Capítulo Único
Meu nome é e essa é mais uma manhã comum no bairro em que moro, se não fosse por uma coisa... A figura de uma mulher parada bem em minha frente com uma tremenda expressão de raiva, o que me fez lembrar que eu estava com fome. Tá, eu sei que uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas realmente eu precisava me alimentar, só esperava que a conversa ali não demorasse muito.
– O que foi dessa vez, miss ? – Perguntei para a mulher em minha frente. – Não fiz nada de errado, tenho certeza! – Levantei minhas mãos em sinal de defesa.
– Senhor , você realmente não leva nada a sério, não é? – A filha do meu chefe perguntou.
– Dependendo do assunto, eu considero. – Sorri, tinha a sensação que aquilo a irritaria.
– Você deveria está na loja hoje. – Ela falou e olhou no relógio. – Há exatamente uma hora.
– O que? Meu turno é no período noturno, há bastante tempo.
– Sim, eu sei. Mas você deveria saber da reunião de hoje e tenho a impressão de que não houve muita atenção de sua parte.
– Reunião? Olha me desculpe, mas eu não fiquei sabendo de nada disso.
– Com certeza ficou, você estava lá quando o Wilson informou, lembro-me claramente. – Retrucou e foi então que eu recordei, puta merda, eu estava ferrado. – Pela sua cara posso perceber que caiu em si, pois bem, vim dar-lhe um aviso.
– Pode falar. – Passei a mão na cabeça, já prevendo uma bronca. Como eu havia esquecido aquela reunião? Com certeza fora o licor que tomei com Rina... Ou não. A quem eu estava tentando enganar? A culpa era toda minha mesmo, merda.
– Seu próximo erro, falta ou descaso decorrerá em demissão. – Disse.
– Você fica linda falando desse jeito. – Sim, eu era estúpido, mas não pude segurar.
– , você é estúpido.
Quando que ela começou a ler mentes?
– Acho que está querendo mesmo perder seu emprego.
– Não, não, não, . – Segurei seu braço. – Me desculpe. – Falei fazendo com que a mesma olhasse em meus olhos.
– Está avisado. – Tornou a virar e foi embora.
Pronto, eu estava informado agora e não tinha mais como vacilar. Essa seria uma tarefa no mínimo complicada para mim, mas nada que eu não pudesse superar.
[...]
Depois de tomar meu café, voltei para casa à procura de alguns documentos para poder buscar por outro emprego, o dinheiro que eu conseguia na loja não era muito e estava sendo bem difícil de manter-me apenas com ele. Não era fácil, eu queria crescer, progredir, mas meu incentivo parecia ser só minha imaginação, pois no fundo eu sabia bem que a música não sustenta ninguém, por mais que eu quisesse, não seria daquela maneira que eu chegaria topo. Sai novamente, andando pela rua era possível ver bilhetes de loteria jogados no chão, fiquei pensando nas pessoas que ainda depositavam a fé naquilo, era meio utópico e fantasioso, porém todos tem uma maneira diferente de pensar.
Ao longe pude ver o prédio que uma pessoa havia mencionado, o lugar precisava de funcionários, para o que, eu não sabia, mas estava topando qualquer coisa. Aproximei– me, sentia cheiro de cerveja barata no ar. Adentrei e fui em direção à recepção.
– Bom dia. Eu queria falar com o responsável pela contratação.
– Qual seu nome? – A mulher perguntou parando de digitar no computador.
– .
– O senhor deve agendar um horário. – Falou.
Pelo visto tudo na vida precisava de um horário exato.
– E quando posso retornar?
– Amanhã, no período da tarde. Ele estará livre das 13h às 16h.
– Ok, obrigada.
Caminhei por alguns minutos antes de chegar em casa, era uma distancia razoável, o que me fez recordar que devia ter usado a moto. No instante em que eu estava destrancando a porta minha vizinha acenou.
– ! – Chamou.
– Oi, Abby, como vai? – Perguntei.
– Bem e você?
– Também.
– Graças a Deus. – Ela era bem religiosa. – Há alguns minutos um homem veio aqui, disse que queria falar contigo sobre o aluguel e que deixou um bilhete atrás da porta. – Ela disse e eu revirei os olhos.
Estava parecendo o dia dos avisos.
– Obrigada por lembrar, Abby. – Agradeci.
– Disponha. – Ela sorriu.
[...]
Ao entrar em casa vi o bilhete em cima do tapete, era na verdade um pedaço de papel assinado. Peguei-o e virei para ver o que estava escrito, neste momento fiquei de cara com a realidade.
“Olá , vim conversar sobre o aluguel. Estou ciente que seus três meses de dívidas foram pagos, porém além de está em falta com o pagamento do mês anterior, já irei recolher o atual. Sinto lhe informar, mas se você não puder quitar os valores, será despejado. Volto daqui três dias.”
Isso era o que o papel dizia. Passei a mão em minha cabeça, eu estava perdido, meu salário não aguentaria as despesas e encontrar um local mais em conta era complicado. Minha vida ali não estava dando certo, deitei na cama tentando buscar por uma solução em minha cabeça, mas a verdade é que não se passava nada além de confusão e foi assim que cai no sono sem perceber.
Acordei algumas horas, era hora do almoço, enquanto preparava algo para mim conclui que se eu ainda quisesse um teto teria que conseguir aquele trabalho no tal prédio. Arrumei um pouco o lugar e por fim peguei o violão no canto da parede. Sentei-me na cadeira tirando-o da capa, fazia algum tempo que eu não o tocava. Passando a mão pelas cordas percebi que ainda estava afinado, então comecei a dedilhar fazendo a música fluir, só ela me acalmava. Perdi a noção do tempo entre as notas e os acordes, meu objetivo era chegar mais cedo ao trabalho para compensar os atrasos, com certeza estaria supervisionando. Arrumei- me e sai na moto em direção a mais uma tentativa de fazer as coisas certas.
[...]
– Falou cara. – Jake bateu em minha mão.
– Até amanhã. – Disse. Por incrível que parecesse quando cheguei não tinha ninguém para me supervisionar no local, pelo visto eu tinha ganhado um voto de confiança, ri com aquele pensamento, era senão um tanto cômico.
O movimento na loja de bebidas pela primeira vez dos meses que eu trabalhava lá estava parado, na rua se encontravam poucas pessoas e nenhuma parecia interessada em sair da sobriedade. Fui ao balcão para certificar- me do horário e percebi que já tinha que ter fechado as grades, a violência havia aumentado muito no bairro. O fiz e como não via ninguém por ali, decidi abrir uma garrafa de uísque, estava precisando de uma distração. Tomei a primeira dose devagar, a noite era longa e eu não necessitava de pressa, afinal eu não tinha nada a perder, meu consciente sabia muito bem que eu seria despejado de qualquer maneira. Duas horas se passaram e realmente ninguém apareceu ali, aquilo era muito estranho, o que eu estava deixando passar. Entrei na sala da dispensa onde estavam vários engradados de bebidas, tudo em seu lugar, mas de repente ouvi um barulho de chaves e logo depois algo cair no chão. Voltei para a parte da frente rapidamente e ao passar pela porta recebi um fino grito de susto.
– Aah! – Deu um passo para trás. – O que você está fazendo aqui? – Perguntou levando uma mão ao peito. Era .
– Trabalhando, você me assustou.
– Eu te assustei? Eu quase enfartei aqui! – Falou ainda com o olhar espantado. – E como assim trabalhando ? Não era para a loja está aberta!
Por que será que ela tinha mania de falar sempre como se estivesse dando uma bronca em mim?
– Não era para a loja está aberta? Miss não me confunda.
– Ah claro! Você não veio à reunião. – Disse realmente em tom de desaprovação. – Bom, se você estivesse aqui hoje cedo como deveria estar, saberia que o dia de hoje é uma espécie de “feriado” aqui no bairro por conta de uma tradição bem antiga e que as pessoas não consomem nenhum tipo de bebida alcoólica no período no noturno.
Sabia que eu tinha deixado passar algo, a loja nunca fora parada daquele jeito.
– Logo no dia que eu resolvi chegar cedo. – Bati em minha própria testa falando comigo mesmo.
– Sério que chegou cedo? Parece que escolheu o dia errado para tentar ser responsável. – Ela riu, mas foi um sorriso de verdade.
poderia sorrir mais, deixava- a mais bela.
– Agora vai ficar rindo de mim? Por que não me avisou hoje cedo? – Falei, cortando meus pensamentos.
– Vou, porque acho que nunca encontrarei alguém mais desatento que você na vida. E que eu saiba, não sou obrigada a passar informação nenhuma para pessoas irresponsáveis, na verdade não sou obrigada a nada. Mas não sou tão má, provavelmente esqueci. – Ela falou calmamente e tirou os saltos deixando-os próximo a uma prateleira. – Pode ir embora se quiser, não vai vender nada mesmo. – Falou, mudando a expressão que, mesmo com um sorriso breve, me transmitia tristeza.
– Eu acho que vou ficar por aqui mesmo, não há nada para fazer em casa e ficar lá só me lembra de mais problemas.
– Problemas... – falou baixo, pareceu conhecer aquela palavra tão bem quanto eu.
– E o que houve com você? Quer dizer, o que veio fazer em uma loja de bebidas que deveria está fechada? – Perguntei e ela olhou para os lados, mediante seu silêncio cai na real. – Desculpe, não queria ser invasivo.
– Não, tudo bem, deixa pra lá. Hoje não estou a fim de me estressar com mais nada. – disse. – Muito pelo contrário.
– Eu tenho uma solução para isso. – Olhei para o balcão.
– É exatamente o que eu quero. – Ela caminhou em minha direção.
– Vou fechar a loja. – Falei.
– É aconselhável que feche mesmo. – Falou sorrindo. – Me empresta só as chaves da prateleira, rapidinho.
– Qual delas?
– Só me empresta logo! – Ela esticou as mãos.
Podia estar diferente, mas não perdia o jeito de mandona.
– Como quiser, miss . – Fiz uma reverencia, fazendo com a mesma me direcionasse um olhar torto.
– Sr. , já lhe pedi para parar com isso.
Parece que voltou com a mania de sobrenome, vou resolver isso.
– Opa, sem estresse. – Falei. – Respira. Você não quer calma hoje? – Questionei arriscando levar uma tirada, mas ela respirou.
– Desculpa, só pare com os exageros, ok?
– Como quiser. – Sorri para ela, que abriu uma das prateleiras de vidro, jogando a chave de volta para mim.
– Você não vai mesmo embora, né? – Perguntei.
– Não, a não ser que você queira que eu vá. Ao contrário, ficarei aqui e cumprirei meu turno, mesmo sem clientes, com a loja fechada e sem ser dia de trabalho. – Sorri.
– Não, pode ficar. Mas só uma coisa, é muita mansidão de sua parte. Para não dizer outra palavra.
– Sem problemas, eu sei. Em pensar que eu achava que tinha ganhado um voto de confiança. Sabia que algo estava estranho hoje. – Olhei em sua direção e ela fechou os lábios em uma linha fina.
– Eu dou um voto de confiança para todos os meus funcionários, incluindo você. – Falou e quando eu iria me pronunciar, continuou. – Mas é necessário estar sempre supervisionando para que as coisas ocorram da maneira desejada. É difícil ser a chefe, . Também é complicado está do lado controlador e mandão. – Suspirou, com uma expressão cansada, abrindo uma garrafa de uísque e servindo- se de uma dose. – Agora tranca logo tudo. Vou te oferecer uma dose também.
– Ok. – Então fui... Absorvendo as palavras ditas por ela.
[...]
Após deixar as coisas em segurança, voltei para onde estava fazendo algum drink, distraída.
– Experimenta. – Falou, quando percebeu minha presença.
– Hum. – Bebi. – É realmente bom. O que colocou? Deve ser uma mistura louca. – Falei em virtude das garrafas que estavam abertas no balcão, então ela gargalhou.
– Segredo, pode ficar com esse para você. – Falou e eu dei outro gole.
– Eu saio por seis minutos e você já tomou quase metade da garrafa de uísque?
– Foi? – Arregalou seus olhos brilhantes. – Nem percebi. – Sentou-se no chão segurando o copo, seu olhar demonstrava a real ingenuidade. – . – Falou um pouco mais baixo, como se fosse contar um segredo. – Hoje eu vou deixar você beber aqui também. Mas por favor, que toda essa situação fique apenas entre nós.
– Você não precisava me pedir isto. – Sentei no chão ao seu lado e me encostei na parede. Por impulso, levei meu nariz ao seu pescoço para sentindo cheiro e pude vê-la arrepiar-se.
– Nem tente aproveitar-se de mim. – Olhou, ficando com a boca muito próxima da minha, eu podia sentir sua respiração. – Posso até estar ficando ébria, mas sei me defender muito bem. – Entrelaçou a mão em meus cabelos. – Entendido? – Soltou-me.
– Eu nunca me aproveitaria de ninguém. Principalmente de você, miss . – Me afastei. – Mas eu deixo que aproveitem de mim. – Sussurrei e ela riu baixo.
– Sei bem disso. – Falou, enchendo meu copo. – Virou-se para frente.
Respirei, tentando esquecer minha tristeza e o mundo exterior, para aproveitar aquele momento, por mais inusitado que fosse, acho que ela também estava tentando fazer o mesmo. Ficamos um tempo em silêncio, enquanto os pensamentos tentavam se organizar, percebi então que daquela maneira não daria certo.
– Ei, ? – Cutucou meu braço. – No que você está pensando?
– Em nada. – Olhei para seu rosto. – E você?
– Em tudo. – Disse, meio aérea. – Em tanta coisa que eu fico confusa.
– Quer falar para mim? – Perguntei.
– Não quero incomodar ninguém com minhas crises.
– Sabe, todos temos nossos momentos difíceis, pode contar comigo. – Falei e vi os olhos dela brilharem.
– É que estou muito cansada, sabe? De ter todas as obrigações jogadas em cima de mim.
– Ah, qual é, . Eu não consigo imaginar do que você está reclamando, quer dizer, você tem tudo o que quer, tem sua própria casa, seu emprego garantido. Fala isso, mas nunca passou por problemas de verdade, nunca sentiu o medo de ficar sem um teto para morar. – Senti meus olhos arderem, mas não me permitir deixar aquilo evidente, porém ao analisar o rosto de pude perceber que ela que estava prestes a chorar.
– Realmente, nunca passei por isso. Mas você não sabe nada da minha vida, , e não tem o direito de falar assim comigo! – Aumentou o tom de voz. – Eu sou filha única, mas nunca fui mimada como você deve pensar. Sempre corri atrás do que queria, mesmo sabendo que se eu falasse com meu pai, ele poderia conseguir em questão de minutos. Sabe o porquê de eu estar administrando isso aqui? Sinto como se fosse minha obrigação, eu penso em quem ainda tira o sustento daqui, meu pai não se importa mais com esse lugar e joga tudo nas minhas costas, despesas, controles. Eu nunca tive uma mãe para me ajudar, vivi sozinha durante anos, enquanto ele trabalhava, viajando entre uma filial e outra. E agora, sinto como se eu estivesse me desencontrando dos meus objetivos, perdi o meu foco. Eu só... – Parou um pouco, gesticulando. – Estou perdida. – Foi quando ela não conseguiu mais segurar o choro, encolhendo-se para esconder o rosto entre os joelhos.
– . – Ajoelhei rapidamente ao lado dela. – Me desculpe eu sou um idiota. – Passei a mão em seus cabelos. – Eu te ofereci apoio e fiz o contrário, perdão. – Falei baixo perto de seus ouvidos, ouvi-la chorar me deixava com peso na consciência, sempre me desesperava ao ver uma mulher chorando. – É que por mais que seja difícil de admitir... Eu também estou perdido. – Disse e ela levantou a cabeça, até que nosso olhar encontrou-se, era possível ver a tristeza em seus olhos, então, por impulso ou por conta do momento ela me abraçou. Como se não fosse possível toda aquela situação tornar-se mais irreal, aquilo me transmitiu sossego.
– Tudo bem, não sei pelo o que está passando, mas não é nem um pouco fácil lidar com nossas dores. – Afastou-se de mim. Passei a mão em seu rosto enxugando uma lágrima que ainda caia. – Não chore, você fica bem mais linda sorrindo. – Falei conseguindo arrancar um sorriso seu. – Isso aí, miss . – Sorri também, ajeitando-me do lado da mesma.
– Me conta.
– O que?
– O que quiser contar.
– Bom, desde que cheguei aqui sempre foi complicado conseguir associar tudo, sei que não sou tão responsável, mas eu sempre tentei. Acontece que não está dando mais. O meu trabalho não está me levando a lugar nenhum e estou prestes a ser despejado porque não conseguirei pagar o aluguel, amanhã tenho uma entrevista, mas a verdade é que nem tenho mais esperança de nada. – Já não conseguia disfarçar o ressentimento em minha voz. – Vim trabalhar hoje com o intuito de fazer algo certo ao menos uma vez na vida, porque assim como você me desencontrei dos meus objetivos. – Bebi em um só gole o que ainda estava em meu copo, deixando-o cheio novamente. – E está dose é pela minha dor. – Levantei o copo e fiz o mesmo, apenas me observava. A bebida já começava a fazer efeito em meu organismo.
– Uau. – Disse. – Beber assim não vai te fazer muito bem.
– Eu estarei bem amanhã. – Falei olhando para o nada.
– . – Chamou e segurou minha mão. – As coisas darão certo. Para nós dois. Espero que possamos reencontrar o que perdemos.
– Eu também. – Passei a mão no rosto.
De verdade.
Voltamos a conversar e conversamos muito. Acho que em meio às bebidas e as palavras nossa tristeza foi se esvaindo, já estávamos alterados horas depois, quando o sono foi mais forte, ficamos os dois calados. Ela apoiou a cabeça em meu ombro com os olhos fechados quando eu também já havia fechado os meus. Estava prestes a dormir quando sua voz me chamou.
– ?
– Oi? – Sussurrei.
– Quer saber de uma coisa?
– Pode falar.
– Hoje quando cheguei à loja e pensei estar sozinha, estava tão angustiada e eu pensei que beber me ajudaria a amenizar toda a sensação ruim que eu tinha. Mas aí você estava aqui e ficou comigo. E apesar de tudo, me sinto melhor agora. – Ela falou e eu abri os olhos, ela estava sorrindo enquanto falava, sem perceber que eu a olhava. – O que me ajudou não foram as bebidas, foi você. – Abriu os olhos.
– Você também tornou minha noite melhor , obrigada. – Falei e ela inclinou-se colando os seus lábios no meu. Beijei-a de volta, permitindo-me, ao menos naquela noite.
– Durma bem. – Disse ao cortar o beijo, voltando a apoiar a cabeça em meu ombro.
[...]
Abri os olhos assustado ao constatar que já era manhã, ainda estava dormindo, mas a loja deveria abrir a alguns minutos, então tive que acordá-la.
– . – Chamei– a mais não obtive resposta. – ? – Coloquei a mão em sua coxa.
– Oi. – Falou meio dormindo. – O que foi? – Perguntou e então pareceu cair na real abrindo os olhos. – Ai meu Deus! Que horas são? Tenho que arrumar isso tudo. – Dizia olhando para as garrafas vazias no balcão e nossos copos ao lado.
– Calma, ainda temos um tempo. – Levantei oferecendo a mão para mesma.
– Opa. – Ela piscou ao ficar em pé.
– O que foi? – Perguntei.
– Nada não, só uma tontura.
– Tem certeza que está bem? Quer água?
– Claro que estou, , sei lidar com uma ressaca. Mas a água eu aceito. – Falou direta como sempre.
– Tudo bem, senhorita. – Falei e sem querer comecei a rir.
– O que foi? – Ela perguntou, não gostava de sentir-se por fora.
– Você. – Disse.
– Eu o que? – Perguntou. – Ah, quer saber? Deixa pra lá e vem me ajudar a organizar isso tudo.
– Como quiser. – Fiquei a observando pegar as garrafas para jogá-las fora.
– Vai ajudar ou não? – Virou-se para mim.
– Estou ajudando. – Peguei as chaves para abrir a porta, pegando as outras garrafas também.
[...]
– Então é isso, tudo como antes. – Falei.
– É. Mais ou menos. – Ela falou certificando-se se tudo ficara organizado. – Pode ir, eu deixo.
– Deixa é?
– Sim, sou sua chefe. – Falou, piscando.
– Nossa, desculpa. – Brinquei, pegando minha mochila. – Tchau, miss .
– , não se esqueça, ontem fica só entre nós, ok?
– Eu sei, meu bem. – Disse, prestes a me virar para sair.
– E obrigada, por tudo. – Ela caminhou até mim dando-me um abraço. – E quero que você saiba que não sou do tipo que bebe e esquece o que fez.
– Que bom, porque eu gostei. – Sorri.
– Tchau. – disse, sorrindo.
– Tchau. – Beijei seu rosto lentamente e sai.
[...]
Cheguei em casa e a primeira coisa que fiz foi tomar um banho, minhas costas doíam devido a posição que havíamos dormido no chão, mas algo aquilo tinha de bom. Em uma noite muita coisa podia acontecer. Aprendi que para conhecermos certas pessoas bastam apenas alguns momentos sinceros de diálogo. Tudo o que eu queria agora era deitar na minha cama e descansar de verdade, mas aquele era um luxo que eu não podia me submeter. Procurei a roupa que usaria na entrevista dali algumas horas. Esperava seriamente que tudo desse certo, no contrário eu não sabia o que fazer. Preparei meu almoço e após isso o tempo passou em um piscar de olhos. Sai e dessa vez peguei a moto para ir até o local.
[...]
– Olá. – Falei no balcão. – Vim para entrevista.
– , sim?
– Exatamente.
– Siga reto neste corredor. – Ela apontou. – É a primeira porta a direita, Sr. Palmer já está te esperando.
– Obrigada. – Fui até o lugar indicado. – Com licença. – Entrei.
– Pode sentar-se. – O homem falou. – Você já teve experiência como garçom?
– Não, mas creio que consigo.
– Bom, é necessário postura e calma. – Pegue aquela bandeja com o copo em cima e traga até aqui. – Ele falou e fiz o que pediu, obtendo êxito.
– Certo. Preciso que preencha esta ficha. – Ele me entregou o papel.
Após preencher tudo o que pedia devolvi a ele.
– Obrigada, é isto. Já completamos o número de funcionários desejado, mas no caso de necessidade estaremos com sua ficha aqui na reserva.
Como assim? É só isso? Acabou?
– É só isso? Não tem mais vaga para nada? Eu preciso muito desse emprego. – Pedi.
– Desculpe-me, mas agora eu não posso de ajudar. Qualquer coisa você está no aguardo. – Disse e eu sai da sala. Nada dava certo na minha vida, o que mais eu poderia fazer?
Subi em minha moto e pisei no acelerador, sentia necessidade de ir para bem longe dali, antes passei em casa e peguei meu violão, casa essa que já não seria mais minha em poucos dias, aquilo estava me atormentando, mas eu não podia fazer nada errado e nem iria, não mais.
[...]
Era noite, havia passado o dia todo andando pela cidade, observando as pessoas e pensando em que tipo de vida cada uma delas levava, umas na correria, outras com humor desprezível, e ainda pessoas felizes com o vento. O ser humano era realmente muito variado. Após rodar tanto, fui parar nas escadas de um lote abandonado no próprio bairro. Muita coisa podia acontecer, mas eu sempre era atraído de volta para aquele lugar. Apesar de tudo, não estava sozinho, meu violão me acompanhava, ali por perto eu não via mais ninguém, comecei a cantar para mim e para as luzes da cidade.
Ouça essa música.
All along it was a fever
A cold sweat hot– headed believer
I threw my hands in the air I said show me something
She said, if you dare come a little closer
Fechei os olhos deixando que a música tomasse conta, aquela letra, eu gostava muito. E no momento eu precisava de algo que eu gostasse.
Round and around and around and around we go
Ohh now tell me now tell me now tell me now you know
Ainda cantando, ouvi passos próximos a mim e como se alguém lesse meus pensamentos abri os olhos e a vi ali, se eu precisava de algo que gostasse, lá estava ela, que apenas sorriu, sinalizando para que eu não parasse de cantar, mas ainda sim acabei pulando para o refrão.
Not really sure how to feel about it
Something in the way you move
Makes me feel like I can't live without you
It takes me all the way
I want you to stay
– Que lindo. Nunca que eu imaginaria que toca violão!
– Tem muita coisa sobre mim que você não sabe miss.
– Eu pretendo descobrir. – Falou, sorrindo o que me fez acima de tudo sorrir também.
– Você está bem? – Perguntei. – O que está fazendo aqui?
– Eu estou. Mas estou aqui por você.
– Eu não preciso de consolação.
– Não conseguiu o emprego? – Perguntei e eu apenas levantei as mãos para o alto. – , estou aqui porque você me ajudou quando precisei e eu quero te ajudar.
– Obrigado, , mas sinto que você não pode fazer nada.
– Eu não. Mas você pode! Levanta daí, não perca as esperanças você vai conseguir. – Falou, mas eu já estava de pé.
– Olha, ... – Ia começar a argumentar com ela quando meu celular tocou e eu apenas fiquei observando seu rosto.
– Vai lá, atende. – Ela falou.
– Alô, aham, claro! Hoje? Tudo bem, estou pronto. Obrigado!
– O que foi? Seus olhos estão brilhando.
– Eu acho que consegui. – Corri para abraçá-la em um impulso, aquilo já estava se tornando comum.
– Eu disse! – Falou.
– Você me trás sorte. – Falei antes de beijá-la.
– Opa. – Disse ao separar– se de mim. – O que foi isso?
– Apenas o início de algo que eu tenho certeza que será muito bom. – Beije-a de novo.
– O que foi dessa vez, miss ? – Perguntei para a mulher em minha frente. – Não fiz nada de errado, tenho certeza! – Levantei minhas mãos em sinal de defesa.
– Senhor , você realmente não leva nada a sério, não é? – A filha do meu chefe perguntou.
– Dependendo do assunto, eu considero. – Sorri, tinha a sensação que aquilo a irritaria.
– Você deveria está na loja hoje. – Ela falou e olhou no relógio. – Há exatamente uma hora.
– O que? Meu turno é no período noturno, há bastante tempo.
– Sim, eu sei. Mas você deveria saber da reunião de hoje e tenho a impressão de que não houve muita atenção de sua parte.
– Reunião? Olha me desculpe, mas eu não fiquei sabendo de nada disso.
– Com certeza ficou, você estava lá quando o Wilson informou, lembro-me claramente. – Retrucou e foi então que eu recordei, puta merda, eu estava ferrado. – Pela sua cara posso perceber que caiu em si, pois bem, vim dar-lhe um aviso.
– Pode falar. – Passei a mão na cabeça, já prevendo uma bronca. Como eu havia esquecido aquela reunião? Com certeza fora o licor que tomei com Rina... Ou não. A quem eu estava tentando enganar? A culpa era toda minha mesmo, merda.
– Seu próximo erro, falta ou descaso decorrerá em demissão. – Disse.
– Você fica linda falando desse jeito. – Sim, eu era estúpido, mas não pude segurar.
– , você é estúpido.
Quando que ela começou a ler mentes?
– Acho que está querendo mesmo perder seu emprego.
– Não, não, não, . – Segurei seu braço. – Me desculpe. – Falei fazendo com que a mesma olhasse em meus olhos.
– Está avisado. – Tornou a virar e foi embora.
Pronto, eu estava informado agora e não tinha mais como vacilar. Essa seria uma tarefa no mínimo complicada para mim, mas nada que eu não pudesse superar.
[...]
Depois de tomar meu café, voltei para casa à procura de alguns documentos para poder buscar por outro emprego, o dinheiro que eu conseguia na loja não era muito e estava sendo bem difícil de manter-me apenas com ele. Não era fácil, eu queria crescer, progredir, mas meu incentivo parecia ser só minha imaginação, pois no fundo eu sabia bem que a música não sustenta ninguém, por mais que eu quisesse, não seria daquela maneira que eu chegaria topo. Sai novamente, andando pela rua era possível ver bilhetes de loteria jogados no chão, fiquei pensando nas pessoas que ainda depositavam a fé naquilo, era meio utópico e fantasioso, porém todos tem uma maneira diferente de pensar.
Ao longe pude ver o prédio que uma pessoa havia mencionado, o lugar precisava de funcionários, para o que, eu não sabia, mas estava topando qualquer coisa. Aproximei– me, sentia cheiro de cerveja barata no ar. Adentrei e fui em direção à recepção.
– Bom dia. Eu queria falar com o responsável pela contratação.
– Qual seu nome? – A mulher perguntou parando de digitar no computador.
– .
– O senhor deve agendar um horário. – Falou.
Pelo visto tudo na vida precisava de um horário exato.
– E quando posso retornar?
– Amanhã, no período da tarde. Ele estará livre das 13h às 16h.
– Ok, obrigada.
Caminhei por alguns minutos antes de chegar em casa, era uma distancia razoável, o que me fez recordar que devia ter usado a moto. No instante em que eu estava destrancando a porta minha vizinha acenou.
– ! – Chamou.
– Oi, Abby, como vai? – Perguntei.
– Bem e você?
– Também.
– Graças a Deus. – Ela era bem religiosa. – Há alguns minutos um homem veio aqui, disse que queria falar contigo sobre o aluguel e que deixou um bilhete atrás da porta. – Ela disse e eu revirei os olhos.
Estava parecendo o dia dos avisos.
– Obrigada por lembrar, Abby. – Agradeci.
– Disponha. – Ela sorriu.
[...]
Ao entrar em casa vi o bilhete em cima do tapete, era na verdade um pedaço de papel assinado. Peguei-o e virei para ver o que estava escrito, neste momento fiquei de cara com a realidade.
“Olá , vim conversar sobre o aluguel. Estou ciente que seus três meses de dívidas foram pagos, porém além de está em falta com o pagamento do mês anterior, já irei recolher o atual. Sinto lhe informar, mas se você não puder quitar os valores, será despejado. Volto daqui três dias.”
Isso era o que o papel dizia. Passei a mão em minha cabeça, eu estava perdido, meu salário não aguentaria as despesas e encontrar um local mais em conta era complicado. Minha vida ali não estava dando certo, deitei na cama tentando buscar por uma solução em minha cabeça, mas a verdade é que não se passava nada além de confusão e foi assim que cai no sono sem perceber.
Acordei algumas horas, era hora do almoço, enquanto preparava algo para mim conclui que se eu ainda quisesse um teto teria que conseguir aquele trabalho no tal prédio. Arrumei um pouco o lugar e por fim peguei o violão no canto da parede. Sentei-me na cadeira tirando-o da capa, fazia algum tempo que eu não o tocava. Passando a mão pelas cordas percebi que ainda estava afinado, então comecei a dedilhar fazendo a música fluir, só ela me acalmava. Perdi a noção do tempo entre as notas e os acordes, meu objetivo era chegar mais cedo ao trabalho para compensar os atrasos, com certeza estaria supervisionando. Arrumei- me e sai na moto em direção a mais uma tentativa de fazer as coisas certas.
[...]
– Falou cara. – Jake bateu em minha mão.
– Até amanhã. – Disse. Por incrível que parecesse quando cheguei não tinha ninguém para me supervisionar no local, pelo visto eu tinha ganhado um voto de confiança, ri com aquele pensamento, era senão um tanto cômico.
O movimento na loja de bebidas pela primeira vez dos meses que eu trabalhava lá estava parado, na rua se encontravam poucas pessoas e nenhuma parecia interessada em sair da sobriedade. Fui ao balcão para certificar- me do horário e percebi que já tinha que ter fechado as grades, a violência havia aumentado muito no bairro. O fiz e como não via ninguém por ali, decidi abrir uma garrafa de uísque, estava precisando de uma distração. Tomei a primeira dose devagar, a noite era longa e eu não necessitava de pressa, afinal eu não tinha nada a perder, meu consciente sabia muito bem que eu seria despejado de qualquer maneira. Duas horas se passaram e realmente ninguém apareceu ali, aquilo era muito estranho, o que eu estava deixando passar. Entrei na sala da dispensa onde estavam vários engradados de bebidas, tudo em seu lugar, mas de repente ouvi um barulho de chaves e logo depois algo cair no chão. Voltei para a parte da frente rapidamente e ao passar pela porta recebi um fino grito de susto.
– Aah! – Deu um passo para trás. – O que você está fazendo aqui? – Perguntou levando uma mão ao peito. Era .
– Trabalhando, você me assustou.
– Eu te assustei? Eu quase enfartei aqui! – Falou ainda com o olhar espantado. – E como assim trabalhando ? Não era para a loja está aberta!
Por que será que ela tinha mania de falar sempre como se estivesse dando uma bronca em mim?
– Não era para a loja está aberta? Miss não me confunda.
– Ah claro! Você não veio à reunião. – Disse realmente em tom de desaprovação. – Bom, se você estivesse aqui hoje cedo como deveria estar, saberia que o dia de hoje é uma espécie de “feriado” aqui no bairro por conta de uma tradição bem antiga e que as pessoas não consomem nenhum tipo de bebida alcoólica no período no noturno.
Sabia que eu tinha deixado passar algo, a loja nunca fora parada daquele jeito.
– Logo no dia que eu resolvi chegar cedo. – Bati em minha própria testa falando comigo mesmo.
– Sério que chegou cedo? Parece que escolheu o dia errado para tentar ser responsável. – Ela riu, mas foi um sorriso de verdade.
poderia sorrir mais, deixava- a mais bela.
– Agora vai ficar rindo de mim? Por que não me avisou hoje cedo? – Falei, cortando meus pensamentos.
– Vou, porque acho que nunca encontrarei alguém mais desatento que você na vida. E que eu saiba, não sou obrigada a passar informação nenhuma para pessoas irresponsáveis, na verdade não sou obrigada a nada. Mas não sou tão má, provavelmente esqueci. – Ela falou calmamente e tirou os saltos deixando-os próximo a uma prateleira. – Pode ir embora se quiser, não vai vender nada mesmo. – Falou, mudando a expressão que, mesmo com um sorriso breve, me transmitia tristeza.
– Eu acho que vou ficar por aqui mesmo, não há nada para fazer em casa e ficar lá só me lembra de mais problemas.
– Problemas... – falou baixo, pareceu conhecer aquela palavra tão bem quanto eu.
– E o que houve com você? Quer dizer, o que veio fazer em uma loja de bebidas que deveria está fechada? – Perguntei e ela olhou para os lados, mediante seu silêncio cai na real. – Desculpe, não queria ser invasivo.
– Não, tudo bem, deixa pra lá. Hoje não estou a fim de me estressar com mais nada. – disse. – Muito pelo contrário.
– Eu tenho uma solução para isso. – Olhei para o balcão.
– É exatamente o que eu quero. – Ela caminhou em minha direção.
– Vou fechar a loja. – Falei.
– É aconselhável que feche mesmo. – Falou sorrindo. – Me empresta só as chaves da prateleira, rapidinho.
– Qual delas?
– Só me empresta logo! – Ela esticou as mãos.
Podia estar diferente, mas não perdia o jeito de mandona.
– Como quiser, miss . – Fiz uma reverencia, fazendo com a mesma me direcionasse um olhar torto.
– Sr. , já lhe pedi para parar com isso.
Parece que voltou com a mania de sobrenome, vou resolver isso.
– Opa, sem estresse. – Falei. – Respira. Você não quer calma hoje? – Questionei arriscando levar uma tirada, mas ela respirou.
– Desculpa, só pare com os exageros, ok?
– Como quiser. – Sorri para ela, que abriu uma das prateleiras de vidro, jogando a chave de volta para mim.
– Você não vai mesmo embora, né? – Perguntei.
– Não, a não ser que você queira que eu vá. Ao contrário, ficarei aqui e cumprirei meu turno, mesmo sem clientes, com a loja fechada e sem ser dia de trabalho. – Sorri.
– Não, pode ficar. Mas só uma coisa, é muita mansidão de sua parte. Para não dizer outra palavra.
– Sem problemas, eu sei. Em pensar que eu achava que tinha ganhado um voto de confiança. Sabia que algo estava estranho hoje. – Olhei em sua direção e ela fechou os lábios em uma linha fina.
– Eu dou um voto de confiança para todos os meus funcionários, incluindo você. – Falou e quando eu iria me pronunciar, continuou. – Mas é necessário estar sempre supervisionando para que as coisas ocorram da maneira desejada. É difícil ser a chefe, . Também é complicado está do lado controlador e mandão. – Suspirou, com uma expressão cansada, abrindo uma garrafa de uísque e servindo- se de uma dose. – Agora tranca logo tudo. Vou te oferecer uma dose também.
– Ok. – Então fui... Absorvendo as palavras ditas por ela.
[...]
Após deixar as coisas em segurança, voltei para onde estava fazendo algum drink, distraída.
– Experimenta. – Falou, quando percebeu minha presença.
– Hum. – Bebi. – É realmente bom. O que colocou? Deve ser uma mistura louca. – Falei em virtude das garrafas que estavam abertas no balcão, então ela gargalhou.
– Segredo, pode ficar com esse para você. – Falou e eu dei outro gole.
– Eu saio por seis minutos e você já tomou quase metade da garrafa de uísque?
– Foi? – Arregalou seus olhos brilhantes. – Nem percebi. – Sentou-se no chão segurando o copo, seu olhar demonstrava a real ingenuidade. – . – Falou um pouco mais baixo, como se fosse contar um segredo. – Hoje eu vou deixar você beber aqui também. Mas por favor, que toda essa situação fique apenas entre nós.
– Você não precisava me pedir isto. – Sentei no chão ao seu lado e me encostei na parede. Por impulso, levei meu nariz ao seu pescoço para sentindo cheiro e pude vê-la arrepiar-se.
– Nem tente aproveitar-se de mim. – Olhou, ficando com a boca muito próxima da minha, eu podia sentir sua respiração. – Posso até estar ficando ébria, mas sei me defender muito bem. – Entrelaçou a mão em meus cabelos. – Entendido? – Soltou-me.
– Eu nunca me aproveitaria de ninguém. Principalmente de você, miss . – Me afastei. – Mas eu deixo que aproveitem de mim. – Sussurrei e ela riu baixo.
– Sei bem disso. – Falou, enchendo meu copo. – Virou-se para frente.
Respirei, tentando esquecer minha tristeza e o mundo exterior, para aproveitar aquele momento, por mais inusitado que fosse, acho que ela também estava tentando fazer o mesmo. Ficamos um tempo em silêncio, enquanto os pensamentos tentavam se organizar, percebi então que daquela maneira não daria certo.
– Ei, ? – Cutucou meu braço. – No que você está pensando?
– Em nada. – Olhei para seu rosto. – E você?
– Em tudo. – Disse, meio aérea. – Em tanta coisa que eu fico confusa.
– Quer falar para mim? – Perguntei.
– Não quero incomodar ninguém com minhas crises.
– Sabe, todos temos nossos momentos difíceis, pode contar comigo. – Falei e vi os olhos dela brilharem.
– É que estou muito cansada, sabe? De ter todas as obrigações jogadas em cima de mim.
– Ah, qual é, . Eu não consigo imaginar do que você está reclamando, quer dizer, você tem tudo o que quer, tem sua própria casa, seu emprego garantido. Fala isso, mas nunca passou por problemas de verdade, nunca sentiu o medo de ficar sem um teto para morar. – Senti meus olhos arderem, mas não me permitir deixar aquilo evidente, porém ao analisar o rosto de pude perceber que ela que estava prestes a chorar.
– Realmente, nunca passei por isso. Mas você não sabe nada da minha vida, , e não tem o direito de falar assim comigo! – Aumentou o tom de voz. – Eu sou filha única, mas nunca fui mimada como você deve pensar. Sempre corri atrás do que queria, mesmo sabendo que se eu falasse com meu pai, ele poderia conseguir em questão de minutos. Sabe o porquê de eu estar administrando isso aqui? Sinto como se fosse minha obrigação, eu penso em quem ainda tira o sustento daqui, meu pai não se importa mais com esse lugar e joga tudo nas minhas costas, despesas, controles. Eu nunca tive uma mãe para me ajudar, vivi sozinha durante anos, enquanto ele trabalhava, viajando entre uma filial e outra. E agora, sinto como se eu estivesse me desencontrando dos meus objetivos, perdi o meu foco. Eu só... – Parou um pouco, gesticulando. – Estou perdida. – Foi quando ela não conseguiu mais segurar o choro, encolhendo-se para esconder o rosto entre os joelhos.
– . – Ajoelhei rapidamente ao lado dela. – Me desculpe eu sou um idiota. – Passei a mão em seus cabelos. – Eu te ofereci apoio e fiz o contrário, perdão. – Falei baixo perto de seus ouvidos, ouvi-la chorar me deixava com peso na consciência, sempre me desesperava ao ver uma mulher chorando. – É que por mais que seja difícil de admitir... Eu também estou perdido. – Disse e ela levantou a cabeça, até que nosso olhar encontrou-se, era possível ver a tristeza em seus olhos, então, por impulso ou por conta do momento ela me abraçou. Como se não fosse possível toda aquela situação tornar-se mais irreal, aquilo me transmitiu sossego.
– Tudo bem, não sei pelo o que está passando, mas não é nem um pouco fácil lidar com nossas dores. – Afastou-se de mim. Passei a mão em seu rosto enxugando uma lágrima que ainda caia. – Não chore, você fica bem mais linda sorrindo. – Falei conseguindo arrancar um sorriso seu. – Isso aí, miss . – Sorri também, ajeitando-me do lado da mesma.
– Me conta.
– O que?
– O que quiser contar.
– Bom, desde que cheguei aqui sempre foi complicado conseguir associar tudo, sei que não sou tão responsável, mas eu sempre tentei. Acontece que não está dando mais. O meu trabalho não está me levando a lugar nenhum e estou prestes a ser despejado porque não conseguirei pagar o aluguel, amanhã tenho uma entrevista, mas a verdade é que nem tenho mais esperança de nada. – Já não conseguia disfarçar o ressentimento em minha voz. – Vim trabalhar hoje com o intuito de fazer algo certo ao menos uma vez na vida, porque assim como você me desencontrei dos meus objetivos. – Bebi em um só gole o que ainda estava em meu copo, deixando-o cheio novamente. – E está dose é pela minha dor. – Levantei o copo e fiz o mesmo, apenas me observava. A bebida já começava a fazer efeito em meu organismo.
– Uau. – Disse. – Beber assim não vai te fazer muito bem.
– Eu estarei bem amanhã. – Falei olhando para o nada.
– . – Chamou e segurou minha mão. – As coisas darão certo. Para nós dois. Espero que possamos reencontrar o que perdemos.
– Eu também. – Passei a mão no rosto.
De verdade.
Voltamos a conversar e conversamos muito. Acho que em meio às bebidas e as palavras nossa tristeza foi se esvaindo, já estávamos alterados horas depois, quando o sono foi mais forte, ficamos os dois calados. Ela apoiou a cabeça em meu ombro com os olhos fechados quando eu também já havia fechado os meus. Estava prestes a dormir quando sua voz me chamou.
– ?
– Oi? – Sussurrei.
– Quer saber de uma coisa?
– Pode falar.
– Hoje quando cheguei à loja e pensei estar sozinha, estava tão angustiada e eu pensei que beber me ajudaria a amenizar toda a sensação ruim que eu tinha. Mas aí você estava aqui e ficou comigo. E apesar de tudo, me sinto melhor agora. – Ela falou e eu abri os olhos, ela estava sorrindo enquanto falava, sem perceber que eu a olhava. – O que me ajudou não foram as bebidas, foi você. – Abriu os olhos.
– Você também tornou minha noite melhor , obrigada. – Falei e ela inclinou-se colando os seus lábios no meu. Beijei-a de volta, permitindo-me, ao menos naquela noite.
– Durma bem. – Disse ao cortar o beijo, voltando a apoiar a cabeça em meu ombro.
[...]
Abri os olhos assustado ao constatar que já era manhã, ainda estava dormindo, mas a loja deveria abrir a alguns minutos, então tive que acordá-la.
– . – Chamei– a mais não obtive resposta. – ? – Coloquei a mão em sua coxa.
– Oi. – Falou meio dormindo. – O que foi? – Perguntou e então pareceu cair na real abrindo os olhos. – Ai meu Deus! Que horas são? Tenho que arrumar isso tudo. – Dizia olhando para as garrafas vazias no balcão e nossos copos ao lado.
– Calma, ainda temos um tempo. – Levantei oferecendo a mão para mesma.
– Opa. – Ela piscou ao ficar em pé.
– O que foi? – Perguntei.
– Nada não, só uma tontura.
– Tem certeza que está bem? Quer água?
– Claro que estou, , sei lidar com uma ressaca. Mas a água eu aceito. – Falou direta como sempre.
– Tudo bem, senhorita. – Falei e sem querer comecei a rir.
– O que foi? – Ela perguntou, não gostava de sentir-se por fora.
– Você. – Disse.
– Eu o que? – Perguntou. – Ah, quer saber? Deixa pra lá e vem me ajudar a organizar isso tudo.
– Como quiser. – Fiquei a observando pegar as garrafas para jogá-las fora.
– Vai ajudar ou não? – Virou-se para mim.
– Estou ajudando. – Peguei as chaves para abrir a porta, pegando as outras garrafas também.
[...]
– Então é isso, tudo como antes. – Falei.
– É. Mais ou menos. – Ela falou certificando-se se tudo ficara organizado. – Pode ir, eu deixo.
– Deixa é?
– Sim, sou sua chefe. – Falou, piscando.
– Nossa, desculpa. – Brinquei, pegando minha mochila. – Tchau, miss .
– , não se esqueça, ontem fica só entre nós, ok?
– Eu sei, meu bem. – Disse, prestes a me virar para sair.
– E obrigada, por tudo. – Ela caminhou até mim dando-me um abraço. – E quero que você saiba que não sou do tipo que bebe e esquece o que fez.
– Que bom, porque eu gostei. – Sorri.
– Tchau. – disse, sorrindo.
– Tchau. – Beijei seu rosto lentamente e sai.
[...]
Cheguei em casa e a primeira coisa que fiz foi tomar um banho, minhas costas doíam devido a posição que havíamos dormido no chão, mas algo aquilo tinha de bom. Em uma noite muita coisa podia acontecer. Aprendi que para conhecermos certas pessoas bastam apenas alguns momentos sinceros de diálogo. Tudo o que eu queria agora era deitar na minha cama e descansar de verdade, mas aquele era um luxo que eu não podia me submeter. Procurei a roupa que usaria na entrevista dali algumas horas. Esperava seriamente que tudo desse certo, no contrário eu não sabia o que fazer. Preparei meu almoço e após isso o tempo passou em um piscar de olhos. Sai e dessa vez peguei a moto para ir até o local.
[...]
– Olá. – Falei no balcão. – Vim para entrevista.
– , sim?
– Exatamente.
– Siga reto neste corredor. – Ela apontou. – É a primeira porta a direita, Sr. Palmer já está te esperando.
– Obrigada. – Fui até o lugar indicado. – Com licença. – Entrei.
– Pode sentar-se. – O homem falou. – Você já teve experiência como garçom?
– Não, mas creio que consigo.
– Bom, é necessário postura e calma. – Pegue aquela bandeja com o copo em cima e traga até aqui. – Ele falou e fiz o que pediu, obtendo êxito.
– Certo. Preciso que preencha esta ficha. – Ele me entregou o papel.
Após preencher tudo o que pedia devolvi a ele.
– Obrigada, é isto. Já completamos o número de funcionários desejado, mas no caso de necessidade estaremos com sua ficha aqui na reserva.
Como assim? É só isso? Acabou?
– É só isso? Não tem mais vaga para nada? Eu preciso muito desse emprego. – Pedi.
– Desculpe-me, mas agora eu não posso de ajudar. Qualquer coisa você está no aguardo. – Disse e eu sai da sala. Nada dava certo na minha vida, o que mais eu poderia fazer?
Subi em minha moto e pisei no acelerador, sentia necessidade de ir para bem longe dali, antes passei em casa e peguei meu violão, casa essa que já não seria mais minha em poucos dias, aquilo estava me atormentando, mas eu não podia fazer nada errado e nem iria, não mais.
[...]
Era noite, havia passado o dia todo andando pela cidade, observando as pessoas e pensando em que tipo de vida cada uma delas levava, umas na correria, outras com humor desprezível, e ainda pessoas felizes com o vento. O ser humano era realmente muito variado. Após rodar tanto, fui parar nas escadas de um lote abandonado no próprio bairro. Muita coisa podia acontecer, mas eu sempre era atraído de volta para aquele lugar. Apesar de tudo, não estava sozinho, meu violão me acompanhava, ali por perto eu não via mais ninguém, comecei a cantar para mim e para as luzes da cidade.
Ouça essa música.
All along it was a fever
A cold sweat hot– headed believer
I threw my hands in the air I said show me something
She said, if you dare come a little closer
Fechei os olhos deixando que a música tomasse conta, aquela letra, eu gostava muito. E no momento eu precisava de algo que eu gostasse.
Round and around and around and around we go
Ohh now tell me now tell me now tell me now you know
Ainda cantando, ouvi passos próximos a mim e como se alguém lesse meus pensamentos abri os olhos e a vi ali, se eu precisava de algo que gostasse, lá estava ela, que apenas sorriu, sinalizando para que eu não parasse de cantar, mas ainda sim acabei pulando para o refrão.
Not really sure how to feel about it
Something in the way you move
Makes me feel like I can't live without you
It takes me all the way
I want you to stay
– Que lindo. Nunca que eu imaginaria que toca violão!
– Tem muita coisa sobre mim que você não sabe miss.
– Eu pretendo descobrir. – Falou, sorrindo o que me fez acima de tudo sorrir também.
– Você está bem? – Perguntei. – O que está fazendo aqui?
– Eu estou. Mas estou aqui por você.
– Eu não preciso de consolação.
– Não conseguiu o emprego? – Perguntei e eu apenas levantei as mãos para o alto. – , estou aqui porque você me ajudou quando precisei e eu quero te ajudar.
– Obrigado, , mas sinto que você não pode fazer nada.
– Eu não. Mas você pode! Levanta daí, não perca as esperanças você vai conseguir. – Falou, mas eu já estava de pé.
– Olha, ... – Ia começar a argumentar com ela quando meu celular tocou e eu apenas fiquei observando seu rosto.
– Vai lá, atende. – Ela falou.
– Alô, aham, claro! Hoje? Tudo bem, estou pronto. Obrigado!
– O que foi? Seus olhos estão brilhando.
– Eu acho que consegui. – Corri para abraçá-la em um impulso, aquilo já estava se tornando comum.
– Eu disse! – Falou.
– Você me trás sorte. – Falei antes de beijá-la.
– Opa. – Disse ao separar– se de mim. – O que foi isso?
– Apenas o início de algo que eu tenho certeza que será muito bom. – Beije-a de novo.
Fim.
Nota da autora: Oi meus amores! Aqui está mais uma short, ficou bem curtinha, mas espero que tenham gostado, eu tinha como desenvolver bem mais essa fic porém acabei me enrolando esses meses com provas e trabalhos deixando meu tempo para escrever bem curtinho. Mas se acharem que o enredo é digno de continuação, já tenho tudo planejado na minha cabeça para uma próxima história. Sou boa com coisas grandes, mas realmente meu cérebro necessita de tempo para pensar. HAHAHAHA Obrigada a todas vocês que leram e comentem, quero receber suas opiniões, sugestões e ideias. Beijos e até nosso próximo ficstape! :*
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