Última atualização: 30/11/2017
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Prólogo

A sociedade sempre colocou no topo da lista que toda garota na vida vai encontrar um amor e irá ser feliz. Mas será que isso realmente é verdade? Da mesma forma que existem pessoas que são felizes com outras também existem as que são infelizes. Há quem diga que ninguém é feliz sozinho e há quem dia que andar só é melhor do que estar mal acompanhado. Diante disso tudo a única coisa que posso afirmar é que da mesma forma que alguém pode te transformar ela também pode te quebrar em mil pedaços.
Não, eu nunca namorei na vida. Já me arrisquei a gostar de algumas pessoas, mas nunca foi recíproco. Dói saber que eu sempre passei por todo esse processo de gostar e desapegar de alguém sozinha. Com todas essas dores, que com o tempo foi se acumulando dentro de meu peito, o bloqueio emocional se formou. Se há uma coisa que eu odeio, mas ao mesmo tempo gosto em mim, é a dificuldade em gostar de alguma pessoa.
O lado positivo desse defeito/qualidade é que futuramente eu não vou quebrar a cara da mesma forma como das outras vezes, mas o lado negativo é de que às vezes nunca vou me dar a chance de conhecer alguém que poderia me fazer feliz. Mas nem tudo é como um mar de rosas.
Ele. A pessoa no qual destruiu todas as barreiras que ao longo do tempo se instaurou ao redor do meu coração. A pessoa que conheceu um dos poucos lados que costumo mostrar a alguém na vida. A pessoa que da mesma forma que me fez feliz, me devastou de uma maneira que dói só de lembrar.
Acho incrível como o ser humano tem a capacidade de acabar com sua felicidade com um simples ato ou até mesmo uma simples palavra. Eu passei por isso tudo, sozinha. Quem cuidou do meu sofrimento fui eu. Quem me colocou para cima de volta fui eu. Quem resolveu dar um fim nesse sofrimento fui eu. Mesmo que algumas vezes minha dignidade se encontrasse caída no chão, minha consciência se recompunha e fazia o favor de mostrar quem realmente importava naquela hora. A história no qual vai ser contada aconteceu de fato, comigo.

"Acomode-se;"

"Alongue-se;"

"Repire fundo;"

"Fique bem atenta e"

"Seja bem vinda a um capítulo de minha vida."



Ter uma amiga que é praticamente rodeada de outros amigos em alguns momentos é bom. No meu caso, com minha timidez, isso era bom já que ela acabava me apresentando todos seus amigos e alguns deles passavam a serem meus amigos também. Porém, no meio desses amigos, sempre teve aquele que me chamou a atenção. Seu nome era . era seis anos mais velho que eu e, por isso, sempre brincava que eu ainda era um neném, mesmo que para nós dois não tivesse nenhum problema em relação a isso.
Quando nos conhecemos eu estava no último ano do ensino médio e ele cursava faculdade e trabalhava, e o único problema nosso era que às vezes nossas personalidades não batiam, porém quando se gosta da pessoa tem um jeito para tudo.
Enquanto eu era bastante tímida e odiava falar no telefone com uma pessoa só (estava mais acostumada em fazer chamada com várias pessoas) ele era do tipo que enchia sempre o meu saco pra que conversássemos somente nós dois. Até que um pedido inesperado com muito custo foi aceito: Ele queria que eu dormisse no telefone junto dele. De início eu queria muito que fosse uma brincadeira, pois eu não tinha a mínima ideia de como eu reagiria quando fosse dormir com alguém que eu nunca tive tanta intimidade, mas mesmo assim eu aceitei.
No momento em que a chamada com o nome e a foto de apareceu no visor de meu celular, parecia que todo meu ar tinha sumido. Maldita timidez que me fez ser assim. Minha sorte era que com ele eu me sentia a vontade. Mesmo que em alguns momentos eu ficasse calada, ele sabia que eu estava na verdade com vergonha ou não sabia o que falar.
- Sabia que você é linda? – Disse ele depois de um tempo em silêncio.
- Eu? Não... Não sou mesmo – Neguei com a cabeça mesmo que ele não pudesse ver e ri baixo sentindo-me boba.
- É, você sim. Você é tão linda que me da vontade de te apertar toda – Murmurou com uma voz fofa, me fazendo rir.
- Não, eu não sou, tá bom?
- É sim. Não me responde. Eu mando por aqui.
- Ah é? – Arqueei uma sobrancelha e respondi num tom desafiador.
- É sim. – Respondeu ele da mesma forma que eu, fazendo com que ambos ríssemos dessa vez.
Olhei as horas no relógio do celular e percebi que estava tarde e eu nem havia percebido o tempo se passar. Era incrível como o tempo voava, nosso assunto fluía e mesmo assim o sono parecia vir devagar.
- Se eu dormir você vai brigar comigo? – Murmurei já sonolenta.
- O bebê já tá com soninho? – Disse num tom infantil e eu concordei apenas com um murmúrio. – Pode dormir. Daqui a pouco eu durmo também.
- Se eu roncar não desiste de mim, tudo bem? – Comentei rindo antes de desejar boa noite a ele.
- Vou gravar você roncando só pra ouvir outro dia. – Riu baixo – Boa noite.
Era estranhamente bom dormir com uma pessoa no telefone. Não que eu nunca tivesse feito isso, mas não com um homem. Não com alguém que no fundo eu achava que havia uma pequena possibilidade dele ser meu namorado.
Daí em diante todos os dias eram assim: eu acordava, arrumava casa, almoçava, entrava no computador e ficávamos conversando até a hora de dormir. Eu, particularmente, adorava conversar por mensagens, mas ele odiava. Portanto, nosso único diálogo era na base de conversas de voz, e em meio a uma dessas conversas surgiu à possibilidade de nós sairmos para o cinema.
Olhei meu reflexo no espelho várias vezes antes de me certificar que estava bonita. O problema com minha autoestima em alguns momentos fazia com que minha cabeça ficasse revirada com pensamentos impróprios em relação a minha aparência, mas naquele dia tudo estava ao meu favor.
- Olha essa parte do filme – Sussurrei para ele e apontei para a grande tela do cinema, apreensiva em cada momento.
- Psiu. – Me chamou, fazendo com que meu rosto se virasse e antes que eu pudesse dizer alguma coisa seus lábios estavam grudados nos meus.
O frio na barriga que antes só aparecia quando suas chamadas em meu celular apareciam veio à tona. Eu não esperava aquilo, mas queria a um bom tempo. Seus lábios eram suaves e gostosos de morder. Seus dedos grandes se tornavam delicados em meio aos fios de meus cabelos, já que sua mão se encontrava em minha nuca. Meus dedos passeavam pelo seu rosto, os raspando por sua barba que de longe era uma das partes que eu mais adorava em seu corpo.
- Você adora me deixar sem reação, não é? – Sussurrei assim que nosso beijo foi finalizado e deitei minha cabeça sobre seu peitoral da forma como conseguia.
- Gosto de te deixar feliz. Só isso – Comentou de forma baixa, beijando minha testa.
- Desse jeito eu vou ficar mal acostumada – Disse de forma baixa e voltei a observar o filme com atenção até o final.
Enquanto andávamos de volta até seu carro, por um momento me lembrei de que havia um violão no banco de trás e foi aí que uma ideia brotou em minha cabeça.
- Me empresta seu violão? – Sorri de forma meiga e pisquei os olhos várias vezes.
- Promete que vai ter cuidado com meu bebê? – Estreitou os olhos para mim, mas logo riu de minha cara. – Pode pegar.
- Achei que seu bebê fosse eu! Estou indignada – Neguei com a cabeça fingindo estar ofendida. – Obrigada. Você é muito gentil. – Beijei sua bochecha e peguei o violão.
Como o instrumento já estava afinado, o posicionei em meu colo e comecei a dedilhar a música que queria tocar, uma das minhas favoritas naquele momento. Heaven, de Bryan Adams. (Se você nunca ouviu essa música, recomendo que ouça agora).
O que eu mais amava naquela canção além da melodia era também a tradução. A tradução naquele momento se encaixava bastante com o que eu sentia em relação a Matt.
Querida você é tudo que eu quero
E quando você está deitada em meus braços
Quase não consigo acreditar
Que estamos no paraíso
E amor é tudo o que eu preciso
E encontrei em seu coração
Não é tão difícil de ver
Que estamos no paraíso…

A cada batida de meus dedos no violão, a letra da música saia de meus lábios de uma forma com que tudo ao meu redor estivesse parado e apenas eu, o violão e estivéssemos em movimento. Seus olhos me fitavam de um jeito que eu me sentia muito bem. Viva. Amada. E essa era a melhor sensação que eu poderia sentir na vida.
Oh - uma vez na vida você encontra alguém
que vira a sua vida de ponta cabeça
que te anima quando você está mal
Agora nada poderia mudar o que você significa pra mim
Há muita coisa a dizer
Mas apenas me abrace agora
Pois nosso amor irá iluminar o caminho

Eu estava com vergonha, não vou negar. Um frio tomava conta de minha barriga e o medo de desafinar era grande, mas seguia firme na missão de não falhar com aquilo. Uma das minhas maiores vergonhas era cantar para alguém. O medo tomava conta de mim cada vez que uma pessoa pedia para que eu cantasse, mas eu sempre congelava. Porém com ele não. Não vou negar que às vezes a vergonha batia, mas sempre acaba comigo cantando alguma música mesmo que fosse boba para ele.
Ao terminar de cantar a música e querendo enfiar minha cabeça em algum lugar, fui surpreendida com um beijo inesperado em meus lábios.
- Por favor. Canta mais vezes pra mim. Sua voz é linda. Você é linda. – Sussurrou com sua testa colada na minha.
- Só se você prometer cantar para mim também. – Sorri de forma boba e acariciei seu rosto.
- Na próxima vez vamos fazer um dueto juntos e não aceito um ’’não’’ como resposta.
- Sim senhor. – Bati uma continência para ele e rimos.
A parte boa de estar com Matt era que todo aquele relacionamento que nós construímos me fazia muito bem, mas em alguns momentos também me fazia muito mal. Havia uma coisa dentro de mim que me impediam de acreditar que um dia eu seria suficiente para que alguém gostasse de mim: a insegurança.
Um parte em minha cabeça dizia que eu estava certa em ter dado uma chance pra que novamente me permitir gostar de alguém, mas por outro lado havia uma parte que também dizia que eu nunca seria o suficiente para ele e que ele acharia uma pessoa muito melhor do que eu nessa vida. E foi o que aconteceu.
Por algum tempo, minha amiga Beatrice dizia que ele estava tendo caso com outra garota. Mas eu me recusava a achar aquilo. Ele dizia que me amava. Dizia também que eu o fazia feliz. Nós estávamos felizes. Eu estava feliz. Ou estava sendo apenas ilusão da minha cabeça?
Eu pirei. Chorei como se não houvesse amanhã. Sentava em frente ao computador, abria seu perfil e desabava a chorar. O medo de não ser o suficiente voltou com toda vontade e força, fazendo com que eu fraquejasse e não conseguisse mais me reerguer.
Eu fugi. Deletei meu perfil quando queria mesmo era deletar minha prórpia vida, se fosse possível. Queria me tirar de minha vida. Não queria mais nenhum contato. Essa era a maneira que eu tinha de encarar todos os meus problemas. Me afastar. Mas o lado idiota falou mais alto.
Em um dia numa noite qualquer, resolvi que eu deveria me abrir com uma pessoa. Eu não sabia que essa pessoa poderia ter o poder de me destruir com apenas algumas palavras. Fui tola.


Enquanto eu andava pelas ruas procurando por algum presente para dar de aniversário para minha prima, decidi que iria tomar um sorvete. Como de costume, pedi uma casquinha com uma bola de chocolate e outra de morango para que comesse enquanto andava em busca de algo para comprar, porém uma imagem me chamou a atenção. Era . Mas ele não estava sozinho. Estava com uma garota que eu também conhecia. Deborah. Ele havia nos apresentado uma vez e os dois eram bem próximos. Mas mesmo que eu gostasse dele, parecia que ele já havia esquecido de mim.
Mensagem Deborah: ... Tudo bem com você? Você ta distante da gente. Aconteceu alguma coisa?
Mensagem : Tudo bem não, mas com o tempo eu fico, relaxa.
Mensagem Deborah: Tem certeza disso? Não quer conversar?
Mensagem : Tenho. É só que... Eu gosto do . De verdade. E eu sei que no fundo eu nunca vou ser o suficiente pra que ele me ame de volta da forma como eu amo ele. Eu sei que ele nunca vai gostar de mim. Enfim...
Mensagem Deborah: Ah... Meu Deus. Desculpa. Eu... Nós estamos juntos. Se eu soubesse que você gostava dele eu nunca iria ter ficado com ele. Desculpa. De verdade.
Mensagem : Não tem problema. Felicidades a vocês dois.

Era como se eu tivesse levado um soco no estômago. Por alguns minutos fiquei parada encarando a tela do celular e respirando fundo para que não chorasse. Eu não estava sozinha. Meus pais estavam comigo e a última coisa que eu queria era que alguém me visse chorando.
Eu aguentei. Fui forte. Mas no momento em que fechei a porta de meu quarto, apaguei a luz e me deitei em baixo das cobertas, as lágrimas vieram como uma avalanche. Minhas mãos abraçavam o travesseiro com força e os soluços saiam livremente de minha boca. Eu estava parecendo uma criança. Não conseguia parar de chorar e em meus pulmões faltavam ar para que eu tentasse respirar. A cada tentativa de dar um fim no choro era uma falha. Cada lágrima que rolava pelo meu rosto era de decepção. Desgosto. Idiotice. Dor. Sofrimento. Tudo isso e muito mais era um misto do que eu estava sentindo naquele momento.
Durante bastante tempo o sentimento de vazio tomou conta de mim. Eu estava sozinha. Sempre fui acostumada a estar sozinha, mas naquele momento era diferente. Eu não sentia mais vontade de fazer nada. De viver. Em meio a tantas coisas se passando por minha cabeça eu tive a certeza de que uma era minha única salvação.
Procurei em todas as gavetas de casa um estilete e ao encontrá-lo um pouco da tensão havia sumido de meu corpo. Era aquilo que eu queria. Era o que eu precisava de fato.
Porta trancada.
Chuveiro ligado.
Era o momento perfeito.
Sentada no chão do banheiro com a água escorrendo pelo meu corpo e com o estilete em mãos, nãoo havia nada que pudesse me fazer voltar atrás.
De forma forte mas nem tanto, alguns cortes foram sendo feitos em meu braço com a lâmina. Eles ardiam com o impacto da água sobre eles, mas eu gostava. Aos poucos alguns cortes se tornaram fundos e as gotas de sangue no chão começaram a se formar. A água misturada com o sangue no chão só fazia eu me lembrar de como minha vida teve seu ápice e em tão pouco tempo foi direto ao fracasso.
...she begs to be loved
But nothing here is as it seems…

Faixas e blusas de mangas compridas cobriam meus pulsos recém-cortados. Eu não devia satisfações a ninguém. Ninguém tinha que saber de nada do que acontecia em minha vida. Eu havia me afastado de tudo e de todos e aquilo por um lado me fez bem. A partir daquele momento todo meu tempo foi tomado com coisas que me faziam bem. Música, comida, filmes, séries... Tudo aquilo foi uma válvula de escape para que nada de ruim acontecesse novamente. Em certos momentos as recaídas vinham à tona, mas eu estava tendo tudo sob controle. Havia uma pessoa pela qual valia a pena eu lutar. Eu mesma.

...

Tudo bem, às vezes o destino parece pregar peças em você ou até mesmo te ajudar com algumas coisas. Com tudo o que havia acontecido em minha vida depois de tanta decepção, acho que no fundo havia algo dentro de mim querendo que eu seguisse em frente. Depois de viver escondida por alguém que não soube me dar o devido valor, eu tive a certeza de que havia chegado a minha hora. A hora de me reerguer e mostrar como eu estava mudada.
Havia um garoto no qual eu estava afim. Seu nome era . Eu pensei bastante se deveria ou não me relacionar com ele. Eu ainda não havia esquecido e ele também não havia esquecido sua ex-namorada, mas isso não nos impediu de ficarmos juntos.
Há algum tempo, primeiro eu estaria completamente tímida para começar alguma relação com alguém, mas dessa vez eu estava mais solta do que nunca e eu sentia qu podia fazer de tudo com ele. Badboys nunca foram o meu forte, mas algo nele me chamava a atenção. Talvez fosse sua voz, ou sei jeito de brincar comigo.
Nós nos conhecemos na faculdade. Ele fazia um curso diferente do meu e mesmo assim tínhamos alguns amigos em comum. A primeira vez que nos falamos era como se nossa amizade já existisse a muito anos, mas só agora fomos perceber aquilo. A maneira como nos entendíamos era completamente engraçada e gostosa, já que passávamos o dia todo brincando e em alguns momentos o carinho entrava no meio sem perceber.
A única coisa que me deixava bastante aflita era o número de brigas em que ele se metia. Tudo bem, ninguém é de ferro, certo? Mas ele sempre teve o pavio curto e mesmo que não tivéssemos nada sério, meu coração apertava quando percebia que ele faltava bastante às aulas. Alguma coisa havia acontecido.
Assim como havia planejado o dia todo, quando o toque de saída soou, fui da faculdade direto para a casa do . Não conseguia tirar de minha cabeça o fato de que ele estava faltando muito às aulas e já fazia quase uma semana esse seu sumiço. Meus passos apressados foram notados por todos que estavam pelas ruas que levavam até a sua casa, fazendo alguns rirem de meu mau jeito para andar rápido e outros se preocuparem com o porquê da correria. A casa de não parecia ser tão longe da faculdade, mas agora chegar lá parecia como uma eternidade. Eu já estava cansada e boa parte do caminho ainda precisava ser caminhado. Respirei fundo e decidi dar passos mais curtos. Não é como se eu estivesse indo tirar alguém da forca. Porém, eu não fazia a minima ideia do que estava indo encontrar. Passos rápidos de novo. Depois de longos minutos exaustivos, mas satisfatórios, finalmente cheguei à porta de sua casa. Agachei-me um pouco, colocando de volta nos pulmões o ar que havia perdido, antes de tocar a campainha. Primeira vez. Nada. Segunda vez. Nada. Terceira vez. Nada. A preocupação, que já tomava conta de todos os meus músculos, duplicou, triplicou, quadruplicou… Eu não sabia exatamente o que sentia. Quarta vez. - Espera, eu já tô indo - O grito fundo fez com que eu finalmente sorrisse, tranquilizada. Assenti com a cabeça, mesmo sabendo que ele não veria e esperei ansiosamente que ele viesse abrir. demorou alguns segundos para raciocinar e perceber que eu estava parada a sua frente. A porta estava escancarada, não tinha mais como esconder o próprio corpo cheio de hematomas e arranhões. Meu olhar desceu meticulosamente pelos braços e pernas dele e por um segundo quis chorar ao vê-lo machucado. Um segundo não, talvez dois. Ou dez. Ou talvez eu tenha realmente chorado.
- O que aconteceu com você? - Minha voz saiu embargada e me abraçou com força, gemendo pela dor do impacto, quando me joguei em seus braços. - Desculpa - Sussurrei e ele sorriu.
- Calma, não foi nada demais. Já estive sentindo dores piores - Fez uma careta enjoada e espremi os lábios um no outro, me separando dele. - Entra aqui. Te explico melhor e você me ajuda a subir as escadas porque eu tô fodido mesmo - Riu fraco e assenti, entrando na casa de e deixando que ele colocasse um braço sobre meu ombro para me usar como apoio.
Subimos as escadas devagar, fazendo carinhos discretos um no outro. Minha mão acariciava sua costela e a mão dele acariciava meu ombro de uma forma sutil. Declarações de afeto discretas, que talvez nós mesmos não percebemos. Fomos até o quarto e se deitou na cama, deixando espaço para que eu me sentasse.
- Pronto, deitadinho e seguro – Sorri feito boba e ele admirou meu sorriso como se fosse uma obra de arte. E poderia ser. Uma obra de arte, um filme, uma música... Poderia ser qualquer coisa que causasse sentimento em alguém. E nele, talvez causasse milhões de sentimentos bons. - Agora trate de me dizer como você chegou nesse estado, senhor - Sua feição passou de divertida para séria em segundos e ele engoliu em seco, antes de iniciar sua explicação.
– Você se lembra da minha promessa de que não me envolveria mais em brigas enquanto estivesse saindo com você? Bom... Aquele moleque infernal da faculdade me encontrou aqui perto de casa. Começou a me insultar, querendo que eu brigasse com ele e desse um soco ou alguma coisa, mas eu deixei de lado. Eu realmente estou cumprindo o que eu disse. Mas... Ele não aceitou que eu ficasse quieto. Quis me dar uma surra pra que eu voltasse a ser ‘’O de sempre’’, mas porra! Eu continuo sendo o mesmo cara de antes, só não quero confusão. E assim cheguei nesse estado deplorável. – Apontou para si mesmo e eu quis socar o desgraçado que o deixou assim.
- Por que não me contou antes? Eu poderia ter vindo cuidar de você e... – Antes que eu pudesse terminar minha frase, fui interrompida pelo seu dedo em meus lábios.
- Não queria que você me visse nesse estado - Suspirou e mordi o lábio inferior, me derretendo numa expressão de tristeza. - Na hora que te vi na porta, pensei: "Merda, ela vai me ver todo machucado, igual um fraco". – Meus dedos tomaram as laterais do rosto dele, fazendo com que seu olhar baixo se encontrasse com o meu.
- Você não é fraco e não há momento algum em que eu não queira estar com você. Me entendeu? - Perdido nos meus olhos, ele demorou um pouco para captar minha fala, mas assim que o fez, assentiu com a cabeça e levou uma de suas mãos para minha cintura. - Você vem fazendo curativos nisso? Tomou algum analgésico para dor?
- Não e não - Respondeu e fechou os olhos, já esperando minhas reclamações.
- Além de me excluir dessa situação, você ainda não se cuida? , assim que você ficar bom, eu vou te bater de novo – Rosnei, brava e ele riu. - Não ri de mim que eu tô falando sério - Assim que abriu os olhos, viu o bico que fiz em forma de protesto e provavelmente lutou muito para resistir a vontade de morde-lo. (Não que eu não quisesse isso…) - Eu sou muito perigosa – Estreitei os olhos, fazendo uma expressão assustadora e ele riu mais, se contorcendo.
- Ai - Murmurou, sentindo dor por conta das contorções.
- Castigo por rir de mim - Ri e fez questão de mostrar o dedo do meio. - Onde tem remédios aqui, ein? Vou te fazer uns curativos. - Levantei-me da cama e ele deixou com que seu olhar escorregasse pelo meu corpo sem pudor algum. Ele me desejava e eu também o desejava. Aquilo já era rotina para nós dois.
- Alô?? Terra chamando – Balancei minha mão no ar para chamar sua atenção, segurando o riso.
- Estão ali, naquela caixa - Apontou para um canto do quarto e me observou com atenção durante toda sua caminhada. Quando me inclinei para pegar a caixa, pude ter certeza de que seu olhar estava em minha bunda e que pensamentos sujos tomaram conta de sua mente.
- Prontinho – Levantei-me, peguei um comprimido em minha bolsa e voltei a sentar ao seu lado - Toma isso aqui, é remédio pra dor – pegou o comprimido e um copo de água que tinha na cabeceira da cama. - Agora me mostra todos os lugares que estão machucados – O garoto se sentou e tirou a camiseta, revelando machucados nas costelas, mas não foi nisso que prestei atenção.
O corpo dele, que sempre me foi tão atraente, agora parcialmente descoberto havia me deixado um pouco desconcentrada. O abdômen dele era dividido, mas não exageradamente, era levemente, o suficiente para deixa-lo ainda mais sexy do que já era. Iniciei então os curativos. Em cada parte que limpava, passava uma pomada e enfaixava, às vezes deixava minhas mãos escorregarem envolta dos ferimentos, assim acariciando seu corpo. Acariciei devagar seus músculos e suas coxas, ainda não havia feito nada nas costelas machucadas... Tudo muito discretamente. Por mais casual que eu estava tentado parecer, havia percebido todas as minhas intenções e me olhava transmitindo tudo que passava em sua mente. Toda a vontade que ele também tinha sobre mim e como ele queria estar com as mãos em meu corpo também. Ao perceber seu olhar fixado em mim, junto com um sorriso torto que era bastante charmoso, novamente senti minhas bochechas quentes. Abaixei o rosto, me esticando um pouco para alcançar as costelas dele e inicie o curativo ali. Meus cabelos caíam em seu peito enquanto higienizava o local e ele não se conteve em começar a mexer ali nas mechas de cabelo espalhadas. Progressivamente, foi entrelaçando seus dedos em meus cabelos de forma lenta. Enrolava mechas nos dedos e apertava várias porções com delicadeza, até que sua mão chegou à minha pele. Ele tomou toda minha nuca com a palma, pressionando os dedos ali enquanto eu terminava seu curativo aos suspiros. Levantei a cabeça, buscando desesperadamente olhar em seus olhos, já sentindo meus lábios formigarem na ânsia de se chocarem aos dele e assim que vi a boca rosada de entreaberta, buscando ar, ele me puxou pela nuca para cima, fazendo com que eu tivesse que me sentar em seu colo para acompanhá-lo. O meu coração palpitava como nunca havia feito antes e nossas bocas estavam a milímetros de distância. O segundo antes do beijo sempre causa as mesmas coisas: senti como se o mundo estivesse parado e como se só existisse eu e ele. Não havia som além das nossas respirações misturadas, não havia imagem capaz de ser visualizada além de nossos olhos cheios de desejos, não havia mais ninguém ali além de nós mesmos.
Nós nos beijamos. Seus lábios eram macios, quentes e grandes. Nosso beijo havia tomado um rumo calmo, lento e revigorante. Seus dedos, que estavam entrelaçados em meus cabelos, os puxavam de maneira suave, fazendo com que alguns suspiros em certos momentos escapassem de minha boca.
Nossas línguas brincavam e se entrelaçavam em perfeita sincronia e o fôlego que tínhamos já havia ido embora há muito tempo. Eu não queria estender muito o beijo, pois sabia que ele estava machucado, mas ele não deixava. Nosso beijo continuava cada vez mais intenso, até que o mesmo foi finalizado. Mordi seu lábio inferior e o puxei para mim, sorrindo e acariciando seu rosto.
- O engraçado de tudo é que mesmo você todo machucado ainda continua lindo. Se fosse comigo… Eu iria estar parecendo um monstro. – Neguei com a cabeça e me deitei ao seu lado.
- Vou te contar um segredo, mas não fala pra ninguém, ok? – Ele segurou em meu rosto e sussurrou em meu ouvido – Eu sou um monstro também, mas um monstro bem lindo. – Piscou assim que e afastou de mim e me fez gargalhar como nunca.


Nossa relação era boa. Daríamos bastante certo se resolvêssemos levar nosso relacionamento à diante, mas depois de um tempo, percebemos que nem eu e nem ele estávamos prontos para um relacionamento. O que tínhamos estava mais para uma amizade colorida do que para algo sério e decidimos que dessa vez, ninguém sairia magoando ninguém.
Demorou um pouco para que eu enfim percebesse que não precisava de outra pessoa para me tornar feliz. Apenas precisava de mim mesma. Com os cortes já cicatrizados e marcados em minha pele, tive a certeza de que em algumas vezes não podemos confiar tanto nas pessoas como queremos.
Era amor próprio que faltava dentro de mim. Gostar do que se era visto no espelho, dar valor as qualidades mesmo que achasse que elas eram mínimas, admirar a personalidade forte que tinha dentro de mim eram coisas que deveriam ter sido feitas há muito tempo. Disseram-me uma vez: Não confie na lua, ela está sempre mudando. Era minha hora de mudar. Era a hora de acordar para o mundo e perceber que não valia a pena me lamentar por alguém que não soube aproveitar completamente tudo o que eu tinha a oferecer. Estava na hora de mostrar a mulher que eu era. Forte. Decidida. Linda. Maravilhosa e que na precisa de nenhum homem para ser feliz.
Às vezes a vida precisa nos dar um soco bem dado no rosto para que possamos acordar e ver o que nos espera pela frente. Eu era o sol que precisava voltar a brilhar. O sol que precisava voltar à ativa e iluminar a vida de cada pessoa por perto. Ou cada pessoa que um dia poderia ter o mesmo pensamento que tive um dia na vida.
Eu precisava ser forte. Não somente para mim, mas para que futuramente eu pudesse mudar a vida de alguém para melhor.
Algum tempo se passou depois de tudo o que havia acontecido e minha vida não podia estar melhor. Me sentia uma pessoa radiante todos os dias. Minha autoestima estava mais viva do que nunca e minha insegurança havia sumido.
Eu havia me tornado uma mulher e tanto.
E estava orgulhosa daquilo.


As luzes, o som alto da boate HFK e as pessoas ali dançando no momento era o que mais me agradava. No bar, sentada em uma das cadeiras e me deliciando com uma garrafa de cerveja, tive certeza de que minha vida estava mudada. Em toda minha vida eu nunca tive a coragem e nem a vontade de sair e viver uma experiência daquele jeito, mas há alguns meses aquilo já estava virando rotina. Alguns beijos ali, cantadas de cá... Mas o que me interessava mesmo era observar todos e desfrutar de minha própria companhia até um homem aparecer.
Seu semblante estava meio abatido então decidi que talvez eu pudesse ajudá-lo.
- Hey, amigo… - O cutuquei quando ele virou um copo de bebida de uma só vez – Tudo bem com você?
- Bem? O dia está péssimo. – Resmungou e suspirou passando as mãos pelos cabelos. – Sabe quando você percebe que nada na sua vida vai dar certo? Que talvez você nunca seja o suficiente para alguém, que você vai morrer sozinho? Bom, bem vindo a minha vida. – Balançou a mão no ar e pediu o garçom mais uma bebida.
Acenei para o garçom dizendo que não precisava da bebida e me sentei ao seu lado, o encarando. – Olha, eu sei muito bem o que é sentir isso e sei como é difícil, mas se encher de bebida não é a solução. Aliás, só vai fazer com que você piore. – Segurei em sua mão e olhei sua roupa completamente arrumada – Você estava em um casamento?
- Estava. Era o meu casamento. O meu – Apontou para si – Mas minha noiva não compareceu. Eu passei vergonha na frente de todos dos meus amigos e familiares e não sei o que fazer com isso. Eu… Eu amava ela demais. – Suspirou e deitou a cabeça no balcão do bar – Eu não sei mais o que faço dessa vida. Eu não sirvo nem pra fazer alguém feliz. – Suspirou desiludido.
- Primeiro – O puxei para que voltasse a se sentar e o virei de frente para mim – Nunca mais diga que você não serve pra nada. – Apontei para ele – Você não é o errado da história, acredite em mim. – Segurei em seu ombro de uma maneira reconfortante. – Nem tudo em nossas vidas vai ser um mar de rosas, vai por mim. Já ouviu falar sobre aquele ditado? ‘’Primeiro a tempestade e depois a bonança’’. É essa a ordem. – Sorri de forma carinhosa. – Às vezes nós imploramos para sermos amados, mas a única pessoa com quem não falamos isso é a mesma que sempre vai te acompanhar onde quer que você vá – Apontei novamente para ele.
- Quem? – Arqueou uma sobrancelha meio confuso com meu discurso.
- Você mesmo. – Sorri mostrando todos os dentes – A chave para que tudo se acerte não é você desistir de sua vida achando que não é o suficiente para alguém, e sim você começar a trabalhar seu amor próprio. Eu tenho certeza que você é uma pessoa muito inteligente, divertida, bacana e além de ser lindo, não deveria ter motivos para se sentir assim diante dos outros. Seja o sol. Mostre pra todos o seu brilho. – Acariciei seu ombro de forma suave – Não se esconda debaixo dessa insegurança. Você tem um potencial enorme pra ser feliz. Não deixe que uma pessoa te coloque lá em baixo e te faça viver menos. Viva! Faça o que você quiser. Você ainda tem muito o que viver e muito o que aprender.
Os olhos do homem a minha frente estavam vidrados em tudo o que eu dizia e eu tive a certeza de que ele havia me entendido.
- Você… Está certa! – Ele sorriu e segurou minhas mãos com força – Como eu posso te agradecer?
- Apenas seja feliz. É tudo o que eu desejo. – Pisquei para ele antes de me levantar e beijar sua bochecha. – Lembre-se desse nosso diálogo e viva sua vida como se não houvesse amanhã. Às vezes nós caímos, mas sempre temos que levantar e continuar nossa missão. – Murmurei e apertei suas mãos. – Se cuide. – Sai andando para fora da boate, satisfeita por ter ensinado a alguém tudo o que havia aprendido e vivenciado.


Fim!



Nota da autora: Sem nota.



Nota da beta: Oi! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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