Capítulo Único
Nas ruas da Times Square, as luzes fortes e persistentes pareciam nunca se apagar. Pessoas iam e vinham como se o mundo fosse um eterno fim de semana pronto para ser desfrutado. Jazz ecoava pelas ruas como um som proibido, seduzindo ouvidos e convidando-os para apenas mais uma noite de dança e embriaguez. A guerra havia fortalecido os pilares econômicos do país, fazendo com que a bebida ficasse mais barata e o trabalho mais permissivo, deixando as pessoas mais livres e estúpidas, prontas para mergulhar nas infinitas novas possibilidades de entretenimento.
Havia algo de mágico em Nova York nos anos de 1920. Mas era inegável que a real magia se dava aos fins de semana na residência de Jeon.
“Residência” jamais faria justiça à mansão que brilhava como uma joia em East Egg, atraindo olhares como uma Mona Lisa no museu do Louvre. Com seu jardim grande o suficiente para servir de terreno para outras oito casas medianas (com seus próprios jardins), e cômodos tão numerosos que seria impossível para um indivíduo contá-los sozinho, a propriedade espantosamente luxuosa recebia pessoas de toda a cidade quando o fim de semana chegava, tornando o salão em um vibrante caleidoscópio onde senadores, empresários, artistas, mafiosos e universitários se divertiam irresponsavelmente.
Embora metade de Nova York usufruísse de seus músicos e seu álcool, ninguém jamais havia visto Jeon. As especulações eram muitas, se revelando em forma de discussões nos cantos das festas entre bêbados e amantes de teorias da conspiração. Havia boatos de todos os tipos.
— Ele foi um espião estrangeiro durante a guerra! — exclamou um estudante de Oxford antes de derrubar o conteúdo de sua taça na moça que acompanhava.
— Eu ouvi que ele matou um homem com as próprias mãos — ela sussurrou de forma conspiratória antes de cair na gargalhada, ignorando completamente o champanhe que agora molhava todo o seu braço direito.
— Ele é com certeza mais rico que Deus — concluiu o rapaz, se dando conta de que sua bebida havia misteriosamente desaparecido da taça.
Todas essas teorias culminavam na total falta de informações verdadeiras sobre o homem ou de onde vinha todo o seu dinheiro, o que era talvez a maior fonte de fofocas e especulações. Não era incomum ver uma matéria ou duas nos jornais matutinos indagando como o misterioso homem havia feito sua absurda fortuna, matérias essas que a cidade consumia desesperadamente, ansiando descobrir quem era o generoso anfitrião que dava sentido às suas diversões noturnas.
Entre todos os integrantes desse caleidoscópio, apenas dois homens haviam conhecido Jeon de fato. Apenas esses dois homens conheciam seu rosto, sua história e seu real motivo para receber tantas pessoas em suas brilhantes festas. Um deles era Kim Namjoon.
Recém-formado em Literatura, Namjoon era apenas mais um dos milhares de rapazes que haviam largado seus planos e paixões para mergulhar no frenético mundo de Wall Street. Após comprar uma imensa coleção de livros sobre estudos econômicos, Namjoon se mudou para uma minúscula propriedade em West Egg que mais parecia um esquecido feixe de terra entre duas mansões milionárias. Uma delas, nesse caso, era a lendária residência de Jeon.
Kim Namjoon havia sido o primeiro homem em toda Nova York a receber um convite para a mansão. Ele havia chegado em uma doce manhã de verão em uma literal bandeja de prata segurada por um mordomo muito bem vestido. Namjoon por um segundo se sentiu um tanto desleixado em seu roupão velho e meias furadas, ainda esfregando os olhos de sono.
— Kim Namjoon? — perguntou o homem de forma segura e rápida.
— Sim, sou eu.
— Um convite para o senhor.
Namjoon se lembrava claramente da sensação do papel-cartão em seus dedos e da elegante caligrafia nele. O conteúdo do convite não importava, mas sim o seu intuito: deveria comparecer à residência de Jeon naquela noite para se divertir um pouco como todos os outros pareciam fazer.
O convite não foi aceito por nenhum dos criados na multidão que se encontrava na entrada da mansão. Foi então que Namjoon percebeu que ninguém era convidado para essas festas. As pessoas simplesmente apareciam de todos os cantos da cidade, se derramando pelas portas de Jeon como um protesto enfurecido procurando por entretenimento barato. Naquela noite, Namjoon foi uma daquelas pessoas. Sentou-se com gente que nunca havia visto na vida para especular sobre o obscuro plano de fundo por detrás daqueles instrumentos brilhantes e risadas exageradas. Teorizou sobre o caráter de Jeon e sua herança, sobre o motivo para todo aquele alarde semanal. No fim da noite, se arrependeu de tê-lo feito no auge de sua embriaguez, pois Jeon em pessoa o encontrou na multidão e se apresentou como Jeon Jungkook.
A primeira coisa sobre Jeon Jungkook que assombraria Namjoon pelo resto de seus dias era a sua idade. Não era nenhum aristocrata de 60 anos de idade que organizava festas enormes para preencher um vazio existencial. Não, Jungkook era um jovem que não podia ter mais de 25 anos, tinha excelente aparência e se portava como um cavalheiro. Sua conversa era agradável e seu sorriso era uma daquelas raras exceções, do tipo que você apenas encontra três ou quatro vezes na vida. Ele sorria como quem compreendia o outro exatamente como este gostaria de ser compreendido, como se não precisasse ter qualquer sombra de dúvidas sobre a integridade alheia. Tudo parecia lindo aos olhos de Jeon, e a sua fala dava uma certa emoção ao que dizia que Namjoon jamais seria capaz de replicar como escritor.
— Espero que esteja se divertindo. É meu prazer recebê-lo, meu velho.
Namjoon estava prestes a reclamar de ser chamado de velho quando se deu conta de que era apenas uma expressão que Jungkook gostava de repetir a cada duas ou três frases. Era um dos pequenos detalhes fascinantes sobre o mais novo, como o seu caro terno de alfaiataria ou o elegante anel em seu dedo.
Ao voltar para casa pela manhã sem a menor ideia de como conseguia se mover ou sequer pensar, Namjoon se perguntou o motivo pelo qual havia sido especificamente escolhido por Jungkook. O que havia feito o homem ter mandado um convite e então o procurado na multidão para conversar sobre suas vidas, mostrando um esforço curioso para ressaltar sua boa índole. O que fazia o homem procurar os melhores fornecedores e artistas para montar suas festas quando ninguém que participava delas sabia sua real identidade?
Agora, em pé observando mais uma dessas festas, Namjoon enxerga tudo com mais clareza. No pátio abaixo de si, Jungkook dança com a resposta para todas essas perguntas. É possível ver em sua expressão a paz que sente ao sentir aquele corpo contra o seu, sorrindo de forma quase triste como um homem que sente alívio e saudades ao mesmo tempo.
Em seus braços está o primo de Namjoon, Park Jimin.
Namjoon se lembra de sua total confusão quando Jungkook pediu, em um tom um tanto desconcertado, se o mais velho poderia chamar seu primo para um chá. A mente do escritor girou desorganizadamente, preenchendo-se de perguntas.
— Jiminie? Conhece Jiminie?
O mais novo suspirou pesadamente, sua nobre postura perdendo-se por um segundo.
— Sim, meu velho. Eu o conheço.
Park Jimin, o garoto de ouro. Todos o conheciam como marido de Kwon Yejun, um herdeiro bilionário cuja mansão se localizava em East Egg. Coincidentemente, do outro lado da baía que se espalhava alguns metros após as residências de Namjoon e Jungkook, exatamente oposta a West Egg. Kwon Yejun era um homem atlético e um aparentemente culto, sempre fazendo questão de trazer à mesa o último livro que havia lido para qualificar suas opiniões. Há cinco anos, o homem havia conquistado Jimin e sua família com seu dinheiro e pose, casando-se com a maior pompa que a cidade já havia visto. As pessoas cochichavam que nunca haviam visto uma pessoa tão apaixonada pelo seu marido quanto Jimin em sua lua de mel, sorrindo para flashes e desfrutando da riqueza que seu casamento havia lhe trago.
Essas mesmas pessoas não sabiam das escapadas de Yejun para Manhattan, onde ele tinha um espaçoso apartamento para a sua amante, casada com um mecânico. De qualquer forma, Jimin sabia.
— Antes desse... desgraçado aparecer em sua vida, nós nos conhecemos em uma festa na casa dos Park. Eu estava no início da minha carreira militar e jamais poderia dar muito a ele, mas... Nós nos apaixonamos naquela noite, meu velho. Havia tantos oficiais ricos de famílias nobres, mas Jimin me convidou para o jardim — ele murmurou, pressionando uma palma contra o peito como se ainda se sentisse lisonjeado por ter sido escolhido.
Jungkook descreveu os detalhes apenas como um homem profundamente apaixonado conseguiria fazer. Namjoon conhecia Jimin; não era difícil se apaixonar por ele. Se não ficasse atento o suficiente, era possível ser lentamente arrastado pela maré, e quando se desse conta novamente, Jimin o teria sobre seu total e carismático controle. Mas Jungkook falava sobre o outro como um devoto, dando atenção aos seus olhos, seu brilhante sorriso e suas pequenas mãos.
— Eu sempre fui uma pessoa muito ambiciosa, meu velho. Mas naquela noite, quando Jimin olhou para mim no jardim, eu senti todos os meus planos me escapando. Eu sabia que assim que beijasse aquele homem, ele se tornaria o centro do meu Universo. Então eu o fiz.
Namjoon podia sentir um sorriso involuntário nos seus próprios lábios. Era inegável o quão desesperado Jungkook estava para vê-lo novamente, estando casado ou não. De repente, todos os reforços que Jeon fazia a seu próprio caráter fizeram sentido como se um quebra-cabeça estivesse finalmente completo. Ele queria convencer Namjoon de que, se não houvessem sido separados pela guerra, teria sido capaz de cuidar de Jimin melhor do que Yejun jamais seria.
O escritor tinha que admitir que havia sido convencido.
Na cena que agora observa, Jimin finalmente se encontra no meio do circo armado por Jungkook todos os fins de semana na esperança de atraí-lo para West Egg e vê-lo novamente. Agora, Jungkook olha para Jimin enquanto os dois se balançam suavemente ao som da música como todas as pessoas no mundo gostariam de ser olhadas por seus amantes. Como se Jimin houvesse pessoalmente pendurado todas as estrelas no céu ou segurado o Universo em seus ombros como o titã Atlas.
— Está se divertindo?
Jimin abriu um de seus lendários sorrisos, aquele que faz com que seus olhos se tornem em pequenas luas crescentes. Namjoon podia assegurar que embora estudasse astronomia, Kwon Yejun jamais havia visto aquelas luas tão de perto.
— É claro que estou. É lindo, Jungkookie.
— É tudo para você. Caso não goste de algo, tem todo o poder de mudar como quiser — ele esclareceu seriamente.
Jimin olhou em volta, absorvendo a banda de jazz e as pessoas extasiadas. Tudo parecia coberto com uma fina camada de confetes e luz, fazendo com que o ambiente brilhasse intensamente. O brilho refletia nos olhos maravilhados do homem, fazendo seu sorriso perder o perpétuo holofote por um segundo.
— Está tudo perfeito. Exatamente assim, como na sua linda imaginação.
A resposta pareceu desconcertar Jungkook profundamente. Era engraçado se dar conta do fato de que Jeon era um homem facilmente afetável ao toque das palavras de Jimin, que parecia não se dar conta da vantagem que tinha nas mãos. As testas dos dois se tocaram e Namjoon indagou se deveria chamar a atenção do casal. Afinal, Jimin ainda era um homem casado, e ser reconhecido em uma festa na mansão de Jeon nos braços de outro homem seria escandaloso e tentador para a imprensa, para dizer o mínimo. Namjoon havia dado dois passos quando ouviu o primeiro tiro.
A multidão se dispersou rapidamente. Gritos ecoaram pelo salão e a música morreu de forma súbita, sendo engolida pelo caótico som do correr desesperado das pessoas. Jungkook puxou Jimin para perto instintivamente, tentando localizar a fonte do tiro. Esta logo se apresentou para os dois.
— Jeon! — esbravejou Kwon Yejun, claramente bêbado e com um revólver em punho.
— Yejun! O que está fazendo? — gritou Jimin.
O homem deu um apavorante e torto sorriso, apontando a arma para Jeon.
— Acha mesmo que pode sair roubando o marido dos outros assim, seu desgraçado?
A sua voz alterada e a sua escolha de palavras, tratando Jimin como sua propriedade, fizeram o estômago de Namjoon revirar. O ambiente parecia coberto em pólvora, e Yejun era o homem segurando um único fósforo. O escritor estava prestes a retirar o seu primo do salão quando mais dois tiros rasgaram o silêncio como uma afiada lâmina.
Namjoon se preparou para ver Jeon sangrando contra o caro mármore abaixo de si, ainda com Jimin em seus braços. Seu peito inflou de ansiedade e suas mãos estremeceram quando viu Yejun no chão, sua camisa de algodão lentamente se tingindo de escarlate. Nas enormes portas duplas atrás de si, o mecânico encarava o corpo no chão com olhos um tanto maníacos e revólver ainda em punho. Os seguranças de Jeon finalmente encontraram uma brecha para agir, derrubando o homem e chutando sua arma para longe.
— Jungkookie... — soou a trêmula voz de Jimin.
— Vamos lá pra cima. Namjoon, fique à vontade em uma das suítes, se assim desejar — ele disse, afoito, acostumado a ter o escritor hospedado em seus infinitamente mais confortáveis quartos. Os três subiram as escadas em silêncio, sabendo que os homens de Jeon cuidariam da situação.
Ninguém dormiu naquela noite. Era possível sentir a tensão emanando das paredes e a persistente quietude na mansão, que parecia tentar digerir os acontecimentos que havia visto dentro de seus salões. Namjoon, estranhamente, dormiu como uma criança.
Na manhã seguinte, o homem decidiu que já havia passado tempo suficiente abusando da hospitalidade de seu jovem vizinho. Na saída da mansão, encontrou Jungkook e Jimin na biblioteca. Estavam encolhidos em uma única poltrona, com Jimin sentado confortavelmente nas coxas de Jeon, ouvindo um disco que tocava de forma leve e discreta no canto do espaçoso cômodo. Namjoon se sentiu um monstro por interromper aquele momento tão intimamente doce.
— Vou para casa agora — anunciou. — Cuide bem dele, Jeon.
Jungkook assentiu, e o pequeno sorriso de Jimin contra seu pescoço era óbvio.
— Não se esqueça de mim, Joonie. Posso ser somente um viúvo agora, mas ainda sou seu primo — ele comentou com olhos gentis e tristes. Típico de Park Jimin abrir um sorriso contar uma piada com o coração tão conturbado.
— É o meu favorito, Jiminie. Claro que não vou me esquecer.
Namjoon não pôde ignorar o constante grito de despedida que soava nas entrelinhas daquele diálogo, mas engoliu sua própria intuição e seguiu seu caminho até seu pequeno e confortável lar.
Inconscientemente, o escritor sabia que nunca mais veria seu amigo e seu primo novamente. E que nenhuma festa jamais seria feita na mansão de Jeon. Mas Nova York que arranjasse outro lugar para encontrar jazz e bebida barata. Para Jeon Jungkook, as festas já haviam cumprido seu nobre e apaixonado propósito.
FIM
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