Capítulo Único
— , o que custa? — Choraminguei, apertando os ombros do homem à minha frente. — Mais duas temporadas e finalmente terminamos Friends!
— Pela quinta vez, ! — Ele revirou os olhos, caprichando na cara de tédio. — Terminamos Dark hoje e amanhã, Friends, está bem?
— Não.
— Beleza! — Ignorou-me, coçando a barba por fazer e levantando-se. — Vou fazer uma pipoca enquanto você termina esse episódio. — Não tive tempo de sequer concordar, pois logo o vi adentrando a cozinha.
era, de longe, a melhor e mais irritante pessoa que eu já conheci em toda a minha vida, mas eu sabia que só me sentia completa ao seu lado, porque, além dos trejeitos esquisitos do homem, ele sempre foi meu confidente de todos os momentos.
Meu celular apitou em cima do braço do sofá e o peguei, desbloqueando-o de imediato.
“Estou levando o vinho. Te espero, gostosa.”
Ri, ouvindo mentalmente e de forma automática a voz de Liam conforme lia a mensagem.
— O que foi? — retornou, jogando-se no sofá e passando a bacia cheia de pipoca para o meu colo.
— Seria cômica se não fosse trágica a sua paixão por pipoca de micro-ondas, porque esse cheiro artificial de bacon já até me enjoa. — me ignorou enquanto se esforçava colocando um punhado de pipocas na boca, indicando meu celular com os olhos. — Ah! Liam! Eu e ele meio que... já tínhamos algo planejado, mas não sabíamos que hora acabava o turno dele. — Disse, incerta, mesmo sabendo que eu e não teríamos planos além de atualizar séries.
— Me deixe assistir Dark em paz.
— Será um prazer. — Revirei os olhos, levantando-me para buscar os sapatos no quarto do meu melhor amigo ranzinza. — Tia Anna melhorou da gripe? — Perguntei alto o bastante para que ele me escutasse do cômodo ao lado.
— Ela continua tomando aqueles chás esquisitos dela.
— Vou visitá-la amanhã. — Disse, assim que retornei à sala.
— Mas amanhã eu não posso. — contrapôs, e eu dei de ombros. — Você não iria na casa da minha mãe sem mim, não é? — Sorri sapeca, debruçando-me sobre ele e deixando um beijo em sua bochecha. Ajeitei a bolsa pendurada em meu ombro e atravessei porta afora.
Chamei o táxi, que começava a fazer a curva na esquina, e vi que uma garoa fina começava a cair. Abracei meus próprios braços e adentrei o veículo, passando para o motorista as coordenadas do endereço do meu namorado.
Liam me abraçou forte assim que dei três batidinhas na sua porta, puxando-me para dentro.
— Você está gelada. — Disse enquanto passeava as mãos em meus braços para me esquentar. — E eu sei o jeito perfeito de te deixar em chamas. — Puxou-me por um braço, enlaçando minha cintura, possessivo, e sussurrando ao pé do meu ouvido.
Liam, há um pouco mais de um ano, sabia exatamente como me deixar em chamas, e eu jamais negaria um beijo sequer àquele homem, porque minhas pernas, que ficavam bambas perto dele, não me deixavam negar o efeito dele sobre mim. O homem começou beijar meu pescoço de forma lenta e tortuosa, como se gostasse de assistir a forma com que me derretia quando sentia seus carinhos. Demos passos às cegas até o sofá, no qual caí de costas, permitindo que ele ficasse por cima de mim, intensificando as mordidas que chegaram até o meu colo seminu. Arfei assim que senti as mãos quentes dele tocarem minha pele por debaixo da blusa fina que vestia, levantando-a um pouco e me incentivando para puxasse a regata dele por cima de sua cabeça de uma vez por todas.
Liam sorriu vendo que eu encarava seu peitoral nu, que sempre me parecia a mais sensual das novidades, mesmo que minha língua já conhecesse cada centímetro de sua pele. Seus olhos verdes e intensos brilhavam em luxúria, e eu sabia que os meus não estavam muito diferentes, porque a forma como deslizei minhas unhas por suas costas deixava evidente a pressa com que eu queria que as coisas acontecessem. E ele acatou, invertendo as posições e autorizando que eu ficasse por cima e sentasse em seu colo. Mordi seu lábio inferior, porque sabia que ele gostava, e nos beijamos, em um misto de calma e tesão, que fazia nossas línguas dançarem em um ritmo que coincidia com as chamas que nossos corpos exalavam.
Rebolei sobre seu colo, que prendia a ereção em uma calça jeans justa, e deslizei as unhas de seu peitoral até o cós da calça, puxando-o até que juntasse o máximo possível nossas intimidades. Com movimentos rápidos, Liam puxou minha blusa para cima, explorando meu colo seminu, coberto apenas pelo sutiã, e fazendo suas mãos ágeis tatearem os fechos nas minhas costas. Abriu-os com pressa e abocanhou um dos seios, de forma que minha cabeça pendeu para trás, aproveitando os arrepios que o homem me proporcionava com tão pouco.
— , eu preciso te foder. — Impulsionei-me até que caísse de costas no sofá, voltando para a posição inicial, sentindo parte do peso do corpo de Liam sobre o meu. Despi minha calça quando ele apenas abaixou as suas. Impulsionou-se em minha entrada, provocando a carne, que fervia por contato, e não demorou até que sentisse os centímetros me penetrarem. Meu namorado movimentava-se em revezamento, hora rápido, hora calmo, mas não continha mais meus gemidos, que rasgavam goela afora.
Liam aumentou as estocadas e juntou sua boca à minha em um beijo enquanto movimentava-se bruto e impiedoso dentro de mim, resultando em filetes de suor em ambas as testas. Formou-se um bolo em meu ventre e firmei as unhas em suas costas, sentindo as estocadas longas e fundas quando ele debruçou-se sobre mim, gemendo alto e rouco, emaranhando-se pelos meus cabelos e fazendo audível o único som da sala, que eram as respirações aceleradas.
Me aquecia o coração ver a forma como Liam se desdobrava para preparar o jantar e a forma simples de como servia a mesa. Era, realmente, um dos momentos favoritos do meu dia.
— Sabe que não precisamos de nada elaborado. — O abracei por trás, aproveitando do cheiro gostoso que despontava das panelas.
— Confie em mim. — Ele se desvencilhou, abrupto, deixando um selinho em meus lábios e virando para as panelas mais uma vez.
Vesti uma camisa antiga de Liam, de uma banda qualquer, e me estiquei no sofá, buscando por meu celular, que joguei em algum canto, achando-o para mandar mensagem para . Gargalhei quando ouvi os diversos áudios que meu melhor amigo me enviara, boa parte deles revoltado porque não conseguia entender o contexto da série. Ele logo ficou online e trocamos um bocado de mensagens em poucos minutos, ou em diversos minutos que não vi passar, mas que nos renderam fotos ridículas e vergonhosas como resposta para mensagens fora de contexto.
— O que pode ser tão melhor do que jantar comigo, huh? — Proferiu Liam, em um tom misto de ironia e humor, quando adentrou a sala.
— Não seja exagerado, é só o .
— E quando não é? — Arqueou as sobrancelhas, soltando um muxoxo em seguida. — Eu estou fazendo o possível e o impossível pra fazer um jantar legal pra você, e você simplesmente prefere ficar de graça com o .
— Não seja por isso! — Levantei-me, largando o celular no sofá para enlaçar os braços aos ombros do homem, vendo que um sorriso mínimo brotava no canto de seus lábios. — Sou integralmente sua, Liam Harvey.
Durante o jantar que Liam preparou, conversamos sobre como a família dele estava lidando com a mudança de bairro que precisariam fazer de última hora, e me mantive entretida no assunto, já que meus últimos planos envolveram em absolutamente cem por cento deles. O assunto estava até que agradável para que fosse interrompido por farpas ressentidas.
Algum jogo da NFL passava na TV, prendendo Liam nos lances da partida. Me mantive ao seu lado, como se entendesse o que tantas jardas faziam diferença no campo. Os olhos do homem mantinham-se arregalados e dispersavam apenas para a garrafa de cerveja que descansava na mesa de centro, como se eu pouco acrescentasse ao momento. pareceu ter adivinhado a forma como me sentia porque a mensagem que enviou melhorou-me em cem por cento.
A mensagem do meu amigo não era nenhuma novidade, mas ver seus olhos esbugalhados em uma careta já era o suficiente para que eu me visse em outra dimensão. Na descrição da foto, ele dizia que nenhuma série tinha graça sem mim, mesmo que eu odiasse Dark e reclamasse a todo segundo. Me acalentava ler aquela mensagem e a reli por incontáveis minutos, porém todo o meu corpo esmorecia assim que olhava para o lado e via meu namorado tão satisfeito com a tela da televisão.
A mão de Liam descansava automática em minha cintura enquanto sentia sua respiração bater em meu pescoço, à medida que se tornava mais pesada com o sono. Me debati na cama até algumas horas mais tarde, sem ter sono que me derrubasse, pois eu já não sabia se era aquela a forma que eu queria viver: vívida para o sexo e invisível nas vinte e três horas restantes do dia. Por mais que eu gostasse de ter Liam comigo, me custava ver um futuro sem ele e sempre teria a esperança de vê-lo mudar. Mudar para uma forma menos egoísta.
Liam estava no banho e pude ouvi-lo cantarolar vez ou outra. Tomei a coragem que me faltava para levantar e preparar o café da manhã. Minha cabeça ainda estava avoada como na noite passada, repassando o mesmo pensamento, e tomar uma decisão dessas me faria tão egoísta quanto ele. Após um pouco mais de um ano de namoro, já não cogitava ir a lugar algum sem que Liam estivesse do meu lado e me causava náuseas apenas de viver parte daquela realidade alternativa. Meus transes foram interrompidos por ele, que se anunciou na cozinha deixando um beijo em meu pescoço e um tapa na minha bunda, arrancando um pequeno sorriso meu. Tirei a chaleira da minha mão para que eu fosse tomar banho e não nos atrasasse para o trabalho.
Algumas coisas precisavam ser postas no lugar antes que a loja abrisse, e Liam corria de um lado para o outro, exercendo sua função de estoquista. Colaborei o que me foi possível, mas havia muito com o que lidar no balcão de atendimento também.
Os últimos dias de liquidação na loja foram estratégias para atrair público. No entanto, a loja de roupas não passava por seus melhores dias, e pouco resolveram os cartazes nas vitrines. Durante toda a manhã e parte da tarde, assistimos clientes entrando, olhando prateleiras e saindo sem levar sequer algum panfleto da loja, que estava às moscas. O dono, que poucas vezes aparecia, agora nem mesmo respondia às mensagens e estava ciente dos detalhes da crise. Me afligia que o meu não caísse na conta no fim do mês. Me concentrei na tela do computador para salvar em planilhas as contabilidades, que igualmente ficavam por minha conta, já que as vendas não me mantinham ocupada. Ouvi os sininhos da porta de entrada tilintarem e neguei me dar ao trabalho de encarar quem quer que fosse olhar as prateleiras mais uma vez.
Percebi superficiais assobios soarem em minha direção, seguidos de risinhos, e só havia uma pessoa no planeta que me atormentaria neste lugar e neste horário.
— ... — O chamei, tediosa, esperando que ele saísse de uma das araras de roupas, enquanto descansava meu queixo escorado em uma das mãos.
— Não vão repor os gibis? — perguntou, inocente, revelando-se de uma vez.
— Sabe que não sou a estoquista... — Respondi, risonha, assistindo-o revirar os olhos instantaneamente com a breve menção de Liam. — E não podemos repor o que não há demanda, baby. — Pisquei marota, mirando meu melhor amigo deslocar-se até o balcão em que eu estava.
— Vim te buscar pra almoçar e podemos ir na minha mãe, já que você planejava ir de qualquer forma. — Pensei por alguns instantes. No entanto, sabia que Liam poderia segurar as pontas no meu horário de almoço. — Não se faça de difícil, o Super-Homem aguenta uma hora!
— Não implique com ele, ! Ele só está passando por...
— Uma fase conturbada. Eu sei! — Bufou. — Vamos?
— Vou pegar minha bolsa e avisá-lo. — Desci as escadas a cada dois passos, pulando as caixas espalhadas no porão da loja. Ouvi Liam trabalhar ao fundo, etiquetando o que cada caixa continha. — Hey, handsome! Estou saindo pra almoçar com . Me mande mensagem se o Senhor Chong aparecer e diga a ele que amanhã eu envio no e-mail da filha dele as planilhas desse mês.
Liam parou pausadamente o que fazia, virando-se para me encarar e permanecendo parado. Me mantive muda, aguardando que ele dissesse alguma coisa.
— Pensei que fôssemos almoçar juntos.
— Mas nunca almoçamos juntos. — Contrapus, óbvia.
— Hoje a loja está calma. — Ele se aproximou.
— Esteve nos últimos meses, babe.
— Por isso esquematizei algo pra nós hoje, linda. — Desfez a pouca distância entre nós e deslizou um dedo, suavemente, por minhas bochechas. — Por favor, huh? — Mesmo trabalhando arduamente há algumas horas, o perfume de Liam ainda estava vivo, e o pouco que senti, junto do seu toque, foi suficiente para fazer meus neurônios entrarem em pane. Suspirei, sorrindo terna para ele, retribuindo o carinho com um selinho em seus lábios.
— Tudo bem, me avise quando quiser pedir alguma coisa. — Deixei mais um selinho nos lábios do homem e refiz o caminho, tão rápida quanto antes, encontrando meu melhor amigo, que ainda estava no mesmo lugar, mexendo no celular.
— Eu conheço essa cara... — Estreitou os olhos.
— Ele tinha planos para o nosso almoço. — Choraminguei.
— Ele sempre tem quando marcamos algo.
— Liam só estava confirmando que a loja continuaria calma!
— Oh! Quanta ingenuidade, ! — cruzou os braços na altura do peito. — Abra seus olhos. Esse cara ‘tá longe de ser quem você pensa.
— Não é a primeira vez que ouço isso.
— Por motivos óbvios! — suspirou audivelmente, passando as mãos inquietas pelos cabelos. — Ele te priva de tudo. Cacete, !
— A família dele está sendo despejada da casa onde ele nasceu, ! — Foi a minha vez de cruzar os braços e encará-lo, arqueando as sobrancelhas e reconhecendo que minha voz extrapolava alguns decibéis. — Ponha-se no lugar dele.
— Está livre pra defendê-lo, mas você está cega, , e ainda vai me agradecer por abrir seus olhos. — cuspiu suas palavras, rangendo os dentes vez ou outra. — Lembre-se que ele ganha bem o suficiente para pagar o que eles precisam, e onde está o dinheiro? Pense nisso. — saiu, dando-me as costas em passos largos antes que eu pudesse responder, coisa que preferi, de fato, não o fazer.
Os minutos se tornaram horas a partir do momento que vi atravessar a porta da forma com que o fez, deixando-me para trás de uma maneira que pouquíssimas vezes o vira fazer. Sua voz enraivecida, os dentes se chocando em palavras impiedosas, a testa enrugada e a respiração descompassada deixavam claro o quão angustiado estava, sem contar que dificilmente mudaria de ideia e retiraria as palavras aborrecidas que proferira.
Me acostumei com os clientes que entravam para encarar as prateleiras e os desconsiderei inconscientemente, até que, de forma inesperada, uma simpática senhora caminhou vagarosa até o balcão para pagar por três molduras de quadros. Enquanto as embalava, vi Liam passar apressado por nós, ajeitando a mochila em suas costas. Me levantei e tentei falar com ele. Por qualquer razão que fosse, logo ouvindo-o gritar da porta que iria buscar encomendas na entrada da cidade, aconselhando-me a não esperar por ele.
Um par de horas depois, fechei a loja, não esperando por Liam, como me avisara, e sem uma mísera mensagem de , este que, sempre que almoçava na casa de sua mãe, lotava meu celular de fotos bizarras que tirava dois, mas tudo compensava quando meu melhor amigo chegava em casa com todas as guloseimas que a mulher fizera e mandara com todo o amor do mundo.
Era melancólico escutar o rangido da porta de casa sem ter ninguém comigo para reclamar, porque isso acontecia em predominantes vezes desde que me mudara para aquele apê. Era melancólico, também, não ter com quem competir para usar o banheiro primeiro e muito menos qual filme assistir.
Misturei em uma panela as melhores sobras que tinha na geladeira, já que a fome que sentia gritava agoniada o suficiente para não querer esperar por qualquer delivery. Liguei a TV, em que acabava de começar a reprise do The Ellen DeGeneres Show com Jennifer Aniston, causando-me as risadas que senti falta e preenchendo parte do vazio com lembranças da minha série favorita. Amontoei as almofadas e me aconcheguei por ali, emendando em algum filme de comédia romântica adolescente e adormecendo no meio dela.
As batidas nada gentis na porta me acordaram de súbito, sem entender muito do que acontecia. Cambaleante, me levantei, abrindo a porta ao mesmo tempo que tentava coordenar meus cabelos emaranhados.
— Trouxe seu bolo de chocolate. — proferiu, amuado com seu sorriso ladino, que fazia toda e qualquer tempestade passar.
— Deveria estar em casa, tem prova amanhã. — Cruzei os braços, tentando manter uma postura rígida de quem não fora facilmente derrotada pelo sorriso do homem.
— Sim, mãe, eu sei! — Brincou, revirando os olhos como um adolescente emburrado e emaranhando uma de suas mãos em meus cabelos. Puxou-me para depositar um beijo na minha testa, em seguida se esgueirando para adentrar o apartamento. — Ele... — Indicou a direção do quarto, permitindo que a frase ficasse no ar.
— Não. Não está aqui. Saiu cedo, pouco depois de você, sem nem almoçar. — Esclareci calmamente.
— ... — Seu par de olhos, sempre tão vívidos e fumegantes, agora, estavam lastimosos e repletos de dó.
— Não me olhe assim, porque se você está se perguntando se estava certo, eu lhe digo que sim.
— Eu só estou certo por estar aqui, agora. — Quebrei a distância que nos separava com passos largos, abraçando-o da maneira com que eu sentia a necessidade de fazê-lo. Senti seu coração acelerado, guardando o segredo que meu coração estava tão acelerado quanto o dele.
Levamos para a sala os travesseiros e um colchão, no qual dormiria, conversando até que o sono chegasse, de forma que rendeu assunto por bons minutos e deixou meu coração leve de um jeito que, em todo o universo, só era capaz de me fazer sentir.
O canto desafinado e empolgado de ecoava pelos corredores, me acordando com risos. No entanto, precisei correr até a porta do banheiro, sem nem mesmo esperar que pudesse lhe avisar algo.
— Mas que porra...?! — O ouvi murmurar quando me agachei na altura do vaso, sentindo o estômago revirar e expulsar o restante do jantar. Meu melhor amigo segurou meus cabelos à medida que fazia inúmeras perguntas, as quais não me atentei. — , ? Cacete. — Levantou meus braços, abraçando minha cintura com um braço e enlaçando o outro abaixo dos meus joelhos, tomando o impulso necessário para me levantar. Carregou-me até o sofá, em que me deitou.
— Que exagero, . — Murmurei, ainda um tanto desnorteada. Senti as mãos dele percorrerem meu rosto, como se procurasse pontos específicos que dessem algum indício de febre.
— Você está pálida, .
— Misturei algumas sobras que tinha na geladeira ontem, com certeza tinha algo azedo, senão tudo! — Ele afastou gentilmente os fios de cabelo, que grudaram no filete de suor que se criou em minha testa, correndo até a cozinha para buscar um balde e estacionando-o do meu lado. — Não estou morrend... Urgh, de novo! — Curvei-me sobre o balde que posicionara, vomitando mais uma vez.
Sem notícias de Liam, permaneceu comigo o dia inteiro, com direito a preocupar-se com canja de galinha e tudo. Em poucos minutos, não havia mais resquícios do mal-estar. No entanto, os mimos que o homem fez após tão pouca coisa eram adoráveis demais para eu sequer pensar em negá-los.
estava lavando a louça do café da manhã e, mesmo recebendo olhares de reprovação em minha direção, o ajudei secando e guardando.
— Por que ainda está com ele, ? — Perguntou de súbito.
— Ah. Liam sempre me tratou bem, assim como já deixou claro que quer consertar seus defeitos, e eu quero fazer parte dessa mudança dele. — Suspirei, assistindo o arquear de sobrancelhas dele como resposta. — E por que está solteiro? O que aconteceu com aquela garota... Eliza?
— Estou esperando por alguém, só não sei por quanto tempo. — Confessou, soltando um risinho melancólico em seguida.
— Romântico incurável! — Deixei um beijo sua bochecha, apertando-a em seguida e vendo que ele estapeava minha mão, afastando o carinho. — Sua prova da faculdade, !
— Eu não conseguiria resolver nada, mesmo. — Deu de ombros.
Liguei para o senhor Chong, justificando minha falta na loja naquele dia, e ele nada respondeu, além de perguntar quando faria as horas extras para suprir o dia de hoje. Usei do velho truque de ligação ruim para desligar e evitar ouvi-lo. foi até o mercado com o propósito de repor minha geladeira, de forma que eu não comesse mais das sobras esquecidas de dias anteriores, deixando ordem explícita para que eu nem mesmo levantasse do sofá.
Ajudei-o assim que vi o exagero de sacolas espalhadas por seus braços, observando o biquinho tomando seus lábios quando estava encucado com algo que não queria dizer. Percebendo que captei alguns detalhes, o homem tornou a guardar as coisas com agilidade, talvez, como forma de ter certeza de que se manteria quieto. Liguei a TV para ter algum barulho preenchendo os corredores do apê e corri para o banheiro, trancando-me e caindo de joelhos pela segunda vez em pouco tempo, torcendo para que meu estômago se livrasse da sensação giratória que permanecia nele.
Retornei à sala, mudando a televisão de canal na minha melhor atuação, como se nada tivesse acontecido, logo indo até a cozinha para procurar por um , que se emaranhava no armário remexendo as panelas. Fizemos o jantar, e o homem se manteve tão quieto quanto antes, se limitando a respostas automáticas e evitando me olhar, porque, quando o fazia, sentia seus olhos perdidos quase me despirem.
Arrumamos a pequena mesa de jantar com dois lugares na cozinha e jantamos por ali, tendo o barulho dos talheres como único som entre nós. As sobrancelhas do homem sentado à minha frente estavam unidas e, com uma ruga entre elas, os ombros também estavam tensos e curvados para frente da forma com que ele sempre me corrigia por fazê-lo.
— Não finja que nada aconteceu, . — Disse de uma vez por todas, me intimando e soltando os talheres de forma grosseira no prato num baque agudo. Despejou mais uma dúzia de olhares julgadores e vazios sobre mim para se levantar bruscamente, caçando por algo perdido em sua mochila, tirando uma pequena sacola do meio dos inúmeros de livros que carregava.
Jogou a sacola em cima da mesa, beirando o descaso e virou-se, coçando a barba por fazer um bocado agoniado. Olhei-o incerto e puxei a sacola para mais perto, abrindo-a e constatando de que sua reação não foi de descaso e sim medo, porque era a única coisa que eu sentia agora.
— Se preferir, podemos fazer um de laboratório. — Sua voz saiu vacilante ao mesmo tempo que seus olhos ganharam um tom mais escuro. Me demorei encarando a sacola, esforçando para respirar corretamente.
— Não tenho dinheiro nem pra isso.
— Apenas me diga o que prefere, , e eu farei.
— Eu... Eu não sei. — Resquícios da minha voz soaram, evidenciando o quão forte aquela mera possibilidade me atingiu. O teste de gravidez em cima da mesa foi capaz de gelar meu corpo por inteiro e causar pane em meus pensamentos. beijou o topo da minha cabeça e jogou a mochila nas costas, batendo a porta atrás de si quando saiu.
Cada vez que meus olhos fitavam a caixa com cegonhas ilustradas por todos os lados, um frio subia pela espinha e o ar se tornava rarefeito de forma cruel. Me levantei, no intuito de ignorá-la, custando qualquer esforço que fosse, mesmo que, de vez em quando, minha própria mente me encurralasse com a lembrança dos olhares de em mim.
Meu cérebro pulsava inquieto e medroso, permanecendo de tal forma durante toda a madrugada, que foi a mais longa dos últimos anos. Nem mesmo a maquiagem, que me levantara mais cedo para passar, foi capaz de disfarçar as olheiras brutas que estavam debaixo dos meus olhos e, para completar, o caminho até a loja nunca foi tão longo.
Chegando ao trabalho, Liam ainda não estava, e, sinceramente, eu nem esperava que estivesse, porém suas funções agora também estavam por minha conta e, apesar da loja continuar às moscas, eu não ganharia a mais por isso. Desde que saíra do apê ontem, me mandara três mensagens sobre o teste de gravidez e se já o fizera. Sua ansiedade me deixava com ainda mais medo. Medo da resposta que teríamos e das respectivas reações, medo do futuro e de como tudo poderia mudar.
Enquanto a loja continuava sem movimento, corri até o porão, buscando os gibis que tanto perguntava. Se por acaso passasse aqui, seria um bom começo de conversa para distraí-lo. Não havia muito com que me distraísse desde que havia aberto a sacola que meu melhor amigo jogara em cima da mesa, porque era apenas isso que se repetia em minha cabeça diversas e repetidas vezes, de novo e de novo. Por volta do horário de almoço, o sininho da porta voltou a tilintar, um tanto violento, e o cheiro forte de álcool logo incendiou todo o cômodo, me obrigando a engolir em seco quando vi Liam atravessar a loja com as mesmas roupas do dia anterior, fingindo costume. Ajeitando os óculos escuros ao rosto, desceu as escadas até o porão, sem ter coragem de levantar seu olhar pra mim.
Gostaria de ter seguido seus passos imediatamente, porém o cheiro forte de bebida custava a desaparecer, e logo a sensação giratória recomeçou em meu estômago. Contornei o balcão, aumentando os passos para alcançar o banheiro de clientes do outro lado da loja, me trancando e agachando para vomitar.
Meu reflexo no espelho era pálido e de olheiras ainda mais gritantes desde a última vez que as havia encarado. Joguei água gelada em meu rosto algumas vezes, sentindo o mínimo de conforto me acalmar, respirando fundo para voltar ao balcão com a melhor cara de paisagem que poderia encenar.
— Demorou, huh? Não pode deixar a loja sozinha. — Liam me aguardava de braços cruzados, encostado no balcão, e, se não fosse trágica, eu riria dessa situação.
— Que sorte termos você, então. — Dei de ombros, respondendo-o automaticamente.
— Deu baixa nas planilhas do estoque quando tirou esses gibis?
— Não, mas você pode fazê-lo, já que resolveu tirar férias nas últimas vinte quatro horas. Cacete, Liam! Onde você se meteu? Não mandou uma única mensagem! — Aumentei o tom de voz, intimando-o.
— Fui buscar as encomendas.
— E onde estão as encomendas?
— Não me enche, .
— Por acaso era tequila? Porque é a isso que você está cheirando. — O sino da porta tocou quando nos silenciamos e respiramos fundo para conter os ânimos e parecermos simpáticos.
— Não se meta. Sorria, acene e atenda o cliente, . — Liam sussurrou junto do meu ouvido antes de me dar as costas, sem que eu pudesse responder. — Vou voltar ao trabalho! — Avisou-me audivelmente do lado contrário ao balcão, fazendo-me encarar o sorriso ladino que tinha. Voltou ao porão e girou a chave para se trancar.
Um simpático senhor andava de um corredor a outro e, quando lhe ofereci ajuda, recusou, saindo da loja sem levar nada. Retornei ao balcão, bocejando de minuto em minuto e aguardando o horário de saída, que parecia estar cada vez mais distante. Pedi o almoço por aplicativo e troquei algumas mensagens com , que me enviou todas as fotos bizarras que tirara quando visitou sua mãe, e eu jamais me cansaria delas.
O apartamento parecia menor e com corredores mais estreitos, porque, quando o adentrei, apenas senti que ele me sufocava.
Deitei na cama, encarando o teto branco do quarto e sentindo minha mente repassar pela milésima vez o filme do teste que comprou. Aquilo estava me sufocando e, junto da incerteza, sufocava cem vezes mais. Levantei, arrastando-me preguiçosa até a cozinha, juntando algumas coisas que meu melhor amigo comprara para fazer, no máximo, um macarrão cremoso. As panelas começavam a cheirar e eu a me distrair, quando as chaves fizeram barulho ao destrancar a porta. A maneira como jogava a mochila e as chaves do lado da porta denunciou que Liam chegara. Seus passos vagarosos se tornavam mais próximos e pararam atrás de mim, rodeando seus braços em minha cintura e beijando meu pescoço.
— Desculpe, gostosa. Não fique brava comigo. — Sussurrou pausadamente entre beijos.
— Desculpa exatamente o quê, Liam? — Não me movi e mantive a atenção nas panelas.
— Estou me desculpando e você quer complicar? Caralho, ! — Soltou-me bruscamente, adentrando o quarto e batendo a porta com força, deixando apenas seu cheiro de bebida ali.
Aconcheguei-me no sofá, jantando ao mesmo tempo que assistia a algum programa de auditório, enquanto a reprise do The Ellen DeGeneres Show não começava. Liam apareceu depois que terminei de jantar e fez o mesmo que eu, jantando em frente à TV. Não nos falamos muito durante o resto da noite, a não ser por respostas monossilábicas, e eu realmente não esperava mais do que isso. Tomei um banho rápido e fui me deitar, tentando pregar os olhos por alguns minutos, enquanto Liam adormeceu na sala.
A mistura dos cheiros de café e do perfume forte do homem me acordaram quando incendiaram a casa. Aquele era o dia da semana em que Liam entrava mais cedo na loja para receber as – verdadeiras – encomendas, então ainda me restavam alguns minutos sem que precisasse correr para acompanhá-lo. Como na noite passada, ele bateu a porta ao sair, e suspirei aliviada, uma vez que ouvir os passos do homem no último par de dias havia se tornado um martírio. O teto branco do quarto me tomou a atenção mais uma vez, e, automaticamente, os pensamentos retornaram com toda a força.
Me levantei em um pulo e busquei minha bolsa no cabideiro ao lado da porta, tirando de lá a sacola de . Encarei-a por alguns segundos, de maneira que os poros se eriçaram, e abracei meus braços com o frio que me percorreu. Quis ligar para e dizer que finalmente criei coragem, mas a mesma me faltou ao lembrar que meu melhor amigo passava pelo final do semestre na faculdade dos sonhos, e eu não poderia desviá-lo da sua maior conquista. Caí de costas na cama e voltei a encarar o teto, revezando o olhar entre ele e o relógio, em razão do horário que logo teria de cumprir na loja.
Antes de virar a plaquinha pendurada à porta da loja para “Aberto”, desci até o porão, encontrando Liam, que tentava a todo custo sintonizar alguma rádio ao aparelho antigo que tinha ali.
— É assim que vamos viver, agora? — Me aproximei em passo hesitantes, vendo-o focar toda sua atenção no rádio. Abracei sua cintura, beijando seus ombros e aguardando alguma reação sua.
— Estou fazendo o meu melhor.
— Desculpe ter duvidado de você, é que tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. — Liam se virou, juntando suas sobrancelhas.
— Me perdoe desabafar com você os problemas da minha família, .
— Não estou falando disso, é só que...
— É o ? Isso não é bem uma novidade. — Virou-se novamente para o rádio, desligando-o de uma vez, e eu suspirei, porque soube que talvez ele não quisesse a reconciliação tanto assim.
— Só queria que a gente passasse dessa fase que mal nos olhamos debaixo do mesmo teto, Liam. — O ouvi suspirar alto, como se repensasse sobre o que dissera, virando-se para mim e quebrando a distância em passos lentos.
— Me desculpe, gata. — Beijou minha testa, colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha e olhando-me atentamente como há tempos não fazia. — Só não consigo te amar por completo com esse cara te rondando.
— O ? — Ri, nervosa. — Isso é coisa da sua cabeça, meu amor. Nos conhecemos desde pequenos e ele nunca tentou nada. Não há o que temer.
— Ainda assim eu não consigo. — Me segurou pelos ombros, soltando um muxoxo em seguida, como quem decretava seu veredito.
— Não posso me afastar do , babe... Não teve um dia da minha vida em que ele não esteve presente.
— Então, terminamos aqui. — Indicou-me a direção da porta e engoli em seco, voltando ao andar superior, fazendo o que me era possível para focar no trabalho.
Voltamos à estaca zero, em que tudo que Liam fazia era evitar me olhar, como uma criança birrenta, e minhas mãos estavam atadas. Apesar de ter sido o próprio que plantou a grande dúvida na minha cabeça, antes de qualquer coisa, era algo que apenas eu e Liam poderíamos arcar. Por incrível que pareça, cerca de uma dúzia de clientes passaram pela loja para nos manter ocupados como não ficávamos há meses, talvez fosse a vitrine, que, entediada, resolvi mudar. Uma das clientes puxou assunto sobre como conhecia o senhor Chong e que aquela loja era uma relíquia de família. Muito simpático de sua parte, apesar de ter que ficar de camarote aguentando os olhares luxuriosos da filha dela para Liam, que alongou seu trabalho ali, aproveitando para sentir-se pomposo o suficiente por um ano.
Após cessar o movimento na loja, como já estávamos acostumados, desci até o porão apenas para buscar as mercadorias que Liam já havia dado baixa na primeira planilha, para que pudesse repô-las nas prateleiras conforme foram consumidas durante o dia. Aproveitei aquela brecha para me manter ocupada até o último minuto de expediente, preenchendo as lacunas das prateleiras com uma calma que não tinha há tempos, porém encarando o relógio da parede de minuto em minuto. Atualizei as planilhas no computador com as saídas e consequentemente os lucros mensais, que eram desanimadores, devo dizer. Sabia que Liam ficaria mais algum tempo até que finalmente terminasse de contabilizar todas as mercadorias, então peguei meu celular e o cardigan que guardava no balcão para sair da loja, direto para casa.
As paredes do apartamento tinham cores apáticas, e nada disso colaborava com todos os pensamentos que rondavam minha mente, muito menos ajudava com tais. Era um labirinto, e a saída só se tornava uma opção quando eu escolhia ao lado do quem eu iria jogar. No entanto, a pior parte desse labirinto era justamente ter de escolher entre Liam e .
Fui para a cozinha preparar o jantar mais caprichado que me era possível a ponto de fazer Liam esquecer do que dissera mais cedo, como se o fizesse se apaixonar novamente. Comecei com algumas receitas da família dele, modificando-as para que se adaptassem com os ingredientes que tinha na geladeira, e, em poucos minutos, o cheiro começava a despontar das panelas, me distraindo um bocado das incertezas.
Me perdi um pouco quando senti o cheiro de queimado e vi que a panela do molho secou depois que esqueci dela. Xinguei em alto e bom som por um tempo enquanto tentava desgrudar a camada grossa colada ao fundo da panela. Contava os minutos até que Liam chegasse, e as almôndegas precisavam apenas dourar, para que se juntasse ao macarrão e o molho pronto que precisei recorrer, e fossem ao forno com camadas generosas de queijo, da forma que ele amava.
Assei torradas para a entrada caso ele chegasse, e o macarrão ainda precisava de mais alguns minutinhos de forno. Corri para o quarto, abrindo as portas do guarda-roupas de qualquer forma, na procura de uma roupa que eu sabia que ele amava, e fácil de tirar, é claro! Busquei meu roupão, jogando-o na beirada da cama e voltando a passos rápidos para a cozinha. Tirei as torradas, que estavam lindas, bem douradas, e fiz uma camada de molho de tomate no fundo da travessa, despejando o macarrão al dente e banhando-o com o restante do molho. Cobri-o com muçarela e azeite, colocando no forno para dourar e misturar os sabores. Antes de servir, decoraria com parmesão e orégano.
Prendi o cabelo em coque enquanto adentrava o banheiro para um banho rápido, voltando para o quarto apenas para buscar o roupão. Parei para encarar minha bolsa, que tinha parte da sacola de me dera para fora, como se quisesse chamar minha atenção. Puxei-a, levando comigo e tomando a coragem suficiente para ler as instruções no verso da caixa do teste de gravidez.
O vestido preto de alças finas foi um presente do próprio Liam quando completamos um mês juntos. Não era de grife e nem tinha brilhos, mas a sensualidade ficava por conta das curvas que ele ressaltava. Deixei o cabelo solto como ele gostava e realcei a cor dos lábios com um liptint, borrifando um pouco de perfume para voltar à cozinha. A crosta da muçarela estava dourada do jeito que queria, e desliguei o forno, enfeitando com o orégano, que agregava sabor, e o parmesão ralado.
Arrumei a pequena mesa na cozinha com pressa, já ouvindo as chaves girarem na maçaneta e meu coração acelerar de ansiedade. Aguardei que ele entrasse e deixasse a mochila de lado como sempre fazia, observando cada mínimo detalhe seu como se fossem todos novidade. Ao virar-se, suas sobrancelhas logo se uniram em confusão, e correspondi apenas enlaçando meus braços em seus ombros, aproximando nossos rostos e juntando os narizes. Beijei o canto de sua boca, vendo-o imóvel e descendo os beijos até a mandíbula, queixo e pescoço. Deslizei as mãos pelos ombros lentamente, puxando o moletom que ele vestia, despindo-o.
— Acho que a gente merece uma noite só pra nós. — Ameacei beijar seus lábios e recuei o rosto levemente. — E você não vai se arrepender um segundo sequer.
Enlacei minha mão à sua, puxando-o para a cozinha, ainda sentindo os passos hesitantes do homem. Mordi meu lábio inferior para conter o sorriso da ansiedade com sua reação.
— Esse cheiro, é...?
— O macarrão de forno com almôndegas da sua mãe? O próprio! — Pisquei para ele, finalmente abrindo meu sorriso de orelha a orelha e vendo um sorriso brotar incrédulo no canto dos seus lábios.
Sentamos à mesa e servi nossos devidos pratos, que Liam esperou poucos segundos até dar a primeira garfada, arfando enquanto degustava.
— ! Está idêntico ao da minha mãe!
— Fiz questão de seguir à risca, meu amor.
— Me faz até esquecer tudo que estamos passando.
— Esse é o propósito. Não é justo conosco, babe.
Engatamos uma conversa simples e cotidiana e que não tínhamos há um bom tempo, de forma que meu peito se esquentou, sabendo que as coisas começavam a voltar exatamente de onde nunca deveriam ter saído. Liam tinha um brilho melancólico nos olhos, e isso fez toda a correria valer a pena, sem via de dúvidas. O modo como lotava o prato duas vezes foi parte da recompensa que fazia meu coração acelerar, pensando que ainda tinha muito que ele não sabia e que duplicaria sua felicidade, que, até então, era apenas momentânea.
Liam colocou algum filme que não me atentei qual era, mas que ele encheu a boca de adjetivos para me convencer a assisti-lo. Nos esparramos no sofá, aguardando que pudéssemos respirar devidamente depois de comermos tanto. O observava, distraído, com os olhos vidrados na TV, e mal podia conter meu sorriso.
Dei algumas cochiladas durante o filme, me acordando apenas quando Liam me chamava para dizer que minha vida não seria mesma após ver aquela cena, e ele fez isso cerca de cinco vezes ou mais, depois deixando-me, enfim, dormir tranquila, ouvindo-o ao longe comentar uma coisa vez ou outra.
Acordei sem saber por quanto tempo dormi, ouvindo apenas as portas do guarda-roupa baterem inúmeras vezes. Liam não estava no sofá, e, com todas as luzes da casa apagadas, a do quarto se fez evidente. No corredor que dividia a cozinha do quarto, havia duas mochilas de Liam, lotadas com algo que não iria xeretar antes de saber o que diabos acontecia.
— Liam, deixe isso pra amanhã. Sabe que a Dona Karen do 22 lá embaixo vai reclamar do barulho. — Fui em direção ao meu namorado, que se esquivou, tirando meu celular do bolso traseiro de sua calça. Quando tentei pegá-lo, trocou de mão, abanando-o na minha frente.
— Arquivou a conversa com o , fez jantar, se arrumou... Não adianta, ! E já que esse cara vai continuar, eu vou embora hoje mesmo. — Fechou o zíper de mais uma mochila, jogando-a no corredor.
— Não precisa disso, Liam. Não exagere!
— Fale com ele agora ou me assista passar por aquela porta e não voltar mais. — Ordenou, sombrio, travando o maxilar e entregando meu celular. Desbloqueei, hesitante, abrindo a conversa com . A sua última mensagem foi perguntando se eu ainda estava passando mal e que poderia dormir na casa dele, se precisasse. Respirei fundo, bloqueando o celular e encarando Liam, que coçou a barba agoniado e riu, incrédulo. — Você mal conseguiu desbloquear o celular. É patética, !
— Liam, esqueça o apenas por alguns segundos e foca na gente. — Mergulhei minhas mãos em seus cabelos, alinhando nossos olhares. — Temos tanto pra viver juntos ainda. — Sorri, secando a lágrima solitária que caía e que sequer senti se formar. — Espere aqui, e eu vou lhe trazer um motivo pra ficar. — Segurei seu queixo delicadamente, na menção de beijá-lo, mas ele esquivou.
Corri até o banheiro, esbarrando em algumas roupas nossas jogadas pelo chão. Abri a pequena gaveta do armário, tirando de lá a caixinha que agarrei como se minha vida estivesse guardada ali, e realmente estava, uma parte dela, uma pequena parte em formação.
Liam estava sentado na beirada da cama e nenhuma menção fiz até me sentar ao seu lado e lhe entregar a caixinha.
Meu coração estava acelerado como nunca estivera antes, e eu soube que era o certo, porque, dentro de mim, sentia que tudo iria mudar, em pouco tempo e para muito melhor.
— Duas listras... Você? — Me encarou, aguardando resposta, revezando o olhar entre meu rosto e meu ventre.
— Sim, meu amor. Nós vamos ter um filho! — Senti mais uma lágrima escorrer e não tentei secá-la, assistindo sua boca abrir e fechar inúmeras vezes, murmurando coisas desconexas. Juntei nossos rostos e o beijei em meio às lágrimas, ainda sentindo meu coração acelerado.
— Eu não tenho nada a ver com isso, .
— Liam...
— Esse filho não é meu.
— Me diga que você está brincando, babe.
— Não, não. Isso não é motivo pra me fazer ficar. Pelo contrário, essa é a prova de que você se deitou com ele, !
— O QUÊ!? — Minha voz soou alta e esganiçada, junto do choro que não cessava. — Ouça o que está dizendo, Liam. É absurdo.
— Esse filho não é meu. — Repetiu, nervoso, voltando a coçar a barba, bagunçando os cabelos vez ou outra. Levantou-se de supetão, indo para o corredor e colocando uma das mochilas nas costas, carregando as outras duas nas mãos.
— Liam, não. — Tentei segurá-lo pelo braço, que puxou, se afastando rápido. — Eu não posso ter esse filho sozinha. Por favor...
— Não vou criar uma criança que não é nada minha. — Virou-se para mim, largando uma das mochilas no chão para segurar meu rosto com a mão livre. — Deveria ter pensado melhor antes de abrir as pernas pra ele. — Proferiu entredentes.
— Por favor, Liam... — Murmurei de qualquer forma, sentindo meu rosto molhado das lágrimas desesperadas. — LIAM! — Esbravejei o mais alto que me foi possível, sentindo as pernas bambearem e fraquejarem quando o vi fechar a porta atrás de si, tranquilamente.
Minhas pernas doíam, minha cabeça rodopiava, meu coração queimava... E eu não sentia o chão abaixo dos meus pés, não sentia o ar invadir meus pulmões.
Era como se minha força irradiasse de Liam e, agora que ele se fora, eu não tivesse forças com as quais manter minhas pernas em pé.
Liam era meu Sul. Era também meu Norte.
E eu não sabia o que fazer para seguir sem os passos dele para acompanhar.
O choro era incessante e crescente. As lágrimas pareciam arder enquanto escorriam pelas bochechas, como se fossem um castigo por chorar por quem me virou as costas.
Não fiz nada além de gritar.
Gritar porque estava perdida.
Gritar por estar sozinha. Por estar desnorteada e sem ter por onde começar.
Por não ter forças por mim, e sem saber quando as teria para criar aquele filho.
Uma ventania começou, batendo as portas da pequena varanda, me obrigando a levantar e ir fechá-las. Senti os primeiros pingos de chuva me castigarem, arrepiando-me da cabeça aos pés e fazendo com que abraçasse os próprios braços para fugir do frio da ventania.
O difícil era não conseguir driblar o frio que me percorria sempre que passava a mão na barriga. Era automático e inevitável.
Suas palavras cruéis ainda se repetiam na minha mente, cada vez mais altas, como em um reverb, e doíam como se insistissem em remexer na ferida aberta.
Busquei um moletom jogado em cima da cama e o vesti, calçando um par de tênis velhos também. Tranquei a porta da melhor forma que as lágrimas que embaçavam minha vista permitiam, cobrindo parte do meu rosto com a touca do moletom quando entrei no elevador, dividindo-o com uma senhora moradora, que conhecia apenas de vista. Vi-a se curvar em minha direção vez ou outra para se certificar de que estava bem ao me ouvir fungar tantas vezes, porém não me preocupava em parecer bem quando tudo estava tão longe de estar.
Ao sair do prédio, as nuvens estavam escuras a ponto de se fazer confundir se já era noite, e a ventania parecia ainda mais violenta, mas eu não poderia desistir. Precisava chegar o mais rápido possível, sem pestanejar. Alguns pingos de chuva já caíam, me motivando a andar mais rápido, dando alguns trotes para apressar a mim mesma. A chuva começou a cair, e eu estava perto, apenas duas quadras me separavam e, mais a frente, conseguia ver o prédio de vários andares, que, com o peso das roupas já encharcadas da tempestade, começavam a me custar chegar até lá. Parei por poucos segundos, o suficiente para puxar uma lufada de ar generosa que perdi na correria, pisando em algumas poças nos passos largos que dava e correndo até que chegasse ao jardim do prédio. Toquei o interfone, acenando para o porteiro, que me conhecia de anos. Bati o portão sem me preocupar muito, assim que notei que estava destrancado.
Muita das vezes parava para conversar com Bernard, o velho porteiro, já que sua filha não parecia ser uma adolescente das mais ajuizadas. Ele gostava de me ter como confidente, exceto por hoje, que me olhou com pesar, como se adivinhasse o que acontecera.
Gritei quando vi uma garotinha entrar no elevador para que o segurasse pra mim, e ela o fez, sorridente, até ver que meu cabelo pingava enquanto os andares subiam, afastando-se um pouco para evitar se molhar também. A garotinha desceu dois andares antes de mim, mas não sem antes me dar a toalha que enrolava sua boneca, como se fosse um real bebê. Sorri, imediatamente sequei as pontas dos cabelos e agradeci em partes, sendo interrompida pelas portas automáticas que se fecharam, sabendo que eu poderia criar um pequeno ser humano tão gentil e bondoso quanto aquele. Com um nó na garganta, toquei meu ventre gentilmente, caminhando a passos hesitantes, tendo a sensação de olhos ardentes mais uma vez, e lágrimas que parei de me importar quando molhavam meu rosto.
Dei duas batidinhas fracas na porta, suspirando para tomar coragem suficiente e bater outras três vezes, audivelmente. As chaves giraram para destrancar a porta. Meus olhos arderam mais encarando suas íris tão vivas e imediatamente descansei em seus braços quentes.
Pensava estar sem forças antes, mas não imaginava que aquele abraço fosse capaz de sugar tudo o que restava. No entanto, aquele abraço também foi capaz de repor tudo o que vi me ser tirado em segundos.
nada perguntou, apenas me puxou para dentro de casa sem desvencilhar os braços de mim. Conduziu-me até seu quarto, pegando uma muda de roupas suas e enrolando-me na toalha. Retornou a me acompanhar até o banheiro, murmurando um “grite se precisar de algo” e deixando seu beijo sempre tão consolador na minha testa.
A água quente caía nas minhas costas, escorrendo pelo resto do corpo e aquecendo tudo o que a tempestade se encarregou de castigar com suas temperaturas baixas. Enrolei meus cabelos na toalha, vestindo o roupão, que ajudou a esquentar os nós enrugados dos dedos, enfiando-me nas roupas que exalavam o cheiro característico de , nos mínimos detalhes.
Saindo do banho, meu melhor amigo me aguardava sentado na beirada da cama, esfregando as mãos, um bocado ansioso. Engoliu em seco, puxando o edredom para que eu me aconchegasse embaixo dele, e o homem logo fez o mesmo.
— Quer falar? — Abraçou meus ombros, beijando meus cabelos.
— Você está todo arrumado. — Murmurei de voz baixa. — Até seu quarto está arrumado, isso é tipo um milagre. — Forcei um sorriso, vendo-o fazer o mesmo. — Céus! Você tem um encontro! , vá, por favor, não fique aqui por minha causa.
— Ela estava aqui, na verdade... Foi compreensiva e disse que podemos marcar algo depois.
— Desculpe, . Eu nem olhei, estava tão...
— Eu sei, eu sei, . — Sorriu nasalado, aliviando parte da minha culpa. — Quer jantar? — Neguei com a cabeça. — Então, descanse. Amanhã conversamos, tudo bem? — Afagou meus cabelos e enlacei meu braço ao seu, num pedido silencioso para que permanecesse.
era a melhor pessoa do universo e não precisava de muito para provar aquilo. Apesar de uma das provas ser ele simplesmente estar junto, aguardando que eu estivesse pronta para falar o que quer que fosse.
O cheiro de sua inseparável pipoca de micro-ondas estava na casa toda e, como de costume, Friends passava pela milésima vez na TV. Era como o pacote completo do que eu poderia chamar de genuíno amor, e eu só precisava de .
Sentia-me cansada, fraca e aos pedaços. Contudo, as cochiladas tranquilas e o afago do melhor amigo no meu cabelo curavam grande parte das minhas feridas. No meio de uma das cochiladas, tive as palavras de Liam se repetindo na minha mente, como se ele estivesse na minha frente, repetindo-as naquele exato momento, e levantei em um lapso. , que cochilava ao meu lado, também se acordou, certificando-se de que estava bem. Vi que a Netflix perguntava se ainda havia alguém assistindo. Eu me virei para ele, querendo contar o que acontecera.
— Eu fiz o teste. — Engoli em seco, estudando as expressões em seu rosto. — Deu positivo.
— Está brincando?! — Seus olhos arregalaram-se, e logo senti o peso do seu corpo cobrir o meu. — Não acredito que logo vamos ter uma cópia sua correndo pela casa! Oh, desculpe! Isso não deve fazer bem pro bebê. — Desvencilhou o abraço desajeitado, pulando para um espaço na cama ao meu lado, abraçando meus ombros. — Estamos na oitava temporada de Friends, você engravidou junto com a Rachel.
— Estou morrendo de medo, .
— Não precisa ter medo. — Beijou minha bochecha, encolhendo os ombros para se agachar e se aproximar da minha barriga. — Porque não há nada que você, aí dentro, vá precisar e o tio não fará! — Afinou a voz e ambos rimos, me permitindo derreter com a cena. — O que Liam disse? — Meu sorriso murchou e o do homem ao meu lado também.
— Não sei nem por onde começar... — A voz embargou quando o nó se refez na garganta, rasgando-a. — Ele sempre teve muito ciúmes de você, só que nunca demos motivo, então eu estava tentando tirar isso da cabeça dele. Hoje de manhã, ele havia me dito que só poderíamos ser felizes por completo se eu me afastasse de você, mas eu disse que não conseguiria fazer isso.
— Me conte depois, agora se acalme, .
— Fiz um jantar pra nós, pra relembrar os primeiros meses de namoro, e, no começo, deu tudo certo, estávamos bem. Caí no sono, e, quando acordei, as malas dele estavam prontas. — Funguei, encarando minhas mãos que se apertavam nervosas. — Mostrei o teste na esperança de que ele ficasse, mas tudo piorou. Ele... simplesmente... se virou e foi embora, .
— Shhh... Eu estou aqui, , pra vocês dois. — Descansei a cabeça na curva do ombro do meu melhor amigo, cedendo espaço para que as lágrimas umedecessem sua camiseta. Tinha a certeza de que sabia que ele, de fato, estaria sempre apostos por nós. — Um dia de cada vez. — Secou parte das minhas lágrimas, gentilmente. — Desculpe tê-la deixado passar por tudo isso sozinha. — Neguei energeticamente com a cabeça, achando um absurdo pelo que ele se desculpava. — Durma aqui hoje, amanhã conversamos melhor.
Tentei argumentar com o homem que era de seu explícito direito dormir na cama do seu quarto, todavia refutava com a desculpa de que seu sobrinho não dormiria no sofá e que isso era inquestionável.
Acordei algumas boas vezes com as vozes altas de Liam se repetindo, para me atormentar, e outras vezes acordava para assaltar os doces que guardava com todo o amor na última gaveta na esquerda de seu armário. De resto, ter como meu guardião naquela noite fez dos meus minutos de sono um dos mais tranquilos dos últimos tempos.
Quando consegui dormir pelo que parecia ser um bom tempo, o cheiro doce das panquecas típicas dele invadiu o quarto, e, como nas últimas manhãs, meu estômago se revirou completamente. Prendi meus cabelos em um coque e me arrumei da melhor maneira que pude, indo até a cozinha, ouvindo-o cantarolar tranquilo. Observei-o distraído por alguns segundos, batendo a massa das panquecas e se atrapalhando, derrubando um garfo ou outro. Sem conseguir conter minha risada, meu melhor amigo logo me percebeu ali.
— Bom dia, ! — Cumprimentou sorridente, empurrando os óculos de grau com as costas da mão e sujando-os.
— Eu faço as panquecas! — Me adiantei. — Limpe seus óculos e troque de camiseta.
— Elas não te dão enjoo?
— Já tive o suficiente hoje. — Pisquei, tentando apenas soar marota, mas ri logo em seguida. se afastou um pouco, ficando de costas para puxar sua camiseta pela barra até que passasse por sua cabeça, exibindo o resultado de suas idas à academia e suas poucas tatuagens, que pareciam ter ficado ainda mais bonitas nele desde que as vira pela última vez. Fingi estar inteiramente concentrada nas panquecas quando ele se virou, terminando de vestir uma camiseta limpa que sequer vi de onde tirou.
— Estão queimando?
— O quê?
— As panquecas. — Não percebi que ainda estava presa no devaneio, e, quando definitivamente voltei a atenção às panquecas, um lado da que estava na frigideira começava a passar do ponto. — Eu te ajudo. — Meu melhor amigo se pôs ao meu lado, colocando a mão sobre a minha que segurava a espátula, para que virássemos com o mesmo cuidado com que ele as fazia anteriormente.
— Não vai pra faculdade? — Mudei de assunto, deixando as panquecas por sua conta e indo arrumar a mesa.
— Hoje não. — Ele riu fraco, talvez já sabendo que logo em seguida viria um sermão meu.
— Você está se desviando completamente dos estudos, ! — Cruzei os braços, aguardando a boa vontade de sua resposta, mas apenas ouvi seu risinho se transformar em uma risada.
— , você não pode se estressar! — Não conteve sua risada, apontando a espátula para mim.
— Não aponte essa espátula pra mim, !
— Me deixe falar, mulher! — Tentou conter suas risadas, respirando fundo. — Acho bom irmos ao médico hoje. Você pode ter bebido ou comido algo que não deveria enquanto não sabia estar grávida, então quanto mais cedo fizermos um check-up, melhor. — Estreitei meus olhos, ainda o observando.
— Certo. — Dei o braço a torcer. — Mas amanhã você vai pra faculdade?
— É claro que vou!
— Não vai faltar um dia sequer até suas férias?
— Universitário não tem férias! — Respondeu, cheio de graça.
— ! Não teste minha paciência!
— Não vou faltar nenhum dia até minhas férias. — Repetiu minhas palavras em tom tedioso.
— Lindinho! — Apertei sua bochecha da forma com que suas tias faziam, e ambos caímos na gargalhada, entendendo a referência. — Vamos tomar café, estou morrendo de fome! — Me adiantei, puxando a cadeira para me sentar e servindo-nos de café.
Tomamos café da manhã tranquilamente, apesar de sentir dentro de mim, a cada segundo que passava, uma maior tempestade que se formava. Não sabia o que fazer, para onde seguir, por onde começar. Sabia que tinha ao meu lado, mas me doía pensar que, da última vez que confiei meu futuro a alguém, foi exatamente a mesma pessoa que o fez despencar de uma só vez. No entanto, meu melhor amigo nunca me deu motivos para que o visse com tamanha desconfiança. Conseguia distinguir que tudo que sentia agora era pura mágoa e que jamais seria merecedor de um sentimento tão injusto. Era como se eu quisesse me desprender das atitudes e, principalmente, das palavras duras de Liam, mas houvesse algo que me impedisse de fazê-lo por completo, como se, a cada segundo, o próprio Liam estivesse ali para me lembrar que era impossível, e, com o filho dele que eu carregava, o meu ex-namorado sempre seria uma memória.
Os poucos passos que conseguia dar para esquecer Liam não eram dados por mim, e sim por , que se desdobrava para manter o bom humor impecável e me causando inúmeras risadas, apesar de ter derramado metade da minha caneca de café. Mais uma das suas precauções médicas, dizendo em alto e bom som que grávida não pode ingerir muita cafeína. O rapaz me comunicou mais uma porção de outras pequenas coisas, como: andar descalça, tomar água gelada, comer doces, tomar chás, tirar cutícula e ler sem os óculos de grau. Havia recomendações médicas ensaiadas na ponta da língua para cada uma delas, mesmo que ainda faltasse um ano completo para terminar a faculdade de Medicina. Nem escolhera sua especialização e já se tornara um daqueles médicos exigentes que encontrávamos vez ou outra!
Passamos na casa da mãe de para pegarmos o carro emprestado, prometendo que passaríamos por lá na volta e que comeríamos do bolo que a mais velha se apressou para fazer. Também não contamos nenhuma das novidades para ela, mas pretendíamos fazê-lo logo, já que, para mim, ela era como a mãe presente que não tive.
Minha mãe não poupou palavras quando enchera os pulmões para berrar que, entre meu padrasto, que ela puxara para dentro de casa, e eu, ela o escolhia. Não tive opções a não ser esquecer as lembranças da minha infância, que tinha por toda a casa, ao alugar um local para que morasse sozinha. Foi há um bom tempo, não nos falávamos desde então, porém, de vez em quando, suas palavras reverberavam na minha cabeça.
Adentramos o Hospital Universitário, que foi uma sugestão de , já que ele tinha acesso fácil ao local e poderia ter prioridade nos exames. A sala da obstetra Dra. Connely era espaçosa, confortável e muito bem decorada, o que ajudava a nos convencer de que todas as recomendações que ouvimos sobre ela não eram exagero. Sua voz era doce, transmitindo calma e segurança na mesma intensidade. Alguns folhetos estavam espalhados por sua mesa. De costas para nós, ela buscava por mais alguns. Estes ilustravam tudo o que se precisava saber sobre a primeira gravidez e os devidos exames. Logo mudamos de sala, para uma vizinha à que estávamos, e me aconcheguei na maca: era meu primeiro ultrassom.
O gel estava frio quando foi espalhado por minha barriga, mas não tão frio quanto a mão de , que segurava a minha com força. Senti o beijo que ele deixou na minha testa para começarmos encarar a televisão ao nosso lado esquerdo.
A imagem em preto e branco era confusa, um tanto embaçada e de descrição dispensável. O indispensável era invisível aos olhos e tinha um som estranhamente maravilhoso.
Eram os batimentos cardíacos do pequeno ser que traria ao mundo.
Tão acelerado quanto os batimentos, as lágrimas começaram a escorrer sob meu rosto. Meu melhor amigo me abraçou da melhor forma que pôde e o ouvi fungar abafado, fazendo com que molhasse ainda mais minhas bochechas com o choro descontrolado que iniciei.
— Parece que já temos algumas semanas por aqui. — Dra. Connely disse, um pouco pensativa, estudando a imagem por mais alguns segundos e permitindo que nos acalmássemos nesse meio tempo. — Está do tamanho ideal e chupando o dedinho!
— Então já dá para saber o sexo? — se adiantou, passando as mangas da camisa que vestia em seus olhos.
— Claro que dá! — Sorriu amigável. — Mas antes devo alertar que temos cerca de quinze semanas de gravidez e muitos exames para fazer. Mais importante de tudo: não se culpem. É mais comum do que pensam não descobrir uma gestação nas primeiríssimas semanas. Antes de lhe darem mais alguns puxões de orelha, lhes darei a informação que tanto querem.
Desta vez, eu que busquei pela mão de , enlaçando-as. Já começava a me acostumar, como mais uma de minhas manias.
— É uma perfeita menina. — Meu coração se acelerou mais do que pensei que poderia e novas lágrimas tomaram meus olhos. — Parabéns ao casal! Vou deixá-los a sós. — Dra. Connely proferiu, rápida, e, tão ágil quanto, se retirou, sem nem mesmo esperar alguma resposta de nós.
— Eu não acredito, ! É a melhor coisa que eu ouvi em anos! — Passei meus braços pela cintura dele assim que o senti juntar nossos corpos mais uma vez. Aproveitei para deixar que o choro caísse livre, porque este homem era minha única certeza de alguém que jamais me julgaria, em hipótese alguma.
— Eu não sei se consigo. — Confessei de uma vez.
— O quê? ! É só o medo inicial, confie em mim. Você será uma mãe maravilhosa.
— Eu realmente não sei se consigo, . Não quero criá-la como minha mãe me criou, passar por tudo o que eu passei.
— Sua mãe não me teve do lado dela. — Secou algumas das minhas lágrimas. — Mas você vai ter, e eu farei de tudo por vocês, . Exatamente tudo.
— Você não pode ter uma responsabilidade que não é sua, não é certo.
— Mas eu amo você e qualquer responsabilidade que venha com isso, é uma honra.
— Eu não sei o que seria de mim sem você. Sinceramente.
Mais algumas horas foram necessárias para que encaminhássemos os exames primários que, caso soubéssemos, eram para ser feitos no início da gestação. Não era estranho a ausência de menstruação, porque não seria a primeira vez que ficava em dívida com o ciclo menstrual. conversava com a médica em seu vocabulário culto da profissão, garantindo a ela que eu cumpriria com todas as cartelas de vitamina que precisaria tomar dali em diante. Encarava algumas das pílulas enquanto cruzávamos o estacionamento, tendo um muito disperso ao meu lado, relendo os resultados dos poucos exames que pude fazer de imediato. Algumas gotas fracas de chuva começaram a cair e apertamos o passo, adentrando o veículo.
— ? — Ele assentiu, ainda encarando os papéis. — Consegue passar na loja, por favor? — Finalmente desviou sua atenção, me encarando de sobrancelha arqueada, coisa que poucas vezes ele conseguiu fazer e culpava sua coordenação motora por isso.
— Depende. — Estreitou os olhos.
— Queria saber se ele foi hoje.
— Não. — Suspirou cansado, como se finalmente se permitisse dizer algo. — Ele não está arrependido, . Sinto muito.
Apesar de negar por mais alguns momentos, meu melhor amigo deu o braço a torcer e estacionou um quarteirão antes da loja em que trabalho, aconselhando-me a ir andando os poucos e próximos quarteirões até sua casa. Apesar da confusão que ainda havia em minha mente, sabia que estava certo e que, realmente, Liam não se arrependia. Comprei algumas coisas para ajudar nas despesas, deixando-as em cima da mesa assim que adentrei a casa. Guardei tudo que era relacionado à gravidez antes que voltássemos à casa da tia Anna, para que ela não fosse pega de surpresa antes que decidíssemos contar. Reli os exames que tanto prenderam a atenção de , porém não entendi nenhum dos enormes nomes que se repetiam, nem os números separados vírgulas, e ele logo girou as chaves na porta, tirando a camisa úmida por causa da chuva e permanecendo com a regata que vestia por baixo.
— Só a filha do Chong estava lá, . — Se limitou a dizer enquanto andava até seu quarto, retornando com outra camisa em mãos.
— Amanhã mesmo preciso recomeçar as planilhas com os números das mercadorias agendadas para chegar à tarde. Não posso faltar mais.
— Pensei que não fosse trabalhar pelo menos até todos os exames chegarem.
— E por que não iria?
— Precisamos ter todas as certezas de que o bebê está bem, que você está bem. Não sabemos se é uma gravidez de risco, ou se... Se são gêmeos. — Dei um tapa em seu braço, murmurando um “nem brinque com isso”, fazendo-o rir.
— Você ouviu a doutora Connely, é apenas uma perfeita garota. — Estreitei os olhos, repetindo as palavras da médica de forma marota. — Estava pensando em arranjar outro emprego e conciliar os dois.
— O que há de errado com a loja do Sr. Chong?
— Não é a loja, é que, antes do bebê nascer, quero ter tudo que vou precisar, quero me planejar e até mudar de apartamento. — Dei de ombros. — Não ligo de ser menor, mas sem paredes mofadas e mais perto do centro.
— Mude pra cá. — Ri nasalado, ignorando-o, levantando para buscar para mim mesma uma outra blusa. — É perto do centro, como você quer, e nenhuma parede mofada. — Enumerava em seus dedos. — Tem espaço suficiente pra você e pro bebê, e vou poder te ajudar como prometi.
— Está falando sério?
— Tão sério quanto Ross pediu para Rachel se mudar para o apartamento dele.
— Você saiu da casa da sua mãe justamente porque queria privacidade, não posso tirar isso de você.
— Já tive toda a privacidade que queria. — Deu de ombros, encarando-me assim que percebeu que eu também o analisava.
— Mas e quando quiser trazer uma garota pra cá? Mamadeiras e chocalhos por todos os lados!
— Não parece uma missão impossível e não tente criar uma! — Sorriu, encorajador. — Apenas se mude pra cá, . — Repetiu, em tom preciso e aconchegante na mesma intensidade.
16ª SEMANA DE GESTAÇÃO.
Havia mais e mais cartelas de vitaminas por todos lados, incluindo as que eu ainda não havia terminado desde a primeira consulta, poucos dias atrás. me privava de comer um docinho sempre que esquecia delas, então passei a tomá-las regularmente. Tia Anna foi zelosa e muito complacente quando lhe contamos sobre o bebê. Como se houvessem combinado, sugeriu que me mudasse para o apartamento de seu filho, onde poderíamos ter da sua disposição em tudo que precisássemos. Cada dia que passava me sentia melhor e menos presa a Liam além do que era necessário, que não passava dos laços sanguíneos do ser que crescia perfeitamente dentro de mim.
18ª SEMANA DE GESTAÇÃO.
Apesar da barriga aparente, trabalhar na loja do senhor Chong ainda não me era um empecilho, exceto pelas preocupações excessivas do meu melhor amigo, que encomendava lanches de restaurantes por aplicativo para ter certeza de que eu não me esqueceria de comer. Liam, por outro lado, não dera as caras no trabalho desde o fatídico dia, e o sobrinho adolescente do senhor Chong era quem fazia seu trabalho. Precisava admitir, apesar do estabelecimento permanecer parado, não ter a presença carrancuda de Liam para lá e para cá era apaziguante, tornando a calmaria quase viciante. Tia Anna, cada vez mais zelosa, me presenteou com uma cesta de óleos e cremes para que evitassem o aparecimento de estrias, sempre com uma dica de ouro na ponta da língua para o que eu precisasse.
20ª SEMANA DE GESTAÇÃO.
As palavras da Dra. Connely ecoavam por minha cabeça, tranquilizando nossos corações enquanto a médica enchia de elogios o bebê que já tinha braços, pernas e mãos formadas. Agora, apenas ganhava peso e, claro, um nome a cada dia, porque Tia Anna a não paravam de apelidar minha barriga.
Eram poucos, mas eram as pessoas certas que escolhi ter ao meu lado, e não pedia nada além disso.
Nossa mudança definitiva para o apartamento de começava a se concretizar. Entre um dia e outro, passava algumas horas entre os corredores de paredes úmidas do antigo apartamento para que separasse tudo o que era necessário em plena tranquilidade. Não eram muitas coisas, majoritariamente roupas – algumas que, na atual conjuntura, não me serviam –, mas separava as que Tia Anna tinha interesse em levar para ajudar o bazar da igreja.
26ª SEMANA DE GESTAÇÃO.
As dúvidas sobre o nome e os apelidos que colocávamos apenas por não termos algo mais a nos preocupar resultavam em chutes e cotoveladas, que comprovavam todas as teorias sobre a pequena estar realmente se esbaldando com todas as frutas que era obrigada a comer. No entanto, o primeiro chute não fora com uma história assim tão agradável de se ler sobre, até porque foi no meio da madrugada e diversas vezes seguidas. Resultou em gritaria e choros inexplicáveis, que me impediam de dizer a o que era, puxando sua mão para minha barriga e deixando nós dois em puro pranto. No dia seguinte, Tia Anna não reagiu muito diferente de nós sobre a novidade, e ficamos os três na sala de casa, chorando como crianças indefesas.
Os desejos esquisitos tiveram poucos episódios, mas os poucos foram daqueles típicos em que precisou caçar por kiwi, guacamole, caramelo e pêssego em calda durante a madrugada. Ele chegou a deixar um cartão de crédito reserva apenas para os meus desejos nos momentos em que ele não estivesse em casa.
31ª SEMANA DE GESTAÇÃO.
Inchaços se tornaram comuns, de maneira que precisei abdicar de anéis e pulseiras. Caso me atrevesse a usá-los, precisaria jogar óleo sobre a região, para que pudesse me livrar da bijuteria, e cheguei à conclusão de que era humilhação demais. Repousos eram muito bem-vindos – muito mesmo. A pilha de travesseiros e almofadas que mantinham minhas pernas levantadas soava como pedaços de nuvem que acomodavam meus pés, principalmente após um dia inteiro de trabalho. começava a ler livros para Lily – como gostava de chamá-la –, e ela começava a responder aos seus estímulos, que se transformaram em toques na barriga, respondidos ainda mais ferrenhamente pelo bebê.
O antigo quarto do meu melhor amigo já começava a ter o ar de ansiedade que antecedia o nascimento de “Lily”. O berço do lado da cama, a barreira de fraldas empilhadas, as roupinhas de cores clarinhas e cheiro tão único, pelúcias e até mesmo livros sobre a primeira maternidade.
36ª SEMANA DE GESTAÇÃO.
Completamente desenvolvida e com pulmões em amadurecimento, estávamos ansiosos com sua chegada e um bocado assustados. Ela era a pessoa responsável pelo divisor de águas em minha vida, nossas vidas. Ela, desde tão pequena, nos tornaria melhores, menos egoístas e mais chorões do que nunca antes.
Dra. Connely estava em alerta para o trabalho de parto, Tia Anna estava empolgada e mal dormia, mal comia. Sua ansiedade beirava o absurdo, e ele checava inúmeras vezes se a bolsa que preparamos para levar à maternidade tinha realmente tudo que precisávamos. O rapaz ia para a faculdade com muita insistência da minha parte, todos os dias. Minha licença maternidade começou, e tudo o que eu fazia era assar bolos e, no tempo restante, dormir. Por que escolher entre um deles se podia ter os dois?
O nome ainda era uma incógnita, mas o menor dos problemas, já que se acostumou a chamá-la de um jeito diferente a cada dia das últimas semanas.
Os últimos dias haviam sido exaustivos, e tudo parecia ser uma tempestade em copo d’água, mas eu simplesmente não conseguia controlar as pequenas irritações. O bebê já deveria ter nascido, e o peso começava a ser insuportável durante as vinte e quatro horas do dia. Dormir se tornou a pior das atividades, pois nenhuma posição era confortável para que eu pudesse descansar. Os pés inchados incomodavam e colocá-los para cima não surtia efeito. revezava seus dias em casa com Tia Anna, abdicando da faculdade, mesmo após insistências de ambas.
— A panqueca não vai grudar, mas, pra virar perfeitamente, você precisa deslizar a espátula pelas bordas para ter certeza. — O rapaz explicava detalhadamente a receita de suas panquecas mágicas, as únicas que apaziguavam as ondas de desconforto.
— Você estar me explicando como fazê-las não vai, automaticamente, tirar seu posto de prepará-las toda manhã, . — Esclareci risonha ao seu lado, observando o movimento rápido que fez para que a panqueca voasse no ar para virar.
— Talvez seja apenas uma sugestão para ser a primeira opção de comida sólida para a pequena. — Comentou como quem não queria nada, mordendo o lábio inferior para conter o sorriso que não conseguiu esconder, contagiando-me imediatamente.
— Ela não tem um nome, mas fico feliz que tenha sua primeira refeição programada!
— Precisamos decidir, . Na verdade, você precisa. — Sorriu, melancólico.
— Dizem que se torna mais fácil assim que olhamos para o rosto do bebê.
— Dona Anna sabe como disfarçar, mas, na agenda dela, tem três páginas reservadas para lhe sugerir um dos quinhentos nomes que ela separou! — se aproximou do meu ouvido como se contasse um segredo, sendo responsável pelo arrepio involuntário que percorreu minha espinha.
— Oh! Talvez eu precise de alguns! — Respondi automaticamente, tentando soar marota, até que eu esquecesse da estranha sensação que me ocorreria com meu melhor amigo tão perto. — Ela claramente vai ser uma diplomata, então pensei em nomes comuns em diversos idiomas, como Alice ou Aurora. Se bem que, se pensarmos direito... — Deixei que a frase morresse no meio do caminho, sem que sequer conseguisse pensar sobre o que tanto queria falar. Pelo menos, não agora, no momento que meu coração ficou a poucos centímetros de saltar pela boca.
— ? O que foi? Está sentindo alguma dor? — O rapaz segurou-me pelos ombros para que tentasse decifrar algo que meus lábios trêmulos balbuciavam, até descer o olhar para as minhas pernas.
— A... A bolsa. — Proferi baixo, ainda que da melhor forma que me foi possível, já sentindo os olhos marejarem.
— Ela vai nascer! — Ouvi sua voz vacilar, mesmo que seu rosto oscilasse entre a ansiedade e felicidade. Deslizou as mãos frias desde meus ombros até que se enlaçasse aos meus dedos, tirando-me da poça que formou junto dos meus pés. — E-Eu vou pegar a mala que arrumamos pra ela e ligar pra minha mãe reservar um quarto privativo. — Soltou minhas mãos, um tanto brusco, e eu sabia que não foi sua culpa, sequer pensava naquilo agora. O rapaz deu passos largos até tropeçar na mesinha de centro na sala e levantar-se ainda mais atrapalhado.
Apesar das lágrimas que corriam grossas e apressadas pelo meu rosto, o coração agitado dentro do peito era repleto de ansiedade. A melhor ansiedade que já senti antes, daquelas que aquecem o coração. Em algumas horas, Alice, Aurora ou qualquer que fosse o nome dela estaria em meus braços, dissipando todas as dúvidas que um dia eu já tivesse tido sobre aquela nova fase que ela criava em minha vida.
Ouvia de maneira um tanto abafada a voz de ao fundo, com todas as suas perguntas: se estava doendo, se eu queria tomar banho ou se eu já havia optado pela cesárea, por exemplo. Apesar de serem questões oportunas, eu só queria focar nos últimos minutos, sentindo a pequena remexer-se – impaciente – dentro de mim.
— ... Por favor, fale comigo. — A voz do rapaz vacilou, soando trêmula assim que adentramos o elevador do seu prédio. Olhei-o, sorrindo, analisando a bolsa rosa desenhada com pequenos ursinhos por todos os lados, pendurada em seu ombro e, escorregando vez ou outra de tão estufada que a deixamos. O celular em sua mão estava no alto-falante enquanto a chamada com sua mãe não se completava. Tirei o aparelho de sua mão, cancelando a chamada e pondo-me à sua frente.
— Obrigada. — Envolvi o rosto do meu melhor amigo com minhas mãos, conseguindo sentir o quão quentes suas bochechas se tornaram. — Obrigada por ser a melhor pessoa desse planeta e me deixar... Nos deixar aprender tanto com você.
— Sabe que amo você e farei de tudo por vocês. — Proferiu calmamente, depositando um beijo calmo no topo da minha cabeça. Nos afastamos assim que as portas do elevador se abriram, e ele se apressou em ir buscar o carro sozinho para que eu não corresse nenhum risco.
atropelava algumas palavras enquanto adentrávamos o hospital quando conseguiu finalmente avisar a tia Anna. Ele empurrava a cadeira de rodas em que eu estava, atravessando corredores até que achássemos o quarto que tínhamos conseguido reservar de último instante. Senti a primeira contração no caminho do hospital, o que me deixou nervosa e em choque também. Os intervalos entre as dores começaram a diminuir, tornando-as intensas, de forma que me fizesse contradizer o que dissera anteriormente: eu não via a hora de Aurora-Alice-Lily estar em meus braços.
Dra. Connely passara pelo quarto duas vezes nos últimos trinta minutos, certificando-se de que eu continuava com seis centímetros de dilatação, o que, pela intensidade das contrações, se tornava uma preocupação. O necessário eram dez centímetros, mas ter empacado em quatro números abaixo colocava a respiração do bebê em risco, e parte das contrações, que se tornavam quase impossíveis de suportar, poderia ser um pedido de socorro, ainda que não conseguíssemos distinguir sobre o que se tratava.
Outro médico acompanhou Dra. Connely quando ela retornou ao quarto, e ambos aconselharam que partíssemos para a cesariana. Apesar da dor, eu aguardava por tia Anna para fazer das suas palavras a minha decisão, mas, ao que tudo indicava, havia algum tipo de blitz policial no centro da cidade, que paralisava boa parte do tráfego.
Os cabelos de sofriam com sua impaciência, sendo puxados vez ou outra, e assistir sua aflição agravava algumas das pontadas em mim, porque abominava vê-lo daquela forma. A máscara de oxigênio em meu rosto auxiliava para uma respiração apropriada, mas não impedia que sentisse o gosto salgado das lágrimas que mantinham meu rosto úmido.
Ouvi vozes alteradas se misturarem no corredor e a porta do quarto se abrir, revelando tia Anna de respiração apressada e alguns cabelos desgrenhados. A mais velha trocou algumas palavras com o filho, secando suas lágrimas e não demorando a apertar a minha mão, tentando transmitir toda a força que sempre demonstrou ter, após se aproximar da maca.
— Seja forte, querida. — Passeou a mão carinhosa e quentinha pelo meu rosto, afagando meus cabelos por alguns segundos. — Fique tranquila. Assim que ela estiver nos seus braços, você nem lembrará disso tudo.
— Eu... Eu não sei se consigo fazer isso, tia.
— Claro que consegue, meu bem! Seja forte! — Sussurrou, amável.
— Mãe, querem partir pra cesariana. — adiantou-se, ficando ao meu lado também, ainda que do lado contrário da mãe, encarando-a de frente. — Colocaram a máscara de oxigênio pra caso alguma delas tenha dificuldades pra respirar. As contrações estão cada vez mais fortes e em intervalos menores. Faltam quatro centímetros ainda. — Tia Anna manteve-se quieta por alguns segundos, preocupando-se apenas com o afago que continuava em meus cabelos.
— Querida, é o que você quer? — Balancei a cabeça negativamente. — Acha que consegue esperar mais um pouco? — Respirei fundo, apertando o enlaço nas mãos de ambos para finalmente assentir positivamente. — Vou conversar com a médica. Volto já. — Depositou um beijo amoroso na minha testa, esperando que seu filho se curvasse para poder fazer o mesmo.
Assim que tia Anna virou as costas, sentou-se na beirada da minha cama, ainda sem soltar sua mão da minha e não desejava que o fizesse tão cedo.
— Me diga o que está sentindo e não me esconda nada, . — Sussurrou, em um quase tom de súplica, que em nada mais resultava do que uma maior cratera no meu coração. Me enfraquecia ter de apenas assisti-lo no tamanho nervosismo que estava.
— Estou com medo, .
— Não tem o que temer.
— É uma enorme responsabilidade criar um bebê, sozinha. — Tirei a máscara de oxigênio, tentando conter as lágrimas insistentes.
— Você não está sozinha. Precisa entender isso. — Deu um meio sorriso, passeando seu polegar sob as costas da minha mão. — Não estou quase perdendo meus cabelos que tanto cuidei para exibir meu topete quando adolescente a toa. — Riu nasalado, e, com a imagem sendo automaticamente projetada em minha mente, se tornava impossível não rir também. — Você só vai me afastar se quiser, porque eu não vou a lugar algum. — Puxou minha mão delicadamente, permitindo que seus lábios beijassem devagarinho alguns centímetros no dorso.
Dra. Connely retornou ao quarto, sem permitir que muitas emoções pudessem ser lidas por sua feição. Tia Anna, no entanto, só não estava mais agoniada que o filho. A médica vestiu as luvas descartáveis de látex para checar, mais uma vez, a dilatação.
— Ora, ora, parece que temos suficientes dez centímetros por aqui. — Soltou o feedback que todos queríamos ouvir, possibilitando, enfim, que o alívio pudesse ser lido em seu rosto. — Tia Anna nos deu sorte. — Sorriu simpática. — Chegou a hora, mamãe!
Não sabia que meu coração conseguia bater mais forte até então. Era um mix de sensações, e não havia mais o que dizer. A maioria das sensações daquele momento, que eu sequer sabia o nome, era intensa de uma maneira que nunca as havia experimentado antes.
Em cerca de cinco minutos, a sala de cirurgia estava pronta, e Dra. Connely não demorou a me chamar, esquecendo-se de que este também foi o tempo que usei pra convencer a ir comigo. Tia Anna teve papel fundamental, mais uma vez, e o convenceu com poucas palavras.
Meu melhor amigo empurrou minha cadeira de rodas até a sala de cirurgia, sussurrando algumas palavras encorajadoras no curto caminho até lá. Nos distanciamos nos poucos minutos em que fui preparada, enquanto o trio de médicos fazia o mesmo. O rapaz retornou vestido corretamente com as paramentações cirúrgicas, mesmo que não participasse ativamente do parto. Posicionou-se ao meu lado, de forma que um dos seus braços abraçava meu ombro, e a mão livre enlaçava meus dedos, da forma segura que ele fazia tudo parecer.
— Certo. Está pronta? Preciso que faça a maior força possível, mesmo quando sentir uma contração, mamãe. — Dra. Connely aconselhou em voz firme e gentil na mesma intensidade.
Respirei fundo, encarando os olhos de . Os olhos marejados, mas intensos com toda a sua exuberância ímpar do meu melhor amigo.
Minha mão fraca pouco conseguia sentir seus dedos enlaçados aos meus, se não fosse pela sua pele quente. Não sentia, também, boa parte do meu corpo, se não fossem pelas dores, que agora eram por todas as partes. Apesar de convenientes, as palavras positivas não faziam as dores diminuírem, e meu corpo não parecia conseguir responder mais. O bebê já havia mudado de posição duas vezes, o que nos fez pensar na cesariana com maior veemência.
— Estamos vendo o topo da cabeça dela, mamãe. Continue empurrando! — Dra. Connely encorajou.
Saber que apenas os centímetros do comprimento do seu corpo era o que nos separava foi a dose certa de coragem que me faltava, porque, depois de mais alguns esforços, eu ouvi o choro dela.
O choro da minha filha.
— Quer cortar o cordão, ? — Um dos médicos se pronunciou, sem ficar esperando por muito tempo pelo rapaz, que se apressou em fazê-lo.
Seu corpinho tão pequeno foi posto em meus braços, e não precisei sequer esticá-los, porque ela parecia perfeita para se encaixar ali.
Tão pequena, linda, vulnerável e tão minha.
E pensar que não havia dinheiro no mundo a superar a perfeição que eu segurava em meus braços.
Meus braços sentiram falta do seu calor quando a pegou por rápidos segundos, até que a enfermeira se preocupasse em limpá-la.
— Você conseguiu, ! Ela está aqui! — colou sua testa na minha e não nos importamos de estarmos ambos em prantos. — E ela é perfeita.
Pouco tempo passou – ou não o vi mesmo passar –, certificaram que ambas estávamos bem, e fui transferida para o quarto novamente, onde aconteceria a primeira amamentação à pequena. foi contar a tia Anna como tudo se sucedera, porque logo ela estaria liberada para adentrar o quarto e conhecer a mais nova pessoinha, que era capaz de nos fazer babar loucamente com um simples mexer de dedos, estes tão miudinhos.
Em passos calmos, uma enfermeira adentrou o quarto e tinha um enroladinho rosa em seus braços.
— Está tudo bem com essa princesa, mãe. Só está faminta. Pronta pra primeira amamentação? — Não respondi nada além de murmúrios, até porque senti-la comigo não havia palavras no mundo capaz de descrever.
A enfermeira me ajudou a posicioná-la para que se tornasse fácil a primeira alimentação da pequena e para que ela não estranhasse.
— Ela não está mamando. O que eu faço?
— Insista mais um pouquinho, ela só está se fazendo de difícil. É imprescindível que ela mame agora, nem que seja apenas um pouco.
Insisti como o recomendado, sentindo quando ela engatou a mamar e estava de fato, faminta, devido à veracidade com que o fazia. Senti o cheiro da sua cabeça e o aperto fraco da sua mão minúscula em meu dedo, como quem quisesse dizer que sabia que era sua mãe, aquela que babava ao olhá-la. adentrou o quarto, arregalando os olhos assim que a viu.
— Já temos um nome? — A enfermeira perguntou.
— Não, ainda não.
— Então, vamos chamá-la temporariamente de “Bebê ”, apenas com o sobrenome da mãe. Logo volto para buscá-la. — A porta se fechou assim que a enfermeira se retirou, mas meu melhor amigo pouco se mexeu.
— Quer pegar?
— Eu posso? — O homem revezava o olhar entre mim e a recém-nascida, como se esperasse alguma aprovação dela. O sorriso largo que me dominou foi o suficiente para encorajá-lo.
Tentei disfarçar o embargo em minha voz enquanto lhe ajudava a aconchegar o bebê nos seus braços. Encarei os dois grandes amores da minha vida.
a balançava gentilmente após me ouvir recomendar milhões de vezes, por ela ter acabado de mamar. Ele cantava e contava as fofocas sobre o nosso dia a dia, usando dos murmúrios como incentivo para continuar. Tia Anna nos fez companhia pouco tempo depois para conhecendo a criaturinha, mas não conseguiu ficar muito, pois a mulher era puramente lágrimas. Então, o posto logo retornou a , que não se manteve quieto um segundo.
— ? — O rapaz se aproximou da maca, balançando-a, e eu apenas assenti para que continuasse. — O que acha de “Bebê -"? — Soltou um muxoxo. — Podemos dar meu sobrenome pra ela, . — Completou, simples.
— , tem noção do que está dizendo?
— Tenho clara certeza de cada palavra.
— É algo pra vida toda! — Evidenciei, óbvia.
— Se você permitir, não vou recuar. Prometi a vocês.
— Não quer pensar melhor? — Se tornava impossível controlar as lágrimas assistindo à forma como ela ficou calma nos braços do meu melhor amigo.
— Se não quiser, , não tem problema. Eu entendo. — Adiantou-se, amuado, passando a pequena para os meus braços. — Vou chamar a enfermeira. — Não me deu tempo de resposta, apenas cruzando a porta em passos largos, não demorando para voltar com a mulher em seu encalço.
— Vou retorná-la ao berçário, mãe, e não se preocupe, a “Bebê ” logo estará de volta. — A enfermeira a passou para seus braços com cuidado e, ao mesmo tempo, com uma destreza invejável.
— É “Bebê -", na verdade. — Esclareci em voz baixa devido às lágrimas, mas convicta o suficiente.
— Tudo bem, “Bebê -" será. — A enfermeira se retirou, e um se atirou em meus braços.
Um mês – caótico – após ter a pequena Alice em casa, se mostrou um pai de primeira viagem invejável. Daqueles dedicados, que eu mesma só havia visto em livros. Ele parecia ter nascido para ocupar tal cargo, e Alice concordava abertamente sempre que parava de chorar nos braços do homem.
O sol estava agradável aquela manhã, nem quente demais, nem de menos, o que fez brotar a mesma ideia na cabeça de ambos: o primeiro banho de sol da princesa!
Em pouco tempo, já andávamos o quarteirão do bairro. Percebemos que talvez tivéssemos enchido demais a bolsa, que começava pesar no ombro, tornando justa a decisão de pedra-papel-tesoura sobre quem levaria o carrinho com a bebê.
Eu me sentia bem, livre, realizada, experimentando dessas sensações que nunca fizeram parte de mim antes. , ao meu lado, alegava se sentir exatamente da mesma maneira, e isso só reafirmava a certeza de que eu estava no lugar certo, na hora certa.
Um pequeno aglomerado de pessoas filmava algo que acontecia mais a frente, e, apesar de não querermos atravessar o tumulto, este cruzava nosso caminho, e não havíamos outra opção. Parecia ser apenas uma apreensão policial, e alguns dos criminosos ocupavam as viaturas no local. Um deles protagonizava o escândalo, que, para aquelas pessoas, merecia ser filmado.
— ! ! ! — Meu coração gelou. — Diga a eles que me conhece. Eu não tenho nada a ver com as drogas, eu juro.
— Conhece este cidadão, senhorita? — O policial que o algemou perguntou em voz grave.
Era Liam.
— Nunca o vi antes. — Me limitei, apertando minha mão que enlaçava o braço de enquanto empurrava o carrinho de Alice.
No começo do quarteirão seguinte, havia uma pracinha, não muito grande, mas que fazia a felicidade de muitas crianças e, em um combinado silencioso, seguimos para lá. O pequeno caminho se tornou silencioso, e o motivo não valia a pena.
— Não se culpe, . — finalmente se pronunciou assim que forrou a toalha na grama para nós.
— Não me culpo. Só não entendo como ele chegou àquele ponto. É humilhante.
— Você está melhor sem ele. Nós estamos! — Um sorriso pequeno tombou no canto de seus lábios e não resisti a imitar seu gesto. Alice deu um gritinho fino, sorrindo banguela, como se respondesse exatamente ao que conversávamos.
Puxei a bolsa que separamos com as coisas de Alice para tirar de lá um chapeuzinho que só me fazia querer mordê-la ainda mais. Me pus ao lado do rapaz que segurava a bebê para vesti-la com cuidado, sentindo o olhar dele sob meus movimentos.
— É incrível como cada mínimo detalhe da Alice acaba te completando.
— Não nos acho tão parecidas assim.
— Vocês formam tudo o que eu sonhei.
— Não sabia que sonhava em ser pai.
— Porque você já realizou. — Sorriu abertamente, favorecendo os raios de sol que iluminaram seu olhar. — Como você nunca percebeu, ?
— O que voc...
— Shhh! — Um de seus dedos pousou delicado sob meus lábios. — Eu não aguento mais esperar e, se você aceitar, eu vou te beijar agora. — Me mantive na mesma posição, inspirando o seu cheiro natural, que se tornara minha calmaria, tornar-se cada vez mais vivo devido à proximidade.
, como em todas as vezes, estava certo: o que tinha ali, ao alcance das minhas mãos, era exatamente tudo com o que eu sonhava.
— Pela quinta vez, ! — Ele revirou os olhos, caprichando na cara de tédio. — Terminamos Dark hoje e amanhã, Friends, está bem?
— Não.
— Beleza! — Ignorou-me, coçando a barba por fazer e levantando-se. — Vou fazer uma pipoca enquanto você termina esse episódio. — Não tive tempo de sequer concordar, pois logo o vi adentrando a cozinha.
era, de longe, a melhor e mais irritante pessoa que eu já conheci em toda a minha vida, mas eu sabia que só me sentia completa ao seu lado, porque, além dos trejeitos esquisitos do homem, ele sempre foi meu confidente de todos os momentos.
Meu celular apitou em cima do braço do sofá e o peguei, desbloqueando-o de imediato.
“Estou levando o vinho. Te espero, gostosa.”
Ri, ouvindo mentalmente e de forma automática a voz de Liam conforme lia a mensagem.
— O que foi? — retornou, jogando-se no sofá e passando a bacia cheia de pipoca para o meu colo.
— Seria cômica se não fosse trágica a sua paixão por pipoca de micro-ondas, porque esse cheiro artificial de bacon já até me enjoa. — me ignorou enquanto se esforçava colocando um punhado de pipocas na boca, indicando meu celular com os olhos. — Ah! Liam! Eu e ele meio que... já tínhamos algo planejado, mas não sabíamos que hora acabava o turno dele. — Disse, incerta, mesmo sabendo que eu e não teríamos planos além de atualizar séries.
— Me deixe assistir Dark em paz.
— Será um prazer. — Revirei os olhos, levantando-me para buscar os sapatos no quarto do meu melhor amigo ranzinza. — Tia Anna melhorou da gripe? — Perguntei alto o bastante para que ele me escutasse do cômodo ao lado.
— Ela continua tomando aqueles chás esquisitos dela.
— Vou visitá-la amanhã. — Disse, assim que retornei à sala.
— Mas amanhã eu não posso. — contrapôs, e eu dei de ombros. — Você não iria na casa da minha mãe sem mim, não é? — Sorri sapeca, debruçando-me sobre ele e deixando um beijo em sua bochecha. Ajeitei a bolsa pendurada em meu ombro e atravessei porta afora.
Chamei o táxi, que começava a fazer a curva na esquina, e vi que uma garoa fina começava a cair. Abracei meus próprios braços e adentrei o veículo, passando para o motorista as coordenadas do endereço do meu namorado.
Liam me abraçou forte assim que dei três batidinhas na sua porta, puxando-me para dentro.
— Você está gelada. — Disse enquanto passeava as mãos em meus braços para me esquentar. — E eu sei o jeito perfeito de te deixar em chamas. — Puxou-me por um braço, enlaçando minha cintura, possessivo, e sussurrando ao pé do meu ouvido.
Liam, há um pouco mais de um ano, sabia exatamente como me deixar em chamas, e eu jamais negaria um beijo sequer àquele homem, porque minhas pernas, que ficavam bambas perto dele, não me deixavam negar o efeito dele sobre mim. O homem começou beijar meu pescoço de forma lenta e tortuosa, como se gostasse de assistir a forma com que me derretia quando sentia seus carinhos. Demos passos às cegas até o sofá, no qual caí de costas, permitindo que ele ficasse por cima de mim, intensificando as mordidas que chegaram até o meu colo seminu. Arfei assim que senti as mãos quentes dele tocarem minha pele por debaixo da blusa fina que vestia, levantando-a um pouco e me incentivando para puxasse a regata dele por cima de sua cabeça de uma vez por todas.
Liam sorriu vendo que eu encarava seu peitoral nu, que sempre me parecia a mais sensual das novidades, mesmo que minha língua já conhecesse cada centímetro de sua pele. Seus olhos verdes e intensos brilhavam em luxúria, e eu sabia que os meus não estavam muito diferentes, porque a forma como deslizei minhas unhas por suas costas deixava evidente a pressa com que eu queria que as coisas acontecessem. E ele acatou, invertendo as posições e autorizando que eu ficasse por cima e sentasse em seu colo. Mordi seu lábio inferior, porque sabia que ele gostava, e nos beijamos, em um misto de calma e tesão, que fazia nossas línguas dançarem em um ritmo que coincidia com as chamas que nossos corpos exalavam.
Rebolei sobre seu colo, que prendia a ereção em uma calça jeans justa, e deslizei as unhas de seu peitoral até o cós da calça, puxando-o até que juntasse o máximo possível nossas intimidades. Com movimentos rápidos, Liam puxou minha blusa para cima, explorando meu colo seminu, coberto apenas pelo sutiã, e fazendo suas mãos ágeis tatearem os fechos nas minhas costas. Abriu-os com pressa e abocanhou um dos seios, de forma que minha cabeça pendeu para trás, aproveitando os arrepios que o homem me proporcionava com tão pouco.
— , eu preciso te foder. — Impulsionei-me até que caísse de costas no sofá, voltando para a posição inicial, sentindo parte do peso do corpo de Liam sobre o meu. Despi minha calça quando ele apenas abaixou as suas. Impulsionou-se em minha entrada, provocando a carne, que fervia por contato, e não demorou até que sentisse os centímetros me penetrarem. Meu namorado movimentava-se em revezamento, hora rápido, hora calmo, mas não continha mais meus gemidos, que rasgavam goela afora.
Liam aumentou as estocadas e juntou sua boca à minha em um beijo enquanto movimentava-se bruto e impiedoso dentro de mim, resultando em filetes de suor em ambas as testas. Formou-se um bolo em meu ventre e firmei as unhas em suas costas, sentindo as estocadas longas e fundas quando ele debruçou-se sobre mim, gemendo alto e rouco, emaranhando-se pelos meus cabelos e fazendo audível o único som da sala, que eram as respirações aceleradas.
Me aquecia o coração ver a forma como Liam se desdobrava para preparar o jantar e a forma simples de como servia a mesa. Era, realmente, um dos momentos favoritos do meu dia.
— Sabe que não precisamos de nada elaborado. — O abracei por trás, aproveitando do cheiro gostoso que despontava das panelas.
— Confie em mim. — Ele se desvencilhou, abrupto, deixando um selinho em meus lábios e virando para as panelas mais uma vez.
Vesti uma camisa antiga de Liam, de uma banda qualquer, e me estiquei no sofá, buscando por meu celular, que joguei em algum canto, achando-o para mandar mensagem para . Gargalhei quando ouvi os diversos áudios que meu melhor amigo me enviara, boa parte deles revoltado porque não conseguia entender o contexto da série. Ele logo ficou online e trocamos um bocado de mensagens em poucos minutos, ou em diversos minutos que não vi passar, mas que nos renderam fotos ridículas e vergonhosas como resposta para mensagens fora de contexto.
— O que pode ser tão melhor do que jantar comigo, huh? — Proferiu Liam, em um tom misto de ironia e humor, quando adentrou a sala.
— Não seja exagerado, é só o .
— E quando não é? — Arqueou as sobrancelhas, soltando um muxoxo em seguida. — Eu estou fazendo o possível e o impossível pra fazer um jantar legal pra você, e você simplesmente prefere ficar de graça com o .
— Não seja por isso! — Levantei-me, largando o celular no sofá para enlaçar os braços aos ombros do homem, vendo que um sorriso mínimo brotava no canto de seus lábios. — Sou integralmente sua, Liam Harvey.
Durante o jantar que Liam preparou, conversamos sobre como a família dele estava lidando com a mudança de bairro que precisariam fazer de última hora, e me mantive entretida no assunto, já que meus últimos planos envolveram em absolutamente cem por cento deles. O assunto estava até que agradável para que fosse interrompido por farpas ressentidas.
Algum jogo da NFL passava na TV, prendendo Liam nos lances da partida. Me mantive ao seu lado, como se entendesse o que tantas jardas faziam diferença no campo. Os olhos do homem mantinham-se arregalados e dispersavam apenas para a garrafa de cerveja que descansava na mesa de centro, como se eu pouco acrescentasse ao momento. pareceu ter adivinhado a forma como me sentia porque a mensagem que enviou melhorou-me em cem por cento.
A mensagem do meu amigo não era nenhuma novidade, mas ver seus olhos esbugalhados em uma careta já era o suficiente para que eu me visse em outra dimensão. Na descrição da foto, ele dizia que nenhuma série tinha graça sem mim, mesmo que eu odiasse Dark e reclamasse a todo segundo. Me acalentava ler aquela mensagem e a reli por incontáveis minutos, porém todo o meu corpo esmorecia assim que olhava para o lado e via meu namorado tão satisfeito com a tela da televisão.
A mão de Liam descansava automática em minha cintura enquanto sentia sua respiração bater em meu pescoço, à medida que se tornava mais pesada com o sono. Me debati na cama até algumas horas mais tarde, sem ter sono que me derrubasse, pois eu já não sabia se era aquela a forma que eu queria viver: vívida para o sexo e invisível nas vinte e três horas restantes do dia. Por mais que eu gostasse de ter Liam comigo, me custava ver um futuro sem ele e sempre teria a esperança de vê-lo mudar. Mudar para uma forma menos egoísta.
Liam estava no banho e pude ouvi-lo cantarolar vez ou outra. Tomei a coragem que me faltava para levantar e preparar o café da manhã. Minha cabeça ainda estava avoada como na noite passada, repassando o mesmo pensamento, e tomar uma decisão dessas me faria tão egoísta quanto ele. Após um pouco mais de um ano de namoro, já não cogitava ir a lugar algum sem que Liam estivesse do meu lado e me causava náuseas apenas de viver parte daquela realidade alternativa. Meus transes foram interrompidos por ele, que se anunciou na cozinha deixando um beijo em meu pescoço e um tapa na minha bunda, arrancando um pequeno sorriso meu. Tirei a chaleira da minha mão para que eu fosse tomar banho e não nos atrasasse para o trabalho.
Algumas coisas precisavam ser postas no lugar antes que a loja abrisse, e Liam corria de um lado para o outro, exercendo sua função de estoquista. Colaborei o que me foi possível, mas havia muito com o que lidar no balcão de atendimento também.
Os últimos dias de liquidação na loja foram estratégias para atrair público. No entanto, a loja de roupas não passava por seus melhores dias, e pouco resolveram os cartazes nas vitrines. Durante toda a manhã e parte da tarde, assistimos clientes entrando, olhando prateleiras e saindo sem levar sequer algum panfleto da loja, que estava às moscas. O dono, que poucas vezes aparecia, agora nem mesmo respondia às mensagens e estava ciente dos detalhes da crise. Me afligia que o meu não caísse na conta no fim do mês. Me concentrei na tela do computador para salvar em planilhas as contabilidades, que igualmente ficavam por minha conta, já que as vendas não me mantinham ocupada. Ouvi os sininhos da porta de entrada tilintarem e neguei me dar ao trabalho de encarar quem quer que fosse olhar as prateleiras mais uma vez.
Percebi superficiais assobios soarem em minha direção, seguidos de risinhos, e só havia uma pessoa no planeta que me atormentaria neste lugar e neste horário.
— ... — O chamei, tediosa, esperando que ele saísse de uma das araras de roupas, enquanto descansava meu queixo escorado em uma das mãos.
— Não vão repor os gibis? — perguntou, inocente, revelando-se de uma vez.
— Sabe que não sou a estoquista... — Respondi, risonha, assistindo-o revirar os olhos instantaneamente com a breve menção de Liam. — E não podemos repor o que não há demanda, baby. — Pisquei marota, mirando meu melhor amigo deslocar-se até o balcão em que eu estava.
— Vim te buscar pra almoçar e podemos ir na minha mãe, já que você planejava ir de qualquer forma. — Pensei por alguns instantes. No entanto, sabia que Liam poderia segurar as pontas no meu horário de almoço. — Não se faça de difícil, o Super-Homem aguenta uma hora!
— Não implique com ele, ! Ele só está passando por...
— Uma fase conturbada. Eu sei! — Bufou. — Vamos?
— Vou pegar minha bolsa e avisá-lo. — Desci as escadas a cada dois passos, pulando as caixas espalhadas no porão da loja. Ouvi Liam trabalhar ao fundo, etiquetando o que cada caixa continha. — Hey, handsome! Estou saindo pra almoçar com . Me mande mensagem se o Senhor Chong aparecer e diga a ele que amanhã eu envio no e-mail da filha dele as planilhas desse mês.
Liam parou pausadamente o que fazia, virando-se para me encarar e permanecendo parado. Me mantive muda, aguardando que ele dissesse alguma coisa.
— Pensei que fôssemos almoçar juntos.
— Mas nunca almoçamos juntos. — Contrapus, óbvia.
— Hoje a loja está calma. — Ele se aproximou.
— Esteve nos últimos meses, babe.
— Por isso esquematizei algo pra nós hoje, linda. — Desfez a pouca distância entre nós e deslizou um dedo, suavemente, por minhas bochechas. — Por favor, huh? — Mesmo trabalhando arduamente há algumas horas, o perfume de Liam ainda estava vivo, e o pouco que senti, junto do seu toque, foi suficiente para fazer meus neurônios entrarem em pane. Suspirei, sorrindo terna para ele, retribuindo o carinho com um selinho em seus lábios.
— Tudo bem, me avise quando quiser pedir alguma coisa. — Deixei mais um selinho nos lábios do homem e refiz o caminho, tão rápida quanto antes, encontrando meu melhor amigo, que ainda estava no mesmo lugar, mexendo no celular.
— Eu conheço essa cara... — Estreitou os olhos.
— Ele tinha planos para o nosso almoço. — Choraminguei.
— Ele sempre tem quando marcamos algo.
— Liam só estava confirmando que a loja continuaria calma!
— Oh! Quanta ingenuidade, ! — cruzou os braços na altura do peito. — Abra seus olhos. Esse cara ‘tá longe de ser quem você pensa.
— Não é a primeira vez que ouço isso.
— Por motivos óbvios! — suspirou audivelmente, passando as mãos inquietas pelos cabelos. — Ele te priva de tudo. Cacete, !
— A família dele está sendo despejada da casa onde ele nasceu, ! — Foi a minha vez de cruzar os braços e encará-lo, arqueando as sobrancelhas e reconhecendo que minha voz extrapolava alguns decibéis. — Ponha-se no lugar dele.
— Está livre pra defendê-lo, mas você está cega, , e ainda vai me agradecer por abrir seus olhos. — cuspiu suas palavras, rangendo os dentes vez ou outra. — Lembre-se que ele ganha bem o suficiente para pagar o que eles precisam, e onde está o dinheiro? Pense nisso. — saiu, dando-me as costas em passos largos antes que eu pudesse responder, coisa que preferi, de fato, não o fazer.
Os minutos se tornaram horas a partir do momento que vi atravessar a porta da forma com que o fez, deixando-me para trás de uma maneira que pouquíssimas vezes o vira fazer. Sua voz enraivecida, os dentes se chocando em palavras impiedosas, a testa enrugada e a respiração descompassada deixavam claro o quão angustiado estava, sem contar que dificilmente mudaria de ideia e retiraria as palavras aborrecidas que proferira.
Me acostumei com os clientes que entravam para encarar as prateleiras e os desconsiderei inconscientemente, até que, de forma inesperada, uma simpática senhora caminhou vagarosa até o balcão para pagar por três molduras de quadros. Enquanto as embalava, vi Liam passar apressado por nós, ajeitando a mochila em suas costas. Me levantei e tentei falar com ele. Por qualquer razão que fosse, logo ouvindo-o gritar da porta que iria buscar encomendas na entrada da cidade, aconselhando-me a não esperar por ele.
Um par de horas depois, fechei a loja, não esperando por Liam, como me avisara, e sem uma mísera mensagem de , este que, sempre que almoçava na casa de sua mãe, lotava meu celular de fotos bizarras que tirava dois, mas tudo compensava quando meu melhor amigo chegava em casa com todas as guloseimas que a mulher fizera e mandara com todo o amor do mundo.
Era melancólico escutar o rangido da porta de casa sem ter ninguém comigo para reclamar, porque isso acontecia em predominantes vezes desde que me mudara para aquele apê. Era melancólico, também, não ter com quem competir para usar o banheiro primeiro e muito menos qual filme assistir.
Misturei em uma panela as melhores sobras que tinha na geladeira, já que a fome que sentia gritava agoniada o suficiente para não querer esperar por qualquer delivery. Liguei a TV, em que acabava de começar a reprise do The Ellen DeGeneres Show com Jennifer Aniston, causando-me as risadas que senti falta e preenchendo parte do vazio com lembranças da minha série favorita. Amontoei as almofadas e me aconcheguei por ali, emendando em algum filme de comédia romântica adolescente e adormecendo no meio dela.
As batidas nada gentis na porta me acordaram de súbito, sem entender muito do que acontecia. Cambaleante, me levantei, abrindo a porta ao mesmo tempo que tentava coordenar meus cabelos emaranhados.
— Trouxe seu bolo de chocolate. — proferiu, amuado com seu sorriso ladino, que fazia toda e qualquer tempestade passar.
— Deveria estar em casa, tem prova amanhã. — Cruzei os braços, tentando manter uma postura rígida de quem não fora facilmente derrotada pelo sorriso do homem.
— Sim, mãe, eu sei! — Brincou, revirando os olhos como um adolescente emburrado e emaranhando uma de suas mãos em meus cabelos. Puxou-me para depositar um beijo na minha testa, em seguida se esgueirando para adentrar o apartamento. — Ele... — Indicou a direção do quarto, permitindo que a frase ficasse no ar.
— Não. Não está aqui. Saiu cedo, pouco depois de você, sem nem almoçar. — Esclareci calmamente.
— ... — Seu par de olhos, sempre tão vívidos e fumegantes, agora, estavam lastimosos e repletos de dó.
— Não me olhe assim, porque se você está se perguntando se estava certo, eu lhe digo que sim.
— Eu só estou certo por estar aqui, agora. — Quebrei a distância que nos separava com passos largos, abraçando-o da maneira com que eu sentia a necessidade de fazê-lo. Senti seu coração acelerado, guardando o segredo que meu coração estava tão acelerado quanto o dele.
Levamos para a sala os travesseiros e um colchão, no qual dormiria, conversando até que o sono chegasse, de forma que rendeu assunto por bons minutos e deixou meu coração leve de um jeito que, em todo o universo, só era capaz de me fazer sentir.
O canto desafinado e empolgado de ecoava pelos corredores, me acordando com risos. No entanto, precisei correr até a porta do banheiro, sem nem mesmo esperar que pudesse lhe avisar algo.
— Mas que porra...?! — O ouvi murmurar quando me agachei na altura do vaso, sentindo o estômago revirar e expulsar o restante do jantar. Meu melhor amigo segurou meus cabelos à medida que fazia inúmeras perguntas, as quais não me atentei. — , ? Cacete. — Levantou meus braços, abraçando minha cintura com um braço e enlaçando o outro abaixo dos meus joelhos, tomando o impulso necessário para me levantar. Carregou-me até o sofá, em que me deitou.
— Que exagero, . — Murmurei, ainda um tanto desnorteada. Senti as mãos dele percorrerem meu rosto, como se procurasse pontos específicos que dessem algum indício de febre.
— Você está pálida, .
— Misturei algumas sobras que tinha na geladeira ontem, com certeza tinha algo azedo, senão tudo! — Ele afastou gentilmente os fios de cabelo, que grudaram no filete de suor que se criou em minha testa, correndo até a cozinha para buscar um balde e estacionando-o do meu lado. — Não estou morrend... Urgh, de novo! — Curvei-me sobre o balde que posicionara, vomitando mais uma vez.
Sem notícias de Liam, permaneceu comigo o dia inteiro, com direito a preocupar-se com canja de galinha e tudo. Em poucos minutos, não havia mais resquícios do mal-estar. No entanto, os mimos que o homem fez após tão pouca coisa eram adoráveis demais para eu sequer pensar em negá-los.
estava lavando a louça do café da manhã e, mesmo recebendo olhares de reprovação em minha direção, o ajudei secando e guardando.
— Por que ainda está com ele, ? — Perguntou de súbito.
— Ah. Liam sempre me tratou bem, assim como já deixou claro que quer consertar seus defeitos, e eu quero fazer parte dessa mudança dele. — Suspirei, assistindo o arquear de sobrancelhas dele como resposta. — E por que está solteiro? O que aconteceu com aquela garota... Eliza?
— Estou esperando por alguém, só não sei por quanto tempo. — Confessou, soltando um risinho melancólico em seguida.
— Romântico incurável! — Deixei um beijo sua bochecha, apertando-a em seguida e vendo que ele estapeava minha mão, afastando o carinho. — Sua prova da faculdade, !
— Eu não conseguiria resolver nada, mesmo. — Deu de ombros.
Liguei para o senhor Chong, justificando minha falta na loja naquele dia, e ele nada respondeu, além de perguntar quando faria as horas extras para suprir o dia de hoje. Usei do velho truque de ligação ruim para desligar e evitar ouvi-lo. foi até o mercado com o propósito de repor minha geladeira, de forma que eu não comesse mais das sobras esquecidas de dias anteriores, deixando ordem explícita para que eu nem mesmo levantasse do sofá.
Ajudei-o assim que vi o exagero de sacolas espalhadas por seus braços, observando o biquinho tomando seus lábios quando estava encucado com algo que não queria dizer. Percebendo que captei alguns detalhes, o homem tornou a guardar as coisas com agilidade, talvez, como forma de ter certeza de que se manteria quieto. Liguei a TV para ter algum barulho preenchendo os corredores do apê e corri para o banheiro, trancando-me e caindo de joelhos pela segunda vez em pouco tempo, torcendo para que meu estômago se livrasse da sensação giratória que permanecia nele.
Retornei à sala, mudando a televisão de canal na minha melhor atuação, como se nada tivesse acontecido, logo indo até a cozinha para procurar por um , que se emaranhava no armário remexendo as panelas. Fizemos o jantar, e o homem se manteve tão quieto quanto antes, se limitando a respostas automáticas e evitando me olhar, porque, quando o fazia, sentia seus olhos perdidos quase me despirem.
Arrumamos a pequena mesa de jantar com dois lugares na cozinha e jantamos por ali, tendo o barulho dos talheres como único som entre nós. As sobrancelhas do homem sentado à minha frente estavam unidas e, com uma ruga entre elas, os ombros também estavam tensos e curvados para frente da forma com que ele sempre me corrigia por fazê-lo.
— Não finja que nada aconteceu, . — Disse de uma vez por todas, me intimando e soltando os talheres de forma grosseira no prato num baque agudo. Despejou mais uma dúzia de olhares julgadores e vazios sobre mim para se levantar bruscamente, caçando por algo perdido em sua mochila, tirando uma pequena sacola do meio dos inúmeros de livros que carregava.
Jogou a sacola em cima da mesa, beirando o descaso e virou-se, coçando a barba por fazer um bocado agoniado. Olhei-o incerto e puxei a sacola para mais perto, abrindo-a e constatando de que sua reação não foi de descaso e sim medo, porque era a única coisa que eu sentia agora.
— Se preferir, podemos fazer um de laboratório. — Sua voz saiu vacilante ao mesmo tempo que seus olhos ganharam um tom mais escuro. Me demorei encarando a sacola, esforçando para respirar corretamente.
— Não tenho dinheiro nem pra isso.
— Apenas me diga o que prefere, , e eu farei.
— Eu... Eu não sei. — Resquícios da minha voz soaram, evidenciando o quão forte aquela mera possibilidade me atingiu. O teste de gravidez em cima da mesa foi capaz de gelar meu corpo por inteiro e causar pane em meus pensamentos. beijou o topo da minha cabeça e jogou a mochila nas costas, batendo a porta atrás de si quando saiu.
Cada vez que meus olhos fitavam a caixa com cegonhas ilustradas por todos os lados, um frio subia pela espinha e o ar se tornava rarefeito de forma cruel. Me levantei, no intuito de ignorá-la, custando qualquer esforço que fosse, mesmo que, de vez em quando, minha própria mente me encurralasse com a lembrança dos olhares de em mim.
Meu cérebro pulsava inquieto e medroso, permanecendo de tal forma durante toda a madrugada, que foi a mais longa dos últimos anos. Nem mesmo a maquiagem, que me levantara mais cedo para passar, foi capaz de disfarçar as olheiras brutas que estavam debaixo dos meus olhos e, para completar, o caminho até a loja nunca foi tão longo.
Chegando ao trabalho, Liam ainda não estava, e, sinceramente, eu nem esperava que estivesse, porém suas funções agora também estavam por minha conta e, apesar da loja continuar às moscas, eu não ganharia a mais por isso. Desde que saíra do apê ontem, me mandara três mensagens sobre o teste de gravidez e se já o fizera. Sua ansiedade me deixava com ainda mais medo. Medo da resposta que teríamos e das respectivas reações, medo do futuro e de como tudo poderia mudar.
Enquanto a loja continuava sem movimento, corri até o porão, buscando os gibis que tanto perguntava. Se por acaso passasse aqui, seria um bom começo de conversa para distraí-lo. Não havia muito com que me distraísse desde que havia aberto a sacola que meu melhor amigo jogara em cima da mesa, porque era apenas isso que se repetia em minha cabeça diversas e repetidas vezes, de novo e de novo. Por volta do horário de almoço, o sininho da porta voltou a tilintar, um tanto violento, e o cheiro forte de álcool logo incendiou todo o cômodo, me obrigando a engolir em seco quando vi Liam atravessar a loja com as mesmas roupas do dia anterior, fingindo costume. Ajeitando os óculos escuros ao rosto, desceu as escadas até o porão, sem ter coragem de levantar seu olhar pra mim.
Gostaria de ter seguido seus passos imediatamente, porém o cheiro forte de bebida custava a desaparecer, e logo a sensação giratória recomeçou em meu estômago. Contornei o balcão, aumentando os passos para alcançar o banheiro de clientes do outro lado da loja, me trancando e agachando para vomitar.
Meu reflexo no espelho era pálido e de olheiras ainda mais gritantes desde a última vez que as havia encarado. Joguei água gelada em meu rosto algumas vezes, sentindo o mínimo de conforto me acalmar, respirando fundo para voltar ao balcão com a melhor cara de paisagem que poderia encenar.
— Demorou, huh? Não pode deixar a loja sozinha. — Liam me aguardava de braços cruzados, encostado no balcão, e, se não fosse trágica, eu riria dessa situação.
— Que sorte termos você, então. — Dei de ombros, respondendo-o automaticamente.
— Deu baixa nas planilhas do estoque quando tirou esses gibis?
— Não, mas você pode fazê-lo, já que resolveu tirar férias nas últimas vinte quatro horas. Cacete, Liam! Onde você se meteu? Não mandou uma única mensagem! — Aumentei o tom de voz, intimando-o.
— Fui buscar as encomendas.
— E onde estão as encomendas?
— Não me enche, .
— Por acaso era tequila? Porque é a isso que você está cheirando. — O sino da porta tocou quando nos silenciamos e respiramos fundo para conter os ânimos e parecermos simpáticos.
— Não se meta. Sorria, acene e atenda o cliente, . — Liam sussurrou junto do meu ouvido antes de me dar as costas, sem que eu pudesse responder. — Vou voltar ao trabalho! — Avisou-me audivelmente do lado contrário ao balcão, fazendo-me encarar o sorriso ladino que tinha. Voltou ao porão e girou a chave para se trancar.
Um simpático senhor andava de um corredor a outro e, quando lhe ofereci ajuda, recusou, saindo da loja sem levar nada. Retornei ao balcão, bocejando de minuto em minuto e aguardando o horário de saída, que parecia estar cada vez mais distante. Pedi o almoço por aplicativo e troquei algumas mensagens com , que me enviou todas as fotos bizarras que tirara quando visitou sua mãe, e eu jamais me cansaria delas.
O apartamento parecia menor e com corredores mais estreitos, porque, quando o adentrei, apenas senti que ele me sufocava.
Deitei na cama, encarando o teto branco do quarto e sentindo minha mente repassar pela milésima vez o filme do teste que comprou. Aquilo estava me sufocando e, junto da incerteza, sufocava cem vezes mais. Levantei, arrastando-me preguiçosa até a cozinha, juntando algumas coisas que meu melhor amigo comprara para fazer, no máximo, um macarrão cremoso. As panelas começavam a cheirar e eu a me distrair, quando as chaves fizeram barulho ao destrancar a porta. A maneira como jogava a mochila e as chaves do lado da porta denunciou que Liam chegara. Seus passos vagarosos se tornavam mais próximos e pararam atrás de mim, rodeando seus braços em minha cintura e beijando meu pescoço.
— Desculpe, gostosa. Não fique brava comigo. — Sussurrou pausadamente entre beijos.
— Desculpa exatamente o quê, Liam? — Não me movi e mantive a atenção nas panelas.
— Estou me desculpando e você quer complicar? Caralho, ! — Soltou-me bruscamente, adentrando o quarto e batendo a porta com força, deixando apenas seu cheiro de bebida ali.
Aconcheguei-me no sofá, jantando ao mesmo tempo que assistia a algum programa de auditório, enquanto a reprise do The Ellen DeGeneres Show não começava. Liam apareceu depois que terminei de jantar e fez o mesmo que eu, jantando em frente à TV. Não nos falamos muito durante o resto da noite, a não ser por respostas monossilábicas, e eu realmente não esperava mais do que isso. Tomei um banho rápido e fui me deitar, tentando pregar os olhos por alguns minutos, enquanto Liam adormeceu na sala.
A mistura dos cheiros de café e do perfume forte do homem me acordaram quando incendiaram a casa. Aquele era o dia da semana em que Liam entrava mais cedo na loja para receber as – verdadeiras – encomendas, então ainda me restavam alguns minutos sem que precisasse correr para acompanhá-lo. Como na noite passada, ele bateu a porta ao sair, e suspirei aliviada, uma vez que ouvir os passos do homem no último par de dias havia se tornado um martírio. O teto branco do quarto me tomou a atenção mais uma vez, e, automaticamente, os pensamentos retornaram com toda a força.
Me levantei em um pulo e busquei minha bolsa no cabideiro ao lado da porta, tirando de lá a sacola de . Encarei-a por alguns segundos, de maneira que os poros se eriçaram, e abracei meus braços com o frio que me percorreu. Quis ligar para e dizer que finalmente criei coragem, mas a mesma me faltou ao lembrar que meu melhor amigo passava pelo final do semestre na faculdade dos sonhos, e eu não poderia desviá-lo da sua maior conquista. Caí de costas na cama e voltei a encarar o teto, revezando o olhar entre ele e o relógio, em razão do horário que logo teria de cumprir na loja.
Antes de virar a plaquinha pendurada à porta da loja para “Aberto”, desci até o porão, encontrando Liam, que tentava a todo custo sintonizar alguma rádio ao aparelho antigo que tinha ali.
— É assim que vamos viver, agora? — Me aproximei em passo hesitantes, vendo-o focar toda sua atenção no rádio. Abracei sua cintura, beijando seus ombros e aguardando alguma reação sua.
— Estou fazendo o meu melhor.
— Desculpe ter duvidado de você, é que tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. — Liam se virou, juntando suas sobrancelhas.
— Me perdoe desabafar com você os problemas da minha família, .
— Não estou falando disso, é só que...
— É o ? Isso não é bem uma novidade. — Virou-se novamente para o rádio, desligando-o de uma vez, e eu suspirei, porque soube que talvez ele não quisesse a reconciliação tanto assim.
— Só queria que a gente passasse dessa fase que mal nos olhamos debaixo do mesmo teto, Liam. — O ouvi suspirar alto, como se repensasse sobre o que dissera, virando-se para mim e quebrando a distância em passos lentos.
— Me desculpe, gata. — Beijou minha testa, colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha e olhando-me atentamente como há tempos não fazia. — Só não consigo te amar por completo com esse cara te rondando.
— O ? — Ri, nervosa. — Isso é coisa da sua cabeça, meu amor. Nos conhecemos desde pequenos e ele nunca tentou nada. Não há o que temer.
— Ainda assim eu não consigo. — Me segurou pelos ombros, soltando um muxoxo em seguida, como quem decretava seu veredito.
— Não posso me afastar do , babe... Não teve um dia da minha vida em que ele não esteve presente.
— Então, terminamos aqui. — Indicou-me a direção da porta e engoli em seco, voltando ao andar superior, fazendo o que me era possível para focar no trabalho.
Voltamos à estaca zero, em que tudo que Liam fazia era evitar me olhar, como uma criança birrenta, e minhas mãos estavam atadas. Apesar de ter sido o próprio que plantou a grande dúvida na minha cabeça, antes de qualquer coisa, era algo que apenas eu e Liam poderíamos arcar. Por incrível que pareça, cerca de uma dúzia de clientes passaram pela loja para nos manter ocupados como não ficávamos há meses, talvez fosse a vitrine, que, entediada, resolvi mudar. Uma das clientes puxou assunto sobre como conhecia o senhor Chong e que aquela loja era uma relíquia de família. Muito simpático de sua parte, apesar de ter que ficar de camarote aguentando os olhares luxuriosos da filha dela para Liam, que alongou seu trabalho ali, aproveitando para sentir-se pomposo o suficiente por um ano.
Após cessar o movimento na loja, como já estávamos acostumados, desci até o porão apenas para buscar as mercadorias que Liam já havia dado baixa na primeira planilha, para que pudesse repô-las nas prateleiras conforme foram consumidas durante o dia. Aproveitei aquela brecha para me manter ocupada até o último minuto de expediente, preenchendo as lacunas das prateleiras com uma calma que não tinha há tempos, porém encarando o relógio da parede de minuto em minuto. Atualizei as planilhas no computador com as saídas e consequentemente os lucros mensais, que eram desanimadores, devo dizer. Sabia que Liam ficaria mais algum tempo até que finalmente terminasse de contabilizar todas as mercadorias, então peguei meu celular e o cardigan que guardava no balcão para sair da loja, direto para casa.
As paredes do apartamento tinham cores apáticas, e nada disso colaborava com todos os pensamentos que rondavam minha mente, muito menos ajudava com tais. Era um labirinto, e a saída só se tornava uma opção quando eu escolhia ao lado do quem eu iria jogar. No entanto, a pior parte desse labirinto era justamente ter de escolher entre Liam e .
Fui para a cozinha preparar o jantar mais caprichado que me era possível a ponto de fazer Liam esquecer do que dissera mais cedo, como se o fizesse se apaixonar novamente. Comecei com algumas receitas da família dele, modificando-as para que se adaptassem com os ingredientes que tinha na geladeira, e, em poucos minutos, o cheiro começava a despontar das panelas, me distraindo um bocado das incertezas.
Me perdi um pouco quando senti o cheiro de queimado e vi que a panela do molho secou depois que esqueci dela. Xinguei em alto e bom som por um tempo enquanto tentava desgrudar a camada grossa colada ao fundo da panela. Contava os minutos até que Liam chegasse, e as almôndegas precisavam apenas dourar, para que se juntasse ao macarrão e o molho pronto que precisei recorrer, e fossem ao forno com camadas generosas de queijo, da forma que ele amava.
Assei torradas para a entrada caso ele chegasse, e o macarrão ainda precisava de mais alguns minutinhos de forno. Corri para o quarto, abrindo as portas do guarda-roupas de qualquer forma, na procura de uma roupa que eu sabia que ele amava, e fácil de tirar, é claro! Busquei meu roupão, jogando-o na beirada da cama e voltando a passos rápidos para a cozinha. Tirei as torradas, que estavam lindas, bem douradas, e fiz uma camada de molho de tomate no fundo da travessa, despejando o macarrão al dente e banhando-o com o restante do molho. Cobri-o com muçarela e azeite, colocando no forno para dourar e misturar os sabores. Antes de servir, decoraria com parmesão e orégano.
Prendi o cabelo em coque enquanto adentrava o banheiro para um banho rápido, voltando para o quarto apenas para buscar o roupão. Parei para encarar minha bolsa, que tinha parte da sacola de me dera para fora, como se quisesse chamar minha atenção. Puxei-a, levando comigo e tomando a coragem suficiente para ler as instruções no verso da caixa do teste de gravidez.
O vestido preto de alças finas foi um presente do próprio Liam quando completamos um mês juntos. Não era de grife e nem tinha brilhos, mas a sensualidade ficava por conta das curvas que ele ressaltava. Deixei o cabelo solto como ele gostava e realcei a cor dos lábios com um liptint, borrifando um pouco de perfume para voltar à cozinha. A crosta da muçarela estava dourada do jeito que queria, e desliguei o forno, enfeitando com o orégano, que agregava sabor, e o parmesão ralado.
Arrumei a pequena mesa na cozinha com pressa, já ouvindo as chaves girarem na maçaneta e meu coração acelerar de ansiedade. Aguardei que ele entrasse e deixasse a mochila de lado como sempre fazia, observando cada mínimo detalhe seu como se fossem todos novidade. Ao virar-se, suas sobrancelhas logo se uniram em confusão, e correspondi apenas enlaçando meus braços em seus ombros, aproximando nossos rostos e juntando os narizes. Beijei o canto de sua boca, vendo-o imóvel e descendo os beijos até a mandíbula, queixo e pescoço. Deslizei as mãos pelos ombros lentamente, puxando o moletom que ele vestia, despindo-o.
— Acho que a gente merece uma noite só pra nós. — Ameacei beijar seus lábios e recuei o rosto levemente. — E você não vai se arrepender um segundo sequer.
Enlacei minha mão à sua, puxando-o para a cozinha, ainda sentindo os passos hesitantes do homem. Mordi meu lábio inferior para conter o sorriso da ansiedade com sua reação.
— Esse cheiro, é...?
— O macarrão de forno com almôndegas da sua mãe? O próprio! — Pisquei para ele, finalmente abrindo meu sorriso de orelha a orelha e vendo um sorriso brotar incrédulo no canto dos seus lábios.
Sentamos à mesa e servi nossos devidos pratos, que Liam esperou poucos segundos até dar a primeira garfada, arfando enquanto degustava.
— ! Está idêntico ao da minha mãe!
— Fiz questão de seguir à risca, meu amor.
— Me faz até esquecer tudo que estamos passando.
— Esse é o propósito. Não é justo conosco, babe.
Engatamos uma conversa simples e cotidiana e que não tínhamos há um bom tempo, de forma que meu peito se esquentou, sabendo que as coisas começavam a voltar exatamente de onde nunca deveriam ter saído. Liam tinha um brilho melancólico nos olhos, e isso fez toda a correria valer a pena, sem via de dúvidas. O modo como lotava o prato duas vezes foi parte da recompensa que fazia meu coração acelerar, pensando que ainda tinha muito que ele não sabia e que duplicaria sua felicidade, que, até então, era apenas momentânea.
Liam colocou algum filme que não me atentei qual era, mas que ele encheu a boca de adjetivos para me convencer a assisti-lo. Nos esparramos no sofá, aguardando que pudéssemos respirar devidamente depois de comermos tanto. O observava, distraído, com os olhos vidrados na TV, e mal podia conter meu sorriso.
Dei algumas cochiladas durante o filme, me acordando apenas quando Liam me chamava para dizer que minha vida não seria mesma após ver aquela cena, e ele fez isso cerca de cinco vezes ou mais, depois deixando-me, enfim, dormir tranquila, ouvindo-o ao longe comentar uma coisa vez ou outra.
Acordei sem saber por quanto tempo dormi, ouvindo apenas as portas do guarda-roupa baterem inúmeras vezes. Liam não estava no sofá, e, com todas as luzes da casa apagadas, a do quarto se fez evidente. No corredor que dividia a cozinha do quarto, havia duas mochilas de Liam, lotadas com algo que não iria xeretar antes de saber o que diabos acontecia.
— Liam, deixe isso pra amanhã. Sabe que a Dona Karen do 22 lá embaixo vai reclamar do barulho. — Fui em direção ao meu namorado, que se esquivou, tirando meu celular do bolso traseiro de sua calça. Quando tentei pegá-lo, trocou de mão, abanando-o na minha frente.
— Arquivou a conversa com o , fez jantar, se arrumou... Não adianta, ! E já que esse cara vai continuar, eu vou embora hoje mesmo. — Fechou o zíper de mais uma mochila, jogando-a no corredor.
— Não precisa disso, Liam. Não exagere!
— Fale com ele agora ou me assista passar por aquela porta e não voltar mais. — Ordenou, sombrio, travando o maxilar e entregando meu celular. Desbloqueei, hesitante, abrindo a conversa com . A sua última mensagem foi perguntando se eu ainda estava passando mal e que poderia dormir na casa dele, se precisasse. Respirei fundo, bloqueando o celular e encarando Liam, que coçou a barba agoniado e riu, incrédulo. — Você mal conseguiu desbloquear o celular. É patética, !
— Liam, esqueça o apenas por alguns segundos e foca na gente. — Mergulhei minhas mãos em seus cabelos, alinhando nossos olhares. — Temos tanto pra viver juntos ainda. — Sorri, secando a lágrima solitária que caía e que sequer senti se formar. — Espere aqui, e eu vou lhe trazer um motivo pra ficar. — Segurei seu queixo delicadamente, na menção de beijá-lo, mas ele esquivou.
Corri até o banheiro, esbarrando em algumas roupas nossas jogadas pelo chão. Abri a pequena gaveta do armário, tirando de lá a caixinha que agarrei como se minha vida estivesse guardada ali, e realmente estava, uma parte dela, uma pequena parte em formação.
Liam estava sentado na beirada da cama e nenhuma menção fiz até me sentar ao seu lado e lhe entregar a caixinha.
Meu coração estava acelerado como nunca estivera antes, e eu soube que era o certo, porque, dentro de mim, sentia que tudo iria mudar, em pouco tempo e para muito melhor.
— Duas listras... Você? — Me encarou, aguardando resposta, revezando o olhar entre meu rosto e meu ventre.
— Sim, meu amor. Nós vamos ter um filho! — Senti mais uma lágrima escorrer e não tentei secá-la, assistindo sua boca abrir e fechar inúmeras vezes, murmurando coisas desconexas. Juntei nossos rostos e o beijei em meio às lágrimas, ainda sentindo meu coração acelerado.
— Eu não tenho nada a ver com isso, .
— Liam...
— Esse filho não é meu.
— Me diga que você está brincando, babe.
— Não, não. Isso não é motivo pra me fazer ficar. Pelo contrário, essa é a prova de que você se deitou com ele, !
— O QUÊ!? — Minha voz soou alta e esganiçada, junto do choro que não cessava. — Ouça o que está dizendo, Liam. É absurdo.
— Esse filho não é meu. — Repetiu, nervoso, voltando a coçar a barba, bagunçando os cabelos vez ou outra. Levantou-se de supetão, indo para o corredor e colocando uma das mochilas nas costas, carregando as outras duas nas mãos.
— Liam, não. — Tentei segurá-lo pelo braço, que puxou, se afastando rápido. — Eu não posso ter esse filho sozinha. Por favor...
— Não vou criar uma criança que não é nada minha. — Virou-se para mim, largando uma das mochilas no chão para segurar meu rosto com a mão livre. — Deveria ter pensado melhor antes de abrir as pernas pra ele. — Proferiu entredentes.
— Por favor, Liam... — Murmurei de qualquer forma, sentindo meu rosto molhado das lágrimas desesperadas. — LIAM! — Esbravejei o mais alto que me foi possível, sentindo as pernas bambearem e fraquejarem quando o vi fechar a porta atrás de si, tranquilamente.
Minhas pernas doíam, minha cabeça rodopiava, meu coração queimava... E eu não sentia o chão abaixo dos meus pés, não sentia o ar invadir meus pulmões.
Era como se minha força irradiasse de Liam e, agora que ele se fora, eu não tivesse forças com as quais manter minhas pernas em pé.
Liam era meu Sul. Era também meu Norte.
E eu não sabia o que fazer para seguir sem os passos dele para acompanhar.
O choro era incessante e crescente. As lágrimas pareciam arder enquanto escorriam pelas bochechas, como se fossem um castigo por chorar por quem me virou as costas.
Não fiz nada além de gritar.
Gritar porque estava perdida.
Gritar por estar sozinha. Por estar desnorteada e sem ter por onde começar.
Por não ter forças por mim, e sem saber quando as teria para criar aquele filho.
Uma ventania começou, batendo as portas da pequena varanda, me obrigando a levantar e ir fechá-las. Senti os primeiros pingos de chuva me castigarem, arrepiando-me da cabeça aos pés e fazendo com que abraçasse os próprios braços para fugir do frio da ventania.
O difícil era não conseguir driblar o frio que me percorria sempre que passava a mão na barriga. Era automático e inevitável.
Suas palavras cruéis ainda se repetiam na minha mente, cada vez mais altas, como em um reverb, e doíam como se insistissem em remexer na ferida aberta.
Busquei um moletom jogado em cima da cama e o vesti, calçando um par de tênis velhos também. Tranquei a porta da melhor forma que as lágrimas que embaçavam minha vista permitiam, cobrindo parte do meu rosto com a touca do moletom quando entrei no elevador, dividindo-o com uma senhora moradora, que conhecia apenas de vista. Vi-a se curvar em minha direção vez ou outra para se certificar de que estava bem ao me ouvir fungar tantas vezes, porém não me preocupava em parecer bem quando tudo estava tão longe de estar.
Ao sair do prédio, as nuvens estavam escuras a ponto de se fazer confundir se já era noite, e a ventania parecia ainda mais violenta, mas eu não poderia desistir. Precisava chegar o mais rápido possível, sem pestanejar. Alguns pingos de chuva já caíam, me motivando a andar mais rápido, dando alguns trotes para apressar a mim mesma. A chuva começou a cair, e eu estava perto, apenas duas quadras me separavam e, mais a frente, conseguia ver o prédio de vários andares, que, com o peso das roupas já encharcadas da tempestade, começavam a me custar chegar até lá. Parei por poucos segundos, o suficiente para puxar uma lufada de ar generosa que perdi na correria, pisando em algumas poças nos passos largos que dava e correndo até que chegasse ao jardim do prédio. Toquei o interfone, acenando para o porteiro, que me conhecia de anos. Bati o portão sem me preocupar muito, assim que notei que estava destrancado.
Muita das vezes parava para conversar com Bernard, o velho porteiro, já que sua filha não parecia ser uma adolescente das mais ajuizadas. Ele gostava de me ter como confidente, exceto por hoje, que me olhou com pesar, como se adivinhasse o que acontecera.
Gritei quando vi uma garotinha entrar no elevador para que o segurasse pra mim, e ela o fez, sorridente, até ver que meu cabelo pingava enquanto os andares subiam, afastando-se um pouco para evitar se molhar também. A garotinha desceu dois andares antes de mim, mas não sem antes me dar a toalha que enrolava sua boneca, como se fosse um real bebê. Sorri, imediatamente sequei as pontas dos cabelos e agradeci em partes, sendo interrompida pelas portas automáticas que se fecharam, sabendo que eu poderia criar um pequeno ser humano tão gentil e bondoso quanto aquele. Com um nó na garganta, toquei meu ventre gentilmente, caminhando a passos hesitantes, tendo a sensação de olhos ardentes mais uma vez, e lágrimas que parei de me importar quando molhavam meu rosto.
Dei duas batidinhas fracas na porta, suspirando para tomar coragem suficiente e bater outras três vezes, audivelmente. As chaves giraram para destrancar a porta. Meus olhos arderam mais encarando suas íris tão vivas e imediatamente descansei em seus braços quentes.
Pensava estar sem forças antes, mas não imaginava que aquele abraço fosse capaz de sugar tudo o que restava. No entanto, aquele abraço também foi capaz de repor tudo o que vi me ser tirado em segundos.
nada perguntou, apenas me puxou para dentro de casa sem desvencilhar os braços de mim. Conduziu-me até seu quarto, pegando uma muda de roupas suas e enrolando-me na toalha. Retornou a me acompanhar até o banheiro, murmurando um “grite se precisar de algo” e deixando seu beijo sempre tão consolador na minha testa.
A água quente caía nas minhas costas, escorrendo pelo resto do corpo e aquecendo tudo o que a tempestade se encarregou de castigar com suas temperaturas baixas. Enrolei meus cabelos na toalha, vestindo o roupão, que ajudou a esquentar os nós enrugados dos dedos, enfiando-me nas roupas que exalavam o cheiro característico de , nos mínimos detalhes.
Saindo do banho, meu melhor amigo me aguardava sentado na beirada da cama, esfregando as mãos, um bocado ansioso. Engoliu em seco, puxando o edredom para que eu me aconchegasse embaixo dele, e o homem logo fez o mesmo.
— Quer falar? — Abraçou meus ombros, beijando meus cabelos.
— Você está todo arrumado. — Murmurei de voz baixa. — Até seu quarto está arrumado, isso é tipo um milagre. — Forcei um sorriso, vendo-o fazer o mesmo. — Céus! Você tem um encontro! , vá, por favor, não fique aqui por minha causa.
— Ela estava aqui, na verdade... Foi compreensiva e disse que podemos marcar algo depois.
— Desculpe, . Eu nem olhei, estava tão...
— Eu sei, eu sei, . — Sorriu nasalado, aliviando parte da minha culpa. — Quer jantar? — Neguei com a cabeça. — Então, descanse. Amanhã conversamos, tudo bem? — Afagou meus cabelos e enlacei meu braço ao seu, num pedido silencioso para que permanecesse.
era a melhor pessoa do universo e não precisava de muito para provar aquilo. Apesar de uma das provas ser ele simplesmente estar junto, aguardando que eu estivesse pronta para falar o que quer que fosse.
O cheiro de sua inseparável pipoca de micro-ondas estava na casa toda e, como de costume, Friends passava pela milésima vez na TV. Era como o pacote completo do que eu poderia chamar de genuíno amor, e eu só precisava de .
Sentia-me cansada, fraca e aos pedaços. Contudo, as cochiladas tranquilas e o afago do melhor amigo no meu cabelo curavam grande parte das minhas feridas. No meio de uma das cochiladas, tive as palavras de Liam se repetindo na minha mente, como se ele estivesse na minha frente, repetindo-as naquele exato momento, e levantei em um lapso. , que cochilava ao meu lado, também se acordou, certificando-se de que estava bem. Vi que a Netflix perguntava se ainda havia alguém assistindo. Eu me virei para ele, querendo contar o que acontecera.
— Eu fiz o teste. — Engoli em seco, estudando as expressões em seu rosto. — Deu positivo.
— Está brincando?! — Seus olhos arregalaram-se, e logo senti o peso do seu corpo cobrir o meu. — Não acredito que logo vamos ter uma cópia sua correndo pela casa! Oh, desculpe! Isso não deve fazer bem pro bebê. — Desvencilhou o abraço desajeitado, pulando para um espaço na cama ao meu lado, abraçando meus ombros. — Estamos na oitava temporada de Friends, você engravidou junto com a Rachel.
— Estou morrendo de medo, .
— Não precisa ter medo. — Beijou minha bochecha, encolhendo os ombros para se agachar e se aproximar da minha barriga. — Porque não há nada que você, aí dentro, vá precisar e o tio não fará! — Afinou a voz e ambos rimos, me permitindo derreter com a cena. — O que Liam disse? — Meu sorriso murchou e o do homem ao meu lado também.
— Não sei nem por onde começar... — A voz embargou quando o nó se refez na garganta, rasgando-a. — Ele sempre teve muito ciúmes de você, só que nunca demos motivo, então eu estava tentando tirar isso da cabeça dele. Hoje de manhã, ele havia me dito que só poderíamos ser felizes por completo se eu me afastasse de você, mas eu disse que não conseguiria fazer isso.
— Me conte depois, agora se acalme, .
— Fiz um jantar pra nós, pra relembrar os primeiros meses de namoro, e, no começo, deu tudo certo, estávamos bem. Caí no sono, e, quando acordei, as malas dele estavam prontas. — Funguei, encarando minhas mãos que se apertavam nervosas. — Mostrei o teste na esperança de que ele ficasse, mas tudo piorou. Ele... simplesmente... se virou e foi embora, .
— Shhh... Eu estou aqui, , pra vocês dois. — Descansei a cabeça na curva do ombro do meu melhor amigo, cedendo espaço para que as lágrimas umedecessem sua camiseta. Tinha a certeza de que sabia que ele, de fato, estaria sempre apostos por nós. — Um dia de cada vez. — Secou parte das minhas lágrimas, gentilmente. — Desculpe tê-la deixado passar por tudo isso sozinha. — Neguei energeticamente com a cabeça, achando um absurdo pelo que ele se desculpava. — Durma aqui hoje, amanhã conversamos melhor.
Tentei argumentar com o homem que era de seu explícito direito dormir na cama do seu quarto, todavia refutava com a desculpa de que seu sobrinho não dormiria no sofá e que isso era inquestionável.
Acordei algumas boas vezes com as vozes altas de Liam se repetindo, para me atormentar, e outras vezes acordava para assaltar os doces que guardava com todo o amor na última gaveta na esquerda de seu armário. De resto, ter como meu guardião naquela noite fez dos meus minutos de sono um dos mais tranquilos dos últimos tempos.
Quando consegui dormir pelo que parecia ser um bom tempo, o cheiro doce das panquecas típicas dele invadiu o quarto, e, como nas últimas manhãs, meu estômago se revirou completamente. Prendi meus cabelos em um coque e me arrumei da melhor maneira que pude, indo até a cozinha, ouvindo-o cantarolar tranquilo. Observei-o distraído por alguns segundos, batendo a massa das panquecas e se atrapalhando, derrubando um garfo ou outro. Sem conseguir conter minha risada, meu melhor amigo logo me percebeu ali.
— Bom dia, ! — Cumprimentou sorridente, empurrando os óculos de grau com as costas da mão e sujando-os.
— Eu faço as panquecas! — Me adiantei. — Limpe seus óculos e troque de camiseta.
— Elas não te dão enjoo?
— Já tive o suficiente hoje. — Pisquei, tentando apenas soar marota, mas ri logo em seguida. se afastou um pouco, ficando de costas para puxar sua camiseta pela barra até que passasse por sua cabeça, exibindo o resultado de suas idas à academia e suas poucas tatuagens, que pareciam ter ficado ainda mais bonitas nele desde que as vira pela última vez. Fingi estar inteiramente concentrada nas panquecas quando ele se virou, terminando de vestir uma camiseta limpa que sequer vi de onde tirou.
— Estão queimando?
— O quê?
— As panquecas. — Não percebi que ainda estava presa no devaneio, e, quando definitivamente voltei a atenção às panquecas, um lado da que estava na frigideira começava a passar do ponto. — Eu te ajudo. — Meu melhor amigo se pôs ao meu lado, colocando a mão sobre a minha que segurava a espátula, para que virássemos com o mesmo cuidado com que ele as fazia anteriormente.
— Não vai pra faculdade? — Mudei de assunto, deixando as panquecas por sua conta e indo arrumar a mesa.
— Hoje não. — Ele riu fraco, talvez já sabendo que logo em seguida viria um sermão meu.
— Você está se desviando completamente dos estudos, ! — Cruzei os braços, aguardando a boa vontade de sua resposta, mas apenas ouvi seu risinho se transformar em uma risada.
— , você não pode se estressar! — Não conteve sua risada, apontando a espátula para mim.
— Não aponte essa espátula pra mim, !
— Me deixe falar, mulher! — Tentou conter suas risadas, respirando fundo. — Acho bom irmos ao médico hoje. Você pode ter bebido ou comido algo que não deveria enquanto não sabia estar grávida, então quanto mais cedo fizermos um check-up, melhor. — Estreitei meus olhos, ainda o observando.
— Certo. — Dei o braço a torcer. — Mas amanhã você vai pra faculdade?
— É claro que vou!
— Não vai faltar um dia sequer até suas férias?
— Universitário não tem férias! — Respondeu, cheio de graça.
— ! Não teste minha paciência!
— Não vou faltar nenhum dia até minhas férias. — Repetiu minhas palavras em tom tedioso.
— Lindinho! — Apertei sua bochecha da forma com que suas tias faziam, e ambos caímos na gargalhada, entendendo a referência. — Vamos tomar café, estou morrendo de fome! — Me adiantei, puxando a cadeira para me sentar e servindo-nos de café.
Tomamos café da manhã tranquilamente, apesar de sentir dentro de mim, a cada segundo que passava, uma maior tempestade que se formava. Não sabia o que fazer, para onde seguir, por onde começar. Sabia que tinha ao meu lado, mas me doía pensar que, da última vez que confiei meu futuro a alguém, foi exatamente a mesma pessoa que o fez despencar de uma só vez. No entanto, meu melhor amigo nunca me deu motivos para que o visse com tamanha desconfiança. Conseguia distinguir que tudo que sentia agora era pura mágoa e que jamais seria merecedor de um sentimento tão injusto. Era como se eu quisesse me desprender das atitudes e, principalmente, das palavras duras de Liam, mas houvesse algo que me impedisse de fazê-lo por completo, como se, a cada segundo, o próprio Liam estivesse ali para me lembrar que era impossível, e, com o filho dele que eu carregava, o meu ex-namorado sempre seria uma memória.
Os poucos passos que conseguia dar para esquecer Liam não eram dados por mim, e sim por , que se desdobrava para manter o bom humor impecável e me causando inúmeras risadas, apesar de ter derramado metade da minha caneca de café. Mais uma das suas precauções médicas, dizendo em alto e bom som que grávida não pode ingerir muita cafeína. O rapaz me comunicou mais uma porção de outras pequenas coisas, como: andar descalça, tomar água gelada, comer doces, tomar chás, tirar cutícula e ler sem os óculos de grau. Havia recomendações médicas ensaiadas na ponta da língua para cada uma delas, mesmo que ainda faltasse um ano completo para terminar a faculdade de Medicina. Nem escolhera sua especialização e já se tornara um daqueles médicos exigentes que encontrávamos vez ou outra!
Passamos na casa da mãe de para pegarmos o carro emprestado, prometendo que passaríamos por lá na volta e que comeríamos do bolo que a mais velha se apressou para fazer. Também não contamos nenhuma das novidades para ela, mas pretendíamos fazê-lo logo, já que, para mim, ela era como a mãe presente que não tive.
Minha mãe não poupou palavras quando enchera os pulmões para berrar que, entre meu padrasto, que ela puxara para dentro de casa, e eu, ela o escolhia. Não tive opções a não ser esquecer as lembranças da minha infância, que tinha por toda a casa, ao alugar um local para que morasse sozinha. Foi há um bom tempo, não nos falávamos desde então, porém, de vez em quando, suas palavras reverberavam na minha cabeça.
Adentramos o Hospital Universitário, que foi uma sugestão de , já que ele tinha acesso fácil ao local e poderia ter prioridade nos exames. A sala da obstetra Dra. Connely era espaçosa, confortável e muito bem decorada, o que ajudava a nos convencer de que todas as recomendações que ouvimos sobre ela não eram exagero. Sua voz era doce, transmitindo calma e segurança na mesma intensidade. Alguns folhetos estavam espalhados por sua mesa. De costas para nós, ela buscava por mais alguns. Estes ilustravam tudo o que se precisava saber sobre a primeira gravidez e os devidos exames. Logo mudamos de sala, para uma vizinha à que estávamos, e me aconcheguei na maca: era meu primeiro ultrassom.
O gel estava frio quando foi espalhado por minha barriga, mas não tão frio quanto a mão de , que segurava a minha com força. Senti o beijo que ele deixou na minha testa para começarmos encarar a televisão ao nosso lado esquerdo.
A imagem em preto e branco era confusa, um tanto embaçada e de descrição dispensável. O indispensável era invisível aos olhos e tinha um som estranhamente maravilhoso.
Eram os batimentos cardíacos do pequeno ser que traria ao mundo.
Tão acelerado quanto os batimentos, as lágrimas começaram a escorrer sob meu rosto. Meu melhor amigo me abraçou da melhor forma que pôde e o ouvi fungar abafado, fazendo com que molhasse ainda mais minhas bochechas com o choro descontrolado que iniciei.
— Parece que já temos algumas semanas por aqui. — Dra. Connely disse, um pouco pensativa, estudando a imagem por mais alguns segundos e permitindo que nos acalmássemos nesse meio tempo. — Está do tamanho ideal e chupando o dedinho!
— Então já dá para saber o sexo? — se adiantou, passando as mangas da camisa que vestia em seus olhos.
— Claro que dá! — Sorriu amigável. — Mas antes devo alertar que temos cerca de quinze semanas de gravidez e muitos exames para fazer. Mais importante de tudo: não se culpem. É mais comum do que pensam não descobrir uma gestação nas primeiríssimas semanas. Antes de lhe darem mais alguns puxões de orelha, lhes darei a informação que tanto querem.
Desta vez, eu que busquei pela mão de , enlaçando-as. Já começava a me acostumar, como mais uma de minhas manias.
— É uma perfeita menina. — Meu coração se acelerou mais do que pensei que poderia e novas lágrimas tomaram meus olhos. — Parabéns ao casal! Vou deixá-los a sós. — Dra. Connely proferiu, rápida, e, tão ágil quanto, se retirou, sem nem mesmo esperar alguma resposta de nós.
— Eu não acredito, ! É a melhor coisa que eu ouvi em anos! — Passei meus braços pela cintura dele assim que o senti juntar nossos corpos mais uma vez. Aproveitei para deixar que o choro caísse livre, porque este homem era minha única certeza de alguém que jamais me julgaria, em hipótese alguma.
— Eu não sei se consigo. — Confessei de uma vez.
— O quê? ! É só o medo inicial, confie em mim. Você será uma mãe maravilhosa.
— Eu realmente não sei se consigo, . Não quero criá-la como minha mãe me criou, passar por tudo o que eu passei.
— Sua mãe não me teve do lado dela. — Secou algumas das minhas lágrimas. — Mas você vai ter, e eu farei de tudo por vocês, . Exatamente tudo.
— Você não pode ter uma responsabilidade que não é sua, não é certo.
— Mas eu amo você e qualquer responsabilidade que venha com isso, é uma honra.
— Eu não sei o que seria de mim sem você. Sinceramente.
Mais algumas horas foram necessárias para que encaminhássemos os exames primários que, caso soubéssemos, eram para ser feitos no início da gestação. Não era estranho a ausência de menstruação, porque não seria a primeira vez que ficava em dívida com o ciclo menstrual. conversava com a médica em seu vocabulário culto da profissão, garantindo a ela que eu cumpriria com todas as cartelas de vitamina que precisaria tomar dali em diante. Encarava algumas das pílulas enquanto cruzávamos o estacionamento, tendo um muito disperso ao meu lado, relendo os resultados dos poucos exames que pude fazer de imediato. Algumas gotas fracas de chuva começaram a cair e apertamos o passo, adentrando o veículo.
— ? — Ele assentiu, ainda encarando os papéis. — Consegue passar na loja, por favor? — Finalmente desviou sua atenção, me encarando de sobrancelha arqueada, coisa que poucas vezes ele conseguiu fazer e culpava sua coordenação motora por isso.
— Depende. — Estreitou os olhos.
— Queria saber se ele foi hoje.
— Não. — Suspirou cansado, como se finalmente se permitisse dizer algo. — Ele não está arrependido, . Sinto muito.
Apesar de negar por mais alguns momentos, meu melhor amigo deu o braço a torcer e estacionou um quarteirão antes da loja em que trabalho, aconselhando-me a ir andando os poucos e próximos quarteirões até sua casa. Apesar da confusão que ainda havia em minha mente, sabia que estava certo e que, realmente, Liam não se arrependia. Comprei algumas coisas para ajudar nas despesas, deixando-as em cima da mesa assim que adentrei a casa. Guardei tudo que era relacionado à gravidez antes que voltássemos à casa da tia Anna, para que ela não fosse pega de surpresa antes que decidíssemos contar. Reli os exames que tanto prenderam a atenção de , porém não entendi nenhum dos enormes nomes que se repetiam, nem os números separados vírgulas, e ele logo girou as chaves na porta, tirando a camisa úmida por causa da chuva e permanecendo com a regata que vestia por baixo.
— Só a filha do Chong estava lá, . — Se limitou a dizer enquanto andava até seu quarto, retornando com outra camisa em mãos.
— Amanhã mesmo preciso recomeçar as planilhas com os números das mercadorias agendadas para chegar à tarde. Não posso faltar mais.
— Pensei que não fosse trabalhar pelo menos até todos os exames chegarem.
— E por que não iria?
— Precisamos ter todas as certezas de que o bebê está bem, que você está bem. Não sabemos se é uma gravidez de risco, ou se... Se são gêmeos. — Dei um tapa em seu braço, murmurando um “nem brinque com isso”, fazendo-o rir.
— Você ouviu a doutora Connely, é apenas uma perfeita garota. — Estreitei os olhos, repetindo as palavras da médica de forma marota. — Estava pensando em arranjar outro emprego e conciliar os dois.
— O que há de errado com a loja do Sr. Chong?
— Não é a loja, é que, antes do bebê nascer, quero ter tudo que vou precisar, quero me planejar e até mudar de apartamento. — Dei de ombros. — Não ligo de ser menor, mas sem paredes mofadas e mais perto do centro.
— Mude pra cá. — Ri nasalado, ignorando-o, levantando para buscar para mim mesma uma outra blusa. — É perto do centro, como você quer, e nenhuma parede mofada. — Enumerava em seus dedos. — Tem espaço suficiente pra você e pro bebê, e vou poder te ajudar como prometi.
— Está falando sério?
— Tão sério quanto Ross pediu para Rachel se mudar para o apartamento dele.
— Você saiu da casa da sua mãe justamente porque queria privacidade, não posso tirar isso de você.
— Já tive toda a privacidade que queria. — Deu de ombros, encarando-me assim que percebeu que eu também o analisava.
— Mas e quando quiser trazer uma garota pra cá? Mamadeiras e chocalhos por todos os lados!
— Não parece uma missão impossível e não tente criar uma! — Sorriu, encorajador. — Apenas se mude pra cá, . — Repetiu, em tom preciso e aconchegante na mesma intensidade.
16ª SEMANA DE GESTAÇÃO.
Havia mais e mais cartelas de vitaminas por todos lados, incluindo as que eu ainda não havia terminado desde a primeira consulta, poucos dias atrás. me privava de comer um docinho sempre que esquecia delas, então passei a tomá-las regularmente. Tia Anna foi zelosa e muito complacente quando lhe contamos sobre o bebê. Como se houvessem combinado, sugeriu que me mudasse para o apartamento de seu filho, onde poderíamos ter da sua disposição em tudo que precisássemos. Cada dia que passava me sentia melhor e menos presa a Liam além do que era necessário, que não passava dos laços sanguíneos do ser que crescia perfeitamente dentro de mim.
18ª SEMANA DE GESTAÇÃO.
Apesar da barriga aparente, trabalhar na loja do senhor Chong ainda não me era um empecilho, exceto pelas preocupações excessivas do meu melhor amigo, que encomendava lanches de restaurantes por aplicativo para ter certeza de que eu não me esqueceria de comer. Liam, por outro lado, não dera as caras no trabalho desde o fatídico dia, e o sobrinho adolescente do senhor Chong era quem fazia seu trabalho. Precisava admitir, apesar do estabelecimento permanecer parado, não ter a presença carrancuda de Liam para lá e para cá era apaziguante, tornando a calmaria quase viciante. Tia Anna, cada vez mais zelosa, me presenteou com uma cesta de óleos e cremes para que evitassem o aparecimento de estrias, sempre com uma dica de ouro na ponta da língua para o que eu precisasse.
20ª SEMANA DE GESTAÇÃO.
As palavras da Dra. Connely ecoavam por minha cabeça, tranquilizando nossos corações enquanto a médica enchia de elogios o bebê que já tinha braços, pernas e mãos formadas. Agora, apenas ganhava peso e, claro, um nome a cada dia, porque Tia Anna a não paravam de apelidar minha barriga.
Eram poucos, mas eram as pessoas certas que escolhi ter ao meu lado, e não pedia nada além disso.
Nossa mudança definitiva para o apartamento de começava a se concretizar. Entre um dia e outro, passava algumas horas entre os corredores de paredes úmidas do antigo apartamento para que separasse tudo o que era necessário em plena tranquilidade. Não eram muitas coisas, majoritariamente roupas – algumas que, na atual conjuntura, não me serviam –, mas separava as que Tia Anna tinha interesse em levar para ajudar o bazar da igreja.
26ª SEMANA DE GESTAÇÃO.
As dúvidas sobre o nome e os apelidos que colocávamos apenas por não termos algo mais a nos preocupar resultavam em chutes e cotoveladas, que comprovavam todas as teorias sobre a pequena estar realmente se esbaldando com todas as frutas que era obrigada a comer. No entanto, o primeiro chute não fora com uma história assim tão agradável de se ler sobre, até porque foi no meio da madrugada e diversas vezes seguidas. Resultou em gritaria e choros inexplicáveis, que me impediam de dizer a o que era, puxando sua mão para minha barriga e deixando nós dois em puro pranto. No dia seguinte, Tia Anna não reagiu muito diferente de nós sobre a novidade, e ficamos os três na sala de casa, chorando como crianças indefesas.
Os desejos esquisitos tiveram poucos episódios, mas os poucos foram daqueles típicos em que precisou caçar por kiwi, guacamole, caramelo e pêssego em calda durante a madrugada. Ele chegou a deixar um cartão de crédito reserva apenas para os meus desejos nos momentos em que ele não estivesse em casa.
31ª SEMANA DE GESTAÇÃO.
Inchaços se tornaram comuns, de maneira que precisei abdicar de anéis e pulseiras. Caso me atrevesse a usá-los, precisaria jogar óleo sobre a região, para que pudesse me livrar da bijuteria, e cheguei à conclusão de que era humilhação demais. Repousos eram muito bem-vindos – muito mesmo. A pilha de travesseiros e almofadas que mantinham minhas pernas levantadas soava como pedaços de nuvem que acomodavam meus pés, principalmente após um dia inteiro de trabalho. começava a ler livros para Lily – como gostava de chamá-la –, e ela começava a responder aos seus estímulos, que se transformaram em toques na barriga, respondidos ainda mais ferrenhamente pelo bebê.
O antigo quarto do meu melhor amigo já começava a ter o ar de ansiedade que antecedia o nascimento de “Lily”. O berço do lado da cama, a barreira de fraldas empilhadas, as roupinhas de cores clarinhas e cheiro tão único, pelúcias e até mesmo livros sobre a primeira maternidade.
36ª SEMANA DE GESTAÇÃO.
Completamente desenvolvida e com pulmões em amadurecimento, estávamos ansiosos com sua chegada e um bocado assustados. Ela era a pessoa responsável pelo divisor de águas em minha vida, nossas vidas. Ela, desde tão pequena, nos tornaria melhores, menos egoístas e mais chorões do que nunca antes.
Dra. Connely estava em alerta para o trabalho de parto, Tia Anna estava empolgada e mal dormia, mal comia. Sua ansiedade beirava o absurdo, e ele checava inúmeras vezes se a bolsa que preparamos para levar à maternidade tinha realmente tudo que precisávamos. O rapaz ia para a faculdade com muita insistência da minha parte, todos os dias. Minha licença maternidade começou, e tudo o que eu fazia era assar bolos e, no tempo restante, dormir. Por que escolher entre um deles se podia ter os dois?
O nome ainda era uma incógnita, mas o menor dos problemas, já que se acostumou a chamá-la de um jeito diferente a cada dia das últimas semanas.
Os últimos dias haviam sido exaustivos, e tudo parecia ser uma tempestade em copo d’água, mas eu simplesmente não conseguia controlar as pequenas irritações. O bebê já deveria ter nascido, e o peso começava a ser insuportável durante as vinte e quatro horas do dia. Dormir se tornou a pior das atividades, pois nenhuma posição era confortável para que eu pudesse descansar. Os pés inchados incomodavam e colocá-los para cima não surtia efeito. revezava seus dias em casa com Tia Anna, abdicando da faculdade, mesmo após insistências de ambas.
— A panqueca não vai grudar, mas, pra virar perfeitamente, você precisa deslizar a espátula pelas bordas para ter certeza. — O rapaz explicava detalhadamente a receita de suas panquecas mágicas, as únicas que apaziguavam as ondas de desconforto.
— Você estar me explicando como fazê-las não vai, automaticamente, tirar seu posto de prepará-las toda manhã, . — Esclareci risonha ao seu lado, observando o movimento rápido que fez para que a panqueca voasse no ar para virar.
— Talvez seja apenas uma sugestão para ser a primeira opção de comida sólida para a pequena. — Comentou como quem não queria nada, mordendo o lábio inferior para conter o sorriso que não conseguiu esconder, contagiando-me imediatamente.
— Ela não tem um nome, mas fico feliz que tenha sua primeira refeição programada!
— Precisamos decidir, . Na verdade, você precisa. — Sorriu, melancólico.
— Dizem que se torna mais fácil assim que olhamos para o rosto do bebê.
— Dona Anna sabe como disfarçar, mas, na agenda dela, tem três páginas reservadas para lhe sugerir um dos quinhentos nomes que ela separou! — se aproximou do meu ouvido como se contasse um segredo, sendo responsável pelo arrepio involuntário que percorreu minha espinha.
— Oh! Talvez eu precise de alguns! — Respondi automaticamente, tentando soar marota, até que eu esquecesse da estranha sensação que me ocorreria com meu melhor amigo tão perto. — Ela claramente vai ser uma diplomata, então pensei em nomes comuns em diversos idiomas, como Alice ou Aurora. Se bem que, se pensarmos direito... — Deixei que a frase morresse no meio do caminho, sem que sequer conseguisse pensar sobre o que tanto queria falar. Pelo menos, não agora, no momento que meu coração ficou a poucos centímetros de saltar pela boca.
— ? O que foi? Está sentindo alguma dor? — O rapaz segurou-me pelos ombros para que tentasse decifrar algo que meus lábios trêmulos balbuciavam, até descer o olhar para as minhas pernas.
— A... A bolsa. — Proferi baixo, ainda que da melhor forma que me foi possível, já sentindo os olhos marejarem.
— Ela vai nascer! — Ouvi sua voz vacilar, mesmo que seu rosto oscilasse entre a ansiedade e felicidade. Deslizou as mãos frias desde meus ombros até que se enlaçasse aos meus dedos, tirando-me da poça que formou junto dos meus pés. — E-Eu vou pegar a mala que arrumamos pra ela e ligar pra minha mãe reservar um quarto privativo. — Soltou minhas mãos, um tanto brusco, e eu sabia que não foi sua culpa, sequer pensava naquilo agora. O rapaz deu passos largos até tropeçar na mesinha de centro na sala e levantar-se ainda mais atrapalhado.
Apesar das lágrimas que corriam grossas e apressadas pelo meu rosto, o coração agitado dentro do peito era repleto de ansiedade. A melhor ansiedade que já senti antes, daquelas que aquecem o coração. Em algumas horas, Alice, Aurora ou qualquer que fosse o nome dela estaria em meus braços, dissipando todas as dúvidas que um dia eu já tivesse tido sobre aquela nova fase que ela criava em minha vida.
Ouvia de maneira um tanto abafada a voz de ao fundo, com todas as suas perguntas: se estava doendo, se eu queria tomar banho ou se eu já havia optado pela cesárea, por exemplo. Apesar de serem questões oportunas, eu só queria focar nos últimos minutos, sentindo a pequena remexer-se – impaciente – dentro de mim.
— ... Por favor, fale comigo. — A voz do rapaz vacilou, soando trêmula assim que adentramos o elevador do seu prédio. Olhei-o, sorrindo, analisando a bolsa rosa desenhada com pequenos ursinhos por todos os lados, pendurada em seu ombro e, escorregando vez ou outra de tão estufada que a deixamos. O celular em sua mão estava no alto-falante enquanto a chamada com sua mãe não se completava. Tirei o aparelho de sua mão, cancelando a chamada e pondo-me à sua frente.
— Obrigada. — Envolvi o rosto do meu melhor amigo com minhas mãos, conseguindo sentir o quão quentes suas bochechas se tornaram. — Obrigada por ser a melhor pessoa desse planeta e me deixar... Nos deixar aprender tanto com você.
— Sabe que amo você e farei de tudo por vocês. — Proferiu calmamente, depositando um beijo calmo no topo da minha cabeça. Nos afastamos assim que as portas do elevador se abriram, e ele se apressou em ir buscar o carro sozinho para que eu não corresse nenhum risco.
atropelava algumas palavras enquanto adentrávamos o hospital quando conseguiu finalmente avisar a tia Anna. Ele empurrava a cadeira de rodas em que eu estava, atravessando corredores até que achássemos o quarto que tínhamos conseguido reservar de último instante. Senti a primeira contração no caminho do hospital, o que me deixou nervosa e em choque também. Os intervalos entre as dores começaram a diminuir, tornando-as intensas, de forma que me fizesse contradizer o que dissera anteriormente: eu não via a hora de Aurora-Alice-Lily estar em meus braços.
Dra. Connely passara pelo quarto duas vezes nos últimos trinta minutos, certificando-se de que eu continuava com seis centímetros de dilatação, o que, pela intensidade das contrações, se tornava uma preocupação. O necessário eram dez centímetros, mas ter empacado em quatro números abaixo colocava a respiração do bebê em risco, e parte das contrações, que se tornavam quase impossíveis de suportar, poderia ser um pedido de socorro, ainda que não conseguíssemos distinguir sobre o que se tratava.
Outro médico acompanhou Dra. Connely quando ela retornou ao quarto, e ambos aconselharam que partíssemos para a cesariana. Apesar da dor, eu aguardava por tia Anna para fazer das suas palavras a minha decisão, mas, ao que tudo indicava, havia algum tipo de blitz policial no centro da cidade, que paralisava boa parte do tráfego.
Os cabelos de sofriam com sua impaciência, sendo puxados vez ou outra, e assistir sua aflição agravava algumas das pontadas em mim, porque abominava vê-lo daquela forma. A máscara de oxigênio em meu rosto auxiliava para uma respiração apropriada, mas não impedia que sentisse o gosto salgado das lágrimas que mantinham meu rosto úmido.
Ouvi vozes alteradas se misturarem no corredor e a porta do quarto se abrir, revelando tia Anna de respiração apressada e alguns cabelos desgrenhados. A mais velha trocou algumas palavras com o filho, secando suas lágrimas e não demorando a apertar a minha mão, tentando transmitir toda a força que sempre demonstrou ter, após se aproximar da maca.
— Seja forte, querida. — Passeou a mão carinhosa e quentinha pelo meu rosto, afagando meus cabelos por alguns segundos. — Fique tranquila. Assim que ela estiver nos seus braços, você nem lembrará disso tudo.
— Eu... Eu não sei se consigo fazer isso, tia.
— Claro que consegue, meu bem! Seja forte! — Sussurrou, amável.
— Mãe, querem partir pra cesariana. — adiantou-se, ficando ao meu lado também, ainda que do lado contrário da mãe, encarando-a de frente. — Colocaram a máscara de oxigênio pra caso alguma delas tenha dificuldades pra respirar. As contrações estão cada vez mais fortes e em intervalos menores. Faltam quatro centímetros ainda. — Tia Anna manteve-se quieta por alguns segundos, preocupando-se apenas com o afago que continuava em meus cabelos.
— Querida, é o que você quer? — Balancei a cabeça negativamente. — Acha que consegue esperar mais um pouco? — Respirei fundo, apertando o enlaço nas mãos de ambos para finalmente assentir positivamente. — Vou conversar com a médica. Volto já. — Depositou um beijo amoroso na minha testa, esperando que seu filho se curvasse para poder fazer o mesmo.
Assim que tia Anna virou as costas, sentou-se na beirada da minha cama, ainda sem soltar sua mão da minha e não desejava que o fizesse tão cedo.
— Me diga o que está sentindo e não me esconda nada, . — Sussurrou, em um quase tom de súplica, que em nada mais resultava do que uma maior cratera no meu coração. Me enfraquecia ter de apenas assisti-lo no tamanho nervosismo que estava.
— Estou com medo, .
— Não tem o que temer.
— É uma enorme responsabilidade criar um bebê, sozinha. — Tirei a máscara de oxigênio, tentando conter as lágrimas insistentes.
— Você não está sozinha. Precisa entender isso. — Deu um meio sorriso, passeando seu polegar sob as costas da minha mão. — Não estou quase perdendo meus cabelos que tanto cuidei para exibir meu topete quando adolescente a toa. — Riu nasalado, e, com a imagem sendo automaticamente projetada em minha mente, se tornava impossível não rir também. — Você só vai me afastar se quiser, porque eu não vou a lugar algum. — Puxou minha mão delicadamente, permitindo que seus lábios beijassem devagarinho alguns centímetros no dorso.
Dra. Connely retornou ao quarto, sem permitir que muitas emoções pudessem ser lidas por sua feição. Tia Anna, no entanto, só não estava mais agoniada que o filho. A médica vestiu as luvas descartáveis de látex para checar, mais uma vez, a dilatação.
— Ora, ora, parece que temos suficientes dez centímetros por aqui. — Soltou o feedback que todos queríamos ouvir, possibilitando, enfim, que o alívio pudesse ser lido em seu rosto. — Tia Anna nos deu sorte. — Sorriu simpática. — Chegou a hora, mamãe!
Não sabia que meu coração conseguia bater mais forte até então. Era um mix de sensações, e não havia mais o que dizer. A maioria das sensações daquele momento, que eu sequer sabia o nome, era intensa de uma maneira que nunca as havia experimentado antes.
Em cerca de cinco minutos, a sala de cirurgia estava pronta, e Dra. Connely não demorou a me chamar, esquecendo-se de que este também foi o tempo que usei pra convencer a ir comigo. Tia Anna teve papel fundamental, mais uma vez, e o convenceu com poucas palavras.
Meu melhor amigo empurrou minha cadeira de rodas até a sala de cirurgia, sussurrando algumas palavras encorajadoras no curto caminho até lá. Nos distanciamos nos poucos minutos em que fui preparada, enquanto o trio de médicos fazia o mesmo. O rapaz retornou vestido corretamente com as paramentações cirúrgicas, mesmo que não participasse ativamente do parto. Posicionou-se ao meu lado, de forma que um dos seus braços abraçava meu ombro, e a mão livre enlaçava meus dedos, da forma segura que ele fazia tudo parecer.
— Certo. Está pronta? Preciso que faça a maior força possível, mesmo quando sentir uma contração, mamãe. — Dra. Connely aconselhou em voz firme e gentil na mesma intensidade.
Respirei fundo, encarando os olhos de . Os olhos marejados, mas intensos com toda a sua exuberância ímpar do meu melhor amigo.
Minha mão fraca pouco conseguia sentir seus dedos enlaçados aos meus, se não fosse pela sua pele quente. Não sentia, também, boa parte do meu corpo, se não fossem pelas dores, que agora eram por todas as partes. Apesar de convenientes, as palavras positivas não faziam as dores diminuírem, e meu corpo não parecia conseguir responder mais. O bebê já havia mudado de posição duas vezes, o que nos fez pensar na cesariana com maior veemência.
— Estamos vendo o topo da cabeça dela, mamãe. Continue empurrando! — Dra. Connely encorajou.
Saber que apenas os centímetros do comprimento do seu corpo era o que nos separava foi a dose certa de coragem que me faltava, porque, depois de mais alguns esforços, eu ouvi o choro dela.
O choro da minha filha.
— Quer cortar o cordão, ? — Um dos médicos se pronunciou, sem ficar esperando por muito tempo pelo rapaz, que se apressou em fazê-lo.
Seu corpinho tão pequeno foi posto em meus braços, e não precisei sequer esticá-los, porque ela parecia perfeita para se encaixar ali.
Tão pequena, linda, vulnerável e tão minha.
E pensar que não havia dinheiro no mundo a superar a perfeição que eu segurava em meus braços.
Meus braços sentiram falta do seu calor quando a pegou por rápidos segundos, até que a enfermeira se preocupasse em limpá-la.
— Você conseguiu, ! Ela está aqui! — colou sua testa na minha e não nos importamos de estarmos ambos em prantos. — E ela é perfeita.
Pouco tempo passou – ou não o vi mesmo passar –, certificaram que ambas estávamos bem, e fui transferida para o quarto novamente, onde aconteceria a primeira amamentação à pequena. foi contar a tia Anna como tudo se sucedera, porque logo ela estaria liberada para adentrar o quarto e conhecer a mais nova pessoinha, que era capaz de nos fazer babar loucamente com um simples mexer de dedos, estes tão miudinhos.
Em passos calmos, uma enfermeira adentrou o quarto e tinha um enroladinho rosa em seus braços.
— Está tudo bem com essa princesa, mãe. Só está faminta. Pronta pra primeira amamentação? — Não respondi nada além de murmúrios, até porque senti-la comigo não havia palavras no mundo capaz de descrever.
A enfermeira me ajudou a posicioná-la para que se tornasse fácil a primeira alimentação da pequena e para que ela não estranhasse.
— Ela não está mamando. O que eu faço?
— Insista mais um pouquinho, ela só está se fazendo de difícil. É imprescindível que ela mame agora, nem que seja apenas um pouco.
Insisti como o recomendado, sentindo quando ela engatou a mamar e estava de fato, faminta, devido à veracidade com que o fazia. Senti o cheiro da sua cabeça e o aperto fraco da sua mão minúscula em meu dedo, como quem quisesse dizer que sabia que era sua mãe, aquela que babava ao olhá-la. adentrou o quarto, arregalando os olhos assim que a viu.
— Já temos um nome? — A enfermeira perguntou.
— Não, ainda não.
— Então, vamos chamá-la temporariamente de “Bebê ”, apenas com o sobrenome da mãe. Logo volto para buscá-la. — A porta se fechou assim que a enfermeira se retirou, mas meu melhor amigo pouco se mexeu.
— Quer pegar?
— Eu posso? — O homem revezava o olhar entre mim e a recém-nascida, como se esperasse alguma aprovação dela. O sorriso largo que me dominou foi o suficiente para encorajá-lo.
Tentei disfarçar o embargo em minha voz enquanto lhe ajudava a aconchegar o bebê nos seus braços. Encarei os dois grandes amores da minha vida.
a balançava gentilmente após me ouvir recomendar milhões de vezes, por ela ter acabado de mamar. Ele cantava e contava as fofocas sobre o nosso dia a dia, usando dos murmúrios como incentivo para continuar. Tia Anna nos fez companhia pouco tempo depois para conhecendo a criaturinha, mas não conseguiu ficar muito, pois a mulher era puramente lágrimas. Então, o posto logo retornou a , que não se manteve quieto um segundo.
— ? — O rapaz se aproximou da maca, balançando-a, e eu apenas assenti para que continuasse. — O que acha de “Bebê -"? — Soltou um muxoxo. — Podemos dar meu sobrenome pra ela, . — Completou, simples.
— , tem noção do que está dizendo?
— Tenho clara certeza de cada palavra.
— É algo pra vida toda! — Evidenciei, óbvia.
— Se você permitir, não vou recuar. Prometi a vocês.
— Não quer pensar melhor? — Se tornava impossível controlar as lágrimas assistindo à forma como ela ficou calma nos braços do meu melhor amigo.
— Se não quiser, , não tem problema. Eu entendo. — Adiantou-se, amuado, passando a pequena para os meus braços. — Vou chamar a enfermeira. — Não me deu tempo de resposta, apenas cruzando a porta em passos largos, não demorando para voltar com a mulher em seu encalço.
— Vou retorná-la ao berçário, mãe, e não se preocupe, a “Bebê ” logo estará de volta. — A enfermeira a passou para seus braços com cuidado e, ao mesmo tempo, com uma destreza invejável.
— É “Bebê -", na verdade. — Esclareci em voz baixa devido às lágrimas, mas convicta o suficiente.
— Tudo bem, “Bebê -" será. — A enfermeira se retirou, e um se atirou em meus braços.
Um mês – caótico – após ter a pequena Alice em casa, se mostrou um pai de primeira viagem invejável. Daqueles dedicados, que eu mesma só havia visto em livros. Ele parecia ter nascido para ocupar tal cargo, e Alice concordava abertamente sempre que parava de chorar nos braços do homem.
O sol estava agradável aquela manhã, nem quente demais, nem de menos, o que fez brotar a mesma ideia na cabeça de ambos: o primeiro banho de sol da princesa!
Em pouco tempo, já andávamos o quarteirão do bairro. Percebemos que talvez tivéssemos enchido demais a bolsa, que começava pesar no ombro, tornando justa a decisão de pedra-papel-tesoura sobre quem levaria o carrinho com a bebê.
Eu me sentia bem, livre, realizada, experimentando dessas sensações que nunca fizeram parte de mim antes. , ao meu lado, alegava se sentir exatamente da mesma maneira, e isso só reafirmava a certeza de que eu estava no lugar certo, na hora certa.
Um pequeno aglomerado de pessoas filmava algo que acontecia mais a frente, e, apesar de não querermos atravessar o tumulto, este cruzava nosso caminho, e não havíamos outra opção. Parecia ser apenas uma apreensão policial, e alguns dos criminosos ocupavam as viaturas no local. Um deles protagonizava o escândalo, que, para aquelas pessoas, merecia ser filmado.
— ! ! ! — Meu coração gelou. — Diga a eles que me conhece. Eu não tenho nada a ver com as drogas, eu juro.
— Conhece este cidadão, senhorita? — O policial que o algemou perguntou em voz grave.
Era Liam.
— Nunca o vi antes. — Me limitei, apertando minha mão que enlaçava o braço de enquanto empurrava o carrinho de Alice.
No começo do quarteirão seguinte, havia uma pracinha, não muito grande, mas que fazia a felicidade de muitas crianças e, em um combinado silencioso, seguimos para lá. O pequeno caminho se tornou silencioso, e o motivo não valia a pena.
— Não se culpe, . — finalmente se pronunciou assim que forrou a toalha na grama para nós.
— Não me culpo. Só não entendo como ele chegou àquele ponto. É humilhante.
— Você está melhor sem ele. Nós estamos! — Um sorriso pequeno tombou no canto de seus lábios e não resisti a imitar seu gesto. Alice deu um gritinho fino, sorrindo banguela, como se respondesse exatamente ao que conversávamos.
Puxei a bolsa que separamos com as coisas de Alice para tirar de lá um chapeuzinho que só me fazia querer mordê-la ainda mais. Me pus ao lado do rapaz que segurava a bebê para vesti-la com cuidado, sentindo o olhar dele sob meus movimentos.
— É incrível como cada mínimo detalhe da Alice acaba te completando.
— Não nos acho tão parecidas assim.
— Vocês formam tudo o que eu sonhei.
— Não sabia que sonhava em ser pai.
— Porque você já realizou. — Sorriu abertamente, favorecendo os raios de sol que iluminaram seu olhar. — Como você nunca percebeu, ?
— O que voc...
— Shhh! — Um de seus dedos pousou delicado sob meus lábios. — Eu não aguento mais esperar e, se você aceitar, eu vou te beijar agora. — Me mantive na mesma posição, inspirando o seu cheiro natural, que se tornara minha calmaria, tornar-se cada vez mais vivo devido à proximidade.
, como em todas as vezes, estava certo: o que tinha ali, ao alcance das minhas mãos, era exatamente tudo com o que eu sonhava.
Fim
Nota da autora: Hello, hello! ;D Vocês estão bem? Espero que sim, porque eu não estou nada bem com esse casal suuuper diabetes que eu amei HOR-RO-RES!
A primeira fanfic escrita de melhores amigos que se apaixonam a gente nunca esquece né? E esse xuxuzinho demorou horrores pra chegar ao final, atravessou muitos percalços e inúmeros bloqueios criativos, mas valeu a pena, né?
Espero que tenha sido bom pra vocês lerem, assim como foi bom pra mim, criá-la.
Me digam o que acharam e até a próxima! ♥
XOXO.
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
A primeira fanfic escrita de melhores amigos que se apaixonam a gente nunca esquece né? E esse xuxuzinho demorou horrores pra chegar ao final, atravessou muitos percalços e inúmeros bloqueios criativos, mas valeu a pena, né?
Espero que tenha sido bom pra vocês lerem, assim como foi bom pra mim, criá-la.
Me digam o que acharam e até a próxima! ♥
XOXO.