu não conseguia distinguir o que sentia, meu coração batia forte, a adrenalina corria, mas eu me sentia feliz, livre. Com o braço em volta da minha cintura ele me puxou mais para perto, diminuindo ainda mais a distância entre nós, e eu passei a mão pela lateral de seu tronco, explorando o máximo de contato que eu podia já que a outra mão estava com a garrafa. A minha língua estava gelada por causa da cerveja e o gosto de misturava com a menta da dele, provavelmente pelo cigarro. Deixei que controlasse a situação, afinal ele tinha muito mais experiência naquilo do que eu e eu só queria aproveitar o momento. Senti uma mordida leve no meu lábio inferior e abri os olhos quando ele rompeu o beijo.
- Uau! - soltou com um sorriso leve e eu desviei meu olhar me sentindo um pouco envergonhado. - Sem dúvidas você conseguiu me surpreender. - volto a olhar para ele. - Sem dúvidas o melhor prêmio que já ganhei no dardo.
- Bom saber. - sorri de lado. - Talvez aconteça mais vezes.
Os lábios dele estavam bem mais avermelhados que o normal, o que me levou a acreditar que os meus não estavam muito diferentes.
- Talvez? - ele indagou. - Talvez é algo tão vago. - brincou, passando os lábios por cima dos meus, mas sem me tocar. Aquilo me fez perceber que eu gostaria de beijá-lo de novo.
- Vago é bom, deixa trabalho para imaginação… - dei de ombros. - Acho que encontrei a minha parte preferida do seu corpo. - comentei como se estivesse falando da sua camisa.
- Encontrou, é? Me diga qual é então. - umedeceu os lábios de um jeito safado.
- Não. - sorri e dei um selinho rápido. Ele continuou com a expressão surpresa e sorriu logo em seguida.
Minha mão tinha se demorado bastante no abdômen dele durante o beijo e eu sabia que não havia mistério sobre ser minha parte preferida, mas um joguinho parecia mais interessante.
- Só um beijo? - usou um tom de frustração.
- Só e só porque essa boca sua é tentadora. - eu estava gostando de poder falar o que eu pensava. Claro que parte daquilo era graças a bebida, já que eu tinha passado da quantidade que eu geralmente bebia.
Ele virou o rosto para o lado deu um gole na cerveja e eu fiz o mesmo com a minha. Segurei a respiração ao ser pego desprevenido com sua boca em meu ouvido. - Acho que estamos causando inveja. - ele disse e virei meu rosto, notando que ele se referia às garotas que nos olhavam antes.
Senti a mão dele em minha cintura voltando a me puxar para perto e depois desceu, quase tocando em minha bunda mais uma vez. Agi por impulso pela segunda vez naquela noite, falei algo que soou estranho até para mim.
- Isso é porque elas não estão sentindo isso aqui. - volto a passar a mão livre pelo abdômen dele, por debaixo da camisa e sinto ele reagir, contraindo o mesmo. Surpreendendo ele novamente e até a mim mesmo, volto a beijá-lo intensamente, eu só queria todas as sensações de antes em mim novamente. A mão dele logo estava em minha nuca, me puxando contra ele e retribuindo da mesma forma que antes.
- Estou gostando bastante desses seus beijos surpresa. - comentou e distribuiu beijos em meu maxilar, até chegar ao meu pescoço, onde passou a língua. Tento relaxar e aproveitar o toque, mas me afasto rapidamente deixando-o um pouco confuso.
- Eu sou o certinho, lembra? Nada de marcas. - riu, incrédulo. - Pelo menos não em lugares visíveis. - Não queria ter que explicar nada para ninguém.
- Ok, sem marcas, garoto exemplar. - ele tragou o cigarro que já estava no fim mais uma vez. - Não brinque com fogo, Baker. - ele me olhou sugestivamente. - Não me provoque ou você vai acabar todo marcado.
Não tive nem tempo de pensar o que aquelas palavras significavam e dessa vez quem me beijou de surpresa foi ele. Um beijo até mais intenso do que os anteriores, deixando bem claro que ele não estava brincando.
- Meu auto controle é péssimo. - ele soltou entre o beijo e eu apenas sorri. O meu era ótimo, quase cem por cento do tempo.
Não sei quanto tempo passamos ali, conversando, rindo e nos beijando. Decidimos voltar para dentro quando as cervejas acabaram. Estávamos na metade do caminho até o balcão quando notei um cara que se parecia muito com Mike, o melhor amigo do meu irmão. O que ele estaria fazendo em Bibury quando ele morava em Oxford? Rapidamente me toquei da situação em que estava, com e com o risco que eu corria se ele me visse ali. Puxei pelo braço na direção oposta e mesmo sem entender o que estava acontecendo ele foi comigo.
- O cara de vermelho está atrás da gente? - perguntei me achando bastante paranoico.
Ele virou a cabeça para trás sem parar de andar.
- Está sim.
Apressei o passo e entramos no banheiro. Quando estava prestes a trancar a porta do box, entrou nele e eu ia expulsá-lo dali, mas a porta do banheiro fez barulho e ele colocou a mão sobre a minha boca e trancou a porta do nosso box.
- Sobe no vaso. - ele disse sem emitir som e eu obedeci. Eu estava muito ferrado, minha vida e reputação estavam por um fio. E eu estava trancado num box com o , o que era tentador, mas eu estava desesperado.
Ele tirou a mão da minha boca e me beijou! Aquele era um péssimo momento, mas por mais incrível que fosse, senti meu coração se acalmando. Nervoso eu provavelmente só pioraria a situação. sorriu convencido, vendo que sua ideia tinha funcionado e eu rolei os olhos.
- Qual o nome dele? - perguntou, só com o movimento dos lábios.
- Mike. - respondi da mesma maneira. fez um sinal para que eu permanecesse lá e corresse quando eu tivesse a chance. Era um péssimo plano, até porque eu não sabia o que ele ia fazer, mas eu estava desesperado.
Ele destrancou a porta e saiu, deixando a mesma bater como se estivesse vazio.
- Mike, é você? - ouvi perguntar como se fosse um conhecido que não via há muito tempo. Prendi a respiração com medo de me entregar e fiquei atento.
- Não, meu nome é Jeff. - ouvi o cara responder e a torneira foi acionada.
- Nossa, você parece muito com um amigo meu. - mais barulho de água e papel toalha, e a porta do banheiro fez barulho de novo.
Sentei no vaso e respirei aliviado, era apenas minha mente me pregando uma peça. abriu a porta do box e gargalhou da minha cara de alívio.
- Você, definitivamente, se preocupa demais. - rolei os olhos e respirei fundo novamente. - Vem, vamos embora. - ele pegou minha mão me puxando para fora do banheiro e para fora do pub.
- Muita emoção para uma noite só. - afirmei no caminho de volta.
- Isso é bom ou ruim? - senti seu dedo me cutucando.
- Depende de qual emoção você está falando. - bocejei e percebi que ia dormir assim que encostasse na cama.
- De me beijar, é claro. - usou um tom convencido e eu ri com ele.
- Você sabe a resposta. - eu estava um pouco mais sóbrio depois do susto e não queria ter que falar aquilo em voz alta. - E a propósito, nunca falaremos disso no internato, ok? - ele ergueu as mãos como quem se rende.
- Não se preocupa, . Não sou fofoqueiro e essa é definitivamente uma das coisas que quero guardar pra mim.
Fizemos o resto do caminho em silêncio e logo estávamos no dormitório. Troquei de roupa rapidamente e me joguei na cama. Esperava dormir pelo menos umas três horas até as aulas.
- Boa noite. - sussurrei para . Me ajeitei sob as cobertas e fechei os olhos.
- Boa noite. - escutei a voz dele mais próxima do que eu esperava e abri os olhos em tempo de sentir os lábios dele num selinho rápido, fazendo meu coração parar da garganta. Dei um tapa nele e ouvi o riso dele ao subir no beliche. Fechei os olhos com um sorriso no rosto e então adormeci.
Nos dias que se seguiram eu reconhecia que estava com um bom humor que não me lembrava de ter tido. Claramente eu estava disfarçando bastante, não queria chamar atenção por um comportamento diferente. Eu gostava muito de estar feliz, mas essa felicidade me fazia refletir sobre a minha vida e quando eu fazia isso era como ganhar um belo tapa na cara, pois era gritante o quanto a vida que eu levava não me agradava. havia sido como uma bomba que explodiu na minha cara, em resumo tudo era culpa dele, ou melhor dizendo, tudo era graças à ele. Tanto sobre as minhas reflexões sobre a minha vida como pelos momentos que passamos juntos, afinal os beijos dele não eram algo fácil de esquecer.
Estava passando pelo corredor na hora do jantar, no sentido contrário, ainda preferia comer quando estava mais vazio. Me assustei quando senti meu braço sendo puxado e fui para dentro de uma sala de aula, que àquela hora estava vazia e escura.
- Quer me matar do coração? - briguei com ao reconhecê-lo.
- E você quer fazer a gente ser pego? Fala baixo! - ele falou sério e me encurralou entre ele e a parede ao lado da porta, pois se alguém olhasse pelo vidro não nos veria ali.
- O que você está fazendo? - perguntei em tom baixo e ele rolou os olhos.
- Sério que você não sabe? - sussurrou em meu ouvido e senti um arrepio subir na coluna.
- Aqui não, ! - reclamei com as mãos em seu peitoral, pronto para afastá-lo de mim, mas eu não queria realmente que ele se afastasse e ele pareceu perceber.
- Fale que não quer e eu saio da sala. - ele rebateu prontamente me deixando sem palavras.
- É perigoso. - foi tudo que respondi.
- Um pouquinho de perigo não faz mal a ninguém. - e aproveitando da posição, uniu a boca na minha e ao invés de afastá-lo, o puxei para mais perto.
O beijo foi curto e seguido de alguns selinhos. Aquilo era muito arriscado, a chance de dar merda era muito grande para que eu, de fato aproveitasse o momento.
- Isso não pode acontecer aqui. - foi a última coisa que eu falei antes de sair da sala, e que, claramente, não fez efeito nenhum.
Vez ou outra me provocava em público e era quando eu agradecia por ter um autocontrole tão bom. Outras vezes ele dava um jeito de ficar a sós comigo e roubava um beijo e apesar de ficar com raiva no começo, com o passar do tempo eu acabava rindo do jeito dele e também disfarçava cada vez menos a nova pessoa que eu vinha sendo.
Outro fim de semana havia chegado e por um milagre era um ensolarado, o que fez praticamente todos os alunos aproveitarem a oportunidade de usar roupas de banho e nadar no lago. Aquilo, com certeza, seria um prato cheio para os meus pais reclamarem que eu não estava pensando em meu futuro trocando um dia de estudos por um dia no lago. Não que eu realmente fosse estudar no final de semana, mas ali eu estava escondido.
Peguei meu tablet na mochila juntamente com meus fones de ouvido e voltei para a cama, em pouco tempo estava colocando uma das minhas séries preferidas em dia. Estava no meio do segundo episódio quando ouvi um grito de agonia e senti a cama balançar. Tirei os fones rapidamente, saí da cama e olhei para a cama de cima, vendo um sentado, suado e ofegante e eu nem mesmo sabia que ele estava ali.
- O que foi? - perguntei preocupado, subindo na escadinha para ficar mais alto. - Está tudo bem?
fechou os olhos e passou as mãos pelo cabelo, respirando fundo duas vezes antes de voltar a abrir os olhos e me encarar.
- Está sim. - esboçou um sorriso que não me convenceu. - Foi só um pesadelo.
- Tem certeza? - perguntei com cuidado, não queria ser invasivo, mas eu sabia que ele tinha dificuldade para dormir e eu nunca tinha o visto dormir até o meio da manhã.
- Tenho sim. - eu saí da escada e ele desceu da cama em seguida. - Vou tomar um banho. - avisou pegando uma das toalhas no armário a caminho do banheiro.
Voltei a colocar os fones e assistir o episódio, mas minha mente alternava entre a série e até que me perdi em pensamentos.
- ? - balancei a cabeça vendo estalar os dedos na frente do meu rosto.
- Oi. - respondi vendo que o episódio já tinha acabado a algum tempo.
- Estava pensando em quê? - deitou ao meu lado na cama me empurrando para o lado.
- Em você. - olhei para ele e comecei ao ver a cara sedutora que ele fez. - Não nesse sentido, seu besta! - dei um tapa no braço dele e ele riu alto.
- Eu estou bem, eu juro. - eu não tinha opção a não ser acreditar. - O que está vendo? - tirou um fone e colocou no ouvido dele.
- Estava vendo Suits, mas perdi o final do episódio. Quer ver outra coisa? - entreguei o tablet para ele e peguei um pacote de M&M’s dentro da minha mochila.
- Esse filme parece bom. - voltou a apoiar o tablet na cama. Dei o pacotinho para ele e ele me olhou. - Está me dando isso?
- Sim. Quando eu era criança e tinha pesadelos eu sempre ganhava um desses da governanta. - expliquei.
- Vou ignorar o fato de ser considerado criança, mas como eu adoro doce, vou comer assim mesmo. - deu play no filme e começamos a ver sem eu saber nem o nome.
Durante a semana deu uma sumida, mas não era a primeira vez, já que ele acabava aceitando os pedidos de participar de jogos, organizar festas e outras coisas que eu não preferia não saber e não me meter. Na quinta-feira recebi outra mensagem do tal número bloqueado, novamente informando sobre outra corrida clandestina que aconteceria na noite de sábado. Provavelmente coisa do , mais uma vez, no entanto preferi esperar ele falar comigo sobre. Ignorei a mensagem e nem toquei no assunto com ele quando nos encontramos no dia seguinte.
- Você vai dessa vez, não vai? - fui pego de surpresa ao sair do banho.
- Do que você está falando? - preferi me fazer de desentendido.
- Você sabe do que. É o nosso assunto do banheiro. - joguei a primeira peça de roupa suja que vi na minha frente nele.
- Dá para você pensar antes de falar? Você ainda vai me comprometer! - reclamei e terminei de me vestir.
- Não fuja do assunto, . - ele cruzou os braços e eu desviei o olhar.
- Você sabe que eu não posso, . - catei a peça de roupa suja e levei para a pilha de roupas para lavar.
- Quem quer arruma jeito, quem não quer arruma desculpa. - ele soltou a frase de efeito, que mesmo se fosse brincadeira tinha um fundo de verdade.
- Outch. - passei ao seu lado indo para a minha cama.
- Você sabe que só estou tentando te convencer a participar. - ele sentou na minha cama antes mesmo que eu o fizesse.
- E você sabe que não tem como. - suspirei frustrado. Eu me sentia como um passarinho que descobriu que existe vida fora da gaiola, mas que não pode sair quando ele quiser.
- . - me puxou para sentar na cama de frente para ele. - Isso é uma coisa que você tem vontade de fazer? - mal abri a boca e ele me cortou. - Não pensa em ninguém além de você e me responde.
- Seria bom não correr sozinho pra variar. - respondi baixo.
- E se eu der um jeito de não saberem que é você, você corre? - ele propôs com cuidado.
- Não sei, não conversei sobre alugar o carro para esse fim de semana e… - me interrompeu novamente.
- Só pensa e amanhã cedo você me diz. Se você quiser eu prometo que ninguém vai saber. - era estranho a forma como ele queria aquilo por mim, eu não era acostumado com isso, mas se ele estava disposto, talvez valesse o esforço.
- . - chamei e ele me olhou de cima do beliche. - Eu vou. - o sorriso dele ocupou todo o rosto.
- Aposto que você vai ganhar! - ele teria continuado a conversa se o pessoal não começasse a voltar para o dormitório naquele minuto.
Sábado cedo mandei uma mensagem confirmando que eu poderia usar o Jaguar naquela noite e depois mandei outra mensagem para confirmando que participaria. Não o vi o dia todo, o que me deixou bem apreensivo, se eu não conseguisse me esconder tudo ia por água abaixo. E então ele apareceu com uma mochila.
- Estamos sozinhos. - eu confirmei a pergunta muda dele ao notá-lo olhando as cabines do banheiro.
- Você vai precisar dessas coisas aqui. - abriu o zíper da mochila e começou a tirar os itens. - Vai usar esses óculos falsos de grau, esse boné também e eu trouxe uma roupa que não se parece nada com você e essa tatuagem falsa para o seu braço.
- Você tem certeza que isso vai funcionar, ? - eu me senti nervoso de uma forma que nem me lembrava de já ter me sentido assim antes.
- Confia em mim, . Vai dar tudo certo. - ele apertou meu ombro e apenas confirmei com a cabeça. - Eu preciso voltar para a organização, então vamos colocar essa tatuagem logo no seu braço.
- E o restante eu visto na oficina. - estiquei meu braço para que ele colocasse no lugar, em seguida ele jogou água por cima e depois de um tempo com aquilo no braço ela tinha sido transferida do papel para a minha pele.
- Te vejo mais tarde. - e roubando um selinho me deixou plantado no banheiro.
Tinha algum tempo que aquilo não acontecia e não achei que fosse voltar a acontecer. Corri para pegar uma blusa de frio para tapar o braço ou eu mesmo colocaria tudo a perder.
Estava inquieto e praticamente contando os segundos com o relógio, o tempo parecia se arrastar e nada era o suficiente para segurar minha atenção por mais de cinco minutos. Por isso decidi sair até um pouco antes, logo que começou a escurecer. Peguei a mochila que tinha levado para mim e coloquei mais algumas coisas, como meu celular, minha carteira e outra muda de roupa. O internato estava bem quieto e eu saí com cuidado evitando chamar a atenção. Fiz o caminho da mesma forma, mas por duas vezes olhei para trás com a sensação de que alguém estava me vigiando. Ri imaginando que me chamaria de paranóico e como nas outras vezes entrei pelo fundo da oficina.
Entreguei o dinheiro pelo aluguel do Jaguar e fui me trocar, uma camiseta com uma estampa tão colorida que considerei ter vindo do Havaí e uma calça bem larga, um número ou dois a mais que o meu. Ri sozinho imaginando se isso seria o suficiente para que os alunos que estivesse na corrida não me notassem. Senti meu celular apitar e o peguei vendo uma mensagem de .
: “Tudo pronto por aqui. Já pegou o carro?”
: “Tudo sim, estou saindo em 5 minutos.”
: “De onde você tirou essa roupa? Cabem quase dois de mim nessa calça.”
: “Tinha que disfarçar a BeBe. Acho que você não tem ideia do quanto ela chama atenção.”
: “Te encontro onde combinamos.”
Guardei tudo no carro e deixei a oficina com o meu novo visual. As ruas já estavam escuras e isso contribuia bastante, me deixava um pouco mais aliviado. Mas foi só me aproximar do local da corrida que comecei a me sentir agitado novamente, isso devia ser adrenalina. Parei mais afastado como tinha pedido para eu fazer e ele saiu de trás de uma árvore, entrando no carro logo em seguida.
- Eu sou um gênio. - ele disse, visivelmente satisfeito com o trabalho dele em me transformar.
- Estou nervoso. - confessei sentindo meu coração batendo mais rápido.
- Não fique, pelo que eu vi do pessoal por aqui e na última corrida, suas chances são boas, até porque você já correu lá muitas vezes. - assenti. - Vai ser o percurso longo, colocamos um latão com fogo no final. Vocês vão dar a volta nele e voltar.
- Certo. - respirei algumas vezes me concentrando.
- São cinco carros, e as apostas no corredor misterioso foram mais altas do que eu esperava. - ele sorriu satisfeito. - Já deixei avisado que respondo por você e quando terminar a corrida você volta pra cá que eu tenho o mais rápido que eu conseguir. - apenas concordei com a cabeça novamente. Sentia meu estômago alterado e respirei fundo algumas vezes. - Boa sorte. - me desejou e saiu do carro em seguida.
Respirei várias vezes para controlar meu nervosismo e depois de trabalhar em meu foco, dirigi até a largada, parado ao lado dos outros quatro carros. Não foi difícil avistar em uma arquibancada mais próxima da largada que eu julgava ter a ver com o pessoal da organização, apostas e tal. Tive a impressão que ele sorriu e retribui.
Uma loira com um corpo bem definido e algo que parecia mais uma calcinha e sutiã entrou no meio dos carros segurando o pano que dava a largada. Me lembrei da outra corrida quando não voltou ao dormitório e disseram que ele tinha ido embora com a garota da largada. Ela não fazia meu tipo, também não achei que fizesse o do , mas não era hora para esse tipo de pensamento. Eu tinha uma corrida para vencer.
A primeira buzina tocou para chamar a atenção dos corredores, todos aceleramos e o barulho foi ficando cada vez mais alto. A contagem de três segundos aconteceu e a loira fez o sinal de início. Acelerei e saí em terceiro, não era o que eu esperava, mas como havia dito, eu conhecia aquele percurso, eu podia tirar vantagem disso.
Aproveitei a primeira curva e passei para a segunda posição, na reta seguinte eu consegui parear o carro com o primeiro, mas ele pegou a vantagem na curva e continuou na frente. Vendo a minha proximidade ele me fechou uma, duas, três vezes. Nós já tínhamos feito a volta no tambor e eu acelerei ao máximo, sabendo do risco que eu correria naquela curva, era a última curva e vendo que eu não tinha a intenção de diminuir minha velocidade ele abriu a curva e eu passei por dentro da mesma, ficando em primeiro lugar. Agora era conseguir segurar a posição. Ele estava praticamente colado no meu carro e eu o fechei como ele havia feito comigo. Eu conseguia ver a linha e acelerei ao máximo sem me importar. O segundo lugar conseguiu ficar ao meu lado, eu na frente, ele na frente, eu passava e ele passava novamente. Fechei os olhos e travei meu pé no acelerador. E então sem saber muito o que aconteceu eu tinha chegado em primeiro. Percebi isso pela comemoração de que enxerguei pelo retrovisor. A loira estava grudada nele, e isso não passou despercebido. A diferença devia ter sido mínima, mas não podia parar ali e muito menos sair do carro, então segui para o ponto onde o encontraria, não sem antes dar uma boa olhada no retrovisor novamente. A loira estava se jogando para cima do e ele parecia fazer de tudo para afastá-la dele. Estranhei, mas segui o meu caminho.
Olhei no espelho e tirei os óculos falsos, percebi o sorriso de satisfação em meu rosto. Eu tinha conseguido, eu tinha feito algo que eu adorava e não tinha me comprometido nem um pouco. Ganhar fazia tudo ser ainda melhor, me fazia acreditar que eu era realmente bom e a sensação de liberdade crescia dentro de mim. apareceu correndo e se jogou no banco do carona com um sorriso tão grande quanto o meu.
- Você conseguiu! - ele gritou.
- Consegui! - confirmei na mesma animação.
No instante seguinte meu rosto estava entre as mãos dele e os lábios dele estavam nos meus mais uma vez. O carro estava afastado e isso não significava que era seguro, mas não tinha espaço em minha mente para pensar sobre isso nesse momento. Retribui o beijo o puxando para mais perto com uma das mãos enquanto a outra foi para a nuca dele. Ele tirou meu boné e puxou uns fios, senti ele sorrir entre o beijo e o cortei em seguida, quando o ar me faltou.
- Quero te levar em um lugar. - disse e me senti perdido, mas o cérebro dele funcionava mais rápido e diferente. - Tudo bem?
- Claro. - dei de ombros. Eu me sentia em êxtase e provavelmente toparia qualquer coisa naquela noite.
- Não vai dizer que precisa voltar para o dormitório para ninguém dar falta de você? - arqueou a sobrancelha me provocando.
- Não devo satisfação para ninguém. - devolvi num tom de obviedade e sorri em seguida.
- Até que enfim! - fez uma encenação exagerada de agradecimento. - Troca de lugar então. - disse já saindo e dando a volta no carro. Pulei para o lado do passageiro e o deixei dirigir. - Não dirijo bem como você, mas prometo que você não vai morrer.
Nós pegamos a estrada por um tempo e eu sabia que já não estávamos mais em Bibury, mas eu não conhecia todos os vilarejos e não estava me importando. parou no drive-thru de um McDonald’s que eu nem sabia que existia ali e me surpreendi por ele saber qual era meu sanduíche preferido, não me lembrava de ter contado para ele.
- Nada de comer agora. - ele roubou a batatinha da minha mão e comeu. - Nós já estamos chegando, vamos comer lá.
Não demoramos mais que dez minutos e estávamos no meio do nada. Um nada muito bonito, por sinal. deixou o farol do carro ligado e saímos dele com a comida na mão. Era um descampado, com uma grama verde que se estendia por tudo o que eu conseguia ver. Ele se sentou na grama e bateu para que eu me sentasse ao seu lado.
- Isso aqui é lindo. - comentei pegando o sanduíche que ele me entregou.
- E você nem viu a melhor parte. - ele sorriu e me deixou curioso. - Vamos comer e eu te mostro. - concordei com a cabeça e dei uma mordida no sanduíche.
- Impressão minha ou a loira estava bem afim de você? - perguntei quando a imagem veio à minha mente e ele rolou os olhos.
- Menina chata. Fiquei com ela uma vez e ela acha que é pra sempre. - ri fraco, não tinha o que acrescentar. - Prefiro passar meu tempo com você.
- É recíproco. - ele sorriu de volta e comemos o restante do lanche em silêncio, apreciando a paisagem.
pegou o saco com o nosso lixo e se levantou.
- Já volto. - correu para o carro e desligou o farol, deixando tudo um completo breu. Demorou um pouco para eu acostumar com a escuridão e então eu olhei para cima vendo o céu mais estrelado do que nunca. Sabia que as luzes da cidade impediam de todas as estrelas, mas ali elas e a lua estavam maravilhosas, ainda mais num céu praticamente sem nuvens.
- Como descobriu isso aqui? - o olhei mesmo que só conseguisse ver o que a lua iluminava.
- As noites sem dormir me rendem muitos lugares interessantes. - mordi minha boca por dentro, isso não estava certo. - Esse foi meu favorito. É bom pra ficar sozinho.
- E por que eu estou aqui então? - o empurrei com o ombro e ele aproveitou para deitar na grama, me puxando logo em seguida e então me deitei ao lado dele.
- Sei lá, me deu vontade de dividir com você. - ficamos em silêncio por um tempo. - Acho que o fato de você ter feito algo que você quis me deixou feliz.
- Obrigado por ter insistido. - percebi que novamente eu estava sorrindo. - Não imaginei que me sentiria tão…
- Bem? - ele sugeriu enquanto eu procurava a palavra que queria.
- Realizado, eu acho. - estiquei meus braços e para minha surpresa se aconchegou em meu corpo. Deitou a cabeça em meu peito. - Me mostra que a vida é muito mais do que eu pensava, muito mais do que eu fazia.
- Com certeza seus pais me achariam uma má influência. - bocejou em seguida.
- É provável. - ele pegou minha mão e colocou no próprio cabelo.
- Folgado você, hein? - comecei a mexer no cabelo dele e senti a respiração dele se acalmando cada vez mais, até que ficou num ritmo regular. Ele havia dormido e eu estava feliz com aquilo, apesar de não estar confortável na grama.
Continuei encarando as estrelas e pensando sobre várias coisas da minha vida, até que também peguei no sono.
A claridade começou a incomodar logo, mas evitei me mexer muito pois ainda dormia. Em pouco tempo ele se mexeu e se sentou, fiquei o observando de onde eu estava por um tempo, até ele olhar para trás e ver. Abriu um sorriso.
- Me admirando em segredo, ? - ergueu uma sobrancelha sugestivamente.
- Sempre que eu posso. - devolvi num sorriso e ele riu.
- Olha, estou adorando essa nova versão sua, sem filtro. - fez uma cara de surpresa. - A propósito, desculpa ter abusado de você. - ele apontou para trás, se referindo a ter dormido praticamente abraçado comigo. - Não sabia que você era tão gostoso para dormir também. - senti meu rosto esquentando e tentei disfarçar, o que não deu certo já que ele ria muito.
- Fiquei feliz de você ter dormido, sinto que isso quase nunca acontece. - falei ainda sem olhá-lo.
- Eu vou para o inferno, mas adoro quando te deixo sem graça. - o olhei. - Você é gostoso, devia aceitar isso. - deu de ombros, se levantou e eu também.
- Você não tem limite nenhum mesmo. - peguei a mochila dentro do carro e me troquei o mais rápido possível, voltei a colocar o casaco para esconder a tatuagem falsa.
- Pode voltar dirigindo, vai ter que devolver o carro mesmo. - me entregou a chave e entrou logo no lado do passageiro.
- Alguém pode ver o carro e associar. Que merda! Eu devia ter pensado nisso. - dei partida sentindo o mau humor aparecer.
- , pode parar ou te beijo de novo como fiz no banheiro. Eu sei que funcionou. - disse convencido e eu sorri de lado, alternando o olhar entre ele e a estrada.
- Isso é golpe baixo, você me tenta demais. - reclamei, mas ele sabia que não era de fato algo que eu achava ruim.
- E não é nem metade do que eu gostaria. - levou a mão a minha coxa e a apertou. - Ai. - reclamou quando dei outro tapa na mão dele.
- Não é hora disso. - respondi voltando a colocar as duas mãos no volante.
- Só porque você não quer.
As brincadeiras e provocações continuaram por todo o caminho de volta e apesar de ainda me sentir um pouco apreensivo eu tentei não demonstrar. Eu estava com a sensação de que algo não estava certo e eu esperava estar errado. Devolvemos o carro, paguei a diferença e caminhamos até o internato. Lá me deu o dinheiro das apostas que formavam o prêmio vencedor e mesmo sem precisar eu guardei nas minhas coisas.
Domingo se passou sem maiores emoções, assim como as aulas de segunda de manhã. Quando saímos da sala de aula, não me deixou fugir do refeitório como eu normalmente fazia e sem escolha acabei indo almoçar junto com os outros. Nos servimos e mal tínhamos nos sentado em uma das mesas, junto com outros quatro alunos, quando Maya se aproximou e naquele instante, pela expressão dela, eu percebi que algo muito ruim estava prestes a acontecer.
- Olha só quem resolveu almoçar junto com todo mundo. - ela tinha um tom ácido e provocador na voz e senti fechando as mãos em punho. A segurei por debaixo da mesa, não queria briga nenhuma ali.
- Oi, Maya. - disse simplesmente como faria em qualquer outro dia.
- Realmente você está mudado. - ela aumentou o tom de voz e atraiu alguns olhares para nossa mesa, inclusive o dos outros alunos que estavam sentados nela. - Devo te chamar de piloto de racha ou de namorado do . - alguns alunos gritaram e isso atraiu ainda mais atenção.
Seria um ótimo momento para eu me sentir arrependido por ter feito o que fiz, mas isso não aconteceu. Senti que estava prestes a se levantar e tirar satisfações com ela, mas o segurei.
- Quem diria, não é mesmo? O melhor aluno da turma, o mais certinho, saindo com ele na calada da noite. - apontou para . - e participando de algo tão perigoso quanto corrida. Mas eu sempre soube que tinha algo de errado com você, e agora eu sei o que é e vou contar para quem quiser saber. - tinha um olhar de vitória sobre mim que eu não entendia. O que eu tinha feito para ela? - Seus pais, talvez? - ela usou um tom sugestivo e eu me levantei de uma vez, atraindo os olhares para mim.
- Faça o que você quiser. - não seria um covarde naquele momento e isso não tinha a ver com ou ninguém, tinha a ver comigo apenas. - Conte para quem você quiser. Mas o que você vai ganhar com isso? - ela provavelmente não esperava que eu fosse revidar, e diferentemente dela eu não tinha aumentado meu tom de voz. - Não vai fazer suas notas aumentarem, nem as minhas diminuírem. Não vai mudar quem eu sou.
- Você está falando da boca pra fora. - Maya me cortou. - Todo mundo conhece a sua família e o peso que a reputação tem para ela.
- Você tem razão, mas eu não sou eles, a vida é só uma e se eu não aproveitar, qual o sentido? O mundo muda a cada segundo e algumas oportunidades só se tem uma vez. Então você pode falar o que quiser de mim, achar o que quiser de mim, porque no final só importa o que eu acho de mim mesmo. E eu prefiro ser qualquer coisa, a ser só mais um. - o pessoal voltou a gritar, ela ficou calada com uma expressão não muito feliz e tudo o que fiz foi pegar minha bandeja e, depois de deixá-la com as outras, caminhar para a saída do refeitório.
- Para a sua informação, não somos namorados. Não sei se você sabe, mas amigos saem juntos. - ouvi a voz de e me virei mesmo estando quase do lado de fora. - E também se fôssemos, você não teria nada a ver com isso. - caminhou até ela e fez o que ninguém esperava, passou o purê de batatas no cabelo dela.
O olhar dela era quase assassino, no entanto apenas sorriu. - Isso foi por ter tentado constranger meu amigo. - simplesmente deu as costas e seguiu na mesma direção que eu.
- Não precisava ter feito isso. - falei quando já estávamos no corredor.
- Eu sei, você não precisava de apoio nenhum ali, fiquei até orgulhoso. - eu ri com ele. - Mas aquela garota me olha torto desde o primeiro dia de aula, ela merecia…
Finalmente o último ano na Bibury College, o internato mais famoso da região, estava começando. Ironicamente tudo o que eu mais queria era que chegasse logo ao fim, quando eu finalmente poderia ser livre. Ou assim eu gostava de pensar, uma vez que meus pais tinham toda uma trajetória de vida traçada para mim desde que eu nasci. Talvez antes até.
Me formar no Bibury College com notas excelentes, ser aceito na faculdade de direito de Oxford, me tornar membro da poderosa empresa da família e quem sabe um dia assumi-la. Era o planejamento de uma vida profissional perfeita, só tinha um problema. Não me atraía em absolutamente nada!
Não que o internato fosse ruim, depois de seis anos lá eu já estava mais que acostumado com todas as regras e funcionamento, além disso era aluno modelo como meus pais queriam o que rendia minha liberdade pelo vilarejo nos finais de semana. Mas eu sentia que faltava alguma coisa, faltava sentir alguma coisa.
Eu não me considerava antissocial, mas também não fazia questão de socializar. Ao longo de todos esses anos eu tive dois amigos e uma namorada, foram as pessoas mais próximas a mim. Quando se tem uma família como a minha é preciso ser esperto, a quantidade de pessoas interesseiras que tentam se aproximar é incrível, foi ainda pior quando meu pai decidiu se aventurar pela política.
Ryan foi meu primeiro amigo, logo que entrei no internato, ele já era um aluno de lá. Meu irmão era um aluno e poderia ter sido um apoio, mas os quatro anos de diferença entre nós fez com que ele nem quisesse ser associado a mim. Dois anos depois Dean e sua irmã Danielle foram transferidos e na primeira semana fizemos um trabalho em grupo para a aula de história, com a convivência nos tornamos todos amigos.
Um ano depois eu e Danielle começamos a namorar, no entanto, um ano e meio depois ela e Dean se mudaram por causa do trabalho dos pais e acabamos perdendo o contato. E no final do ano passado Ryan foi aprovado para um estágio em administração e acabou se mudando para um outro colégio em Oxford, de meio período apenas. Era o último ano e conhecendo as pessoas eu realmente não fazia questão de aprofundar meu relacionamento com nenhum deles.
Como qualquer outra escola, o internato tinha os grupinhos muito bem divididos e eu não em encaixava em nenhum deles, e honestamente, não fazia questão. Embora o esporte não tivesse um peso muito grande na nossa grade, era disponibilizado e então tinha o grupo dos atletas. Bem parecido com esse em comportamento tinham os populares, composto de pessoas vindas de famílias bem ricas e que não precisavam se preocupar com absolutamente nada na vida. Eu me encaixaria nesse perfil, se não fizesse questão de um cérebro e gostasse de festas e de ser o centro das atenções. Meu irmão tinha sido parte desse grupo e a popularidade até que caía bem nele.
O último grupo era o dos nerds e bem, eu realmente me encaixaria nesse, se não fosse por dois motivos: eu não tinha paciência para puxar saco de professores e Maya. Maya era aluna do internato há apenas 2 anos, mas já tinha sido o suficiente para me tirar do sério mais de uma vez, o que eu nunca iria entender. Nós já chegamos a trabalhar juntos num projeto de química que tinha sido o melhor da turma e do nada, depois das férias de julho ela voltou me odiando, me considerando o inimigo mortal dela e tudo que se importa é em tirar notas maiores que as minhas para ser a melhor aluna do ano.
Acontece que eu era inteligente e tinha me acostumado a estudar bastante ao longo da vida, tirar notas altas fazia parte de quem eu era, mesmo assim nunca fiz questão de ser o número um da turma. Ela parecia considerar tudo que eu fazia uma ameaça à vida acadêmica dela e eu não podia me importar menos. Na verdade eu era uma pessoa que se importava demais, com tudo, sempre. Mas toda regra tem exceção e Maya era uma delas.
Um mês e meio tinha se passado desde que o ano letivo começou e como sempre alguns alunos tinham saído e outros entrado. A rotatividade em internatos era uma coisa comum, alguns saíam por não aguentar as regras e a pressão, outros eram expulsos por não cumprir com as obrigações, e a menor parte eram aqueles que simplesmente se mudavam. O que não era comum era isso acontecer depois das duas semanas de aula, mas pelo nível das fofocas pelos corredores, Bibury estava prestes a receber um aluno com uma reputação e tanto: Van Sueesen.
Segundo fontes nada confiáveis ele havia sido expulso de um internato na Holanda por estar metido numa briga grande com outros alunos, incluindo o irmão gêmeo dele. Todos os envolvidos haviam sido expulsos e os pais deles mandaram o irmão para a França e ele estava a caminho da Inglaterra. Além da fama de não se importar muito com nada, muito menos com regras, ainda diziam que ele era lindo e irresistível ao ponto de ter pessoas implorando para ficar com ele. Eu não acreditei nos boatos, mas se fossem verdade ele realmente seria notado ali. Não tinha ninguém assim em toda a história do internato.
Claro que o mesmo chegou aos ouvidos dos jogadores que se achavam a última coca-cola do deserto e agora eles faziam apostas entre eles sobre o que aconteceria primeiro, ser expulso ou pedir para sair. Ele nem tinha chegado e eu já sentia que o ano não seria nada calmo.
No dia seguinte, no meio do segundo período, o novato enfim apareceu. De óculos escuros e sem uniforme, parecendo um turista que chegava a um hotel. Os cochichos começaram quase que instantaneamente. Alguns rolaram os olhos, algumas meninas suspiraram e eu segurei um riso juntamente com outras pessoas. Aquele menino parecia ter “encrenca” tatuado na testa, talvez o ano letivo não fosse ser tão chato afinal.
- Você deve ser o . - o professor Harrison falou sem muita emoção na voz, claramente contrariado por ter sido interrompido no meio de sua explicação sobre ligações covalentes. - Sou sim. - ele respondeu numa animação que nenhum de nós sentia. - Seja bem-vindo... - ele continuou num tom monótono. - Se puder se sentar rápido, eu gostaria de terminar minha aula. deu de ombros e mais alguns risos foram ouvidos. Ele se sentou numa cadeira vaga no fundo da sala, apoiou os braços na mesa e a cabeça nos mesmos. - Aposto cinco que ele vai ganhar uma advertência até o final da aula. - pude ouvir um dos garotos dizer. - Aposto o dobro. - outro respondeu e eu rolei os olhos. - Senhor, Sueesen. - o professor chamou alto e ele levantou a cabeça e deu um sorriso sem mostrar os dentes. - Se não tinha intenção de assistir à aula, não deveria ter entrado em sala de aula. O professor Harrison era conhecido pelos enormes sermões sobre ser ético, os deveres e direitos do aluno e coisas do tipo. - Me desculpe, é o fuso horário. - ele deu de ombros como se não tivesse algo que pudesse ser feito sobre isso e Harrison voltou-se para a explicação. Eu costumava almoçar mais no final do intervalo, pois a maioria dos alunos já estava na área externa e eu não era obrigado a socializar com ninguém. - Me diga que esse garoto novo também te incomodou. - levei um susto ao ver Maya ao meu lado. - Acho que não. - dei de ombros e continuei comendo. Para Maya ter decidido falar comigo imaginei que as amigas dela não concordavam com ela. - Não acho que ele vá concorrer com você para ser o melhor aluno da sala. - Não mesmo, ele nem tem notas boas, eu chequei. - continuei mastigando e tentando entender a atitude de Maya. - Mas escute o que eu digo, ele atrai confusão. - saiu da mesa na mesma educação com que havia se sentado. - Louca... - murmurei notando que vários alunos da nossa turma o cercavam no pátio. Ele era uma celebridade em questão de três horas.
Os dias se passaram e o novato continuava sendo a sensação do Bibury. Se deveríamos montar duplas em alguma aula ele era disputado, em qualquer horário livre ele estava cercado de pessoas e até os atletas que tinham apostado sobre ele tentavam convencê-lo a se juntar a algum time. Eu não conseguia entender aquilo, ele era só um cara normal. Muito bonito, eu admito. Mas ainda sim, um cara normal.
Não me atreveria a dizer que eu era o único que não tinha trocado palavras com ele, já que os nerds do clube de xadrez pareciam pensar o mesmo que eu. Mesmo assim, vez ou outra meu olhar parava nele, por algum motivo que nem eu mesmo reconhecia. Vez ou outra quando eu o olhava, percebia que ele estava me encarando, mas diferente de mim que desviava o olhar, ele o sustentava.
Essa sensação de ser observado passou a ser mais frequente e comecei a achar que estava paranóico, nossas camas nem mesmo eram perto no dormitório e deitado com olhos fechados a sensação estava lá novamente. Abri meus olhos realmente incomodado e então o notei de pé, escorado no beliche do lado, com os braços cruzados e me encarando. Me sentei rapidamente, mas não tomei iniciativa de puxar assunto.
- Acho que você é a única pessoa que eu ainda não sei o nome. - ele comentou. - Talvez você seja o mais normal por aqui. - esboçou um sorriso e me mantive sério.
- Você esteve bem ocupado. - dei de ombros. - Sou . - estendi minha mão para cumprimentá-lo. - Baker.
- . van Sueesen. - ele retribuiu o aperto de mão. - Mas acho que você já sabia. - concordei com a cabeça.
- Sua fama chegou antes de você, meio impossível não saber.
- Queria saber como isso aconteceu, já ouvi cada coisa… - ele fechou os olhos e pela expressão em seu rosto ele havia se perdido em pensamentos. Acabei não segurando um riso e isso o trouxe de volta à realidade. - Seremos colegas de cama. - disse e levantou as sobrancelhas de forma sugestiva.
- Como é? - fiz uma careta e a gargalhada dele foi imediata.
- Cara, você realmente leva tudo a sério né? - ele balançou a cabeça e eu agradeci mentalmente pelos outros alunos ainda não terem retornado do jantar. - Troquei de beliche com o James. Vou dormir em cima de você agora. - soltou outra piadinha com duplo sentido e desviei o olhar, pois fiquei sem graça. - Foi mal, sai sem eu perceber.
- Por que trocou com o James? - mudei de assunto. Não que eu realmente me importasse, James roncava bastante.
- Tayler conversa dormindo e você parece ser uma pessoa mais legal de se dividir o beliche. - ele deu de ombros. - Vai descer para o jantar? - neguei com a cabeça.
deu as costas e saiu do dormitório. Isso não era o que eu esperava dele.
POV
Eu não me importava em mudar de escola, isso já tinha acontecido umas três vezes, todas por mau comportamento, do Maurice é claro. Ele não conseguia ficar fora de brigas e eu não conseguia não me preocupar com ele, o resultado era a mudança não só de escola, mas dessa vez de país. E também meu olho roxo, que não sei nem de onde veio.
Nós dois tínhamos uma relativa fama em Amsterdã, não só por brigas, mas por causar em festas e outras coisas do tipo. Porém, ao chegar em Bibury e saber que já sabiam sobre mim antes de eu chegar era muito estranho. Estranho, mas divertido, eu me sentia uma celebridade com tanta gente querendo se aproximar. Os caras dos times tentando me convencer a fazer algum esporte eram os mais engraçados, sem dúvidas. Ser disputado para os trabalhos em dupla também. Mas entre me juntar a algum time ou pegar alguém, eu preferia pegar alguém, ainda mais quando tantas meninas pareciam estar interessadas.
Fiquei com duas delas na primeira semana, se elas continuassem aparecendo assim talvez até o final do ano eu tivesse ficado com todas. Incrivelmente não me meti em nenhuma confusão, o que confirmava minha teoria de que o Maurice era quem me levava para os problemas. Com duas semanas de aula, praticamente todos da sala já tinham falado comigo, com exceção dos nerds do xadrez que me olhavam parecendo que eu era o próprio diabo, três meninas que faltavam lamber o chão onde os professores passavam e um garoto que parecia nerd, mas não andava com os nerds.
Descobri que se chamava e o fato de ele não mostrar interesse nenhum para praticamente nada me deixou curioso para saber mais sobre ele. Passei a prestar mais atenção nele durante as aulas e cada vez mais minha ideia sobre ele ser certinho se confirmava, ainda assim, o fato de ele não andar com os outros desse tipo me mostrava que ele não era um daqueles babacas que me julgavam sem nem mesmo me conhecer. Consegui convencer o cara que dividia o beliche com ele, James, a trocar comigo. Em troca eu só teria que ajudá-lo a organizar uma corrida clandestina, não era grande coisa assim, afinal eu tinha permissão para sair.
Eu e conversamos algumas vezes e conclui que ele realmente não era um retardado, mas ele também não fazia questão nenhuma de socializar. As coisas dele eram impecavelmente organizadas e eu o zoei algumas vezes por isso, eu não tinha paciência de organizar nada, nem mesmo a minha cama e minha bagunça também não parecia irritá-lo. Meus problemas de insônia continuavam e quando eu não queria pensar demais eu observava os outros alunos de cima do beliche.
Em uma dessas noites sem dormir, ouvi risos abafados. Olhei as horas em meu telefone e era estranho ter alguém ainda acordado. Apenas com a luz do aparelho procurei quem estava rindo, me surpreendi ao perceber que era , mas não deixei que ele me visse. Ele continuava rindo de algo que via no celular, com a mão na boca para não fazer muito barulho e logo dormiu. Acabei notando que isso era algo que ele fazia constantemente, quase todos os dias ele via algo que o fazia rir até pegar no sono. Não sabia o que era e nem podia tocar no assunto sem confessar que eu o observava na minha falta de sono, mas passei a ter a sensação de que a vida dele não era tão tranquila quanto aparentava ser.
Algumas semanas se passaram e por causa de um feriado o internato estava praticamente vazio. Infelizmente eu não via sentido em voltar para Amsterdã por quatro dias, então fiquei com outros por ali. O tédio me dominava e eu estava muito inquieto, andando de um lado para o outro nos corredores procurando algo que efetivamente ocupasse minha mente. No fundo eu sentia falta de me meter em confusões, eram elas que davam emoção à minha vida. Foi então que reparei em alguém saindo como de forma escondida do dormitório. Reconheci mesmo de costas e acabei o seguindo para fora do internato, me escondendo cada vez que ele olhava para trás.
Cerca de seis quadras depois ele entrou numa loja de reparos de carro, achei estranho ele entrar pelos fundos da loja, mas a curiosidade era maior e fiquei do lado de fora esperando ele sair. O que eu realmente não contava era que ele fosse sair dirigindo um Jaguar. nunca pareceu ser rico, mas para tirar aquele carro dali, ele com certeza tinha dinheiro. Não fazia ideia de que ele dirigia também, mas isso não era tão incomum. Achei que acompanhá-lo a pé não seria muito fácil, mas ele não dirigia muito rápido e logo parou em frente a uma grade com uma placa de proibida a entrada. Saiu do carro e abriu o cadeado, aquilo estava cada vez melhor. O garoto certinho estava aprontando alguma e eu descobriria o que era.
Com a grade fechada novamente e o carro já dentro, me esgueirei pelo espaço entre duas grades e caminhei seguindo entre as árvores, seguindo o som do carro. Notei o carro parado no que parecia uma linha de chegada. Escalei uma árvore para ver melhor e não acreditei no que meus olhos viram. Era uma pista clandestina de corrida. O barulho do carro acelerando me chamou a atenção e então o Jaguar já não estava em minha vista mais.
Eu estava impressionado com a habilidade de ao volante, várias vezes tive a impressão de que iria capotar por causa das curvas em alta velocidade, ou que atravessaria as grades diretamente, mas ele continuava na pista mais e mais rápido. Me lembrei do racha que James tinha me pedido para ajudar e me questionei se participaria, ele deveria. Perdi a noção do tempo e só percebi que muito devia ter passado quando senti minha bunda dormente. Não sabia quanto tempo ele ainda ficaria por lá e decidi achar outra coisa para fazer.
POV
Correr era minha terapia, acelerar o máximo que conseguia, sentir o perigo das curvas, eu podia ficar horas naquilo até sentir meu corpo cansar. No carro eu tinha o controle que eu não tinha sobre outras coisas e ao final do dia eu me sentia bem comigo mesmo. Já estava anoitecendo quando deixei a pista e devolvi o carro ao Joe. Esse era um hobby recente, e não era exatamente barato ou seguro, mas o fato de que meus pais nunca perguntaram com o que eu gastava tanto dinheiro só me mostrava que eles realmente não se importavam.
Comi um sanduíche na volta para o internato e assim que entrei no dormitório senti o cansaço tomar conta do meu corpo. Peguei uma roupa qualquer e fui para o banheiro tomar um banho, me sentindo praticamente com energia renovada depois de correr. Pelo barulho ouvi outras pessoas deixando o banheiro e depois de me secar, enrolei a toalha em meu quadril, deixando o box. Achava um saco vestir roupa lá dentro. Caminhei até a pia e passei as mãos pelo cabelo, deixando do jeito que eu gostava.
- Então você corre. - não era uma pergunta e sim uma afirmação. Congelei de susto, não tinha visto ninguém ali pelo reflexo do espelho. - Oi e oi. - virei meu rosto e vi encostado na parede oposta. Olhei para o outro lado procurando quem mais estava ali, porém não havia outra pessoa.
pareceu entender o que eu pensei e riu, explicando em seguida.
- O oi era pra você, mas pareceu falta de educação não cumprimentar sua bunda. - arregalei meus olhos extremamente perplexo. - Está de parabéns. - acabei rindo ao vê-lo com um sorriso no rosto. Eu já deveria ter me acostumado com o jeito dele.
- Obrigado, eu acho.
- Ela deveria ter um nome. - disse encarando o teto e eu agradeci já que tê-lo encarando minha bunda era estranho.
- Fique a vontade. - dei de ombros e dei corda a ele. fez uma cara pensativa e logo tinha a expressão de quem descobriu algo genial.
- Já sei! O nome dela vai ser BeBe.
- BeBe? - repeti pedindo uma explicação indiretamente e torcendo para não ser o que eu pensava.
- Sim, apelido de Brendon. - disse em tom de obviedade.
- Então ela tem nome e apelido…
- Posso dar um sobrenome também se quiser. - se ofereceu prontamente e eu neguei com a cabeça.
- Acho que ela pode usar o meu sobrenome. - ri ao perceber o quanto essa conversa seria estranha se mais alguém estivesse ali.
- Além disso, lembra bebê que tem que pegar e cuidar direitinho. - ele disse encarando a minha bunda novamente e era hora de encerrar aquilo e vestir uma roupa.
- Se importa? - perguntei sutilmente, esperando que me deixasse sozinho para me vestir.
- Não. - foi tudo o que ele respondeu e continuou no mesmo lugar e do mesmo jeito. - Pode ficar a vontade. - ele completou vendo que eu esperava ele sair.
- Sai daqui, ! - chutei um tapete nele, que saiu rindo.
Vesti minha roupa rapidamente e depois de arrumar minhas coisas, deixei o banheiro coletivo. Vi sentado na cama dele, balançando as pernas. Ele parecia uma criançona e me espantava o fato de não ter ficado com raiva dele pelo que ele tinha acabado de fazer. Se fosse qualquer outro aluno tanto a conversa como as encaradas dele não teriam acontecido. Além disso não tinha esquecido como ele chamou minha atenção falando sobre correr. Será que ele tinha me visto? Eu tinha tomado o maior cuidado, como tomava todas as vezes. No entanto eu não era fã de suspense e seria melhor tirar aquilo a limpo. não parecia alguém que usaria isso contra mim, afinal ele não me conhecia e nem devia saber que aquilo podia ser usado contra mim.
Subi na minha cama e dei impulso para a cama dele, ele apenas me acompanhou com os olhos.
- Você me seguiu? - perguntei diretamente o olhando e ele também me olhou.
- Sim. - sorriu descaradamente e eu acabei rindo fraco. - Eu estava muito entediado e vi você saindo, nem pensei muito e comecei a te seguir. Eu gosto de te observar, você é interessante. E eu não fazia ideia de que você corria. - naquele momento ouvi vozes se aproximando do dormitório e tampei a boca dele com minha mão automaticamente.
podia não saber de nada, mas qualquer outra pessoa ali era uma ameaça. Ele tirou minha mão da boca dele.
- Muito mais estranho eles verem a gente com sua mão na minha boca do que verem a gente conversando, não acha?
Claro que ele tinha razão, eu estava agindo como um retardado.
- É complicado. - confessei vendo os dois garotos saírem novamente e nem mesmo notar a gente ali.
- Continuo entediado, se quiser me contar. - aquilo era muita informação para um que evitava ao máximo compartilhar sua vida.
Mais uma vez me incomodou a forma como eu me sentia à vontade em estar perto dele e perceber que não tinha receio em compartilhar parte da minha vida com ele.
- Não garanto que o seu tédio irá embora, mas já que você me viu… - respirei fundo e olhei a parede a nossa frente. Era mais fácil falar sem olhá-lo. - Eu gosto de correr, mas isso é segredo. Vai contra a imagem de perfeito que tenho que passar.
- Quem liga pra imagem? - aquilo parecia absurdo para ele. - Você é ótimo, as pessoas deviam saber disso. Fiquei um bom tempo vendo você correr, até que cansei de ficar sentado na árvore.
- Espera aí, o que você quis dizer com gostar de me observar? - lembrei de ouvi-lo falar. dava muita informação de uma vez e era complicado levar todas a diante de uma vez só. - Me diz que não ficou me observando no banheiro. - fechei os olhos com medo da resposta, mas tudo o que ouvi foi uma gargalhada alta dele.
- Apesar da minha fama eu não sou tão tarado assim, no banheiro foi só hoje mesmo. - respirei aliviado e abri os olhos novamente.
- Quais foram os outros lugares? - ao mesmo tempo que eu queria saber eu não queria.
- Ah, algumas vezes na sala de aula, principalmente quando você não falava comigo. Você sempre pareceu interessante. E depois que mudei pra essa cama te observei mais vezes. - falava como se fosse algo normal de se fazer e a ideia de que ele era um staker passou pela minha cabeça.
- Você… me viu dormir? - aquilo em voz alta soava ainda mais estranho.
- Não exatamente, você está achando que sou um psicopata perseguidor né? Eu também acharia, mas eu tenho insônia. Como não consigo dormir fico pensando em muitas coisas e às vezes para me distrair eu observo outras pessoas. O Fred conversando dormindo, o Boyce babando no travesseiro, você vendo coisas engraçadas antes de dormir...
- Entendi. Você não pode tomar um remédio ou alguma coisa assim? - sugeri. Não dormir devia ser insuportável.
- Não me dou bem com eles, tenho muitos pesadelos e acabo preferindo não dormir. - apenas concordei com a cabeça, ele deveria saber o que era melhor pra ele. - Mas me conte, porque ninguém pode saber que você corre? O que era aquilo de imagem?
- Ah, você sabe. Você tem uma imagem. - estava enrolando buscando uma certeza sobre contar tudo para ele ou não.
- Eu tenho uma fama, que por sinal nem metade dela é verdadeira. - ele pareceu se lembrar de alguma coisa e riu. - E sim, tenho uma imagem, mas não ligo para ela. Ligo para fazer o que me deixa feliz, o que me deixa bem.
- Eu tenho que manter uma imagem por causa da minha família. Eles são bem influentes em Oxford, a empresa é bem conhecida e tem o lado envolvido na política também. Minha vida foi toda planejada por eles e eu preciso seguir. Fazer algo como a corrida é perigoso demais para eles.
- Ah, agora entendi porque você tem dinheiro e não liga.
- O dinheiro é deles, mas eles realmente não se importam, desde que as exigências deles sejam cumpridas. Como as notas, por exemplo.
- Isso explica o nerd não nerd. - a expressão no rosto de era engraçada e eu ri com ele. - Mas você não pode fazer nada que gosta sem ser escondido?
- Não, eu arruinaria uma linhagem de Bakers perfeitos. - falei sem a menor emoção na voz.
- Isso também não é viver. - e mesmo sabendo disso, as palavras foram como tapas na minha cara.
- Gosto de achar que vou poder me livrar de tudo isso quando sair daqui, mas parte de mim sabe que isso é quase impossível.
A conversa durou mais um tempo até os alunos voltarem para o dormitório e nós acabamos indo dormir também, pelo menos eu tinha, provavelmente tinha achado algo para fazer.
Outra semana se arrastou, o último ano era o menos interessante de se estudar. Mesmo tendo conversado com aquele dia, durante a semana quase não nos falamos. Ele continuava sempre cercado e eu continuava na minha, mas eu me sentia bem por saber que tinha com quem contar.
A aula de história nunca pareceu tão chata e todos fomos pegos de surpresa com o toque alto do meu telefone indicando uma mensagem. Instantaneamente senti meu rosto esquentar de vergonha. Isso nunca tinha acontecido comigo, até porque ninguém falava comigo durante as aulas.
- Me desculpe. - pedi ao professor que apenas indicou que estava tudo bem.
Rapidamente peguei o aparelho para colocar no silencioso e vi que a mensagem era de um número bloqueado. Aquilo era muito estranho. Voltei a prestar atenção na aula e senti uma coisa no meu braço. Duas. Três. Olhei para o lado e vi preparando para jogar a próxima bolinha de papel.
- O que foi? - perguntei sem emitir som.
- Lê a mensagem! - mesmo sem som ele era enfático.
- Não! - neguei com a cabeça e a expressão de obviedade estava estampada na minha cara. - Estamos no meio da aula. - rolou os olhos.
- Deixa de ser tão certinho. - neguei com a cabeça novamente. - Não vai acontecer nada.
Ignorei completamente até o final da aula, mas quando juntei minhas coisas para sair da sala, vi que ele já não estava ali. Peguei o telefone a caminho do refeitório para ver o que tinha me feito passar vergonha.
“Corrida no próximo sábado às 21h. Você sabe onde.”
Instantaneamente procurei com os olhos pelo refeitório e não o encontrei. Eu tinha o número dele e aquela mensagem tinha vindo de um número bloqueado, claro que existia a chance de mais alguém ter me seguido e me visto correr no final de semana, no entanto eu não podia desconsiderar a hipótese de ter contado para alguém.
Tentei me distrair de todas as formas possíveis, mas nada parecia ser o suficiente para não me fazer pensar no assunto. Coincidentemente tinha desaparecido pelo dia todo e isso era suspeito. Os alunos já estavam se arrumando para dormir e decidi esperar por na entrada do dormitório, assim quando ele aparecesse eu poderia confrontá-lo e isso teria que ser do lado de fora para que ninguém nos ouvisse.
Os minutos pareciam se arrastar e o sono começou a ganhar força, talvez fosse inútil esperar por ele ali, já que eu nem mesmo sabia onde ele estava. E quando me levantei para ir para a cama ouvi barulhos bem discretos de passos, esperei para conferir se era apenas um dos funcionários, mas apareceu e com uma mão tampei a boca dele para que ele não fizesse barulho e com a outra o empurrei pelo tórax para fora. - Não sabia que sua mão era firme assim. - ele disse assim que tirei a mão da boca dele. - Ela só empurra ou faz outras coisas? - ele tinha uma expressão sugestiva e me limitei a rolar os olhos. - Aonde você estava? - talvez aquilo já me desse a resposta que eu queria. - Sentiu minha falta tanto assim? - respondeu visivelmente satisfeito com aquilo. - Pra quem você contou? - soltei de uma vez, cortando a brincadeira. - Pra quem eu contei o quê? - ele segurou meu braço e só então percebi que ainda estava segurando-o contra a parede. - Que eu corro. - falei praticamente sem emitir som. - Claro que não. Você disse que ninguém podia saber. - peguei o celular do bolso e mostrei a mensagem para ele. - Porque não disse logo que todo esse chilique era por causa de uma mensagem? - eu o encarei um pouco frustrado por ele não ter percebido o que aquilo significava. - Fui eu que mandei. - Você? - não controlei a surpresa em minha voz. - Mas esse número é bloqueado e eu tenho o seu. - usei a primeira justificativa que veio a minha mente tentando me livrar do papel de idiota que tinha feito o acusando de ter contado para alguém. - Eu te disse que estava ajudando a organizar a corrida. Mandei a mensagem do celular da organização, todas as mensagens são assim porque se cair em mãos erradas não dá pra culpar ninguém. - Faz sentido. - admiti sem saber se me sentia aliviado ou não. - E eu teria te contado se você tivesse lido a mensagem quando chegou, mas você preferiu ficar afetado porque seu celular apitou fora do silencioso uma vez na vida. - eu entendi a crítica nas palavras dele, mas não ia discutir, não tinha o que discutir. - Eu não vou correr. - afirmei deixando claro que era o fim do assunto e entrei no dormitório. - Sabe, , você se preocupa demais. - disse logo atrás de mim. - Seja errado uma vez na vida, você não vai morrer por isso. - Boa noite, . - cortei o assunto e me joguei na cama em seguida. Eu estava frustrado e triste. tinha razão e eu sabia disso, mas ouvir de alguém que me conhecia há tão pouco tempo doía, não ser verdadeiramente feliz me incomodava. Era como se fosse um lembrete constante de uma versão diferente da vida que eu poderia ter se eu aceitasse, mesmo que por um segundo, viver sobre os princípios dele e não sobre os meus.
Se me perguntassem eu diria que estava me ignorando e a culpa daquilo era toda minha, afinal de contas eu havia sido um idiota. Parte de mim sabia que ele estava envolvido na corrida e que talvez não estivesse realmente me ignorando, independente do que fosse me ocupei de coisas para estudar e evitei ao máximo pensar sobre mim, sobre minha vida e sobre ele.
A corrida parecia ter sido sucesso, vários alunos tinham ido e comentavam sobre o evento. Isso era a prova de que eu realmente não poderia participar, havia sempre testemunhas demais. Mesmo já tendo ouvido várias impressões e versões dos outros alunos, parte de mim queria que aparecesse por lá e me contasse na visão dele, mas pelo que ouvi da conversa de James, ele tinha saído da corrida com a garota gostosa que indicava a largada da corrida e provavelmente não dormiria ali aquela noite. E foi o que aconteceu.
A semana de provas havia chegado e com ela o meu estresse também. Essa época do ano letivo era uma das poucas em que meus pais entravam em contato comigo, apenas para lembrar tudo o que estava em jogo. Isso se repetia ao longo das outras semanas de prova e, embora já estivesse acostumado, me sentia pressionado. Eu não gostava de ser pressionado, e nesse caso tinha aprendido a transformá-la em foco.
Sem contato com ninguém eu conseguia aumentar minha concentração e absorver ao máximo os conteúdos. Ao final de cada prova eu me sentia mais aliviado por ter cumprido o combinado com meus pais, que tinham acesso às minhas notas, muitas vezes antes de mim.
Maya estava mais insuportável naquela manhã, o que confirmava as minhas suspeitas de que os desempenhos dos alunos tinham sido divulgados e que ela provavelmente não ocupava o primeiro lugar da turma. Minha teoria foi confirmada quando ela fechou a porta da sala na minha cara. A lógica feminina era bem estranha, isso eu já havia aprendido durante meu namoro, e continuava com essa opinião sobre o comportamento de Maya. A única pessoa que podia mudar aquilo era ela mesma, porém ela atacava os outros na esperança de os fazerem cair.
No intervalo da aula seguinte fui até a secretaria para checar a lista e ver o meu nome em primeiro me deixava orgulhoso. Mesmo que em teoria eu não ligasse tanto e fizesse pelos meus pais, era como se me sentisse recompensado pelo esforço e era uma das poucas sensações que me confortava naquele lugar. O nome de Maya vinha logo em seguida e eu realmente não entendia todo aquele mau humor, pois a nossa diferença era de décimos. Desci os olhos pela lista e logo focalizei o nome de , quinto lugar. O novato podia surpreender até quem não esperava.
- Quinto lugar, hein? - coloquei minha bandeja ao lado da de e ele me olhou um pouco surpreso, afinal eu o havia evitado nas últimas semanas por causa dos estudos. - Acho que não esperavam que você se saísse tão bem.
- Voltou a falar com os meros mortais? - ele sorriu e me sentei na cadeira ao lado dele.
- Me desculpe, isso é a coisa mais importante… - ele me interrompeu.
- Para os seus pais. Eu sei. - espetou uma das batatinhas fritas do meu prato com o garfo dele. - Eu só estava pegando no seu pé.
- Maya quer me matar. - comentei começando a comer já que continuava roubando comida do meu prato.
- Ela é louca. - ele disse simplesmente e deu de ombros. - Ainda bem que fiquei mais pra baixo. Assim ela não fica querendo que eu morra e você ainda pode andar comigo sem falarem que te influencio negativamente.
- Eu não deixaria de andar com você por isso. - o fato de ele sequer considerar aquilo me fez pensar que talvez eu estivesse deixando a desejar no quesito amizade.
- Você leva tudo a sério demais, . - ele riu e eu neguei com a cabeça. - Tente não levar as coisas tão a sério, que tal? E peça menos desculpas também. - continuei comendo, evitando assim falar sobre mim, afinal eu estava feliz e não queria estragar o momento.
- . . - senti algo me cutucando e tive a impressão de ouvir meu nome. Abri os olhos e me assustei com tão perto e a luz do celular ligada em meu rosto.
- O que foi, ? - cocei meus olhos sentindo que não havia dormido o suficiente ainda.
- Se arrume, nós vamos sair. - ele disse simplesmente e eu continuei parado. - Anda, ! Estou falando sério. - puxou minha coberta e eu soltei meu corpo na cama.
- O que você quer? Quantas horas são? - tampei meus olhos com o braço, pois a luz do celular estava me incomodando.
- Quero sair, vamos comemorar o seu primeiro lugar. - ele só podia estar delirando. - São uma hora, já te respondi. Agora levanta antes que alguém acorde.
- , são uma da madrugada de quinta feira. - suspirei.
- E daí, eu tenho permissão pra sair e você também… - o interrompi.
- Você sabe que essa permissão só serve para o final de semana. - com o flash do celular ainda ligado pude ver ele rolando os olhos.
- Dá pra parar de ser certinho e só arrumar? - entendi que não tinha escolha.
- Fala a verdade, você não consegue dormir e está entediado. - joguei meu travesseiro nele e me levantei.
- Também. - ele se jogou em minha cama enquanto eu trocava meu pijama por uma roupa qualquer.
Vesti uma calça preta, uma camiseta cinza e um casaco preto, calcei meu tênis, peguei minha carteira e meu telefone e sai do dormitório atrás de . Não foi tão difícil sair escondido da escola como eu achei que seria e só do lado de fora com a luz iluminando a rua foi que vi o que estava usando. Se a minha intenção era ser discreto e não chamar a atenção, a dele era o completo oposto. Ele vestia uma camisa florida, uma calça preta bem apertada e um par de botas douradas. Desde quando eu reparava em roupas eu não sabia, mas era, sem dúvidas, algo difícil de não se notar.
- Achei que ia precisar de mais argumentos pra te convencer a sair e quebrar as regras. - ele disse o final num sussurro e o empurrei de leve com o ombro.
- Não conte vitória antes da hora, posso me arrepender disso a qualquer minuto. - olhei para trás, na direção da escola.
- Nem pense nisso. Há quanto tempo você não se diverte? - não o respondi, minhas respostas prontas e ensaiadas não serviriam de nada para . - Você ainda sabe o significado dessa palavra?
- Vai pegar no meu pé a noite toda? - se a intenção era diversão ele não estava ajudando.
- No pé não, mas adoraria pegar na BeBe. - virei meu rosto para olhá-lo e ele secava minha bunda descaradamente.
- Larga de ser tarado, ! - a expressão lerda continuava no rosto dele e acabei rindo junto.
- Olha, não é minha culpa se você usa umas calças justas assim… - ele esboçou uma expressão de quem está arrependido.
- As minhas calças são justas? Você se olhou no espelho? - olhou para as próprias pernas e depois para mim.
- Você estava me secando, ? - ele jogou minhas palavras contra mim. Neguei com a cabeça enquanto pensava numa resposta que não me comprometesse.
- Eu saí da escola te seguindo, não foi bem uma escolha. - fiz uma careta ao falar.
- Como quiser. - o sorriso no canto da boca apareceu e o segurança liberou a entrada do pub, encerrando a conversa para o meu alívio.
Mal chegamos ao balcão e o bartender entregou duas cervejas para , que estendeu uma delas para mim. Neguei com a cabeça automaticamente. Eu bebia, nos eventos sociais da minha família e outras ocasiões. Ali não parecia uma boa ideia.
- , não. Só… não. - acabei rindo e peguei a garrafa da mão dele. - Me escute com atenção. Hoje você vai ser livre, ok? Vai fazer o que você quiser e não vai ficar pensando demais. - ele levantou a garrafa mostrando que tinha transformado o brinde em um trato. - Temos um trato?
- Nossa, que mandão. - puxei o ar e levei minha garrafa de encontro à dele. - Temos um trato. - repeti as palavras e ambos bebemos um pouco.
me deu as costas analisando o local ou mais provavelmente as pessoas e eu me sentei em uma das banquetas do bar e olhei o placar de um jogo qualquer que estava sendo transmitido.
- O que você está fazendo? - sua expressão de incredulidade me deixou em dúvida.
- Vendo o jogo? - respondi em tom de pergunta, já que era óbvio.
- E quanto anos você tem? Sessenta? - não me deixou responder. - Vem, vamos jogar dardos.
Se não dormir o deixava agitado assim isso era um círculo vicioso e eu bebi vários goles da cerveja, me ajudaria e ser menos eu. foi conversar com os dois caras que haviam acabado uma partida e voltou com os dardos na mão.
- Melhor de três, quem ganhar tem direito a pedir uma coisa. - peguei meus três dardos da mão dele.
- Eu começo. - avisei já me posicionando atrás da linha marcada. Me concentrei, mirei no centro do alvo na parede à nossa frente e lancei o primeiro.
- Sete. - falou minha pontuação e trocamos de lugar. Ele tinha passado a frente acertando na linha de 9 pontos.
- Dezesseis. - minha nova pontuação após acertar na mesma linha que ele havia acabado de acertar.
fez dezessete pontos ao acertar a linha de 8, eu acertei o centro e fiquei com vinte e seis pontos. Por fim ele acertou a de 8 novamente e terminou com vinte e cinco pontos.
- Ganhei! - gritei e me senti idiota por comemorar aquilo.
- Qual o seu desejo? - perguntou me entregando os três dardos novamente.
- Que você pague as próximas três rodadas de cerveja. - falei a primeira coisa que pensei.
- Tudo bem. Eu começo agora. - se posicionou na linha e lançou o dardo acertando o centro. - Dez pontos. - sorriu vitorioso para mim.
- Oito. - anunciei e o assisti acertar o centro novamente. - Ei, isso não vale! - reclamei.
- Achou mesmo que ia ganhar de mim fácil assim? - me concentrei para jogar, mas acertei o nove. - Vinte a dezessete. - ele mantinha o sorriso ali e me arrependi de ter concordado com o tal prêmio.
- Vinte e nove. - fiz uma careta e joguei meu último dardo sem nem olhar, eu já tinha perdido de qualquer jeito. - Qual o seu pedido? - dei mais um gole na bebida.
- Quero um beijo seu. - ele disse diretamente e eu engasguei e comecei a rir. riu junto, mas não falou nada.
- Sério, o que você quer?
- Um beijo seu. - continuei o encarando sem falar nada, aquilo era estranho, mas não necessariamente ruim. - Estou falando sério. - virei o resto do líquido da garrafa adiando qualquer resposta que eu fosse dar. - Quando quiser me dar meu prêmio é só falar. - entregou os dados para um casal que esperava para jogar.
- Eu só pedi pra você pagar as bebidas. - queria que ele entendesse a diferença de pedidos que tinha ali.
- Quem mandou você não ser criativo. -Me deu as costas e foi ao bar, voltando com mais duas garrafas. - Não precisa ficar com essa cara, eu não vou te beijar. - me entregou uma delas. - Embora eu queira. - disse a última parte mais baixa e eu fiz questão de fingir que não tinha escutado.
O volume da música aumentou e uma nova havia começado a tocar. estava se balançando no lugar e apesar de eu não ser um bom dançarino, pelo menos não sóbrio, lembrei que não deveria me julgar e decidi chamá-lo para a pista de dança.
- Podemos ir para a pista dançar se você quiser. - ele me olhou em dúvida.
- E você dança? - neguei com a cabeça.
- Não, mas quem liga. - dei de ombros e o segui entre as pessoas para a pista de dança que era mais próxima de onde um dj estava.
Estava distraído balançando a cabeça no ritmo da música e observando as pessoas ali e só percebi que tinha parado de andar quando senti meu corpo se chocando com o dele.
- Foi mal, estava distraído. - me senti um pouco sem graça com ele me olhando por cima do ombro.
- Relaxa, cara. - ele se virou de frente e começou a se mover na batida da música.
passou a mão no cabelo, colocando-o para trás. Em seguida deslizou a mesma pelo pescoço, peito, barriga e até a coxa, tudo isso sem parar de me olhar e era como se ele me hipnotizasse com os movimentos. No instante seguinte senti o braço dele passar pela minha cintura e me puxar para mais perto, ignorei a sensação.
- Estamos muito longes um do outro para o meu gosto. - senti o aperto da mão dele em minha cintura.
- Você estava tentando me seduzir, ? - perguntei levando a garrafa à minha boca, ele não respondeu e nem precisava. - Conseguiu.
Fechei os olhos e continuei dançando, pelo jeito de eu diria que ele adorava essa atenção e não dá-la a ele era meu jeito de conseguir uma vantagem, independente do que aquilo significava. Senti a mão dele não mais em minha cintura e não me importei, continuei dançando e bebendo, repetindo em minha mente que não deveria pensar em nada e sim aproveitar.
Congelei no lugar ao sentir a proximidade de alguém atrás de mim, abri os olhos instantaneamente e percebi que era , encostou o peito em minhas costas e continuou a dançar como se fosse algo normal. Tentei relaxar e continuar dançando, mas parecia que a missão dele aquela noite era realmente me provocar. Senti os lábios dele deslizando em minha orelha e um arrepio percorreu o meu corpo, o que eu esperava que ele não tivesse percebido.
Era, de certa forma, estranho para mim perceber que outro homem conseguia causar as sensações que eu havia sentido outras vezes, mas com mulheres. A ideia de que aquilo não era certo ocupou minha mente de uma vez só e como se pudesse perceber que eu estava racionalizando, chamou minha atenção mesmo sem saber. Senti sua mão em minha nuca e joguei a cabeça para trás de uma vez, fazendo-o tirar a mão.
- Me desculpe! - pedi um pouco sem graça. - Tenho uma certa… agonia no pescoço. É tipo ponto fraco ou algo do tipo, não tenho muito controle.
- Ponto fraco é? - ele sorriu de canto. - Informação interessante e valiosa, . - mordeu o próprio lábio inferior e eu desviei o olhar, voltando a olhar para frente. - Aliás, você é todo interessante. - senti a mão dele descendo por minhas costas e parando bem próximo a minha bunda. Ri fraco percebendo que a intenção dele ali era outra.
- Minha bunda realmente te atrai, não é? - me assustei com o que saiu da minha boca. O álcool já estava fazendo efeito. Ouvi a risada dele e simplesmente empinei meu corpo de forma que a mão dele foi para onde ele queria.
Aquilo era muito para minha cabeça, mas surpreendentemente eu não tinha a menor vontade de sair dali. passou a mão vagarosamente e parecia estar adorando aquilo, mas eu estava começando a ficar constrangido e me virei de frente para ele. Para minha surpresa ele não soltou minha bunda e sim a apertou.
- Tudo tem limite. - disse dando um tapa na mão dele, fazendo-o tirar ela dali. E mais uma vez tudo o que ele fez foi rir.
- Ok, ok. Reconheço que fui com muita sede ao pote. Vou com mais calma. - se afastou um pouco e bebeu um longo gole de sua garrafa. - Mas que foi um sonho realizado, isso foi. - e riu ainda mais da minha cara assustada.
terminou a bebida e indicou que iria buscar mais duas cervejas para nós. Ao invés de ir direto ele fez questão de passar atrás de mim e passar sua mão em minha cintura. Agradeci por estar com a garrafa na boca. Engoli e respirei fundo, acompanhando-o com o olhar. O que estava acontecendo? Neguei com a cabeça e esvaziei a minha garrafa, vendo-o se aproximar com uma nova. Peguei assim que ele me entregou a garrafa gelada e dei um longo gole.
- Há quanto tempo conhece isso aqui? - perguntei próximo ao ouvido por causa do barulho que parecia ter aumentado e ele me puxou pelo braço, fomos para um corredor e cruzamos uma porta super discreta que dava para o beco do lado de fora do pub.
- Aqui é melhor para conversar. - se encostou na parede e eu me encostei ao lado dele notando umas poucas pessoas ali. Três caras fumando, um casal conversando ou se pegando, e duas garotas mais afastadas. - Te respondendo, eu dou umas saídas da escola quando não consigo dormir. - ele deu de ombros.
- Isso acontece muito?
- Mais do que eu gostaria, mas já acostumei.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, a noite não estava muito fria então estava agradável ali. desencostou da parede e foi até os caras que estavam fumando e voltou com um cigarro.
- Quer? - ele me ofereceu e eu neguei com a cabeça.
- A bebida em meio de semana e escondido já está de bom tamanho. - brinquei e ele entendeu o que eu quis dizer. Eu já estava fora da minha zona de conforto a muito tempo e eu tinha limites. - Não sabia que você fumava. - E então me dei conta de que não sabia tanto assim sobre ele.
- Não fumo. - ele respondeu tragando o que estava na mão dele. - Só quando estou ansioso ou estressado. Não dormir faz isso comigo. - assenti e bebi mais um pouco.
Encarei de cima a baixo e acho que não fui discreto.
- O que foi? - ele perguntou rindo, provavelmente estranhando também a minha atitude. O olhei mais uma vez de cima a baixo.
- Estava pensando em nomear alguma parte sua também. - a risada alta dele ecoou pelo beco.
- Gostei. O que vai nomear?
- Não sei, não sou criativo. Já te olhei de cima a baixo três vezes e nada. - fiz uma careta.
- Talvez precise olhar mais. - sugeriu. - Não me importo. Fique a vontade. - concordei com a cabeça e levei a mesma para trás, encostando na parede. Olhei para o lado e vi as duas garotas olhando em nossa direção.
- As garotas estão interessadas em você. - soltei, encarando o céu.
- O que? Em mim? - ele riu como se a chance daquilo acontecer fosse mínima.
Um sentimento diferente tomou conta de mim, pela primeira vez eu não queria agradar a ninguém senão a mim mesmo. Eu não queria que ficasse com alguma delas, e eu não queria ficar com nenhuma delas. Num ímpeto me virei ficando de frente para ele e o cerquei contra a parede. Ele arregalou os olhos, mas no instante seguinte o sorriso estava ali.
- Acabei de perceber que não gosto de concorrência. - soltei um pouco constrangido.
- E quem disse que você tem concorrência? - encarou minha boca e eu dei um passo à frente. Encarei os lábios dele e ele sorriu. Foi o que bastou para que eu unisse nossas bocas.
era mais alto que eu e nunca tinha beijado alguém mais alto, mas também nunca tinha beijado um cara, mas todos esses pensamentos sumiram quando senti a mão dele em minha nuca, a língua dele passando por minha boca e retribuindo o beijo com intensidade. Eu não conseguia distinguir o que sentia, meu coração batia forte, a adrenalina corria, mas eu me sentia feliz, livre. Com o braço em volta da minha cintura ele me puxou mais para perto, diminuindo ainda mais a distância entre nós, e eu passei a mão pela lateral de seu tronco, explorando o máximo de contato que eu podia já que a outra mão estava com a garrafa. A minha língua estava gelada por causa da cerveja e o gosto de misturava com a menta da dele, provavelmente pelo cigarro. Deixei que controlasse a situação, afinal ele tinha muito mais experiência naquilo do que eu e eu só queria aproveitar o momento. Senti uma mordida leve no meu lábio inferior e abri os olhos quando ele rompeu o beijo.
- Uau! - soltou com um sorriso leve e eu desviei meu olhar me sentindo um pouco envergonhado. - Sem dúvidas você conseguiu me surpreender. - volto a olhar para ele. - Sem dúvidas o melhor prêmio que já ganhei no dardo.
- Bom saber. - sorri de lado. - Talvez aconteça mais vezes.
Os lábios dele estavam bem mais avermelhados que o normal, o que me levou a acreditar que os meus não estavam muito diferentes.
- Talvez? - ele indagou. - Talvez é algo tão vago. - brincou, passando os lábios por cima dos meus, mas sem me tocar. Aquilo me fez perceber que eu gostaria de beijá-lo de novo.
- Vago é bom, deixa trabalho para imaginação… - dei de ombros. - Acho que encontrei a minha parte preferida do seu corpo. - comentei como se estivesse falando da sua camisa.
- Encontrou, é? Me diga qual é então. - umedeceu os lábios de um jeito safado.
- Não. - sorri e dei um selinho rápido. Ele continuou com a expressão surpresa e sorriu logo em seguida.
Minha mão tinha se demorado bastante no abdômen dele durante o beijo e eu sabia que não havia mistério sobre ser minha parte preferida, mas um joguinho parecia mais interessante.
- Só um beijo? - usou um tom de frustração.
- Só e só porque essa boca sua é tentadora. - eu estava gostando de poder falar o que eu pensava. Claro que parte daquilo era graças a bebida, já que eu tinha passado da quantidade que eu geralmente bebia.
Ele virou o rosto para o lado deu um gole na cerveja e eu fiz o mesmo com a minha. Segurei a respiração ao ser pego desprevenido com sua boca em meu ouvido. - Acho que estamos causando inveja. - ele disse e virei meu rosto, notando que ele se referia às garotas que nos olhavam antes.
Senti a mão dele em minha cintura voltando a me puxar para perto e depois desceu, quase tocando em minha bunda mais uma vez. Agi por impulso pela segunda vez naquela noite, falei algo que soou estranho até para mim.
- Isso é porque elas não estão sentindo isso aqui. - volto a passar a mão livre pelo abdômen dele, por debaixo da camisa e sinto ele reagir, contraindo o mesmo. Surpreendendo ele novamente e até a mim mesmo, volto a beijá-lo intensamente, eu só queria todas as sensações de antes em mim novamente. A mão dele logo estava em minha nuca, me puxando contra ele e retribuindo da mesma forma que antes.
- Estou gostando bastante desses seus beijos surpresa. - comentou e distribuiu beijos em meu maxilar, até chegar ao meu pescoço, onde passou a língua. Tento relaxar e aproveitar o toque, mas me afasto rapidamente deixando-o um pouco confuso.
- Eu sou o certinho, lembra? Nada de marcas. - riu, incrédulo. - Pelo menos não em lugares visíveis. - Não queria ter que explicar nada para ninguém.
- Ok, sem marcas, garoto exemplar. - ele tragou o cigarro que já estava no fim mais uma vez. - Não brinque com fogo, Baker. - ele me olhou sugestivamente. - Não me provoque ou você vai acabar todo marcado.
Não tive nem tempo de pensar o que aquelas palavras significavam e dessa vez quem me beijou de surpresa foi ele. Um beijo até mais intenso do que os anteriores, deixando bem claro que ele não estava brincando.
- Meu auto controle é péssimo. - ele soltou entre o beijo e eu apenas sorri. O meu era ótimo, quase cem por cento do tempo.
Não sei quanto tempo passamos ali, conversando, rindo e nos beijando. Decidimos voltar para dentro quando as cervejas acabaram. Estávamos na metade do caminho até o balcão quando notei um cara que se parecia muito com Mike, o melhor amigo do meu irmão. O que ele estaria fazendo em Bibury quando ele morava em Oxford? Rapidamente me toquei da situação em que estava, com e com o risco que eu corria se ele me visse ali. Puxei pelo braço na direção oposta e mesmo sem entender o que estava acontecendo ele foi comigo.
- O cara de vermelho está atrás da gente? - perguntei me achando bastante paranoico.
Ele virou a cabeça para trás sem parar de andar.
- Está sim.
Apressei o passo e entramos no banheiro. Quando estava prestes a trancar a porta do box, entrou nele e eu ia expulsá-lo dali, mas a porta do banheiro fez barulho e ele colocou a mão sobre a minha boca e trancou a porta do nosso box.
- Sobe no vaso. - ele disse sem emitir som e eu obedeci. Eu estava muito ferrado, minha vida e reputação estavam por um fio. E eu estava trancado num box com o , o que era tentador, mas eu estava desesperado.
Ele tirou a mão da minha boca e me beijou! Aquele era um péssimo momento, mas por mais incrível que fosse, senti meu coração se acalmando. Nervoso eu provavelmente só pioraria a situação. sorriu convencido, vendo que sua ideia tinha funcionado e eu rolei os olhos.
- Qual o nome dele? - perguntou, só com o movimento dos lábios.
- Mike. - respondi da mesma maneira. fez um sinal para que eu permanecesse lá e corresse quando eu tivesse a chance. Era um péssimo plano, até porque eu não sabia o que ele ia fazer, mas eu estava desesperado.
Ele destrancou a porta e saiu, deixando a mesma bater como se estivesse vazio.
- Mike, é você? - ouvi perguntar como se fosse um conhecido que não via há muito tempo. Prendi a respiração com medo de me entregar e fiquei atento.
- Não, meu nome é Jeff. - ouvi o cara responder e a torneira foi acionada.
- Nossa, você parece muito com um amigo meu. - mais barulho de água e papel toalha, e a porta do banheiro fez barulho de novo.
Sentei no vaso e respirei aliviado, era apenas minha mente me pregando uma peça. abriu a porta do box e gargalhou da minha cara de alívio.
- Você, definitivamente, se preocupa demais. - rolei os olhos e respirei fundo novamente. - Vem, vamos embora. - ele pegou minha mão me puxando para fora do banheiro e para fora do pub.
- Muita emoção para uma noite só. - afirmei no caminho de volta.
- Isso é bom ou ruim? - senti seu dedo me cutucando.
- Depende de qual emoção você está falando. - bocejei e percebi que ia dormir assim que encostasse na cama.
- De me beijar, é claro. - usou um tom convencido e eu ri com ele.
- Você sabe a resposta. - eu estava um pouco mais sóbrio depois do susto e não queria ter que falar aquilo em voz alta. - E a propósito, nunca falaremos disso no internato, ok? - ele ergueu as mãos como quem se rende.
- Não se preocupa, . Não sou fofoqueiro e essa é definitivamente uma das coisas que quero guardar pra mim.
Fizemos o resto do caminho em silêncio e logo estávamos no dormitório. Troquei de roupa rapidamente e me joguei na cama. Esperava dormir pelo menos umas três horas até as aulas.
- Boa noite. - sussurrei para . Me ajeitei sob as cobertas e fechei os olhos.
- Boa noite. - escutei a voz dele mais próxima do que eu esperava e abri os olhos em tempo de sentir os lábios dele num selinho rápido, fazendo meu coração parar da garganta. Dei um tapa nele e ouvi o riso dele ao subir no beliche. Fechei os olhos com um sorriso no rosto e então adormeci.
Nos dias que se seguiram eu reconhecia que estava com um bom humor que não me lembrava de ter tido. Claramente eu estava disfarçando bastante, não queria chamar atenção por um comportamento diferente. Eu gostava muito de estar feliz, mas essa felicidade me fazia refletir sobre a minha vida e quando eu fazia isso era como ganhar um belo tapa na cara, pois era gritante o quanto a vida que eu levava não me agradava. havia sido como uma bomba que explodiu na minha cara, em resumo tudo era culpa dele, ou melhor dizendo, tudo era graças à ele. Tanto sobre as minhas reflexões sobre a minha vida como pelos momentos que passamos juntos, afinal os beijos dele não eram algo fácil de esquecer.
Estava passando pelo corredor na hora do jantar, no sentido contrário, ainda preferia comer quando estava mais vazio. Me assustei quando senti meu braço sendo puxado e fui para dentro de uma sala de aula, que àquela hora estava vazia e escura.
- Quer me matar do coração? - briguei com ao reconhecê-lo.
- E você quer fazer a gente ser pego? Fala baixo! - ele falou sério e me encurralou entre ele e a parede ao lado da porta, pois se alguém olhasse pelo vidro não nos veria ali.
- O que você está fazendo? - perguntei em tom baixo e ele rolou os olhos.
- Sério que você não sabe? - sussurrou em meu ouvido e senti um arrepio subir na coluna.
- Aqui não, ! - reclamei com as mãos em seu peitoral, pronto para afastá-lo de mim, mas eu não queria realmente que ele se afastasse e ele pareceu perceber.
- Fale que não quer e eu saio da sala. - ele rebateu prontamente me deixando sem palavras.
- É perigoso. - foi tudo que respondi.
- Um pouquinho de perigo não faz mal a ninguém. - e aproveitando da posição, uniu a boca na minha e ao invés de afastá-lo, o puxei para mais perto.
O beijo foi curto e seguido de alguns selinhos. Aquilo era muito arriscado, a chance de dar merda era muito grande para que eu, de fato aproveitasse o momento.
- Isso não pode acontecer aqui. - foi a última coisa que eu falei antes de sair da sala, e que, claramente, não fez efeito nenhum.
Vez ou outra me provocava em público e era quando eu agradecia por ter um autocontrole tão bom. Outras vezes ele dava um jeito de ficar a sós comigo e roubava um beijo e apesar de ficar com raiva no começo, com o passar do tempo eu acabava rindo do jeito dele e também disfarçava cada vez menos a nova pessoa que eu vinha sendo.
Outro fim de semana havia chegado e por um milagre era um ensolarado, o que fez praticamente todos os alunos aproveitarem a oportunidade de usar roupas de banho e nadar no lago. Aquilo, com certeza, seria um prato cheio para os meus pais reclamarem que eu não estava pensando em meu futuro trocando um dia de estudos por um dia no lago. Não que eu realmente fosse estudar no final de semana, mas ali eu estava escondido.
Peguei meu tablet na mochila juntamente com meus fones de ouvido e voltei para a cama, em pouco tempo estava colocando uma das minhas séries preferidas em dia. Estava no meio do segundo episódio quando ouvi um grito de agonia e senti a cama balançar. Tirei os fones rapidamente, saí da cama e olhei para a cama de cima, vendo um sentado, suado e ofegante e eu nem mesmo sabia que ele estava ali.
- O que foi? - perguntei preocupado, subindo na escadinha para ficar mais alto. - Está tudo bem?
fechou os olhos e passou as mãos pelo cabelo, respirando fundo duas vezes antes de voltar a abrir os olhos e me encarar.
- Está sim. - esboçou um sorriso que não me convenceu. - Foi só um pesadelo.
- Tem certeza? - perguntei com cuidado, não queria ser invasivo, mas eu sabia que ele tinha dificuldade para dormir e eu nunca tinha o visto dormir até o meio da manhã.
- Tenho sim. - eu saí da escada e ele desceu da cama em seguida. - Vou tomar um banho. - avisou pegando uma das toalhas no armário a caminho do banheiro.
Voltei a colocar os fones e assistir o episódio, mas minha mente alternava entre a série e até que me perdi em pensamentos.
- ? - balancei a cabeça vendo estalar os dedos na frente do meu rosto.
- Oi. - respondi vendo que o episódio já tinha acabado a algum tempo.
- Estava pensando em quê? - deitou ao meu lado na cama me empurrando para o lado.
- Em você. - olhei para ele e comecei ao ver a cara sedutora que ele fez. - Não nesse sentido, seu besta! - dei um tapa no braço dele e ele riu alto.
- Eu estou bem, eu juro. - eu não tinha opção a não ser acreditar. - O que está vendo? - tirou um fone e colocou no ouvido dele.
- Estava vendo Suits, mas perdi o final do episódio. Quer ver outra coisa? - entreguei o tablet para ele e peguei um pacote de M&M’s dentro da minha mochila.
- Esse filme parece bom. - voltou a apoiar o tablet na cama. Dei o pacotinho para ele e ele me olhou. - Está me dando isso?
- Sim. Quando eu era criança e tinha pesadelos eu sempre ganhava um desses da governanta. - expliquei.
- Vou ignorar o fato de ser considerado criança, mas como eu adoro doce, vou comer assim mesmo. - deu play no filme e começamos a ver sem eu saber nem o nome.
Durante a semana deu uma sumida, mas não era a primeira vez, já que ele acabava aceitando os pedidos de participar de jogos, organizar festas e outras coisas que eu não preferia não saber e não me meter. Na quinta-feira recebi outra mensagem do tal número bloqueado, novamente informando sobre outra corrida clandestina que aconteceria na noite de sábado. Provavelmente coisa do , mais uma vez, no entanto preferi esperar ele falar comigo sobre. Ignorei a mensagem e nem toquei no assunto com ele quando nos encontramos no dia seguinte.
- Você vai dessa vez, não vai? - fui pego de surpresa ao sair do banho.
- Do que você está falando? - preferi me fazer de desentendido.
- Você sabe do que. É o nosso assunto do banheiro. - joguei a primeira peça de roupa suja que vi na minha frente nele.
- Dá para você pensar antes de falar? Você ainda vai me comprometer! - reclamei e terminei de me vestir.
- Não fuja do assunto, . - ele cruzou os braços e eu desviei o olhar.
- Você sabe que eu não posso, . - catei a peça de roupa suja e levei para a pilha de roupas para lavar.
- Quem quer arruma jeito, quem não quer arruma desculpa. - ele soltou a frase de efeito, que mesmo se fosse brincadeira tinha um fundo de verdade.
- Outch. - passei ao seu lado indo para a minha cama.
- Você sabe que só estou tentando te convencer a participar. - ele sentou na minha cama antes mesmo que eu o fizesse.
- E você sabe que não tem como. - suspirei frustrado. Eu me sentia como um passarinho que descobriu que existe vida fora da gaiola, mas que não pode sair quando ele quiser.
- . - me puxou para sentar na cama de frente para ele. - Isso é uma coisa que você tem vontade de fazer? - mal abri a boca e ele me cortou. - Não pensa em ninguém além de você e me responde.
- Seria bom não correr sozinho pra variar. - respondi baixo.
- E se eu der um jeito de não saberem que é você, você corre? - ele propôs com cuidado.
- Não sei, não conversei sobre alugar o carro para esse fim de semana e… - me interrompeu novamente.
- Só pensa e amanhã cedo você me diz. Se você quiser eu prometo que ninguém vai saber. - era estranho a forma como ele queria aquilo por mim, eu não era acostumado com isso, mas se ele estava disposto, talvez valesse o esforço.
- . - chamei e ele me olhou de cima do beliche. - Eu vou. - o sorriso dele ocupou todo o rosto.
- Aposto que você vai ganhar! - ele teria continuado a conversa se o pessoal não começasse a voltar para o dormitório naquele minuto.
Sábado cedo mandei uma mensagem confirmando que eu poderia usar o Jaguar naquela noite e depois mandei outra mensagem para confirmando que participaria. Não o vi o dia todo, o que me deixou bem apreensivo, se eu não conseguisse me esconder tudo ia por água abaixo. E então ele apareceu com uma mochila.
- Estamos sozinhos. - eu confirmei a pergunta muda dele ao notá-lo olhando as cabines do banheiro.
- Você vai precisar dessas coisas aqui. - abriu o zíper da mochila e começou a tirar os itens. - Vai usar esses óculos falsos de grau, esse boné também e eu trouxe uma roupa que não se parece nada com você e essa tatuagem falsa para o seu braço.
- Você tem certeza que isso vai funcionar, ? - eu me senti nervoso de uma forma que nem me lembrava de já ter me sentido assim antes.
- Confia em mim, . Vai dar tudo certo. - ele apertou meu ombro e apenas confirmei com a cabeça. - Eu preciso voltar para a organização, então vamos colocar essa tatuagem logo no seu braço.
- E o restante eu visto na oficina. - estiquei meu braço para que ele colocasse no lugar, em seguida ele jogou água por cima e depois de um tempo com aquilo no braço ela tinha sido transferida do papel para a minha pele.
- Te vejo mais tarde. - e roubando um selinho me deixou plantado no banheiro.
Tinha algum tempo que aquilo não acontecia e não achei que fosse voltar a acontecer. Corri para pegar uma blusa de frio para tapar o braço ou eu mesmo colocaria tudo a perder.
Estava inquieto e praticamente contando os segundos com o relógio, o tempo parecia se arrastar e nada era o suficiente para segurar minha atenção por mais de cinco minutos. Por isso decidi sair até um pouco antes, logo que começou a escurecer. Peguei a mochila que tinha levado para mim e coloquei mais algumas coisas, como meu celular, minha carteira e outra muda de roupa. O internato estava bem quieto e eu saí com cuidado evitando chamar a atenção. Fiz o caminho da mesma forma, mas por duas vezes olhei para trás com a sensação de que alguém estava me vigiando. Ri imaginando que me chamaria de paranóico e como nas outras vezes entrei pelo fundo da oficina.
Entreguei o dinheiro pelo aluguel do Jaguar e fui me trocar, uma camiseta com uma estampa tão colorida que considerei ter vindo do Havaí e uma calça bem larga, um número ou dois a mais que o meu. Ri sozinho imaginando se isso seria o suficiente para que os alunos que estivesse na corrida não me notassem. Senti meu celular apitar e o peguei vendo uma mensagem de .
: “Tudo pronto por aqui. Já pegou o carro?”
: “Tudo sim, estou saindo em 5 minutos.”
: “De onde você tirou essa roupa? Cabem quase dois de mim nessa calça.”
: “Tinha que disfarçar a BeBe. Acho que você não tem ideia do quanto ela chama atenção.”
: “Te encontro onde combinamos.”
Guardei tudo no carro e deixei a oficina com o meu novo visual. As ruas já estavam escuras e isso contribuia bastante, me deixava um pouco mais aliviado. Mas foi só me aproximar do local da corrida que comecei a me sentir agitado novamente, isso devia ser adrenalina. Parei mais afastado como tinha pedido para eu fazer e ele saiu de trás de uma árvore, entrando no carro logo em seguida.
- Eu sou um gênio. - ele disse, visivelmente satisfeito com o trabalho dele em me transformar.
- Estou nervoso. - confessei sentindo meu coração batendo mais rápido.
- Não fique, pelo que eu vi do pessoal por aqui e na última corrida, suas chances são boas, até porque você já correu lá muitas vezes. - assenti. - Vai ser o percurso longo, colocamos um latão com fogo no final. Vocês vão dar a volta nele e voltar.
- Certo. - respirei algumas vezes me concentrando.
- São cinco carros, e as apostas no corredor misterioso foram mais altas do que eu esperava. - ele sorriu satisfeito. - Já deixei avisado que respondo por você e quando terminar a corrida você volta pra cá que eu tenho o mais rápido que eu conseguir. - apenas concordei com a cabeça novamente. Sentia meu estômago alterado e respirei fundo algumas vezes. - Boa sorte. - me desejou e saiu do carro em seguida.
Respirei várias vezes para controlar meu nervosismo e depois de trabalhar em meu foco, dirigi até a largada, parado ao lado dos outros quatro carros. Não foi difícil avistar em uma arquibancada mais próxima da largada que eu julgava ter a ver com o pessoal da organização, apostas e tal. Tive a impressão que ele sorriu e retribui.
Uma loira com um corpo bem definido e algo que parecia mais uma calcinha e sutiã entrou no meio dos carros segurando o pano que dava a largada. Me lembrei da outra corrida quando não voltou ao dormitório e disseram que ele tinha ido embora com a garota da largada. Ela não fazia meu tipo, também não achei que fizesse o do , mas não era hora para esse tipo de pensamento. Eu tinha uma corrida para vencer.
A primeira buzina tocou para chamar a atenção dos corredores, todos aceleramos e o barulho foi ficando cada vez mais alto. A contagem de três segundos aconteceu e a loira fez o sinal de início. Acelerei e saí em terceiro, não era o que eu esperava, mas como havia dito, eu conhecia aquele percurso, eu podia tirar vantagem disso.
Aproveitei a primeira curva e passei para a segunda posição, na reta seguinte eu consegui parear o carro com o primeiro, mas ele pegou a vantagem na curva e continuou na frente. Vendo a minha proximidade ele me fechou uma, duas, três vezes. Nós já tínhamos feito a volta no tambor e eu acelerei ao máximo, sabendo do risco que eu correria naquela curva, era a última curva e vendo que eu não tinha a intenção de diminuir minha velocidade ele abriu a curva e eu passei por dentro da mesma, ficando em primeiro lugar. Agora era conseguir segurar a posição. Ele estava praticamente colado no meu carro e eu o fechei como ele havia feito comigo. Eu conseguia ver a linha e acelerei ao máximo sem me importar. O segundo lugar conseguiu ficar ao meu lado, eu na frente, ele na frente, eu passava e ele passava novamente. Fechei os olhos e travei meu pé no acelerador. E então sem saber muito o que aconteceu eu tinha chegado em primeiro. Percebi isso pela comemoração de que enxerguei pelo retrovisor. A loira estava grudada nele, e isso não passou despercebido. A diferença devia ter sido mínima, mas não podia parar ali e muito menos sair do carro, então segui para o ponto onde o encontraria, não sem antes dar uma boa olhada no retrovisor novamente. A loira estava se jogando para cima do e ele parecia fazer de tudo para afastá-la dele. Estranhei, mas segui o meu caminho.
Olhei no espelho e tirei os óculos falsos, percebi o sorriso de satisfação em meu rosto. Eu tinha conseguido, eu tinha feito algo que eu adorava e não tinha me comprometido nem um pouco. Ganhar fazia tudo ser ainda melhor, me fazia acreditar que eu era realmente bom e a sensação de liberdade crescia dentro de mim. apareceu correndo e se jogou no banco do carona com um sorriso tão grande quanto o meu.
- Você conseguiu! - ele gritou.
- Consegui! - confirmei na mesma animação.
No instante seguinte meu rosto estava entre as mãos dele e os lábios dele estavam nos meus mais uma vez. O carro estava afastado e isso não significava que era seguro, mas não tinha espaço em minha mente para pensar sobre isso nesse momento. Retribui o beijo o puxando para mais perto com uma das mãos enquanto a outra foi para a nuca dele. Ele tirou meu boné e puxou uns fios, senti ele sorrir entre o beijo e o cortei em seguida, quando o ar me faltou.
- Quero te levar em um lugar. - disse e me senti perdido, mas o cérebro dele funcionava mais rápido e diferente. - Tudo bem?
- Claro. - dei de ombros. Eu me sentia em êxtase e provavelmente toparia qualquer coisa naquela noite.
- Não vai dizer que precisa voltar para o dormitório para ninguém dar falta de você? - arqueou a sobrancelha me provocando.
- Não devo satisfação para ninguém. - devolvi num tom de obviedade e sorri em seguida.
- Até que enfim! - fez uma encenação exagerada de agradecimento. - Troca de lugar então. - disse já saindo e dando a volta no carro. Pulei para o lado do passageiro e o deixei dirigir. - Não dirijo bem como você, mas prometo que você não vai morrer.
Nós pegamos a estrada por um tempo e eu sabia que já não estávamos mais em Bibury, mas eu não conhecia todos os vilarejos e não estava me importando. parou no drive-thru de um McDonald’s que eu nem sabia que existia ali e me surpreendi por ele saber qual era meu sanduíche preferido, não me lembrava de ter contado para ele.
- Nada de comer agora. - ele roubou a batatinha da minha mão e comeu. - Nós já estamos chegando, vamos comer lá.
Não demoramos mais que dez minutos e estávamos no meio do nada. Um nada muito bonito, por sinal. deixou o farol do carro ligado e saímos dele com a comida na mão. Era um descampado, com uma grama verde que se estendia por tudo o que eu conseguia ver. Ele se sentou na grama e bateu para que eu me sentasse ao seu lado.
- Isso aqui é lindo. - comentei pegando o sanduíche que ele me entregou.
- E você nem viu a melhor parte. - ele sorriu e me deixou curioso. - Vamos comer e eu te mostro. - concordei com a cabeça e dei uma mordida no sanduíche.
- Impressão minha ou a loira estava bem afim de você? - perguntei quando a imagem veio à minha mente e ele rolou os olhos.
- Menina chata. Fiquei com ela uma vez e ela acha que é pra sempre. - ri fraco, não tinha o que acrescentar. - Prefiro passar meu tempo com você.
- É recíproco. - ele sorriu de volta e comemos o restante do lanche em silêncio, apreciando a paisagem.
pegou o saco com o nosso lixo e se levantou.
- Já volto. - correu para o carro e desligou o farol, deixando tudo um completo breu. Demorou um pouco para eu acostumar com a escuridão e então eu olhei para cima vendo o céu mais estrelado do que nunca. Sabia que as luzes da cidade impediam de todas as estrelas, mas ali elas e a lua estavam maravilhosas, ainda mais num céu praticamente sem nuvens.
- Como descobriu isso aqui? - o olhei mesmo que só conseguisse ver o que a lua iluminava.
- As noites sem dormir me rendem muitos lugares interessantes. - mordi minha boca por dentro, isso não estava certo. - Esse foi meu favorito. É bom pra ficar sozinho.
- E por que eu estou aqui então? - o empurrei com o ombro e ele aproveitou para deitar na grama, me puxando logo em seguida e então me deitei ao lado dele.
- Sei lá, me deu vontade de dividir com você. - ficamos em silêncio por um tempo. - Acho que o fato de você ter feito algo que você quis me deixou feliz.
- Obrigado por ter insistido. - percebi que novamente eu estava sorrindo. - Não imaginei que me sentiria tão…
- Bem? - ele sugeriu enquanto eu procurava a palavra que queria.
- Realizado, eu acho. - estiquei meus braços e para minha surpresa se aconchegou em meu corpo. Deitou a cabeça em meu peito. - Me mostra que a vida é muito mais do que eu pensava, muito mais do que eu fazia.
- Com certeza seus pais me achariam uma má influência. - bocejou em seguida.
- É provável. - ele pegou minha mão e colocou no próprio cabelo.
- Folgado você, hein? - comecei a mexer no cabelo dele e senti a respiração dele se acalmando cada vez mais, até que ficou num ritmo regular. Ele havia dormido e eu estava feliz com aquilo, apesar de não estar confortável na grama.
Continuei encarando as estrelas e pensando sobre várias coisas da minha vida, até que também peguei no sono.
A claridade começou a incomodar logo, mas evitei me mexer muito pois ainda dormia. Em pouco tempo ele se mexeu e se sentou, fiquei o observando de onde eu estava por um tempo, até ele olhar para trás e ver. Abriu um sorriso.
- Me admirando em segredo, ? - ergueu uma sobrancelha sugestivamente.
- Sempre que eu posso. - devolvi num sorriso e ele riu.
- Olha, estou adorando essa nova versão sua, sem filtro. - fez uma cara de surpresa. - A propósito, desculpa ter abusado de você. - ele apontou para trás, se referindo a ter dormido praticamente abraçado comigo. - Não sabia que você era tão gostoso para dormir também. - senti meu rosto esquentando e tentei disfarçar, o que não deu certo já que ele ria muito.
- Fiquei feliz de você ter dormido, sinto que isso quase nunca acontece. - falei ainda sem olhá-lo.
- Eu vou para o inferno, mas adoro quando te deixo sem graça. - o olhei. - Você é gostoso, devia aceitar isso. - deu de ombros, se levantou e eu também.
- Você não tem limite nenhum mesmo. - peguei a mochila dentro do carro e me troquei o mais rápido possível, voltei a colocar o casaco para esconder a tatuagem falsa.
- Pode voltar dirigindo, vai ter que devolver o carro mesmo. - me entregou a chave e entrou logo no lado do passageiro.
- Alguém pode ver o carro e associar. Que merda! Eu devia ter pensado nisso. - dei partida sentindo o mau humor aparecer.
- , pode parar ou te beijo de novo como fiz no banheiro. Eu sei que funcionou. - disse convencido e eu sorri de lado, alternando o olhar entre ele e a estrada.
- Isso é golpe baixo, você me tenta demais. - reclamei, mas ele sabia que não era de fato algo que eu achava ruim.
- E não é nem metade do que eu gostaria. - levou a mão a minha coxa e a apertou. - Ai. - reclamou quando dei outro tapa na mão dele.
- Não é hora disso. - respondi voltando a colocar as duas mãos no volante.
- Só porque você não quer.
As brincadeiras e provocações continuaram por todo o caminho de volta e apesar de ainda me sentir um pouco apreensivo eu tentei não demonstrar. Eu estava com a sensação de que algo não estava certo e eu esperava estar errado. Devolvemos o carro, paguei a diferença e caminhamos até o internato. Lá me deu o dinheiro das apostas que formavam o prêmio vencedor e mesmo sem precisar eu guardei nas minhas coisas.
Domingo se passou sem maiores emoções, assim como as aulas de segunda de manhã. Quando saímos da sala de aula, não me deixou fugir do refeitório como eu normalmente fazia e sem escolha acabei indo almoçar junto com os outros. Nos servimos e mal tínhamos nos sentado em uma das mesas, junto com outros quatro alunos, quando Maya se aproximou e naquele instante, pela expressão dela, eu percebi que algo muito ruim estava prestes a acontecer.
- Olha só quem resolveu almoçar junto com todo mundo. - ela tinha um tom ácido e provocador na voz e senti fechando as mãos em punho. A segurei por debaixo da mesa, não queria briga nenhuma ali.
- Oi, Maya. - disse simplesmente como faria em qualquer outro dia.
- Realmente você está mudado. - ela aumentou o tom de voz e atraiu alguns olhares para nossa mesa, inclusive o dos outros alunos que estavam sentados nela. - Devo te chamar de piloto de racha ou de namorado do . - alguns alunos gritaram e isso atraiu ainda mais atenção.
Seria um ótimo momento para eu me sentir arrependido por ter feito o que fiz, mas isso não aconteceu. Senti que estava prestes a se levantar e tirar satisfações com ela, mas o segurei.
- Quem diria, não é mesmo? O melhor aluno da turma, o mais certinho, saindo com ele na calada da noite. - apontou para . - e participando de algo tão perigoso quanto corrida. Mas eu sempre soube que tinha algo de errado com você, e agora eu sei o que é e vou contar para quem quiser saber. - tinha um olhar de vitória sobre mim que eu não entendia. O que eu tinha feito para ela? - Seus pais, talvez? - ela usou um tom sugestivo e eu me levantei de uma vez, atraindo os olhares para mim.
- Faça o que você quiser. - não seria um covarde naquele momento e isso não tinha a ver com ou ninguém, tinha a ver comigo apenas. - Conte para quem você quiser. Mas o que você vai ganhar com isso? - ela provavelmente não esperava que eu fosse revidar, e diferentemente dela eu não tinha aumentado meu tom de voz. - Não vai fazer suas notas aumentarem, nem as minhas diminuírem. Não vai mudar quem eu sou.
- Você está falando da boca pra fora. - Maya me cortou. - Todo mundo conhece a sua família e o peso que a reputação tem para ela.
- Você tem razão, mas eu não sou eles, a vida é só uma e se eu não aproveitar, qual o sentido? O mundo muda a cada segundo e algumas oportunidades só se tem uma vez. Então você pode falar o que quiser de mim, achar o que quiser de mim, porque no final só importa o que eu acho de mim mesmo. E eu prefiro ser qualquer coisa, a ser só mais um. - o pessoal voltou a gritar, ela ficou calada com uma expressão não muito feliz e tudo o que fiz foi pegar minha bandeja e, depois de deixá-la com as outras, caminhar para a saída do refeitório.
- Para a sua informação, não somos namorados. Não sei se você sabe, mas amigos saem juntos. - ouvi a voz de e me virei mesmo estando quase do lado de fora. - E também se fôssemos, você não teria nada a ver com isso. - caminhou até ela e fez o que ninguém esperava, passou o purê de batatas no cabelo dela.
O olhar dela era quase assassino, no entanto apenas sorriu. - Isso foi por ter tentado constranger meu amigo. - simplesmente deu as costas e seguiu na mesma direção que eu.
- Não precisava ter feito isso. - falei quando já estávamos no corredor.
- Eu sei, você não precisava de apoio nenhum ali, fiquei até orgulhoso. - eu ri com ele. - Mas aquela garota me olha torto desde o primeiro dia de aula, ela merecia…
Fim.
Nota da autora: Olá! Primeiramente quero agradecer se você leu até aqui! Quem acompanha as minhas fics viu que essa saiu do padrão que eu costumo escrever, realmente não foi fácil sair da minha zona de conforto e sei que tenho chance de não agradar. Mas por ter conseguido e ter ficado satisfeita com o resultado eu tenho que agradecer a Rapha, por ter criado o personagem maravilhoso que é o e a ela e a Isis por todo o apoio em todas as vezes que fiquei insegura e quis desistir. <3 E também pela paciência da Laís com meus atrasos!
Quis compartilhar através dessa história uma coisa que aprendi esse ano e que me ajudou demais, que foi tentar fazer o que eu gosto ao invés de buscar agradar os outros.
Espero que tenham se divertido com esses dois! (#Travnus) hahaha
Beijos e até a próxima!
Não se esqueçam de dar um pulinho no grupo do facebook!
Quis compartilhar através dessa história uma coisa que aprendi esse ano e que me ajudou demais, que foi tentar fazer o que eu gosto ao invés de buscar agradar os outros.
Espero que tenham se divertido com esses dois! (#Travnus) hahaha
Beijos e até a próxima!
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