Capítulo Único
Luke não estava tendo a melhor das experiências em seu novo emprego.
Claro que, junto do gordíssimo cheque no final do mês, ser o assistente pessoal de uma celebridade vinha com certas vantagens. Ele agora estava sempre presente nas mais prestigiadas cerimônias, nas mais badaladas festas e conhecia as mais fenomenais e talentosas pessoas. Tudo só para ficar de olho em Dakota Yates, o anjinho de Hollywood.
Prodígio da atuação; famosa desde que estrelou o seu primeiro comercial de fraldas aos quatro meses de idade; queridinha da mídia; dona de uma educação e gentileza absurdas; embaixadora da paz na ONU. Dakota Yates, que apesar da aparência angelical e comportada, era na verdade o demônio encarnado em um ser humano.
Bem que o conhecimento popular já havia estabelecido que quando a esmola é boa demais até o santo desconfia. Luke quase podia visualizar o universo apontando o dedo e rindo da sua desgraça. Suas expectativas de uma vida tranquila não poderiam estar mais equivocadas.
Dakota escapava de suas vistas mais vezes do que ele imaginava ser humanamente possível. E quando tornava a aparecer, nunca estava sozinha ou sóbria – o que era um enorme problema nos Estados Unidos, já que ela ainda não havia completado vinte e um anos. Organizava festas em suítes de hotéis que não a pertenciam e surrupiava garrafas de bebida – e rapazes – para as que estavam em seu nome. Ela também nunca atendia o próprio celular e só não faltava a todos os compromissos porque alguém – Luke, no caso – estava sempre em seu pé para arrastá-la até eles.
Ela era também insuportavelmente difícil de acordar antes das oito horas da manhã. Em um dos dias que perdera a paciência, Luke chegou a atirá-la por sobre seus ombros e carregá-la escada abaixo, enquanto ela esperneava. Apesar de deplorável, o gesto dera resultado e Dakota agora só precisava ser chamada seis vezes – a última delas em um tom de voz mais irritadiço e elevado – antes de finalmente sair da cama.
Descobrir que, por trás do título, sua nova ocupação consistia em bancar a babá de luxo fora um golpe e tanto no ego do rapaz. Luke só persistia pelos novos contatos que adquiria todos os dias, já que esses, sim, seriam úteis em algum momento futuro.
Entretanto, caso fosse completamente honesto, o rapaz teria de admitir que não estava de fato surpreso pela imagem da mídia não corresponder à real personalidade de Dakota. O que o surpreendia mesmo era o fato de que nenhum desses escândalos jamais chegava à mídia. A equipe por trás da carreira dela não parava de trabalhar por um minuto sequer.
“Liguei para o hotel e me disseram que vocês ainda não chegaram. Aconteceu alguma coisa?”
Ao terminar de ler a mensagem, algo pareceu comprimir-se no peito de Luke, impedindo-o de respirar direito. Uma coisa era reclamar de seu emprego, outra completamente diferente era cogitar a possibilidade de perdê-lo.
“Fizemos uma pausa para comer.”
Distorcendo um pouquinho os fatos, afinal não era uma total mentira. Dakota deveria mesmo estar ingerindo algo em meio à algazarra presente na república universitária.
“Espero que a Dakota não esteja saindo da dieta. Ela tem uma sessão de fotos importante amanhã.”
Como não podia afirmar nada, Luke se limitou a enviar um “não se preocupe, está tudo sob controle.” à sua chefe.
Obviamente a última coisa que ele tinha naquele momento era controle. Mas admitir aquilo não faria bem a ninguém.
Ele sentia uma vontade cada vez maior de gritar em frustração, mas suprimiu o impulso. Uma vez que a calma fosse perdida, Luke sabia que sua sanidade mental não demoraria a seguir pelo mesmo caminho.
Alguém tropeçou ao seu lado e uma enorme mancha de bebida azul foi deixada em sua camiseta. Ele conteve o xingamento ao notar o estrago e afastou-se, tentando com afinco avistar a cabeleira característica de Dakota.
Céus, ela havia dito que ia buscar um livro na casa de uma amiga, mas não que o faria em meio a uma festa de fraternidade repleta de universitários chapados. Luke deveria ter suspeitado quando Dakota pediu que aguardasse no carro, ele nunca nem havia visto a garota lendo algo com mais de vinte páginas.
Pensando bem, talvez Luke de fato merecesse perder o emprego.
– Macaco bebe. – Uma moça de cabelos cor de rosa gritou de repente, assustando-o.
– Macaco não bebe! – Um rapaz ao lado dela respondeu no mesmo tom empolgado. – Cobra bebe!
– Dakota. – Chamou ao encontrá-la em meio a um aglomerado de jovens embriagados. Dakota pareceu perder a concentração e as demais pessoas ao seu redor comemoraram, jogando os braços para cima e gargalhando. Ignorando sua menoridade, a atriz entornou um shot amarelado, chupou um limão e fez uma careta ao engolir.
– Luke! – Dakota gritou ao reconhecê-lo e se aproximou tanto que o rapaz pôde sentir o cheiro de álcool em seu hálito. Ela jogou os braços em torno de seu pescoço em um comprimento animado. – Você demorou, estava começando a achar que não viria atrás de mim.
Ele forçou um sorriso, mas tudo em sua expressão denunciava que seu humor no momento não era um dos melhores.
– O que você pensa que está fazendo? – Questionou, desvencilhando-se do aperto. Aquele tipo de proximidade não era nem um pouco profissional. Ou saudável.
– Aproveitando a festa, oras! – Dakota apoiou uma mão na cintura e respondeu o que a aparentava ser bastante óbvio. – Sabia que eu sou a convidada de honra? – Perguntou com entusiasmo e puxou para si uma bandeja repleta de outras doses do que parecia ser tequila. – E é obrigação de todos os convidados virar um shot em minha homenagem.
Ela entregou a Luke um copinho que ele prontamente recusou. Estava prestes a iniciar um de seus característicos discursos sobre responsabilidade quando foram interrompidos.
– Ei, Dakota! – Chamou um rapaz de olhos e cabelos escuros, presos em um coque samurai. Luke apostaria num possível vegetarianismo também, dado o seu look alternativo, composto de um shorts cáqui e camiseta de estampa havaiana. – Não vai compartilhar o gato com a gente?
Dakota riu e entrelaçou uma das mãos na de Luke com certa possessividade.
– Mas é claro! – Exclamou, puxando-o para aproximá-lo do grupo. – Luke, esse é o pessoal. Pessoal, esse é o Luke, meu acompanhante.
Quatro anos para se formar em relações públicas como o primeiro de sua turma, outros dois para conseguir um primeiro emprego decente e três outros para ser contratado em uma das melhores agências do estado. Tudo isso para ter sua carreira e esforços reduzidos a acompanhante. Por Vader, aquilo era deprimente.
– Assistente pessoal. – Luke corrigiu ao notar a quantidade de olhos que se arregalaram com as palavras da atriz.
– Mas poderia ser muito mais. – Dakota acrescentou e piscou para ele em seguida, dando margem a uma série de gritinhos empolgados por parte da plateia que os assistia.
Luke separou suas mãos e apertou as têmporas, respirando fundo.
– O que você está fazendo? – Indagou outra vez e ela lhe lançou um olhar dotado de segundas intenções.
– Flertando com você, docinho. – Dakota correu as pontas dos dedos pelo queixo dele e mordeu o lábio inferior antes de continuar. – Sendo bonitinho assim, deveria estar acostumado.
Aquela era a última coisa que queria no momento, mas Luke sentiu o calor espalhar-se por suas bochechas. O rapaz costumava perder o fôlego quando Dakota se aproximava demais ou o fitava daquele jeito intenso, causando-o uma sensação de hipnose e tornando impossível a tarefa de não retribuir.
Era demasiado inconveniente que existisse uma cláusula em seu contrato estabelecendo que qualquer envolvimento romântico com Dakota acarretaria em sua demissão imediata. A garota parecia não medir esforços para fazê-lo se render a seus encantos.
Não que ele não gostasse e correspondesse internamente. Mas, acabava tornando-se demasiado inconveniente quando não podia tomar uma atitude plausível a respeito.
– Estou falando disso. – Luke esclareceu, apontando para a situação caótica ao redor deles. A música eletrônica ressoava tão alto que ele precisou aproximar-se dela para ser ouvido.
– Isso? – Dakota indagou com curiosidade. – Estamos jogando “bicho bebe”. – Luke conhecia bem a brincadeira. Cada participante adotava um animal para representá-lo e então todos se revezavam para escolher alguém para beber, enquanto a pessoa escolhida precisava pensar rápido para passar a bola para qualquer outra pessoa que não ela mesma. Era o tipo de jogo que sempre acabava com a maioria dos integrantes embriagados, já que quanto mais bebiam, maior era a probabilidade de errar e, assim, ter de continuar bebendo. – Quer participar?
– Não.
– Vamos, docinho. – Ela pediu e piscou os longos cílios enquanto corria uma das mãos por sobre seu peito descuidadamente. – Eu sou a cobra, mas posso trocar com você. Isso se você tiver certeza de que sabe usá-la melhor do que eu, é claro.
Luke pretendia bufar entediado, mas acabou corando outra vez. Afastou a mão dela, obrigando-se a pensar racionalmente.
– Dakota, nós precisamos ir embora. – Tornou a dizer, agora com certa urgência em suas palavras. O celular voltara a vibrar em seu bolso.
A garota soltou o ar com irritação palpável e cruzou os braços, deixando de lado a postura amigável.
– Não seja estraga prazeres, Luke. Nós acabamos de chegar.
– Em primeiro lugar, nós nem deveríamos ter vindo.
– Em primeiro lugar, nós nem deveríamos ter vindo. – Dakota mimetizou irônica e tomou para si mais um shot que alguém lhe estendera. – Você precisa pensar menos e viver mais.
– E você precisa começar a pensar mais.
– Mas, meu amor, se eu fizer mesmo isso, o que será do seu emprego? – Perguntou com uma feição divertida e Luke sentiu-se compelido a admitir que aquele era um bom ponto.
Dakota pegou outro shot da bandeja e entornou o conteúdo de uma só vez, embora o jogo da bebida prosseguisse sem ela já há algum tempo. Luke suspirou e fechou os olhos com força pensando no que fazer, enquanto ela fazia a característica careta pós-tequila.
Não imaginava que arremessá-la por sobre os ombros outra vez e carregá-la para fora a força fosse uma opção plausível, não quando estavam em um ambiente recheado de jovens viciados em redes sociais – ele também não fazia ideia de como a equipe faria para conter essa notícia, mas como preocupar-se com isso não era parte de suas tarefas, deu de ombros. Ao abrir os olhos, instantes depois, deparou-se com os orbes de Dakota fitando-o perto demais.
– Você tem uma hora. – Disse por fim, a voz não passando de um sussurro em meio à música. Então aumentou o tom. – Mas só se você não me der trabalho para acordar amanhã.
Dakota sorriu. Um sorriso de trinta e dois dentes estonteantemente brancos, capaz de fazer dentistas chorarem de emoção.
– Feito.
– Estou falando sério.
– Eu sei. – Respondeu, satisfeita, e aproximou-se o suficiente para beijá-lo em uma das bochechas. Um arrepio percorreu toda a extensão da coluna de Luke. – Obrigada.
*~*
Dakota tentou despistar o assistente menos de vinte minutos depois, argumentando que precisava fazer uma visita ao banheiro – cortesia do álcool e seus efeitos antidiuréticos. Com mais inocência do que deveria, Luke levou suas palavras a sério e só percebeu que havia sido enganado um quarto de hora depois, quando ela não tornou a aparecer para mais rodadas de bicho-bebe.
Ele deveria ter considerado essa possibilidade, é claro. Apesar de já estar familiarizado com os hábitos rebeldes da atriz nesse ponto da convivência, algum motivo oculto tinha de estar por trás da insistência de Dakota para que permanecessem na festa. Talvez ela pretendesse se encontrar com algum colóquio amoroso, embora Luke estivesse vagamente ciente de um contrato de relacionamento falso com um DJ qualquer.
Fora a melhor desculpa que a equipe de gerência havia conseguido encontrar para as frequentes aparições de Dakota nos clubes noturnos da cidade. O machismo incrustado na mídia e público em geral era tamanho que, para eles, um namoro chocava menos do que o fato de uma mulher, jovem e solteira, poder estar curtindo a noite por aí. De forma semelhante, o outro lado do contrato não reclamara da publicidade ganha uma vez que se vinculava à imagem da atriz.
Ah, se todos soubessem o que costumava acontecer por trás dos holofotes...
Foi preciso rodar a fraternidade inteira até que Luke finalmente conseguisse encontrar Dakota. Ela estava naquele que lhe parecera o mais improvável dos lugares: no jardim, deitada sobre a grama e tão imóvel que o rapaz chegou a suspeitar que tivesse entrado em coma alcoólico.
Luke aproximou-se devagar, pronto para verbalizar alguma frase espertinha como “xixi demorado o seu”, quando notou que ela observava as estrelas. Em um tom de voz baixo, quase inaudível, Dakota nomeava as constelações sem pressa, vez ou outra enrolando as pontas dos dedos na grama.
Por mais bela e intrigante que fosse a cena, ele se pegou afastando o olhar. Fora tomado pela sensação de que estava invadindo um momento de extrema privacidade e, por isso, recuou alguns passos. Acabou optando por aguardar em uma espreguiçadeira ao lado da piscina, onde poderia manter o controle da situação sem interromper o que quer que Dakota estivesse fazendo.
Menos de uma hora depois, foi a própria atriz quem o procurou, perguntando se podiam ir embora. Não havia sinal de embriaguez em sua voz – o que era uma surpresa e tanto, considerando a quantidade de shots que ela havia tomado mais cedo – e parecia mais relaxada do que Luke jamais a vira.
– Eu vou avisar a Bella e chamar um Uber. – Ele assentiu ao pedido e tirou o celular do bolso. Havia ignorado as ligações de sua chefe desde o início da festa, e as mensagens dela agora acumulavam-se em sua caixa postal.
Dakota segurou sua mão para impedi-lo. O nervosismo no gesto não passou despercebido a Luke.
– É mesmo necessário? – Ela questionou e, ao notar que deixara transparecer mais do que deveria, fez o possível para adotar uma postura mais indiferente. Aquela foi a primeira vez que Luke percebeu que havia nela uma áurea de cansaço que, de tão permanente, costumava lhe passar despercebida. – Quero dizer, o hotel fica a o que… Três quadras da saída do campus? Para que desperdiçar dinheiro com isso?
Luke franziu o cenho na desconfiança típica de quem sabe mais do que se atreve a contar.
– Você quer andar? – Ele rebateu com ceticismo.
Dakota costumava odiar as sessões diárias de musculação com o personal trainer, de modo que era preciso quase carregá-la à força para que comparecesse à academia. Não parecia certo que fosse justamente ela a sugerir um exercício físico desnecessário.
– Sim. Qual o problema nisso?
Luke ergueu uma mão a fim de enumerar os argumentos.
– Um: é quase uma da manhã. Dois: você está sem o segurança. Três: vai começar a chover a qualquer momento.
– Não vai, o céu está limpo. – Dakota rebateu. – E se chover, repito: qual o problema? Eu não sou feita de calcário, não vou ser corroída pela chuva ácida de Los Angeles. – Luke sabia que ela havia sido educada em casa, sem nunca ter frequentado um colégio comum, mas não esperava que a atriz tivesse mesmo prestado atenção no que lhe fora ensinado. Aquele tipo de contra-argumento científico não combinava nem um pouco com a sua persona. – E quanto ao segurança… Eu não conto para Bellatrix se você não contar.
Dakota piscou com um olho só, tal como uma criança travessa que compartilha um segredo, e Luke riu, sem saber o que dizer. Perder a linha de raciocínio vinha tornando-se uma constante em suas últimas interações com a garota. Entretanto, a falta de palavras agora estava associada às recentes descobertas sobre ela, não às suas investidas descaradas.
– Só porque estamos mesmo perto do hotel. – Cedeu pela segunda vez naquela noite.
Dakota sorriu em um agradecimento genuíno e Luke tornou a guardar o celular no bolso da calça. Colocou-se ao lado dela e, sem pressa, atravessaram o jardim em direção à saída, vez ou outra tendo de contornar um jovem desmaiado sobre o gramado.
Só deixaram de ouvir a música eletrônica quando atingiram o final do quarteirão.
– Já passou da meia-noite – Luke comentou logo que saíram do campus, passando às ruas de Los Angeles. Dakota arqueou uma sobrancelha sem entender sobre o que raios ele estava falando. – É quase seu aniversário, não?
– Ah. – Dakota exclamou, desanimada, e algo pareceu se alterar em sua postura. – Sim, é amanhã.
– Você não parece empolgada. – Luke verbalizou o estranhamento. Imaginava que a atriz fosse estar radiante por finalmente atingir a maioridade, não que o encarasse com tamanho descaso. – Quais os planos para o grande dia?
– Vou ficar em casa com os meus gatos. – Ela riu fraco e o rapaz a acompanhou, visualizando a felicidade dos três felinos por terem a companhia da dona por um dia inteiro. – Sozinha. – Acrescentou, como se aquele fosse um fato relevante. – A não ser que você queira mudar isso.
Dakota estava apenas brincando, mas a insinuação fez com que o corpo de Luke, ao seu lado, retesasse-se. Ele abriu e fechou a boca várias vezes antes de por fim se render e perguntar.
– Por que você sempre faz isso?
Ela franziu o cenho e parou de andar, obrigando-o a cessar o movimento também.
– Por que eu sempre faço o quê?
– Insinua-se para mim desse jeito. – Luke ergueu os braços, tentando encontrar a melhor maneira de se expressar. – Você sabe que eu sou um funcionário e não vou corresponder às suas investidas. Então por que se dá ao trabalho?
Dakota deu de ombros, cruzando os braços em seguida.
– Por que você reprime noventa por cento do que pensa? Algumas coisas apenas fazem parte de quem somos.
Luke não se deu por vencido e fitou-a com seriedade no olhar.
– Eu não digo tudo o que penso para evitar conflitos desnecessários, é diferente.
– Para evitar conflitos ou as consequências deles? – Dakota indagou, e se não fosse a postura defensiva, ele talvez tivesse rido por concordar com ambas as opções propostas. – Sabe o que isso diz sobre você?
Mesmo receando as palavras que poderiam vir a seguir, ele negou.
– Por favor, Freud, ilumine-me com o seu conhecimento.
– Que te falta coragem.
Luke, sendo disfarçadamente chamado de covarde, não aceitou a acusação muito bem. Calor espalhou-se pelas suas bochechas e ele abriu e fechou a boca várias vezes antes de por fim conseguir dizer:
– Não querer perder o emprego não tem nada a ver com covardia. É puro bom senso.
– Chame como quiser, no fundo, nós dois sabemos que isso é só o que você diz a si mesmo para conseguir dormir à noite.
– Sabe, Dakota. – Começou a dizer, sem saber exatamente o porquê de estar sentindo-se tão irritado e ofendido. – Nem todo mundo pode se dar ao luxo de fazer o que quiser porque tem a vida toda garantida.
– Disse o herdeiro de um império farmacêutico.
Luke corou outra vez com a parcial veracidade do argumento. Seu pai de fato conquistara uma posição financeira privilegiada após a invenção de um poderoso alisante capilar. No entanto, já havia informado ao único filho que deixaria uma fundamental parte desse dinheiro a uma fundação em prol do avanço científico.
– Que seja. – Disse por fim. A discussão havia escalado a um ponto que o rapaz definitivamente não previra. – Eu nunca precisei de uma babá para garantir que não ia fazer merda.
Dakota arqueou uma sobrancelha, havia algo em seu tom de voz que o assistente não conseguiu identificar.
– É isso que você acha? – Perguntou, incisiva. – Que foi contratado por causa da minha irresponsabilidade?
– Você já provou mais de uma vez que precisa de supervisão constante.
Dakota riu. Uma risada irônica que fez com que um arrepio se espalhasse pela coluna de Luke. Ela massageou as têmporas antes de continuar.
– Retiro o que eu disse, não te falta coragem. Você é só mais um tremendo alienado mesmo.
– Eu? Alienado? – Luke arregalou os olhos, incrédulo. – Você bebeu tequila demais.
– Por um acaso você já parou para pensar que, se alguém começou a atuar aos quatro meses de idade, talvez toda essa carreira não tenha sido por escolha própria? – Ela não lhe deu tempo suficiente para formular uma resposta. – Já pensou que talvez eu tenha passado toda a minha adolescência ansiando pelo momento em que faria dezoito anos e poderia me libertar do relacionamento tóxico que eu tinha com os meus pais? E acreditaria se eu dissesse que os advogados deles arranjaram uma cláusula sabe-se Deus lá de onde que colocou todos os meus bens sob o domínio deles até que eu completasse vinte e um anos? E que agora que eu estou às vésperas dessa data descobri que conseguiram adiar até os vinte e cinco, porque aparentemente eu sou incapaz de gerir uma carreira que sempre esteve sob o controle deles e sobre a qual eu nunca tive poder de escolha? Você não está aqui porque eu sou uma rebelde sem causa, Luke. Você é o meu “grande irmão”, igualzinho àquele livro, 1984. Seu dever é observar e garantir que eu não estou tramando nada contra eles. Sua presença constante não é porque eu sou solitária e eles receiam que eu acabe matando-me devido à depressão que, obviamente, acabei adquirindo ao longo desses anos de repressão. Você está aqui para que eles tenham certeza de onde eu estou, com quem estou e o que eu estou fazendo o tempo todo. Por que você acha que o meu envolvimento com qualquer um que meus pais coloquem na equipe é estritamente proibido? Eles não podem se dar ao luxo de ter alguém tão próximo e que seja mais leal a mim do que a eles! Eu não me insinuo para você só porque você é gato para caralho, Luke. Você é só mais um peão no jogo deles, um que eu estava tentando sacrificar.
Luke não sabia o que dizer.
Incontáveis segundos se passaram, enquanto ele encarava a figura de Dakota, ambos sem fôlego, apesar de por motivos completamente diferentes
A confissão o fora tão inesperada quanto um soco no estômago, enquanto que, para a garota, fora como se por fim pudesse tirar um peso dos próprios ombros.
– Eu sinto muito. – Pegou-se dizendo, na falta de palavras melhores.
– Não. – Respondeu, negando com a cabeça. Dakota mordeu o interior das bochechas, fitando algo à sua direita e, num impulso, aproximou o corpo do dele. Luke franziu o cenho, mas antes que pudesse perguntar, ela juntou os lábios aos seus em um selinho. Separaram-se depois que o som de um flash irrompeu pelo ambiente silencioso. – Eu sinto muito.
Inundado por uma dezena de novas informações acerca da pessoa à sua frente e rompida a barreira de provocação que os envolvia, Luke não hesitou, sabendo exatamente como deveria agir. Fitou Dakota, que assentiu devagar ao questionamento implícito e passou os braços em torno de sua nuca.
Ele encostou a testa na dela, notando o flash de mais uma foto sendo tirada sem permissão, mas que registrava exatamente o que desejavam.
– Obrigada. – Dakota disse em um fio de voz que não escondia a emoção. – Céus, obrigada.
– Não, não agradeça ainda. – Respondeu, diminuindo ainda mais a distância entre eles ao segurá-la pela cintura e a atriz esboçou um leve sorriso. – Hora do xeque-mate.
Luke usou a mão para guiá-la pelo pescoço e beijá-la, dessa vez de uma maneira mais profunda e adequada, considerando todos os momentos em que pensara em fazê-lo nos últimos meses.
Dakota entreabriu os lábios e apesar de conscientes da plateia que os observava ao longe, registrando cada instante do que acontecia, ambos se entregaram àquilo que sabiam que provavelmente não viria a se repetir.