Capítulo Único
Não é caô, nem preciso falar
Tanto que melhorou, você não vai negar
Nosso amor tem tesão, cê sabe como é bom
Vale a pena entender
Não vê, o problema não é você
Cada um tem um jeito de viver
Pra mim tá tudo lindo assim
E agora eu vou dizer
Enquanto existir a sexta-feira
Enquanto não acabar com a saideira
Enquanto o pagode não parar de tocar
Também não vou parar.
Pousar no aeroporto do Galeão depois de quase três anos foi estranho. null não sabia o que esperar dos próximos dias, tampouco como seria a reação de algumas pessoas — uma, em especial.
Como já era de se esperar de uma noite do mês de Fevereiro, o clima estava quente e o aeroporto cheio — assim como o trânsito devia estar, o que fez null suspirar descontente; sabia que levaria mais tempo do que gostaria até Niterói. Arrastando suas malas num dos carrinhos disponíveis no aeroporto, null seguiu calmamente até o lado de fora.
— Maninha! — um grito a pegou de surpresa, fazendo-a virar para o lado direito. Diante de seus olhos, depois de tanto tempo, estava seu irmão mais velho, Guilherme. Como sempre, sorrindo e de braços abertos, esperando-a com carinho. Sem pensar duas vezes, aconchegou-se naquele abraço com vontade, aspirando o cheiro de lar que seu irmão possuía.
— Que saudade — ele sussurrou contra seus cabelos, beijando-lhe os fios em seguida. — Como foi a viagem?
— Foi tudo bem — null deu de ombros, já pegando suas malas. — Senti tanta saudades, cara. Não sei como aguentei ficar tanto tempo longe de casa.
Guilherme apenas riu e a abraçou mais uma vez, afastando-se apenas para levar as malas até o carro que estava no estacionamento. Caminharam juntos conversando de forma animada, contando as novidades e planejando inúmeros passeios para os dias seguintes.
Desta vez null tinha voltado para ficar, o que deixava todos os familiares e amigos muito animados. A experiência fora do Brasil havia sido incrível, de fato, mas ela não conseguia ficar muito tempo longe deles e não queria passar por aquilo de novo. Viajar pelo mundo ainda era uma vontade que ela sabia que cumpriria ao longo dos anos, aos poucos, levando quem pudesse consigo e não ficando fora por mais de dois meses. No momento, tudo o que mais desejava era rever todos aqueles que amava e aproveitar — descansar também lhe era uma opção, mas a empolgação do irmão falando sobre um novo bar que havia aberto em Icaraí deixava claro que naquela sexta-feira ela não iria dormir.
↭
null e os outros amigos já estavam no terceiro ou quarto litrão da noite. Era uma sexta-feira comum e calorosa, como tantas outras que ele já havia desfrutado ao longo dos últimos meses. Porém, mesmo que tentasse negar, ele sabia que ia muito além de uma sexta comum; aquela noite estava mais para especial que qualquer outra coisa. Mesmo que as coisas não estivessem tão bem entre ele e null, ele sabia que era o dia que ela voltava para casa e, certamente, apareceria naquele bar a qualquer momento com Guilherme em seu encalço.
— Você podia tentar disfarçar e parar de olhar para a entrada — César murmurou ao pé do ouvido do amigo disfarçadamente. — Nós dois sabemos que não tem a menor condição de ter no mínimo uma conversa entre você e null ainda hoje.
— E nós dois sabemos que eu e null não temos mais nada — null respondeu e terminou a cerveja que estava em seu copo. — Não pretendo conversar com ela nem nada do tipo, o que tínhamos para dizer um para o outro já foi dito.
— Cara, a quem você quer enganar? — César o encarou depois de encher seus copos outra vez, voltando a rodar o litrão pela mesa. — Sério, você é o maior cachorrinho da null que já vi na vida e não adianta negar. Você está com raiva, tudo bem, eu entendo, mas vocês não firmaram nenhum compromisso e você foi o primeiro a dar força para ela se relacionar com outras pessoas em Portugal. O namoro de vocês começou e terminou aqui no Brasil.
— Não estou com raiva, César, por deus! — null bufou. — O problema nunca foi ela ter outras pessoas. Sei muito bem tudo o que eu disse e ouvi na nossa última conversa. O problema está em quem ela se tornou quando foi embora, eu sabia que ela mudaria mas não esperava que fosse tanto. A mina praticamente destratou todo mundo enquanto esteve fora, não dava notícias, não falava o mínimo. Sei que não tenho o direito de ficar sentido com isso, ela estava do outro lado do oceano e com várias horas à frente; mas, mano, e a consideração? Magoou um pouco, mas já foi, porra.
— Isso é porque você diz que já superou, imagina se não tivesse superado… — César comentou por alto, decidindo por encerrar o assunto. No entanto, antes que pudesse aconselhar o amigo a procurar uma outra boca para beijar, null finalmente adentrou o bar em toda sua glória, usando um vestido tubinho curto e tênis nos pés, deixando-a com um ar de moleca e não mais a adulta responsável e jornalista internacional.
null estagnou em seu lugar e virou a cerveja com mais pressa, mesmo sabendo que aquilo jamais daria certo — estava tenso, de repente, como se aquilo fosse uma espécie de praga jogada por César, que insistia em dizer que ele não superava aquela maldita mulher.
Inevitavelmente, null e Guilherme caminharam até a mesa em que estavam. Cumprimentaram todos ao redor com educação e carinho, e null tentou disfarçar o incômodo que sentia — mas estava explícito em seu olhar o desconforto e o pavor por estar cara a cara com null outra vez.
— null — null murmurou ao chegar nele, dando-lhe os dois beijinhos de cumprimento rapidamente. — Quanto tempo…
— Oi, null. Tudo bem? — null respondeu baixo, tentando sorrir. Vendo que aquilo não daria certo, antes mesmo que null o respondesse, virou-se para Guilherme e o puxou para um abraço caloroso e amigável. Apesar de sua situação com a irmã caçula do amigo, a amizade não havia sido abalada e Guilherme havia entendido que a irmã tinha sua própria vida e sabia lidar com seus problemas. Sendo assim, ele entendeu, principalmente, que não devia sentir ciúmes ou raiva do amigo por conta do drama que eles viviam — não era de sua conta, sua cerveja gelada e as mulheres bonitas do bar, sim, eram de sua conta.
O clima amenizou com a chegada de Caio, o marido de César, alguns minutos depois. O homem era bem humorado, bom de papo e aquele que conseguia ligar todos os presentes. Com Caio ali, o assunto nunca acabava e nenhum copo ficava vazio, o que fazia com que todos se soltassem ao som do bom e velho pagode que explodia nas caixas de som de todo o local.
— Assume, cara, você ‘tá muito mexido com a volta dela — César murmurou de novo, vendo que null não conseguia tirar os olhos de null.
— É claro que ‘tô, porra! — null finalmente assumiu, voltando a correr os olhos pelo bar. — É por isso que eu vou dar uma volta, marquei com uma garota hoje.
— Para de ser otário, tenta conversar com a null.
— Para você de ser otário, porra! Eu lá tenho cara de quem rasteja por mulher?
— É para eu responder sinceramente ou para manter nossa amizade?
— Vai se foder, César! — null exclamou enquanto tentava segurar a risada. — Porra, mano, não dá, não. Não vou correr atrás dela, ela quem quis esquecer tudo que tivemos, eu tenho o direito de seguir em frente.
— Amigo, você só vai seguir em frente depois de se resolver com ela. Na moral — César se virou totalmente para o amigo —, vai ali pro meio da galera, chama ela pra dançar, sambem um pouco, bebam sozinhos e vejam se ainda têm aquela química. Se tiver… Que mal tem um flashback?
— Se eu ceder uma vez, vou querer de novo.
— E qual o problema? Ouvi dizer que ela voltou para ficar.
— O problema é meu ego, cara, ‘tá ferido.
— Isso você resolve depois que ela chupar teu pau, null, larga de ser babaca. Corre logo atrás da mina. Você tá louco pra rastejar que eu sei, seu bosta.
— Vai tomar no seu cu, cara! — null respondeu e deu o último gole em seu copo. — Para de se meter na minha vida. Vou dar uma volta.
César apenas riu do amigo e deu de ombros, percebendo, de canto de olho, que null prestava atenção no que eles conversavam. Sabendo que a mulher era determinada e parecia muito a fim de conversar com null, se seu plano desse certo, em algumas horas eles estariam se atracando em algum lugar daquele bar — e, no fim da noite, parariam no apartamento de um dos dois.
Depois de sair da mesa dos amigos, null não foi muito longe. Conseguiu encontrar a garota com quem havia marcado o encontro, deu uns beijos desencaixados e, logo depois, deu “um perdido” na moça e alegou para si mesmo que foi porque não rolou a química, o beijo foi ruim e não por que null estava naquele recinto e poderia vê-lo se atracando com outra — ainda queria manter sua fama recém formada sobre não pensar em nada enquanto existisse uma sexta-feira, cerveja e um pagode ao fundo.
Mas, como já dizia César: a quem ele queria enganar? Também não sabia. Por isso, quando percebeu, já estava voltando para a mesa dos amigos com mais um litrão nas mãos — como se não tivesse ficado longos minutos fora dali.
— E então? — Foi Caio quem perguntou, vendo-o um tanto cabisbaixo e já cambaleante.
— O que? — null o encarou, já enchendo os copos dispostos na mesa.
— Encontrou a tal garota?
— Encontrei.
— E aí?
— Foi uma merda, não combinamos em nada, nosso beijo não encaixou e eu não consegui conversar — null deu de ombros e bebericou a cerveja gelada, sentindo a satisfação lhe correr o corpo inteiro. — Eu acho que já estou ficando bêbado.
Caio soltou uma risadinha e virou-se para o marido ao seu lado, lhe sussurrando algo no ouvido. Depois, voltou-se para null e, bem pertinho de seu ouvido, murmurou:
— null quer conversar com você, não seja estúpido.
Dito isso, levantou-se com César e, juntos, foram para o meio do bar, onde já começava a ficar lotado de gente sambando ao som do grupo ao vivo que tocava no palco. Quando null se deu conta, a mesa estava parcialmente vazia e todos os seus amigos sambavam ao redor do bar — alguns acompanhados, outros bêbados demais para sequer trocar ideia.
null riu desacreditado do plano bobo dos amigos, mas não fingiu que não gostou. Apenas lançou um olhar para null, que sambava graciosamente ao lado da mesa em que estavam. Ela cantava alto, acompanhando a música que o grupo tocava e, vez ou outra, rebolava ao som do batuque. Por um segundo, null sentiu-se hipnotizado; null era muito bonita e chamava a atenção facilmente; suas jogadas de cabelo, o suor escorrendo pela nuca e pescoço, o vestido colado ao corpo, a mão firme no copo de cerveja e os olhos fechados de maneira empolgada — tudo era motivo para fazer com que todos parassem para observá-la, nem que fosse um pouquinho.
Como se sentisse o olhar alheio sobre seu corpo, null abriu os olhos e, sem parar de sambar, virou-se em direção a null com um sorriso fraco na boca bonita. Estava disposta a pelo menos tentar fazer as coisas darem certo entre eles outra vez; sabia que havia errado tanto quanto null ao tentar fazer aquela amizade misturada a romance à distância funcionar. null deixou-se deslumbrar pelo lugar novo, pelas pessoas, pelo estudo diferenciado; e null, emocionado como era, deixou-se cegar pela mágoa e o sentimento de troca que não deveria sentir — eles haviam conversado muito sobre aquilo. Ambos sabiam bem onde haviam errado, mas, por algum motivo, pessoalmente aquele joguinho de gato e rato parecia divertido; aumentava a tensão, deixava-os mais ansiosos e a bebida correndo nas veias só potencializava ainda mais os sentimentos e as sensações que somente eles causavam um no outro.
null se levantou, por fim, e parou ao lado de null sem saber muito bem o que fazer a não ser sambar junto com ela. Seu “gingado” era bonito, ela costumava dizer, porque ele sambava balançando-se por inteiro, parecia um moleque, um adolescente a fim de conquistar as garotinhas da festa — o que ele sempre estava tentando fazer, no fim das contas.
— Eu senti sua falta — null murmurou ainda sem parar de dançar, aproximando-se mais de null, a fim de dançar com os corpos juntos. — Não foi minha intenção te deixar de lado ou qualquer coisa do tipo, eu pensei que estávamos bem resolvidos.
— Eu também senti sua falta — null a segurou pelas mãos e a girou no lugar, sem parar de sambar, e puxou-a para si em seguida. — Nós estávamos, mas, não sei, eu acho que pirei. Não consegui te superar, null. Acho que jamais vou conseguir.
— E seus casos de sextas? — null perguntou soltando uma risadinha. null sentiu-se corar dos pés à cabeça e deu de ombros, fazendo-se de sonso.
— Não chegam aos seus pés, sabe disso — respondeu, ainda acanhado.
null riu e o abraçou pelos ombros com carinho, puxando-o mais para si e parando de dançar aos poucos.
— Sei que só esse acerto de contas não será o suficiente, mas, podemos deixar para depois e fingir que eu só sou um casinho da sua sexta-feira? — perguntou, olhando-o nos olhos.
— Como nos velhos tempos… — null sussurrou e se aproximou um pouco mais, deixando as bocas quase coladas. — Só que você nunca será só um casinho de sexta, null.
Ela riu baixinho rente à boca alheia e, sem esperar mais, puxou-o para um beijo. Quando as bocas se encaixaram, null percebeu que não tinha beijo melhor que aquele, não tinha abraço mais acolhedor e alguém que o arrepiasse tão fácil e rapidamente assim. Não havia espaço para outra pessoa, e sabia que era recíproco. Por mais que tentassem negar, fingir e ignorar o turbilhão de sentimento que carregavam um pelo outro, não tinham como esconder — estava explícito nos olhares, nos toques, nos beijos, no tesão quase palpável.
Como os amigos haviam previsto, não demoraram muito a sair do bar de mãos dadas e aos tropeços e risadas, tinham muito o que conversar, mas, também, muitas saudades para matar.
E bem, enquanto existisse a sexta-feira, enquanto não acabasse a saideira e enquanto o pagode não parasse de tocar, eles também não iriam parar.
Tanto que melhorou, você não vai negar
Nosso amor tem tesão, cê sabe como é bom
Vale a pena entender
Não vê, o problema não é você
Cada um tem um jeito de viver
Pra mim tá tudo lindo assim
E agora eu vou dizer
Enquanto existir a sexta-feira
Enquanto não acabar com a saideira
Enquanto o pagode não parar de tocar
Também não vou parar.
Pousar no aeroporto do Galeão depois de quase três anos foi estranho. null não sabia o que esperar dos próximos dias, tampouco como seria a reação de algumas pessoas — uma, em especial.
Como já era de se esperar de uma noite do mês de Fevereiro, o clima estava quente e o aeroporto cheio — assim como o trânsito devia estar, o que fez null suspirar descontente; sabia que levaria mais tempo do que gostaria até Niterói. Arrastando suas malas num dos carrinhos disponíveis no aeroporto, null seguiu calmamente até o lado de fora.
— Maninha! — um grito a pegou de surpresa, fazendo-a virar para o lado direito. Diante de seus olhos, depois de tanto tempo, estava seu irmão mais velho, Guilherme. Como sempre, sorrindo e de braços abertos, esperando-a com carinho. Sem pensar duas vezes, aconchegou-se naquele abraço com vontade, aspirando o cheiro de lar que seu irmão possuía.
— Que saudade — ele sussurrou contra seus cabelos, beijando-lhe os fios em seguida. — Como foi a viagem?
— Foi tudo bem — null deu de ombros, já pegando suas malas. — Senti tanta saudades, cara. Não sei como aguentei ficar tanto tempo longe de casa.
Guilherme apenas riu e a abraçou mais uma vez, afastando-se apenas para levar as malas até o carro que estava no estacionamento. Caminharam juntos conversando de forma animada, contando as novidades e planejando inúmeros passeios para os dias seguintes.
Desta vez null tinha voltado para ficar, o que deixava todos os familiares e amigos muito animados. A experiência fora do Brasil havia sido incrível, de fato, mas ela não conseguia ficar muito tempo longe deles e não queria passar por aquilo de novo. Viajar pelo mundo ainda era uma vontade que ela sabia que cumpriria ao longo dos anos, aos poucos, levando quem pudesse consigo e não ficando fora por mais de dois meses. No momento, tudo o que mais desejava era rever todos aqueles que amava e aproveitar — descansar também lhe era uma opção, mas a empolgação do irmão falando sobre um novo bar que havia aberto em Icaraí deixava claro que naquela sexta-feira ela não iria dormir.
null e os outros amigos já estavam no terceiro ou quarto litrão da noite. Era uma sexta-feira comum e calorosa, como tantas outras que ele já havia desfrutado ao longo dos últimos meses. Porém, mesmo que tentasse negar, ele sabia que ia muito além de uma sexta comum; aquela noite estava mais para especial que qualquer outra coisa. Mesmo que as coisas não estivessem tão bem entre ele e null, ele sabia que era o dia que ela voltava para casa e, certamente, apareceria naquele bar a qualquer momento com Guilherme em seu encalço.
— Você podia tentar disfarçar e parar de olhar para a entrada — César murmurou ao pé do ouvido do amigo disfarçadamente. — Nós dois sabemos que não tem a menor condição de ter no mínimo uma conversa entre você e null ainda hoje.
— E nós dois sabemos que eu e null não temos mais nada — null respondeu e terminou a cerveja que estava em seu copo. — Não pretendo conversar com ela nem nada do tipo, o que tínhamos para dizer um para o outro já foi dito.
— Cara, a quem você quer enganar? — César o encarou depois de encher seus copos outra vez, voltando a rodar o litrão pela mesa. — Sério, você é o maior cachorrinho da null que já vi na vida e não adianta negar. Você está com raiva, tudo bem, eu entendo, mas vocês não firmaram nenhum compromisso e você foi o primeiro a dar força para ela se relacionar com outras pessoas em Portugal. O namoro de vocês começou e terminou aqui no Brasil.
— Não estou com raiva, César, por deus! — null bufou. — O problema nunca foi ela ter outras pessoas. Sei muito bem tudo o que eu disse e ouvi na nossa última conversa. O problema está em quem ela se tornou quando foi embora, eu sabia que ela mudaria mas não esperava que fosse tanto. A mina praticamente destratou todo mundo enquanto esteve fora, não dava notícias, não falava o mínimo. Sei que não tenho o direito de ficar sentido com isso, ela estava do outro lado do oceano e com várias horas à frente; mas, mano, e a consideração? Magoou um pouco, mas já foi, porra.
— Isso é porque você diz que já superou, imagina se não tivesse superado… — César comentou por alto, decidindo por encerrar o assunto. No entanto, antes que pudesse aconselhar o amigo a procurar uma outra boca para beijar, null finalmente adentrou o bar em toda sua glória, usando um vestido tubinho curto e tênis nos pés, deixando-a com um ar de moleca e não mais a adulta responsável e jornalista internacional.
null estagnou em seu lugar e virou a cerveja com mais pressa, mesmo sabendo que aquilo jamais daria certo — estava tenso, de repente, como se aquilo fosse uma espécie de praga jogada por César, que insistia em dizer que ele não superava aquela maldita mulher.
Inevitavelmente, null e Guilherme caminharam até a mesa em que estavam. Cumprimentaram todos ao redor com educação e carinho, e null tentou disfarçar o incômodo que sentia — mas estava explícito em seu olhar o desconforto e o pavor por estar cara a cara com null outra vez.
— null — null murmurou ao chegar nele, dando-lhe os dois beijinhos de cumprimento rapidamente. — Quanto tempo…
— Oi, null. Tudo bem? — null respondeu baixo, tentando sorrir. Vendo que aquilo não daria certo, antes mesmo que null o respondesse, virou-se para Guilherme e o puxou para um abraço caloroso e amigável. Apesar de sua situação com a irmã caçula do amigo, a amizade não havia sido abalada e Guilherme havia entendido que a irmã tinha sua própria vida e sabia lidar com seus problemas. Sendo assim, ele entendeu, principalmente, que não devia sentir ciúmes ou raiva do amigo por conta do drama que eles viviam — não era de sua conta, sua cerveja gelada e as mulheres bonitas do bar, sim, eram de sua conta.
O clima amenizou com a chegada de Caio, o marido de César, alguns minutos depois. O homem era bem humorado, bom de papo e aquele que conseguia ligar todos os presentes. Com Caio ali, o assunto nunca acabava e nenhum copo ficava vazio, o que fazia com que todos se soltassem ao som do bom e velho pagode que explodia nas caixas de som de todo o local.
— Assume, cara, você ‘tá muito mexido com a volta dela — César murmurou de novo, vendo que null não conseguia tirar os olhos de null.
— É claro que ‘tô, porra! — null finalmente assumiu, voltando a correr os olhos pelo bar. — É por isso que eu vou dar uma volta, marquei com uma garota hoje.
— Para de ser otário, tenta conversar com a null.
— Para você de ser otário, porra! Eu lá tenho cara de quem rasteja por mulher?
— É para eu responder sinceramente ou para manter nossa amizade?
— Vai se foder, César! — null exclamou enquanto tentava segurar a risada. — Porra, mano, não dá, não. Não vou correr atrás dela, ela quem quis esquecer tudo que tivemos, eu tenho o direito de seguir em frente.
— Amigo, você só vai seguir em frente depois de se resolver com ela. Na moral — César se virou totalmente para o amigo —, vai ali pro meio da galera, chama ela pra dançar, sambem um pouco, bebam sozinhos e vejam se ainda têm aquela química. Se tiver… Que mal tem um flashback?
— Se eu ceder uma vez, vou querer de novo.
— E qual o problema? Ouvi dizer que ela voltou para ficar.
— O problema é meu ego, cara, ‘tá ferido.
— Isso você resolve depois que ela chupar teu pau, null, larga de ser babaca. Corre logo atrás da mina. Você tá louco pra rastejar que eu sei, seu bosta.
— Vai tomar no seu cu, cara! — null respondeu e deu o último gole em seu copo. — Para de se meter na minha vida. Vou dar uma volta.
César apenas riu do amigo e deu de ombros, percebendo, de canto de olho, que null prestava atenção no que eles conversavam. Sabendo que a mulher era determinada e parecia muito a fim de conversar com null, se seu plano desse certo, em algumas horas eles estariam se atracando em algum lugar daquele bar — e, no fim da noite, parariam no apartamento de um dos dois.
Depois de sair da mesa dos amigos, null não foi muito longe. Conseguiu encontrar a garota com quem havia marcado o encontro, deu uns beijos desencaixados e, logo depois, deu “um perdido” na moça e alegou para si mesmo que foi porque não rolou a química, o beijo foi ruim e não por que null estava naquele recinto e poderia vê-lo se atracando com outra — ainda queria manter sua fama recém formada sobre não pensar em nada enquanto existisse uma sexta-feira, cerveja e um pagode ao fundo.
Mas, como já dizia César: a quem ele queria enganar? Também não sabia. Por isso, quando percebeu, já estava voltando para a mesa dos amigos com mais um litrão nas mãos — como se não tivesse ficado longos minutos fora dali.
— E então? — Foi Caio quem perguntou, vendo-o um tanto cabisbaixo e já cambaleante.
— O que? — null o encarou, já enchendo os copos dispostos na mesa.
— Encontrou a tal garota?
— Encontrei.
— E aí?
— Foi uma merda, não combinamos em nada, nosso beijo não encaixou e eu não consegui conversar — null deu de ombros e bebericou a cerveja gelada, sentindo a satisfação lhe correr o corpo inteiro. — Eu acho que já estou ficando bêbado.
Caio soltou uma risadinha e virou-se para o marido ao seu lado, lhe sussurrando algo no ouvido. Depois, voltou-se para null e, bem pertinho de seu ouvido, murmurou:
— null quer conversar com você, não seja estúpido.
Dito isso, levantou-se com César e, juntos, foram para o meio do bar, onde já começava a ficar lotado de gente sambando ao som do grupo ao vivo que tocava no palco. Quando null se deu conta, a mesa estava parcialmente vazia e todos os seus amigos sambavam ao redor do bar — alguns acompanhados, outros bêbados demais para sequer trocar ideia.
null riu desacreditado do plano bobo dos amigos, mas não fingiu que não gostou. Apenas lançou um olhar para null, que sambava graciosamente ao lado da mesa em que estavam. Ela cantava alto, acompanhando a música que o grupo tocava e, vez ou outra, rebolava ao som do batuque. Por um segundo, null sentiu-se hipnotizado; null era muito bonita e chamava a atenção facilmente; suas jogadas de cabelo, o suor escorrendo pela nuca e pescoço, o vestido colado ao corpo, a mão firme no copo de cerveja e os olhos fechados de maneira empolgada — tudo era motivo para fazer com que todos parassem para observá-la, nem que fosse um pouquinho.
Como se sentisse o olhar alheio sobre seu corpo, null abriu os olhos e, sem parar de sambar, virou-se em direção a null com um sorriso fraco na boca bonita. Estava disposta a pelo menos tentar fazer as coisas darem certo entre eles outra vez; sabia que havia errado tanto quanto null ao tentar fazer aquela amizade misturada a romance à distância funcionar. null deixou-se deslumbrar pelo lugar novo, pelas pessoas, pelo estudo diferenciado; e null, emocionado como era, deixou-se cegar pela mágoa e o sentimento de troca que não deveria sentir — eles haviam conversado muito sobre aquilo. Ambos sabiam bem onde haviam errado, mas, por algum motivo, pessoalmente aquele joguinho de gato e rato parecia divertido; aumentava a tensão, deixava-os mais ansiosos e a bebida correndo nas veias só potencializava ainda mais os sentimentos e as sensações que somente eles causavam um no outro.
null se levantou, por fim, e parou ao lado de null sem saber muito bem o que fazer a não ser sambar junto com ela. Seu “gingado” era bonito, ela costumava dizer, porque ele sambava balançando-se por inteiro, parecia um moleque, um adolescente a fim de conquistar as garotinhas da festa — o que ele sempre estava tentando fazer, no fim das contas.
— Eu senti sua falta — null murmurou ainda sem parar de dançar, aproximando-se mais de null, a fim de dançar com os corpos juntos. — Não foi minha intenção te deixar de lado ou qualquer coisa do tipo, eu pensei que estávamos bem resolvidos.
— Eu também senti sua falta — null a segurou pelas mãos e a girou no lugar, sem parar de sambar, e puxou-a para si em seguida. — Nós estávamos, mas, não sei, eu acho que pirei. Não consegui te superar, null. Acho que jamais vou conseguir.
— E seus casos de sextas? — null perguntou soltando uma risadinha. null sentiu-se corar dos pés à cabeça e deu de ombros, fazendo-se de sonso.
— Não chegam aos seus pés, sabe disso — respondeu, ainda acanhado.
null riu e o abraçou pelos ombros com carinho, puxando-o mais para si e parando de dançar aos poucos.
— Sei que só esse acerto de contas não será o suficiente, mas, podemos deixar para depois e fingir que eu só sou um casinho da sua sexta-feira? — perguntou, olhando-o nos olhos.
— Como nos velhos tempos… — null sussurrou e se aproximou um pouco mais, deixando as bocas quase coladas. — Só que você nunca será só um casinho de sexta, null.
Ela riu baixinho rente à boca alheia e, sem esperar mais, puxou-o para um beijo. Quando as bocas se encaixaram, null percebeu que não tinha beijo melhor que aquele, não tinha abraço mais acolhedor e alguém que o arrepiasse tão fácil e rapidamente assim. Não havia espaço para outra pessoa, e sabia que era recíproco. Por mais que tentassem negar, fingir e ignorar o turbilhão de sentimento que carregavam um pelo outro, não tinham como esconder — estava explícito nos olhares, nos toques, nos beijos, no tesão quase palpável.
Como os amigos haviam previsto, não demoraram muito a sair do bar de mãos dadas e aos tropeços e risadas, tinham muito o que conversar, mas, também, muitas saudades para matar.
E bem, enquanto existisse a sexta-feira, enquanto não acabasse a saideira e enquanto o pagode não parasse de tocar, eles também não iriam parar.