Capítulo Único
— Uhum.
— Depois de três anos?
— Sim!
— Cacete…
— Me ajuda, Ronna. Tô muito ferrada!
— Eu imagino…
— Cara, é sério. Nunca estive tão fodida, tão cansada!
— E eu não sei? Você se vira nos trinta para pagar todas essas contas, cara. Trabalha desde os quinze e é óbvio que dez anos depois esteja pedindo arrego!
— Eu não sei mais o que fazer… Tenho tanta coisa para dar conta! Já estava ruim o bastante trabalhar absurdamente, ter de finalizar o TCC e a saída infindável de Roger, lá de casa... Eu não aguento mais.
— Amiga, você sabe que eu te apoio em tudo o que você fizer. Mas não acha que já tá na hora de de dar um ultimato e ele meter o pé?
— Ronna, por favor…
— Tá, tá, já sei. “Como ficaria a cabeça de Sue?”. “Eu não quero traumatizar a cabeça da criança.”, dentre tantas outras coisas...
— E não são questionamentos legítimos, Ronna?
— Sim, ! Mas sinceramente? Roger tem sido um zero à esquerda desde que se tornou pai! E Sue tem oito anos! Olha quanto tempo você tentou que isso desse certo e ele nem aí? Desde que o divórcio saiu, ele fica te enrolando para continuar na casa! Você não merece isso!
— Não é tão simples, ok? Você não entende...
— Talvez não entenda, mas eu te conheço tempo o suficiente para suspeitar que você se esconde por trás dessas situações, porque tem medo de puxar o band-aid.
— Veronna!
— É só minha impressão, ! Eu tô falando numa boa, sério. Eu me preocupo com você, e já te falei: criança precisa de um lar afetivo, e não apenas que o pai e a mãe estejam sob o mesmo teto. Vocês nem são mais casados! Sue vai entender! Ainda que eventualmente, sabe?
— Cara, é foda, sabe? Tem a faculdade, Sue, agora esse desemprego… Roger sequer tem condições de pagar a pensão, com aquela merda da oficina que mal dá para cobrir os próprios gastos. Ronna, você fala como se fosse fácil… Mas não é.
— Eu sei que não. Mas poxa, se muda pra cá! A gente se vira, podemos dar um jeito…
— NÚMERO 64!
— Que isso?
— É meu número na fila. Estou dando entrada no seguro desemprego. Enfim, preciso ir, Ronna. Consegue ver o lance do evento que você comentou?
— Consigo, consigo. Vai lá e depois a gente se fala. Mas pensa no que te falei!
— Ronna…
— É sério!
— NÚMERO 64!
— Ronna!
— Promete, !
— Tá, tá! Agora eu tenho que ir, beijos!
Desligou o celular e se apressou para ser atendida. Apresentou todos os documentos, ouviu algumas instruções e preencheu, com a mão trêmula, mais uma decepção da vida.
Então era isso: desempregada.
Como se já não bastasse o desemprego, a maternidade integral e os estudos, ainda precisaria lidar com a falta de apoio do ex-companheiro.
Já estava ficando com dor de cabeça só de pensar no drama que ele faria ao insistir em sua saída da casa, mais uma vez.
Aliás, seria basicamente algo que ele colocaria como foco, sem nem pensar nela ou em Sue de toda forma.
Era sempre tudo sobre ele mesmo.
— Patético — sussurrou consigo mesma, enquanto assinava o documento.
— Perdão? — a atendente perguntou, atenciosa.
— Não, não é nada. Aqui, tudo preenchido. Agora é aguardar?
— Exatamente. Qualquer coisa, pode ligar nesse número que tiramos todas as dúvidas.
— Certo, obrigada e bom serviço — agradeceu cansada e saiu guardando o resto da papelada que imprimiu desnecessariamente.
Preferiu não arriscar, já que toda hora mudavam de requerimentos!
Aguardou pacientemente no ponto de ônibus, até que sua condução chegou.
Aproveitando que o trajeto era longo, se permitiu encostar a cabeça no vidro da janela e tirar um cochilo; fazia apenas dois dias que sua pequena Sue se recuperara de uma virose e o sono ainda estava desregulado. Acordava no meio da noite, várias vezes, para garantir que a filha respirava, que estava bem.
Cansativo, sem dúvidas. Mas a falta de sono era um alívio diante da ciência de que Sue estava com a saúde em 100%.
Mesmo de olhos fechados e o balanço atrativo do ônibus, a preocupação não deixou cochilar. Sua cabeça latejava só de pensar nas coisas que precisava fazer, nos malabarismos com contas, dinheiro, filha, divórcio, busca de emprego e a finalização do TCC.
Desistiu de vez de tentar cochilar quando sentiu o celular vibrar, e logo abriu a mensagem enviada por sua amiga.
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Consegui! Evento no Sunrise Hotel, fina estampa, com gente famosa. Auxiliar de staff, 300 a diária, evento de 3 dias: quinta, sexta e sábado. Ou seja, começa depois de amanhã! Beleza?
Maravilhoso!!! Conte comigo!!! Muito obrigada, amiga! Fico te devendo uma!
Um balde de Heineken no nosso pé sujo favorito e tá tudo certo ;)
Hahahaha, perfeito! :*
Sorriu para a conversa com todos os dentes à mostra e respirou aliviada. Aquela grana daria para cobrir as compras do mês e deixar, com sorte, para a luz do mês seguinte.
Mas a paz não reinou tanto quando recebeu mensagem de seu ex-marido.
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Leite acabou, Sue não para de choramingar aqui, querendo o mingau. Vai demorar muito?
Estou no ônibus, não dá para você comprar e fazer pra ela?
Eu tô ocupado olhando ela já. Além do mais, você não deixou nenhum trocado para emergências. Aí fica foda.
respirou fundo três vezes.
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Não dá para ficar deixando dinheiro todo dia, Roger. As contas precisam ser pagas.
Porra, , você sabe que eu tô dando um gás na oficina, mano. Vai ficar jogando na minha cara que você é a única que tem emprego na casa?
Não foi isso que eu disse…
Eu só tô falando que tua filha tá com fome, foi algo simples que quis avisar.
respirou fundo mais uma vez, pensando em Sue reclamando, querendo seu mingau.
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Vou ver o que faço.
Certo. Traz pão também, porque acabei de comer o último.
visualizou e não respondeu, bloqueando o celular e guardando o aparelho na bolsa, revirando os olhos — tanto que quase se sentiu capaz de observar seu próprio cérebro.
— Babaca.
Se passaram mais uns bons minutos com pensando em maneiras de matar Roger... sem necessariamente gastar o réu primário — até porque não teria uma cela diferenciada por ainda não ter concluído o ensino superior.
Estava imaginando a opção de chapiscar a cara do sujeito no asfalto, quando decidiu pegar o celular novamente, discando um número residencial de cor. Tocou três vezes até que alguém atendesse.
— Alô?
— Dona Edwiges? É . Tudo bem?
— Oh, tudo, minha querida. E com você? Sue melhorou da virose?
sorriu com o carinho na voz da vizinha.
— Está melhor, sim, tudo encaminhando, obrigada por perguntar. Na verdade, eu gostaria de lhe pedir um favor… — falou com a voz mais baixa e a senhora retrucou do outro lado.
— Claro, querida! No que posso ajudar?
— Por acaso você poderia me doar um copo de leite? Estou na rua resolvendo alguns trâmites do trabalho e Sue está com fome para o mingau. Posso pedir para Roger passar aí e buscar.
— Ah, querida, que isso! Sem problemas, não se preocupe. Eu mesma vou lá para garantir que a pequena se alimente bem. Acabei de regar as flores agora e minha aula de yoga só começa em meia hora. Dá tempo de sobra.
sentiu o peito aquecer ao ouvir aquilo. Felizmente poderia respirar com mais alívio depois daquela fala. Dona Edwiges era um anjo em sua vida.
— Muito obrigada, viu? Prometo compensar com uma boa xícara de café.
— E um bolo de milho? — riu com a animação da vizinha.
— E um bolo de milho. Tudo bem?
— Combinado então! Vou separar o leite e ir até lá, fique tranquila. Faça tudo com calma, querida.
— Mais uma vez, muito obrigada, Dona Edwiges.
— Não há de que, minha jovem. Até mais!
— Até.
desligou a ligação sorridente, pensando que o mundo não estava tão perdido, no fim das contas.
Edwiges era uma senhora que sem dúvidas surgiu no seu caminho para prová-la disso.
Digitou rapidamente uma mensagem ao ex-marido, avisando da gentileza da vizinha, quando percebeu que seu ponto se aproximava.
Respirou fundo, restabelecendo o foco e guardando o celular na bolsa. Se levantou, puxando a sineta. O ônibus parou no sinal e o motorista olhou para pelo retrovisor.
— Quer que abra aqui?
— Por favor! — ela respondeu agradecida e ele deu essa colher de chá. — Obrigada!
Desceu do veículo sentindo um mínimo de felicidade pelo ato inesperado e deu três passos em direção à calçada.
Com o sinal fechado, ela não esperava que tivesse problemas, já que todos os carros estavam parados.
Mas não as… bicicletas?
Viu apenas um vulto antes do berro assustado alcançá-la.
— Cuidado! — o ciclista gritou, mas era tarde demais.
Foi atingida em cheio e caiu direto no chão, como uma maçã podre se desprendendo de um galho.
A sorte é que estava de mochila, que absorveu todo o impacto da cabeça em contato com o chão. Entretanto, sua canela não teve a mesma sorte, e ela sentiu instantaneamente o local arder, devido ao choque com o ferro da bicicleta.
Ainda estava tentando entender o que tinha acontecido; estatelada no chão, olhando para o céu azul e sentindo sua respiração presa nos pulmões.
Piscou veementemente, quando um homem alto, de traços fortes, cabelos grandes e brilhosos pairou diante de si, com o olhar desesperado.
— Meu Deus, você está bem? Se machucou?
Então, ela não estava no céu? Não tinha morrido?
Se levantou com dificuldades e começou a sentir pontos de dor espalhados pelo corpo.
— Puta que pariu, minha canela… — resmungou, vendo o estrago no local; tinha um formato roxo e redondo, com um corte fundo no centro, pelo qual saía sangue.
Bendito dia que decidiu sair de bermuda.
— Moça, me desculpa! Você saiu do nada, eu nem vi você e—
— O sinal estava fechado! Você não viu? — ela bradou com raiva, abrindo a sua mochila com gestos revoltados, retirando um pacote de lenços enquanto se arrastava para o meio-fio da calçada — a sorte era que estava mais próxima dali do que pra rua em si, não atrapalhando o trânsito e muito menos sofrendo risco de atropelamento… por carros, no caso.
Segurando o pacote de lenços na mão, só pôde agradecer mentalmente por não ter trocado a mochila e carregar algumas coisas de Sue — aquilo foi a sua salvação.
Posicionou alguns dos lenços na canela e respirou fundo ao sentir a ardência.
O rapaz a encarava assustado e inerte. Aquilo deu mais raiva em .
— O que é? Vai ficar me olhando? Tira uma foto que dura mais!
Então ele permaneceu mais um tempo a observando, até que teve a reação que ela jamais esperava ter; ele riu.
Aquilo foi a gota d’água.
— Caralho, além de barbeiro, é louco! E um tanto imprestável! — Decidiu ignorá-lo e improvisou uma faixa ao redor da canela, tentando se colocar de pé.
— Desculpe! Eu não estava rindo de você! Quer dizer, não exatamente. Mas do que você disse. Porque você é bem sincera. E então—
— Eu pareço uma comediante pra você, querido? Pareço estar aqui para te entreter? — ela falou entre os dentes, e o rapaz afastou a cabeça como quem se arrependeu do que disse.
— N-Não! Mas—
— Então que tal você voltar para a merda da bicicleta e seguir a sua vida de playboy, enquanto deixa os meros mortais fodidos e mal pagos seguirem seus caminhos deploráveis? Já que nem pra oferecer um copo d’água você tá sendo capaz?
O rapaz franziu o cenho, sentindo-se irritado.
— Mesmo se eu estivesse tentando oferecer alguma coisa, você aceitaria com toda essa grosseria?
piscou algumas vezes antes de responder.
Estaria descontando alguma raiva acumulada no ciclista?
Talvez.
Suspirou fundo, sem dizer nada. Apenas negou com a cabeça, enquanto umedeceu os lábios.
— Não preciso da sua ajuda. Estou bem. Ajeite seu capacete e tenha um bom dia — respondeu roboticamente, apontando para o protetor craniano do rapaz e tentou se levantar, conseguindo com muita dificuldade.
O rapaz ajeitou rapidamente o capacete e ergueu a bicicleta, se apressando para seguir a moça.
— Cara, me deixa te ajudar? Você mal está andando!
— Eu moro perto! E não quero nenhum desconhecido me rondando! — ela praticamente rosnou, e ele parou diante de si, com a cara fechada.
— Por que é tão arisca?
— Porque eu fui atropelada por você, cacete! Por que é tão insistente? — perguntou com as mãos na cintura.
— Porque eu atropelei você, cacete! Me deixa ajudar! — o rapaz retrucou, apoiando as mãos no guidão da bicicleta e a parando bem na frente da jovem, a olhando fixamente.
respirou fundo, sentindo o impacto das palavras e do contato visual.
Poderia esperar ajuda de um total desconhecido?
Ela decidiu parar para analisar.
A verdade era simples: não morava perto. Estava apenas a caminho das lojas de comércio daquele bairro, a fim de deixar alguns currículos. Mas não, não morava perto dali.
E agora estava com a canela ferida, o aspecto de quem havia sido literalmente atropelada, desempregada, com uma faculdade precisando ser concluída, uma filha que dependia de si, um ex-marido que não tinha a mínima responsabilidade e ainda fazia hora extra debaixo do seu teto, comendo da sua comida e sequer movendo uma única palha para comprar leite ou pão.
Não é como se a ajuda de um total desconhecido fosse a pior coisa da sua lista, afinal.
Ao pensar em todas essas situações, sentiu um bolo na garganta e os olhos arderem.
Oh não, puta merda.
Não faria aquilo ali. Não mesmo. Não na frente de um desconhecido-ciclista-barbeiro-atropelador-de-mulheres-desesperadas.
É, não iria!
Não na frente dele!
De um safado, sem vergonha, que a atropelou com uma bicicleta!
E... que ofereceu ajuda.
E que insistiu nisso mesmo depois de receber várias patadas.
Ela respirou fundo, limpando o canto dos olhos, e percebeu que tal atitude amenizou a feição do rapaz, que, por sua vez, voltou a ficar preocupado.
Notou também que o pomo de adão dele — muito destacado no pescoço, precisava ressaltar — subiu e desceu rapidamente, indicando alguma hesitação no que quer que ele estivesse prestes a fazer.
— Posso te oferecer um café? — Ela o encarou, surpresa. — Pode ser aqui por perto, eu… ajudo a fazer o curativo.
suspirou, umedeceu os lábios e apontou para uma loja.
— Ali tem algumas coisas úteis. Vamos. — E, sem dizer mais nada, voltou a andar, mancando devido à dor na canela.
O rapaz a seguiu, sem questionar nada.
Ela estranhou como ele respeitava o silêncio dela e acatava sua sugestão sem pontuar nada.
O homem prendeu sua ‘magrela’ no bicicletário e seguiu ao lado de .
Entraram na loja e ela foi direto ao setor de laticínios. Pegou uma cesta, colocou o leite em pó de sua filha, recebendo uma arqueada de sobrancelha do rapaz.
— Eu sei que deve estar doendo, mas não acredito que tenha quebrado algum osso para repor cálcio. — O tom brincalhão na voz dele amenizou o clima, mas não deixou o sorriso escapar.
— É para minha filha, Sr. Hilário — ela respondeu sarcasticamente, andando pelos corredores.
Reparou que, ao falar da filha, o homem abriu os olhos levemente, voltando ao normal.
— Você tem uma filha? Legal. Quantos anos?
— Oito.
— Qual o nome?
— Sue. Quer saber a data de nascimento também? — Ela se virou para encará-lo tediosamente e ele cruzou os braços, cansado daquela atitude. Ela reconheceu o mau humor e abanou o ar — Tá, tá, foi mal. Vamos pegar a tala e esparadrapo — respondeu, depois de coçar a nuca.
— Passar um soro aí seria uma boa, também — ele aconselhou, solícito.
— Jura? — ela falou tediosamente e ouviu o jovem suspirar.
— Sim, juro. E que tal trocar as ferraduras? Pelo menos os coices estão em dia. Só não sei se vai ter do tamanho do seu pé.
se permitiu soltar uma risada e negou com a cabeça, sabendo que fez por merecer essa resposta.
— Ah, a madame sabe sorrir. Bom saber.
O divertimento na voz dele fez com que ela fechasse a cara, o encarando como poucos amigos. Era como se ela não quisesse que ele visse aquele seu lado, ou que sequer percebesse que achou graça da piada dele.
— Dá para pegar uma cerveja, meu chapa? — mudou de tonalidade, com a feição irritada.
O homem arqueou uma sobrancelha.
— Meu chapa? Quem diabos fala ‘meu chapa’? — ele comentou risonho e ela fez cara de tédio.
— Não sei, alguém que acabou de ser atropelada por um ciclista maluco, talvez? — O rapaz fez um bico nos lábios e encarou o rosto de , dando de ombros.
— Justo. Pulamos o café?
— Eu não tomo café — retrucou em voz baixa.
— É por isso que está sempre tão estressada… — o ciclista provocou e ela suspirou, abismada.
— Oh, sim. Nada tem a ver com o fato de que fui mandada embora de um emprego, ou que tenha um TCC para concluir, uma filha para cuidar, uma casa para sustentar e ainda por cima um atropelamento de brinde para lidar.
Os dois se encararam por algum tempo, e o jovem respirava lentamente, parecendo digerir as coisas que a moça disse. O clima tinha se tornado mais sério, e, colocando as mãos no bolso, ele perguntou num tom muito mais amigável.
— Heineken ou Stella?
piscou algumas vezes, até entender a proposta.
— Heineken.
— Ok — ele respondeu, saindo andando a passos pesados.
O homem se dirigiu à geladeira e pegou duas garrafas, sem perceber que o observava discretamente, analisando aquele jeito despojado.
Bom, ponto para ele que conseguia lidar com seu mau humor.
Também, era o mínimo depois de ter sido atropelada.
— Barbeiro… — sussurrou, enquanto caminhava com dificuldade para o caixa, sendo alcançada pelo ciclista logo em seguida.
O rapaz insistiu em pagar as coisas e ela não se fez de rogada; estava sem dinheiro e agradeceu quase brutalmente, se encaminhando para o estacionamento, onde tinha bancos livres para fazer o curativo.
Se sentou logo ao lado do homem, e, com dificuldade, ergueu o pé, esticando e apoiando em um dos ferros da bicicleta.
— Qual seu nome? — para a surpresa do rapaz, ela quem perguntou, do nada.
— As pessoas me chamam de Def. E você?
— . Def de quê? — ela indagou, ao colocar soro na ferida. O jovem seguiu olhando para o local, sem deixar de respondê-la.
— Deftones. — Ela arqueou uma sobrancelha para ele, que riu sozinho. — Sacanagem. Apenas um apelido na adolescência que acabou pegando.
— Hm. Não que eu não tivesse notado os sinais, mas… O que faz aqui, Def? Você não parece ser… nativo?
— E não sou, estou de passagem. Tenho um trabalho para fazer na cidade… Sou um artista.
Ela o encarou surpresa e desatou a rir momentos depois. Ele devolveu o olhar, um pouco indignado com a reação.
— Qual é a graça?
— Está falando sério? É tipo, um artista, um famoso? — dizia sem levar fé.
Def a encarou por um tempo, e depois mirou sua cerveja.
— Um artista, sim… Famoso? Não sei. Mas sou fotógrafo — ele explicou, abrindo a bebida.
— E você veio parar aqui para fazer um trabalho? Ah, fala sério. Não pode ser — ela negou, sorrindo.
— E por que não? — A feição do artista era séria, e isso fez com que parasse de sorrir, o encarando por um tempo.
Precisava admitir que ele era bonito mesmo parecendo estar levemente indignado.
— O que estava fazendo nesse canto da cidade? — ela questionou abismada, enquanto desenrolava a tala da embalagem.
— Eu gosto de conhecer um lugar quando tenho a possibilidade. É proibido? — ele indagou divertidamente, com um meio sorriso, pegando a outra garrafa e abrindo-a, aguardando terminar o curativo.
— Pode. Mas podendo conhecer outros lugares melhores… Menos perigosos. Ninguém costuma fotografar aqui. Quer dizer, você não me parece ter recebido uma proposta para viajar até aqui e trabalhar em fotografias deste bairro. Ninguém olha para cá... Por isso estranhei — ela explicou, pensativa.
— Bom, isso é o que a maioria faz. Eu não busco esse tipo de vivência.
Foi a primeira vez que sentiu a voz dele ficar grave, num tom tão sério e honesto que a fez encará-lo novamente.
O que era aquele cara? De onde tinha saído? Por que estava tendo um papo tão doido com um estranho?
E por que queria continuar?
— Que tipo de vivência você está atrás, Def? — ela se percebeu perguntando, ao terminar de amarrar a tala ao redor da canela.
Levantou a cabeça e encontrou um fotógrafo encarando o céu, que se pintava de um laranja devido ao entardecer.
O jovem sorriu olhando para as nuvens.
— Encontros do acaso. Coisas que te façam sentir vivo. O inesperado, o inusitado… As coisas que fogem do padrão, sabe?
— Isso é tão clichê de fotógrafo… — ela comentou risonha e ele deu de ombros.
— Talvez eu seja. Mas quero ir atrás disso, sabe? Entender a vida nessa complexidade toda de que inúmeras coisas podem acontecer, mas acontece apenas aquela, naquele exato momento, naquele exato lugar, com aquelas exatas pessoas.
— Como um ciclista que atropela uma moça num sinal fechado.
Ele riu, encarando nos olhos enquanto concordava.
— Como um ciclista que atropela uma moça num sinal fechado.
Os dois ficaram se olhando por um tempo.
sentiu algo que há muito não sentia; um frio na barriga quando encarava um cara interessante.
Já não fazia isso há tempos, nem se sentia assim com seu ex-marido há alguns anos.
Qual foi a última vez que se permitiu viver algo do tipo? Era trabalho, Sue, faculdade, divórcio, discussões com Roger sobre a criação de Sue, a saída do ex de sua residência, a liberdade que ela tanto almejava…
Problemas, problemas, problemas.
Só não tinha surtado porque tinha Sue. Mas, às vezes, o fato de ser mãe pesava demais, e nada tinha a ver com a criança, mas sim por estar numa sociedade que sobrecarregava mulheres e acolhiam homens como Roger, na impunidade.
Não era aquilo que desejou para sua vida, mas era o que tinha para o dia.
Até que, naquele momento, era só ela, Def, uma bicicleta e uma canela ferrada.
Junto a duas cervejas que começavam a esquentar na mão do jovem fotógrafo.
Ela pegou a bebida com delicadeza e sorriu genuinamente pela primeira vez, sem mostrar os dentes.
Por mais que fosse um discurso batido de homem diferentão, não sentiu o asco como de costume. Pelo contrário, Def parecia falar sério, sem necessariamente parecer forçado aos olhos de .
Na verdade, ele era diferente.
Encarou o rapaz mais uma vez e ergueu a cerveja, brindando com ele.
— Ao acaso.
Ele a mirou curioso e, por fim, deu o mesmo tipo de sorriso, concordando com um aceno.
— Ao acaso.
Os dois deram um bom gole da cerveja, encarando o sol se pondo no horizonte.
O caos da cidade, as buzinas gritantes, a poluição, as risadas de crianças brincando no parque, os latidos de cão correndo atrás de motos, pessoas apressadas andando, pessoas desligadas mexendo no celular no transporte público.
Ah, a familiaridade do caos.
Aquilo irritava , mas igualmente a fazia sentir-se em casa.
Por fim, a jovem deu um novo gole na cerveja e se percebeu num silêncio agradável com o rapaz, que parecia fazer o mesmo que si, analisando a tudo e a todos ao redor.
E então, se permitiu observá-lo. Os olhos desenhados, as curvas do nariz, os lábios desenhados, os brincos pendurados nas orelhas, o tom dos cabelos longos, que combinavam perfeitamente com a sua pele, lhe dando um aspecto bad boy.
Exatamente do jeito que ela costumava admirar, quando era solteira.
— Eu me pergunto diariamente onde o acaso vai me surpreender — ele falou do nada, fazendo com que prestasse atenção em seus olhos novamente.
Só ali percebeu que Def a analisava como ela fazia com ele, segundos atrás.
Encarou os lábios do rapaz, sentindo o peito se aquecer e um arrepio brotar na nuca.
Parecia 17 outra vez.
— Não é o acaso que te surpreende — ela respondeu, ao encarar seu próprio colo, respirando fundo e ponderando sobre a vontade de fazer uma loucura.
A surpresa com o frio na barriga denunciava a falta de costume com aquela sensação.
— Não? — ouviu o jovem perguntar.
— Não... São as pessoas. — E ergueu a cabeça, olhando diretamente nos olhos dele e se aproximando devagar, quase que inconscientemente.
O artista não recuou nenhum milímetro.
— E o que devo esperar das pessoas? — ele retrucou sério, com a voz grave e rouca, deslocando o olhar dos lábios de até os olhos dela.
deixou que ele fizesse o trajeto lentamente, sem apressá-lo, até que o contato visual fosse estabelecido.
Uma vez assim, ela sorriu levemente ao respondê-lo:
— Não se deve esperar nada delas, Def.
Num ato rápido e impulsivo, avançou nos lábios dele, causando um encontro fugaz, no qual obteve retribuição instantânea.
Após provar o sabor da cerveja nos lábios do rapaz, pediu passagem com sua língua, sendo recebida com facilidade pelo ciclista, que a segurou pela nuca e começou a ditar novos ritmos enquanto aprofundava o beijo.
Aquele era um enlace forte, intenso, lânguido. Apesar da impulsividade, não se tratava de um beijo afoito ou desesperado; era bem-intencionado, degustado, aproveitado.
Eles se permitiam provar de si, de seus gostos, movimentos… Trocavam respirações, carícias, enquanto passavam a aproximar os corpos; Def desceu as mãos para as costas dela, que arrepiou com o toque quente e assertivo do fotógrafo.
Por outro lado, ela se permitiu cruzar os braços ao redor do pescoço dele, sentindo seu perfume mais de perto, e agradeceu mentalmente por isso; era um cheiro bom, marcante e misterioso… Tudo a ver com Def.
Naquele beijo sem fim, se percebia buscando algo que descobria apenas a cada investida; ela queria o encontro com o acaso que o rapaz tanto falou, e, por fim, encontrou em seus lábios a oportunidade de sentir-se mais viva do que nos últimos tempos.
Já Def, acreditava que era a própria essência do acaso, e percebeu que a essência que procurava diariamente estava lhe beijando naquele exato momento.
E muito bem, diga-se de passagem.
O beijo foi rompido pela falta de ar, e os dois mantiveram as testas encostadas e os olhos fechados, sentindo as últimas reverberações daquele encontro.
puxou o lábio inferior do rapaz com uma pequena mordida e o soltou, vendo que o local acabava de ficar vermelho instantaneamente.
Aquela imagem a excitou, mas decidiu que era muita aventura para um dia só.
Se afastou com um sorriso de canto, dando um gole na sua cerveja quente e encarando seu machucado, percebendo que já não doía tanto.
O sol estava quase se pondo e o olhar de Def cintilava sobre a jovem.
ergueu-se do banco, se afastando do toque e do cheiro inebriante do ciclista, deixando-o aturdido enquanto a encarava. Ele estava num misto de confusão, excitação e surpresa.
colocou a mochila nas costas e, com um suspiro, ergueu a cerveja para si e anunciou sua partida.
— Foi um prazer te conhecer, Def. Apenas cuide-se para não atropelar mais pessoas, certo? — E começou a caminhar em direção ao ponto de ônibus. Não teria mais condição de entregar currículos naquele estado e, pela primeira vez em muito tempo, encarou a decisão da vida de bom grado.
— Então é isso? Não devo esperar nada de você também? — Ouviu Def falar um pouco distante.
Ela se virou e continuou a andar de costas, com dificuldades devido ao ferimento, e deu de ombros.
— O acaso não acontece duas vezes. Viva sua vida, tire suas fotos, encontre o que quer que procura. Seu papo filosófico é incrível, mas utópico demais para mim. Quer dizer, olhe bem pra isso! — E estendeu os braços, como se assim ele pudesse lhe enxergar completamente. — Eu tenho uma filha para criar, uma faculdade para terminar e uma para reencontrar depois de se perder tantas vezes numa rotina cruel. Eu não posso me dar ao luxo de esperar que a vida ou o acaso sejam legais comigo. Nada contra o que nos aconteceu, foi muito bom, apesar dessa canela aqui… — Ela olhou para baixo, rindo frustrada daquele machucado, e, por fim, ergueu a cabeça novamente, encarando os olhos profundos e atentos de Def. — Mas isso é tudo. Então, tenha uma boa vida!
E se virou, segurando nas alças da mochila e sentindo-se estranhamente bem.
Potente.
Alegre.
Dona de si.
Mesmo que uma parte sua quisesse se virar e continuar o que começou com o fotógrafo.
Ela não tinha aquele direito, nem mesmo de se iludir.
A vida não pegava leve consigo e ela entendeu isso cedo demais até.
Então, não se apegaria a uma oportunidade inusitada de alegria.
Sue, a faculdade, as contas para pagar… Prioridades em primeiro lugar.
E mesmo que quisesse se consertar de alguma forma, ela enxergava a realidade delicada na qual se encontrava: não tinha espaço para si como oportunidade na sua própria vida.
Mas abriria caminho, nem que fosse um passo de cada vez.
Não demorou muito naquele diálogo interno, até que ouviu os passos apressados atrás de si, e foi pega de surpresa quando percebeu um sorriso discreto se formar em seus lábios.
— Espere. Qual é seu sobrenome? — ele perguntou, enquanto anotava no celular.
— . Por quê? — ela retrucou com a sobrancelha arqueada, sentindo-se meio arrependida por ter dito. Será que ele a procuraria nas redes sociais? Isso dificultaria sua partida.
Mas ela queria ir embora?
Def sorriu e guardou o celular, puxando um envelope todo preto com detalhes prateados.
— Apareça. Estarei lá. — E entregou para , que pegou com certa recusa.
— Hm, então. Não acho uma boa ideia. — Ela sorriu sem graça e deu de ombros, devolvendo o convite. — Eu não curto essas vibes de gente rica, nem tenho classe pra isso e… você ainda é um estranho.
Def riu, cruzando os braços na altura do peito e a encarou desdenhoso.
— Não sou um estranho para um beijo, mas sou estranho para um convite?
— Bem, nós nos beijamos num lugar público e eu estava com uma garrafa de vidro na mão… Então não é como se eu estivesse totalmente em desvantagem. Eu só lamentaria quebrar a garrafa na sua cabeça porque você tem um rosto bem bonito. E a cerveja seria desperdiçada, é claro… — explicava como se fosse tudo muito simples e Def não aguentou: gargalhou diante do humor da jovem, se divertindo com aquela pegada meio ácida. Por fim, o rapaz respirou fundo e com um sorriso, se pôs a falar.
— Não estou te pedindo em casamento, nem para que compartilhe seus traumas de infância, . — E apontou para o envelope com a cabeça. — É só um evento que eu vou trabalhar. Por que não aproveita para se divertir um pouco? De preferência, às custas de gente rica e sebosa. Coma da comida deles, beba da bebida deles. Dance, tire um tempo para você. Parece que vai te fazer bem.
o encarou desconfiada, mas um tanto tentada àquilo.
— Você não é um maníaco, né? — Ele gargalhou, negando com a cabeça.
— Se eu fosse, provavelmente não diria — Def comentou, com um meio sorriso.
— Você entendeu! Tipo… stalker, etc.? — perguntou tão genuinamente que Def riu de sua expressão e umedeceu os lábios para responder. Tal ato não passou despercebido pela jovem, que acompanhou com gosto.
— Não curto essa onda, desculpa te decepcionar.
se permitiu rir e rolar os olhos, e Def reparou em cada detalhe da reação dela, com um sorriso no rosto.
— Olha, é só um convite para uma festa. Não precisa decidir agora, seu nome estará na lista, independente do que decida. Mas se quiser aparecer, só ir e curtir a noite. Não acha válido?
arqueou uma sobrancelha.
— Então você está sendo um bom samaritano me chamando para essa festa?
— Pense como um pedido de paz depois de te atropelar. — Ele deu de ombros, com uma feição convencida. Ela sorriu enquanto encarava o convite, incerta. — Entenda como uma oportunidade de relaxar. Você não precisa ser minha acompanhante também. É um convite individual. Você é livre, . Não só na festa… Mas na vida.
gostou disso e sorriu abertamente, sentindo-se bem.
— É estranho pensar que estou recebendo um convite para uma festa cujo cara que está me convidando não faz questão que eu fique ao seu lado a noite toda.
— Quem sou eu para fazer questão de algo? Ainda mais depois de te atropelar.
riu daquilo, acenando com a cabeça, mordendo o lábio inferior.
— Certo… Fazer o que quero, então? — E olhou nas orbes intensas que a encaravam de volta.
— Justamente. Só faça o que te der vontade. — Def subiu na bicicleta e colocou seu capacete bem tranquilamente. — E se por acaso der vontade de me beijar de novo...
Ele sorriu, sem terminar a frase, e deu uma piscadela, antes de seguir seu caminho sem olhar para trás.
ficou encarando o convite nas mãos e voltou a andar para o ponto de ônibus enquanto terminava sua cerveja.
— Céus. Ronna não vai acreditar quando eu contar.
— E então uma nuvem desceu dos céus e concedeu o sono dos nobres à bela garotinha chamada Sue… — falava, enquanto acariciava os cabelos da filha, que já piscava lentamente com a sonolência presente.
— Ela era uma pessoa boa?
— Sim, muito.
— Forte? Amiga?
— Sim e sim.
— Então eu gostei dessa Sue… — a pequena praticamente ronronou, deitando o corpo na cama e fechando os olhos, sem retirar a cabeça do peito da mãe, que observava a cena com carinho.
— Boa noite, querida.
— Boa noite, mãe.
beijou a cabeça da filha e ainda ficou um tempo assim, grudada com a criança, até que ela realmente estivesse num sono profundo. Retirou-se com cautela da cama e deixou a luz do abajur acesa, saindo do quarto e fechando a porta.
Estava de baby doll, mexendo no celular, no sofá, quando Roger chegou em casa, fedendo a álcool e cigarro.
sentiu asco da cena e se levantou, indo para o seu quarto, mas o ex-marido, que ainda vivia debaixo do seu teto, segurou seu punho.
— Por que tanta pressa? Não vai me receber?
— Desencosta de mim, Roger — rosnou e ele sorriu debochado.
— Você não negava fogo antes.
— Isso está no passado. Somos separados agora, você apenas ainda vive aqui.
O sorriso do homem sumiu e a cara fechou, enquanto ele soltava a ex-esposa.
— Mas que merda, ! Por que você insiste em me humilhar? Não vê que estou tentando? Que faço tudo por nossa família?
riu e cruzou os braços, negando com a cabeça.
— Não faz não, Roger. E é por essas e outras que a gente decidiu se divorciar.
O homem fechou o punho com raiva e socou a parede, deixando tensa.
— Não decidimos, não! Você decidiu! Tudo o que eu faço é tentar, e tudo que você faz é me diminuir! Nunca, nada é o bastante para você! — ele falava alto, deixando a ex-esposa sobressaltada.
— Fala baixo! Sue está dormindo! — ela avisou entre os dentes, e ele reclamou da preocupação.
— Está vendo? Eu nem posso me expressar!
colocou o celular em cima da mesa e passou as mãos no rosto, frustrada.
— Não acredito que estou tendo essa discussão com você pela milésima vez…
— Você é tão perfeita que nem precisa se repetir, não é, ? Você é intocável!
A mulher se irritou num nível que, ao retirar as mãos do rosto, sua feição estava tão transtornada que até Roger se assustou.
Ela respirava tão fundo que o peito subia e descia.
Lembrou de todas as coisas que viveu com Roger e em como tinha mais questões a reclamar do que agradecer.
Pensou nos dizeres de Ronna, que repetiu o mesmo conselho para si, tantas e tantas vezes…
Pensou em Def e na breve, porém intensa experiência que tiveram.
As palavras trocadas, a voz dele ecoando em sua mente.
“Você é livre, .”
Foi acreditando nisso que ela deu seu primeiro passo para a liberdade.
— Senta ali. Agora. — Sua voz saiu bem grave e rouca, como se a raiva estivesse transbordando pelas cordas vocais.
Aturdido, o homem caminhou para a cadeira que apontava, com a mão trêmula. Logo depois, ela o seguiu e se sentou na cadeira em frente a ele, olhando-o nos olhos.
— Não dá mais. Você vai dormir aqui e amanhã você vai juntar suas coisas e ir para a casa de seu irmão ou quem quer que seja. Aqui, você não fica mais.
— Está me expulsando de casa?
— Minha casa! — ela bradou, fazendo Roger arregalar os olhos e se afastar levemente. — Foi tudo que minha mãe deixou para mim, antes de morrer, murchando em cima de uma cama velha por causa do câncer. E ela lutou muito na vida para que eu não fosse infeliz como ela foi. Não vou honrá-la dessa maneira, nem sustentar um marmanjo que sequer assume sua responsabilidade como pai!
O maxilar endurecido de Roger durou tanto quanto seu olhar enfurecido.
— Você é uma vagabunda inútil que acha que pode me humilhar por causa dessa espelunca. Mas fique sabendo que não vou deixar isso barato!
sentiu o corpo gelar com aquela afirmação de Roger. Entretanto, não quis transparecer, apesar das mãos trêmulas.
— Do que é que você me chamou? Você tem noção do que está dizendo? Está me ameaçando, Roger?
— Eu sou homem, . Não há nada que eu não consiga.
A mulher umedeceu os lábios, soltando uma risada sarcástica, tentando disfarçar o nervosismo. O cretino estava certo? Talvez.
Mas ela não desistiria tão fácil.
Uma luz passou por sua mente e, propositalmente, apoiou seus cotovelos na mesa, pegando o celular discretamente enquanto olhava dentro dos olhos do ex-marido.
— Como é que é? — perguntou calmamente.
— É isso mesmo que você ouviu. Eu não vou facilitar as coisas para você!
Ela riu, voltando a encostar o tronco na cadeira, colocando o celular em seu colo e acessando o gravador de voz, apertando o play.
— Você não teria coragem… — ela atiçou, e Roger pareceu se empolgar com aquilo.
— Ah, sim, eu teria… Você acha que pode me humilhar só porque detém a herança pútrida de sua mãe?
— Não fale de minha mãe! — ela bradou e ele riu, zombando dela.
— Aquela velha foi tarde. Ela nunca gostou de mim mesmo.
— Ela sempre soube quem você era de verdade! Eu que nunca enxerguei! E hoje tenho que lidar com um homem que sequer consegue arcar com as responsabilidades paternas e ainda sobrevive debaixo do meu teto, comendo da minha comida, ameaçando infernizar minha vida!
— Foda-se, ! A vida não é justa. Deveria estar feliz com o fato de que te dei uma filha. Me deixar ficar aqui é o mínimo! Você acha que qualquer outra pessoa se interessaria por você? Eu até que aguentei tempo demais!
Apesar de estar trocando farpas com Roger, aquilo doeu dentro de si. Mas ela não se permitiu chorar, apesar dos olhos lacrimejarem.
Abriu a boca, tentando responder alguma coisa, mas foi outro som que se fez presente na casa.
— Vai embora!
Os dois adultos se viraram para trás, vendo Sue sair por detrás da porta do quarto, com a cara chorosa e o cenho franzido.
prendeu a respiração ao ver aquela cena, enquanto Roger ficava surpreso com a fala da filha.
— Sue, por que não volta a—
— VAI EMBORA! — ela falou mais alto, andando a passos decididos e ficando entre a mãe e o pai, encarando o homem com raiva. — Sai da minha casa e da minha mãe!
Roger encarou a filha por alguns momentos, sem saber o que dizer.
estava na mesma situação, abismada com a reação da criança.
— Isso é uma conversa entre adultos, Sue. Você deveria estar dormindo! — Roger disse com a voz falha e a menina apontou um dedo na direção do pai, com sua feição ficando mais irritada.
— Eu estaria dormindo se você não berrasse com a minha mãe! Se não fosse ruim com ela e comigo!
— Sue, não—
— Eu ouvi o que você disse! — a criança interrompeu novamente, falando em alto e bom tom, e Roger arregalou os olhos com aquela atitude. — Você disse coisas muito, muito feias, pai. Coisas que só gente ruim diz. Isso quer dizer que você é ruim. E mamãe não merece estar com alguém assim. Eu não quero um pai assim.
O silêncio foi sepulcral.
estava chorando silenciosamente, sentindo um misto de orgulho pela menina que Sue era, e uma profunda tristeza por ter que passar por aquela situação com ela.
Não é como se Roger viesse com um letreiro na testa informando todos os males que ele poderia causar, mas percebeu que já tinha deixado aquilo se prolongar por tempo demais ao ver que estava sendo protegida pela própria filha, com palavras tão intensas.
Tão a cara de Sue.
Ela não queria expor a pequena, entretanto, segurar o mundo nas costas por tanto tempo a deixava sem forças.
Não dava para ser forte o tempo todo.
Roger levantou depois de alguns minutos encarando o rosto da filha.
Estava nitidamente transtornado pelo que ouviu e, silenciosamente, se retirou para o quarto e começou a juntar roupas numa mochila velha e gasta.
estava por um fio, com o corpo todo tensionado, o maxilar travado e o frio na barriga, com medo de que, a qualquer momento, alguma coisa ruim pudesse acontecer.
Temia que Roger fizesse o que nunca fez antes, agredi-la, ou pior, ir contra a própria filha, trazendo mais traumas para a cabeça de uma criança de apenas oito anos.
Pensou em inúmeros cenários e desfechos para aquela situação e temeu todos — estava domada pelo medo, era fato.
Mas a única coisa que viu acontecer foi Roger fechar o zíper da mochila, encarar a ex-esposa e Sue por um tempo e, sem dizer mais nada, sair pela porta da frente, deixando mãe e filha sozinhas.
Foi só quando a porta bateu que deixou o ar sair de seus pulmões, e, em desespero, agarrou a filha num abraço apertado, se permitindo chorar mais livremente com a criança.
O áudio continuou sendo gravado por algum tempo, até que lembrou disso e o finalizou, sentindo o peito doer ao pensar que talvez precisasse usá-lo para se resguardar de alguma ocasião, diante das ameaças de Roger — ela não sabia o que esperar, mas esperava que jamais precisasse rememorar o conteúdo daquele áudio tão absurdo.
Em que ponto Roger havia se tornado um ser mesquinho, intragável, irreconhecível?
A verdade era que já estava cansada daquela relação, tentando ser amigável com seu ex-marido devido à questão financeira. Entretanto, o tempo se passou e nada foi feito, e Roger sentiu-se no direito de agir como bem entendesse, reproduzindo o mesmo comportamento que fazia há anos. tentou relevar essas e muitas outras coisas, pensando principalmente em Sue. Mal sabia ela que, apesar de seus esforços, não conseguiria privar a filha de mais situações constrangedoras como aquelas, mesmo sabendo não ser responsável pelas atitudes inacreditáveis do ex.
Depois daquela situação, conseguiu colocar Sue para dormir após ter uma breve, porém profunda conversa com a filha. Pediu desculpas pela situação, por tudo que tinha presenciado — mas Sue, como sempre, acabava sendo o maior e melhor anjo em sua vida, compreendendo tudo com uma complexidade para além dos seus breves oito anos, e garantiu à sua mãe que tudo ficaria bem.
Incrivelmente, tentava acalmar a filha, mas era o contrário que acontecia. Sue era, indubitavelmente, a âncora que mantinha seu navio atracado num porto seguro para descansar. E mesmo se culpando pela garotinha ter de lidar com tanta coisa, agradecia aos céus por ter uma filha que lhe acolhia. Mas sabia o peso de ser uma “criança madura”, e não queria que Sue perdesse o brilho no olhar, muito menos a capacidade de ser uma criança, de fato ocupando o lugar de filha, sem acarretar responsabilidades que não lhe competiam.
Entendeu, com dificuldade, que por mais que suas intenções fossem dignas, a escolha de esperar Roger sair de casa mais atrapalhou do que ajudou no processo do divórcio, e, por fim, desencadeou aquela situação desagradável que Sue não somente presenciou, como interviu. Sabia que a culpa ainda a assolaria por um tempo, mas era inegável o alívio de estar em seu próprio lar com sua garotinha, sem ter que fingir o bem-estar que há tanto tempo não a visitava.
Era tarde da noite quando arquivou o áudio num e-mail para si e mandou o mesmo para Ronna, recebendo uma ligação que durou mais de uma hora com a amiga. Se permitiu chorar, sorrir, sonhar e respirar em paz pelo fato de que estava, finalmente, se livrando de um relacionamento que não mais cabia em sua vida.
Os dias seguintes vieram com a agitação e a urgência de resolver pendências. Se tinha uma coisa que Roger tinha razão, era de que a vida não era justa e nem tempo para digerir as coisas tinha. Conseguiu trocar a fechadura de casa, conforme orientação de Ronna, conseguiu um esquema para que Sue ficasse com a vizinha enquanto procurava emprego, e, de noite, adicionava mais páginas ao seu TCC, a fim de concluir o curso de produção cultural.
E tudo aconteceu na madrugada de sexta-feira para sábado, quando retornava do primeiro dia de evento que Ronna tinha conseguido para si. chegou mais cedo do que esperava, tomou um banho, abriu uma latinha de energético e colocou o ponto final no seu trabalho de conclusão de curso.
Foi dormir quando o sol já despontava no horizonte e se permitiu descansar algumas poucas horas até que retomasse sua cansativa rotina, rumo ao último dia de trabalho do evento de grã-finos que Ronna lhe encaixou.
Estava adicionando doses extras de corretivo nas olheiras, quando a amiga interviu.
— Você está bem, cara.
— Não estou, não. Maior cara de morta.
— Você está exagerando. Tá linda! — Ronna comentou, ajeitando o cabelo da amiga, enquanto dedilhava as olheiras.
— Você só diz isso porque é minha amiga.
— Isso também. Mas você está bem, . Acredite. Desde que aquele troglodita saiu da sua casa, você parece brilhar naturalmente.
parou de se olhar no espelho e encarou Ronna pelo reflexo com um sorriso acolhedor.
— Só você para me tirar do abismo, né? — Ronna parou de mexer no cabelo da amiga e sorriu de volta, abraçando-a por trás.
— Você também me ajudou muito, lembra? Só estou retribuindo o amor que recebi. E, hey, pode contar comigo pra tudo!
— Idem, amiga. Estamos juntas!
As amigas sorriam entre si, e Ronna sentiu seu celular vibrar, sacando-o rapidamente para responder à chamada. voltou a se maquiar, passando um lápis preto nos olhos, e assim que finalizou, guardou o estojo de maquiagem em sua mochila. Por estar pesada, a bagagem acabou caindo no chão, deixando algumas coisas escaparem, inclusive o convite preto de detalhes prateados que tanto evitou ao longo da semana.
Porém, estava ali, junto aos pertences espalhados no chão. se viu dedilhando o papel com a ponta dos dedos, como se a cada superfície revivesse o momento tão inusitado com o fotógrafo — tão não ela e, ao mesmo tempo, tão ela.
Quer dizer, fazia tanto tempo que não era mais destemida, dona de si, agindo conforme o que bem desejava. Talvez devido aos anos de dificuldades e tentativas de acertar aquilo que não somente dependia de si, mas pairava apenas em seus ombros.
Quem diria que naquele sábado à tarde, enquanto se preparava para trabalhar, estaria vivendo tantas novidades de uma só vez? Desempregada, com o TCC finalizado e efetivamente divorciada?
Um sabor agridoce tomou conta de si ao pensar em tudo isso e, por fim, lembrou do desastroso e intenso encontro de dias atrás, com um estranho e misterioso ciclista.
Passou mais tempo do que deveria naquele embalo e acabou se assustando quando Ronna se pronunciou.
— Ainda sonhando acordada com o fotógrafo gatinho?
— Hã? O que disse?
Ronna riu e cruzou os braços.
— Perguntei se você ainda estava sonhando acordada com o fotógrafo… Mas pelo visto você nem precisa responder.
sorriu sem graça, dando de ombros, enquanto guardava o convite na bolsa.
— Tanto faz, né? Eu estou trabalhando intensamente hoje. Não dá pra encontrar com ele. Mas tudo bem, porque eu to bem como não estava há anos! Então… Não se pode ganhar tudo, né? — Ronna sorriu de forma amena e colocou a mão no ombro de .
— Amiga, você sabe que se eu pudesse, te liberava para estar lá. Mas infelizmente esse evento é cheio de churumelas por causa das atrações e tudo mais. Tenho certeza de que terão outros encontros maneiros nessa nova fase da sua vida.
se forçou a sorrir abertamente, se levantando e fechando o zíper prontamente.
— Ah, claro! Qual foi, Ronna. Homem é igual biscoito! Vai um, vem dezoito! — A amiga riu, batendo na própria testa.
— Meu Deus, você falou igual à minha mãe.
— Pense pelo lado positivo: sua mãe é uma pessoa sábia!
As duas riram daquele diálogo doido e guardou a mochila em seu armário enquanto cantarolava uma canção que não desgrudava de sua mente. Ronna arqueou a sobrancelha.
— Desde quando você gosta de BTS?
— Hã? — perguntou, com a sobrancelha erguida.
— Você está cantando BTS. Não percebeu?
— Ah, amiga, Sue, né? Ela coloca aquele álbum inteiro para tocar e eu acabo curtindo junto.
Ronna riu e terminou de verificar o penteado de , respondendo com veemência.
— Se você parar para pensar, “Tomorrow” tem muito a vibe da sua vida mesmo.
— Sério? — perguntou, com um sorriso e Ronna afirmou, guardando as coisas em sua bolsa.
— Sim, depois dá uma olhada na tradução.
— Como você sabe dessas coisas?
— Bom, tive que estudar um pouco, porque KPOP tá na moda, né? Inclusive, hoje teremos algumas celebridades do tipo. Mas confesso que ainda não reconheci ninguém. Tô me sentindo mó tiazona perdida!
— Somos duas. Eu até canto as músicas, mas não sei nem de quem são!
— BTS, grava esse nome. Tá bombando! — Ronna se verificou no espelho e colocou o crachá no pescoço, encarando o relógio de pulso. — Bom, vamos lá?
— Vamos! Último dia… — suspirou e Ronna sorriu.
— É só acompanhar a equipe. Já deu tudo certo.
— Que o universo te ouça! — sussurrou e as duas soltaram risadinhas enquanto saíam da sala de funcionários.
— Não era para ser um evento restrito? — perguntou, ao parar do lado de Ronna, que verificava com o olhar o andamento da recepção dos convidados.
— Sim.
— Amiga, aqui deve ter umas 500 pessoas! O dobro dos dias anteriores!
— , acredite: isso é restrito para essa agência aí. É a nata da nata! Mas parece que hoje tá essa movimentação toda por causa das celebridades. Alguém aí tá bombando e a gente sequer sabe.
— Precisamos nos atualizar. — coçou a nuca, sentindo-se péssima. Quanto tempo passou mergulhada em seu TCC para perder as últimas sensações do momento?
Ronna estava sorrindo, quando recebeu algum chamado no fone de ouvido e logo o respondeu com seriedade. — Certo, chamem a equipe de limpeza responsável pela ala A e uma staff para auxiliar a convidada. — E respirou fundo ao findar o contato. — Alguém derramou uma taça de vinho num vestido caro de uma madame. Ela está em prantos.
Ronna rolou os olhos e prendeu a risada.
— Deixa eles pensarem que dominam o mundo, amiga. Logo mais acaba.
— É, por aí. Pode me acompanhar na recepção? Parece que tem gente abençoada que esqueceu o cartão de acesso e algum burburinho está rolando, por ser famoso.
— Claro! Vamos lá. Famoso? — perguntou, enquanto caminhava ao lado da amiga, que suspirou enquanto confirmava.
— Sim! E aí precisamos manter a compostura, porque eu não faço ideia de quem seja.
— Fica mais fácil lidar com o nervosismo pensando assim — brincou e Ronna riu, adquirindo um ar mais sóbrio.
a imitou, ajeitando a blusa social, o crachá, os cabelos, e seguiu para seu destino. Quando chegou à recepção, percebeu uma certa movimentação acalorada e se apressou ao lado de Ronna.
— Vai ser impossível assim — Ronna comentou, sacando o fone de ouvido. — Preciso que encaminhem o convidado para a sala da administração, logo depois da recepção. Isso. Estarei aguardando lá. Intervenham com dois seguranças, no mínimo.
— Eita. Isso tudo?
— Tem gente que perde a noção perto de gente famosa — Ronna explicou, andando para o local mencionado, sendo seguida por .
— Eu achava que todo mundo aqui era famoso!
— A maioria é rico, só isso.
— Queria ser como a maioria — pensou alto, fazendo uma risada escapar dos lábios de Ronna.
As duas sentaram-se à mesa na pequena e luxuosa saleta, e Ronna separava a lista de convidados impressa, enquanto solicitava a que separasse o material para a impressão de um cartão de acesso extra.
Duas batidas fortes foram ouvidas na porta e logo dois seguranças surgiram com uma pessoa no meio deles.
Uma pessoa muito bem conhecida por .
O ar ficou preso nos pulmões, o chão faltou debaixo dos pés. Ainda bem que estava sentada.
— Boa noite! Desculpe a pequena confusão, poderia informar seu… — Ronna foi brutalmente interrompida por sua amiga.
— Def? — se viu perguntar em voz alta, e o ciclista de dias atrás que esteve rondando seus pensamentos incessantemente, se apresentava ali, diante de seus olhos.
— ? — ele perguntou, com uma feição surpresa e adorável, fazendo um sorriso genuíno estampar os lábios da jovem.
— O-O que você… — ela começou, analisando o rapaz da cabeça aos pés. Estava muito bem arrumado para um simples fotógrafo de festa. Será que ela tinha entendido errado? O trabalho de Def era comparecer à festa como uma celebridade? Será que tinha de fato subestimado o sucesso do artista? Talvez ele fosse um daqueles fotógrafos famosos que ela sequer saberia soletrar o nome.
Ou não, porque né. Def era um nome fácil, mas enfim.
— Então você é o responsável por todo esse burburinho? — perguntou com mais consciência de si, e viu o rapaz engolir a seco, destacando o pomo-de-adão na garganta.
A jovem se recordava da beleza do rapaz, mas naquela noite ele estava divino! O que a deixava sem jeito, uma vez que se encontrava uniformizada, sem o mínimo de glamour.
Se bem que, da última vez que se viram, ela estava com aspecto de quem tinha acabado de ser atropelada, com um ferimento terrível na canela, descabelada, desempregada e chorosa. Talvez o traje social tenha lhe feito mais jus, ainda que não fosse o ideal para chamá-la de sex appeal.
— Achei que resolveria essa questão com mais facilidade… — Def comentou, coçando a nuca de forma engraçada.
— Ah, não se preocupe! Vamos fazer seu novo cartão de acesso, sem problemas. Não é, Ronna? — se pronunciou com uma certeza que não alcançou a amiga, pois ela procurava o nome pelas listas, sem sucesso.
— Desculpe, é apenas Def? O senhor não se encontra na listagem.
arregalou os olhos enquanto Def apenas umedeceu os lábios, encarando os papeis, visivelmente desconfortável.
— Ronna, deve ser um engano. Você por acaso não está observando na lista errada? Não são os fotógrafos contratados da festa. Ele está na lista dos convidados, quiçá dos vips, pelo alvoroço que foi lá fora. — sorriu desconsertadamente e encarou Def, que alternava os olhares entre ela e as mãos de Ronna, sorrindo sem mostrar os dentes.
percebeu o clima encabulado ao redor do rapaz e começou a estranhar sua atitude. Será que era devido ao erro de listagem? Será que ele não queria ter encontrado no fim das contas?
O sorriso genuíno da mulher começou a decair com estes pensamentos, enquanto Ronna manipulava as listagens com pressa, sem achar o que buscava.
— E-Eu sinto muito. Não sei dizer o que—
— ! Por onde você andou, cara? — Um outro rapaz, com um rosto bem desenhado e harmônico, entrou na sala, parecendo aliviado em encontrar o fotógrafo. percebeu que ele carregava um cartão de acesso com o nome ‘’, e estava igualmente belo.
Mas espere. Ele chamou Def de quê?
— ? — Ronna perguntou por , encarando o rapaz sem identificação. Pegou o celular e abriu no bloco de notas, parando numa anotação que arregalou os olhos da moça. — Ai, Deus. do ?
— ? — perguntou para Ronna, com a face levemente assustada. — Se eu não me engano, Sue também é fã desse grupo! Mas o que… — Ronna interrompeu , trazendo a amiga mais para perto e abaixando a voz para que apenas ela a ouvisse.
— Amiga, esse cara é do .
— Quê? — perguntou aflita, sem acreditar no que Ronna dizia.
— É real: você deu uns amassos com um integrante do .
Piscou uma, duas, três… sete vezes.
A imagem de Ronna não parecia real.
Virou seu rosto para frente, encontrando a face preocupada e atenta de Def… Ou seria ? Já não sabia mais.
Então todo aquele desconcerto de Def/ era por isso? Ele escondeu o tempo todo quem verdadeiramente era e se arrependeu de ter encontrado ali?
Mas então por que diabos havia oferecido o convite?
Muita confusão na cabeça de , que encarava o rapaz intensamente, vendo-o retribuir o olhar.
Pareciam que os dois conversavam silenciosamente por ali e ela, por fim, decidiu que, dadas as circunstâncias, a situação mais provável era que o artista curtiu a ficada, se empolgou e depois se arrependeu do que fizera, haja vista a omissão de sua verdadeira identidade e o notável constrangimento que ele demonstrava.
Era bom demais para ser verdade.
encarou o rapaz de nome , olhou novamente para Def/ e respirou fundo, dando uma pequena risada sarcástica enquanto balançava a cabeça negativamente.
Se sentia idiota por ter visto algo de diferente no que viveu dias atrás, por mais inusitado e estranhamente confortável que tenha sido.
No fim das contas, a vida era mestre em lhe desapontar.
Ou seriam os seres humanos?
Bom, aquele era um assunto extenso, no qual simplesmente não tinha disposição ou tempo para investir.
Engoliu a seco e, por fim, retirou a lista da mão de Ronna, analisando o nome dos convidados.
Lá estava o nome em negrito, como se fosse grande destaque do evento.
JB —
Os dedos gélidos começaram a digitar as informações do cartão de acesso, enquanto o silêncio na sala reinava de maneira pesada.
Mais alguns momentos e a jovem nada disse quando a impressão no novo cartão se iniciou. A foto de , impecável, começava a aparecer no novo crachá, e respirou fundo ao encarar aquilo.
Acima de tudo, sentia-se ridicularizada no próprio local de trabalho por tornar tão evidente a situação na qual se encontrava.
Estava prendendo o objeto no cordão de cetim, quando decidiu fazer alguma coisa; se aproximou receoso e apoiou as mãos na mesa, em frente a .
— , eu—
— Aqui está, Sr. . Tenha uma ótima festa — a mulher se pronunciou com um tom educado e forçadamente gentil, entregando o cartão ao artista, que a encarava com o olhar dolorido.
— , por favor… — ele pediu com a voz baixa.
— O cartão já foi cadastrado em seu nome e seu acesso está devidamente liberado, Sr. . — se levantou cordialmente, virando-se para Ronna. — Creio que a situação já tenha sido resolvida, portanto retornarei ao meu posto de atuação. Com licença e, mais uma vez, desejo que aproveitem a noite, imensamente. — Se permitiu retornar o olhar para o rapaz diante de si e, desviando de sua pessoa, saiu da saleta com passos trêmulos e atropelados.
— Você a conhece? — Ainda conseguiu ouvir o outro homem perguntar à , mas não ouviu nenhuma resposta do, até então, ciclista.
correu para a área de funcionários e se escondeu numa cabine de banheiro, se sentando na tampa do vaso sanitário e recobrando o ar nos pulmões.
O que diabos havia acabado de acontecer?
Minutos depois, ouviu a porta principal abrir num rompante e logo foi trancada.
— , sai daí, vamos! Desembucha esse papo, me amarrota que eu tô passada! — Ouviu a voz de Ronna e se permitiu bufar, abrindo a porta do banheiro e saindo por ela logo em seguida.
— Aquele desgraçado, traiçoeiro, filho de uma... — reclamou, enquanto andava de um lado para o outro, sendo interrompida por Ronna.
— Belíssima e incrível mãe. Sério, não xinga a mãe dele. Ela fez um ótimo trabalho — Ronna interviu, com uma cara sorridente e rolou os olhos, escondendo o rosto nas mãos.
— Ronna! Sério, qual é o problema dos homens? — Se apoiou na pia, encarando o espelho e, por consequência, seu reflexo raivoso. — Sério, por que precisam mentir? Por que fazem isso? Olha que papelão esse ciclista barbeiro do caralho me deixou no meio do meu trabalho!
— Não se preocupe com isso, amiga, eu—
— Amiga, eu dei sorte que era você, que já sabia da situação. Mas ele me fez assumir um papel de idiota! Imagina se meu superior fosse qualquer outra pessoa? Iria achar que eu sou louca, que estava delirando em pleno horário de trabalho, e o pior: na frente de alguém famoso o suficiente para ser a justa causa na minha carteira de trabalho. Que cena ridícula...
O silêncio da amiga a fez suspirar, mordendo o lábio inferior.
— Ok, justa causa pode ser exagero, mas entendi seu ponto, . Talvez ele estivesse receoso em dizer quem realmente era, não sei… — Ronna falou a alternativa mais óbvia, e riu com escárnio.
— Eu pensei a mesma coisa. Mas isso não é muita soberba? Quer dizer, só por causa de uns beijos, ele pensou que eu iria rastejar pelo chão que ele passa, vangloriando sua existência nesse mundo de merda? — perguntou, cruzando os braços, com o cenho franzido. Ronna fez um bico enquanto pensava, e deu de ombros.
— Amiga, não estou do lado dele… Mas não acha que é raro alguém não saber quem ele é? E se ele percebeu que você o via como um completo estranho, pessoa comum, e ficou receoso em dizer algo e provocar alguma situação ruim? Você viu com seus próprios olhos o alvoroço que foi apenas nessa festa, que é bem VIP. Imagina no meio da rua? Eu ouvi dizer que tem um tipo de fã meio doida, acho que as chamam de sasaeng, se não me engano, e elas super invadem totalmente a vid—
— Ronna, ninguém no meu bairro faria ideia de quem ele era. Meu povo tá muito ocupado tentando sobreviver, sabe? — interrompeu a amiga com pesar. As duas se encararam e Ronna concordou silenciosamente. — O que me irrita é essa possível ideia de que eu poderia me aproveitar por causa de uns beijos e um atropelamento completamente desastroso. Quer dizer, sou eu, entende? ! Mulher, mãe, recém-formada, desempregada, recém-divorciada, que só quer ter oportunidade de viver uma vida boa em paz! Cacete! Eu lá tenho tempo de ficar correndo atrás de gente como ele? Eu não tenho nem dinheiro pro pão daqui a duas semanas! Ele não me conhece! — bradou, dando um pequeno murro na bancada de mármore, fazendo Ronna suspirar e a abraçar.
Aquilo acalmou , que se permitiu devolver o carinho. O silêncio foi interrompido por Veronna.
— Acho que justamente por não te conhecer que ele optou por omitir a verdadeira identidade, amiga. Afinal de contas, você também não o conhece, então ele deve ter os motivos dele. Isso não quer dizer que eu tiro sua razão, também ficaria chateada. Só não… deixe que isso tire sua paz. Você estava tão bem, sabe?
riu sem humor, encarando o chão. Depois de um tempo, respondeu com a voz mais grave e amena.
— Em partes, por causa dele, acredita? Sei lá, um acontecimento legal em meio à merda. E também, porque, depois disso, muitas outras coisas boas aconteceram. Obviamente não por ter beijado um cara famoso, mas enfim. Acho que eu estou chateada por aparentemente ter sido mais importante do que deveria ser. Eu até pensei na palavra “mágico” para expressar o momento, acredita? Ah, olhe pra mim. Falando merda a essa altura do campeonato… — E riu sem humor.
— Não é merda, . É real, é legítimo. — Ronna segurou a amiga pelos ombros e a olhou nos olhos, encorajando-a a continuar. — Por favor, não se silencie.
a olhou com os olhos marejados e engoliu a seco. Prendeu os lábios num aperto triste e deu de ombros.
— Acho que, finalmente, depois de tanto tempo, não é sobre o outro. É sobre mim. Eu voltei a ter potência, entende? Por um momento, eu não fui uma pessoa atribulada; por um momento, não fui uma mãe desesperada, uma acadêmica atrasada ou uma ex-esposa vivendo uma vida insuportável. Fui apenas… eu, entende? Uma faísca e parece que protagonizei minha vida de novo. E acho que parte disso veio desse desastroso e curioso encontro da vida com Def. Ou . Eu nem sei mais do que chamá-lo… — Sentiu uma certa frustração ao pensar nisso.
— Ciclista barbeiro me parece plausível — Ronna brincou e riu, saindo do enlace da amiga e se encarando no espelho. Ficou um tempo assim, se analisando com carinho, até que depois de se convencer que as coisas não poderiam perder o brilho por causa de um homem mentiroso (e lindo, e gato, e misterioso, e sensual, e interessante, provavelmente uma criatura facilmente moldada pelo universo para caber na merda de um smoking e ainda parecer incrivelmente insuperável de tanta beleza e estilo)… como Def.
Mas era tudo isso mesmo? Todo esse sentimento ressoando no peito…
suspirou de novo, passando a mão no rosto.
— Acho que estou fazendo tempestade em copo d’água. O cara não tem o mínimo compromisso comigo, no fim das contas. Acho que eu só estou frustrada e juntei tudo numa coisa só.
Ronna prendeu os lábios e ergueu as sobrancelhas, unindo as mãos diante do corpo.
— É, bem. Eu estaria irritada se alguém omitisse a própria identidade pra mim. É super compreensível sua chateação, amiga… Mas também acho que tem mais angu nesse caroço.
— Tem sim. O copo deu uma enchida e parece que tudo se resumiu a Def, mas nem é. Sei lá também. Já estou devaneando demais...
— Dizem que quando você fala “devaneando” é porque já foi há muito tempo. — gargalhou alto e concordou com um aceno.
— Quer saber? Foda-se. Foda-se ele, foda-se Roger. Foda-se todo mundo. Tô nem aí, vou correr atrás do meu! — Abriu a torneira, lavando as próprias mãos, como se, de alguma forma, aquilo ajudasse em seu processo.
— É isso aí!
— Quem precisa de homens? — perguntou retoricamente, ensaboando as mãos.
— Você, não! — Ronna apontou para si, sorridente.
— Quem precisa deles para ser feliz?
— Você, não! — Ronna negou o dedo, enquanto fazia uma dancinha da vitória.
— Quem precisa de canalhas mentirosos e inescrupulosos para dar sentido à vida?
— que não, porra! — Ronna vibrou, abraçando a amiga de lado e encarando o espelho junto com ela. — Mas se quiser dar uns pegas em homens famosos, gostosos e com cara de quem tem orgasmo lendo um poema de Edgar Alan Poe, pode também! Nada disso é proibido!
— Veronna! — riu descrente da fala da amiga, que simplesmente ergueu os braços em resposta.
— Ah, qual é. Ele tem cara de quem se amarra em Edgar Alan Poe.
— Ronna…
— E bebe vinho chique enquanto cozinha um macarrão artesanal ao molho branco, ouvindo “weird fishes”, do Radiohead.
— Ronna! — a olhou risonha, enquanto a mulher refletia sobre seus dizeres.
— Tem razão, “weird fishes” seria outra vibe. Talvez “Don’t know why” da Norah Jones. No inverno. Luzes amarelas e ambientes numa cozinha de cem mil dólares!
— Puta que pariu, Veronna, você bebeu antes de trabalhar? — perguntou, rindo, indo ao seu armário e pegando a bolsa para retocar a maquiagem. Ronna se manteve apoiada na pia, dando corda aos seus pensamentos.
— Caralho, cem mil dólares e Norah Jones. Acho que até eu teria um orgasmo assim.
— Me poupe das suas fantasias sexuais… — reclamou, retocando o batom.
— Se bem que Norah Jones é meio old school para alguém como ele, né? Aliás, sabia que você pegou um novinho?
estava prestes a retocar o lápis de olho preto, quando parou no meio do caminho.
— Eu sou mais velha que ele? — Ronna pegou o celular e conferiu, afirmando segundos depois.
— Uns dois anos, amiga. Tá bem, hein?
— Meu Deus, eu sou uma sugar mommy invertida? — pensou alto, enquanto ria, e Ronna gargalhou com aquela fala.
— Relaxa, meu bem! Vai beeeeem descompromissada dar um trato no rapaz, vai fundo! — E bateu no ombro da amiga, que riu descrente.
— Acho que não, gata — negou, com um sorriso discreto.
— Não? Ok. No amigo dele, então?
— Não é de se jogar fora, né? — brincou e suspirou. — Enfim… Vou terminar isso aqui e volto para o meu posto em alguns minutinhos. Tudo bem?
— Beleza. Qualquer coisa, me grita!
Ronna se afastou jogando um beijo no ar e saiu pela porta após destrancá-la.
se encarou no espelho e, após respirar fundo algumas vezes, passou o lápis de olho e retocou a máscara de cílios. Renovou o perfume e deixou os cabelos mais soltos, num ar meio rebelde, meio comportado, com destaque para as argolas prateadas.
— Vamos lá, garota. É hora do show.
— Preciso de você no palco da ala leste.
— Tá de sacanagem, Ronna…
— É sério! A apresentação de k-pop vai ser lá e você vai me dar uma mãozinha na contenção e em possíveis urgências, tá?
— Não tem ninguém para me substituir, Ronna? Puta que pariu!
— Você é responsável por essa ala, esqueceu, gracinha? Além do mais, quem disse que estava pronta para focar no trabalho e não deixaria nada lhe abalar?
— Você é foda… To indo.
andou a passos largos e pesados até o local, e com a ajuda de outros membros da equipe, conseguiu organizar as pessoas e ajudar a pulverizar o público para que não ficassem muito em cima dos artistas. Por fim, ela conseguiu ficar num canto discreto do lado do palco, com cara de poucos amigos, mas mantendo a postura profissional.
Foi quando as luzes se tornaram focais no palco que alguns berros histéricos aconteceram, fazendo franzir o cenho.
Detrás da cortina, surgiu o ciclista barbeiro e seu amigo incrivelmente gato, como ela mesma havia apelidado.
Eles já chegaram ao palco performando uma música envolvente, com passos certeiros e olhares fatais… Do jeitinho que ela secretamente amava.
— Ignora o donzelo. Ignora o donzelo — ela sussurrou consigo mesma, enquanto o homem dançava e cantava a música.
Seu celular vibrou, o que fez com que a jovem retirasse os olhos do artista com muita dificuldade.
online
Abre isso aqui e lê a letra.
engoliu a seco quando clicou no link.
Não hesite mais, olhe em meus olhos
Apenas me deixe te amar, deixe-me te amar
Quando há a tensão indescritível
Nós somos paralelos um ao outro
Nós iremos sem um limite
Faça de novo, faça isso de novo, querida
Olhe aqui, pare de se preocupar com os outros
Fique aqui, chegue mais perto de mim
Você não pode me deixar de qualquer jeito
Tenha certeza, certifique-se, querida
ergueu a cabeça sem fôlego, um filme passando em sua cabeça. Sentiu o calor subir por sua nuca quando percebeu que a olhava diretamente nos olhos, sem desviar. Ela mordeu o lábio inferior inconscientemente, sentindo que, junto ao calor, um arrepio desceu pela espinha.
mexia a mão de um modo gracioso, junto ao outro rapaz. “!” seu cérebro estalou, lembrando da cena do homem entrando na saleta com o cartão de acesso.
cvvvccccccccccccccccc Agora foque em mim
Agora foque em mim
Ele a olhava sem parar, deixando tudo peculiarmente lento, como se o mundo estivesse em suspenso. Era como se só existisse e , e ele só estivesse performando para ela, como se passasse… um recado.
(...)
Você e eu apenas focaremos nesse momento
Eu vou combinar seu ritmo
Sincronizando meus batimentos cardíacos com os seus
O que quer que façamos, eu não me importo
Se é com você, tudo bem
Nossas emoções se sobrepõem
Não há necessidade de explicação, elas se tornam maiores
Desta vez, estamos nos segurando
O que fazemos, eu não me importo
Se é com você, é ok
O fone de ouvido indicou a chamada, que prontamente atendeu.
— Por acaso o boy tá mandando essa música para você?
— Ronna, eu…
— Ele não tira os olhos de você! E olha que eu tô longe, caralho!
— Droga, Ronna! — se virou para o lado, disfarçando enquanto tentava controlar a respiração. — Essa porra não está me ajudando! Por que ele tem que ser tão gato? Tô me sentindo a merda de uma pré-adolescente!
— Amiga, já te falei… Vai viver sem julgamentos. Esquece essa porra e vai ser feliz!
— Você está de que lado mesmo?
— Aquele que quer te ver bem! Agora eu preciso ir. As pessoas aqui estão aglomerando no outro palco, puta merda. Bando de gente sem noção.
— Não tem ninguém querendo trocar comigo? — perguntou aflita e Ronna riu.
— Fica com seu traseiro lindo aí mesmo, danada. Tchau.
gemeu em frustração e focou na postura profissional, virando novamente para frente, ainda percebendo os olhares de sobre si. Algumas moças do recinto tentavam seguir o olhar do artista, mas fazia questão de desviar da direção, aos poucos movendo-se entre a pequena multidão.
jamais perdeu de vista.
E assim as coisas se seguiram após mais três canções, nas quais o homem pareceu dosar melhor as investidas visuais e tornou as coisas menos difíceis para , que agradeceu internamente.
Quando a apresentação chegou ao fim, os rapazes agradeceram a presença do público e, logo que desceram do palco, foram interceptados por uma host do evento, que realizava a cobertura e batia um papo com as celebridades em frente às câmeras, para registrar o momento.
se viu obrigada a intervir, junto a outros dois agentes, para que as pessoas não avançassem nos artistas enquanto realizavam a entrevista.
Ou seja, obrigatoriamente, se viu perto de , para total desespero da mulher.
— E então temos aqui os aclamados Jus2! e , também membros do ! Mais uma vez arrasaram o coração de todo o fandom! Como se sentem nesta noite?
— Incrivelmente bem! É muito bom demonstrar um trabalho que investimos e termos esse retorno do público — respondeu sorridente, e alternava seu olhar no meio da multidão, buscando entre as pessoas.
— E você, ? O que tem a dizer para nós sobre essa apresentação fabulosa?
O jovem parecia ter sido pego de surpresa, mas logo sorriu sem graça para a câmera e para a host.
— Acho que só tenho que concordar com meu companheiro de projeto. É uma honra estar aqui, diante de tantas pessoas especiais… — E ao passar os olhos novamente, encontrou os de o encarando. Não perdeu a deixa e sorriu genuinamente, sem tirar os olhos dela. — Impossível não pensar nos encontros que a vida nos prega, nas pessoas incríveis que cruzam nosso trajeto. Às vezes eu só queria parar no tempo e congelar alguns momentos, sabe?
A host e se entreolharam surpresos, como se fosse uma grande fala do evento.
se abraçou ao ouvir aquilo; estava perto o suficiente para entender e não tinha forças capazes de mover seus pés naquele contato visual incessante do artista.
— Uau! Então você está animado com esse evento, ? — Finalmente o rapaz olhou a host, piscando algumas vezes e encarando o chão, com um meio sorriso.
— Mais do que isso! Estou animado com o que a vida pode proporcionar, com o que o acaso pode trazer. Ainda que eu falhe muitas vezes, espero conseguir demonstrar do jeito certo o quão grato sou por... Tudo isso que vivo. — E por fim, levantou o olhar para a host e o deslocou para , que o encarava sem reação.
— Pelo visto, temos um k-idol inspirado hoje! Podemos esperar novidades de Jus2? — E retornou o microfone para , que não respondeu — apenas encarava de volta, como se falasse pelo olhar.
sorriu sem graça e abraçou o amigo pelos ombros, tomando a dianteira.
— Esperem muita coisa! Nossos fãs terão muito com o que se entreter, se depender de nós!
A host, por fim, sorriu agradecida e logo se despediu com um agradecimento pela pequena entrevista concedida.
não aguentou a pressão quando viu que começou a caminhar em sua direção; começou a dar passos rápidos e, por fim, fez com que o artista a perdesse no meio das pessoas.
A frustração dele estava palpável, mas ela não poderia permitir aquilo ali, do nada. No meio do misto de emoções, existia a vontade absurda de ceder aos instintos, mas a racionalidade implorava que focasse no seu trabalho até a hora de ir embora, sem olhar para trás ou sequer pensar naquilo que estava vivendo. E foi isso que ela fez.
Foi quando o relógio bateu três e meia da manhã que ela respirou com mais tranquilidade. A festa estava no fim, e não havia nenhum sinal dos k-idols transitando por ela. Provavelmente já tinham ido para seus quartos chiques, em suas vidas chiques, nas quais simplesmente não se encaixava. E a vida era assim.
Ronna conseguiu convencê-la de tomar uma cerveja na sacada do prédio, depois que as duas bateram seu ponto e receberam o comprovante de pagamento. Estavam sentadas numa mesa no canto do local, observando a vista privilegiada que o local proporcionava.
— E então, de volta à saga de procurar emprego…
— É, amiga. Mas fica tranquila. Apresentei aquele seu projeto para a big boss dar uma olhada, vai que ela aprova?
— Que o universo te ouça, Ronna. Mal espero para minha sorte mudar, para as coisas começarem a dar certo… O amanhã nunca chega nesta merda — falou de forma cansada, enquanto dava um novo gole na cerveja. — Enquanto isso, vou me aventurando nos eventos contigo, né?
riu sozinha, encarando a noite que brilhava na cidade. Sem respostas da outra parte, a mulher se virou, chamando pela amiga.
— Ronna?
A cena diante de si a chocou. Ninguém mais, ninguém menos que estava de pé, com as mãos no bolso, encarando-as.
Ronna olhava embasbacada para o k-idol, com a cerveja a caminho de sua boca, que nunca a alcançou.
Seria cômico se não fosse trágico.
finalmente fez contato visual com o rapaz, e os olhos cintilavam uns nos outros.
Não parecia real, mas ele estava ali.
Def ou , estava ali.
Aqueles traços fortes, o olhar determinado, a feição tensionada, o visual deslumbrante de horas atrás… O cheiro de seu perfume que a mente de havia absorvido com tanto afinco na memória.
Merda.
Era tão fácil quanto tátil a tensão entre os dois.
— Podemos conversar? — A voz protuberante de soou.
estava sem saber o que fazer. O que aquela conversa poderia desencadear? Ela secretamente adoraria descobrir, mas pensou em Sue e na garotinha dormindo na casa de sua vizinha. Prioridades.
— Eu preciso buscar Su—
— Eu vou — Ronna comentou, se levantando da cadeira. — Me dá as chaves, eu busco Sue. Aliás, só de manhã, né? Até porque, ela e a velhinha devem estar no décimo sétimo sonho agora. Quem sabe até sonhando com .
soltou o ar pelas narinas, como se estivesse disfarçando uma risada, e sorriu sem graça.
— Tem certeza? — perguntou com a voz baixa.
— Tenho. Vou ficar lá de boa e qualquer coisa vamos nos falando, certo? — concordou após um tempo e pegou as chaves da bolsa, entregando para Ronna.
— Obrigada. De verdade.
— Divirta-se, ok? É bom de vez em quando. — Ronna se despediu com um beijo na cabeça da amiga e deu um tchauzinho para , que a cumprimentou num aceno tímido.
— Posso pegar esse lugar? — ele perguntou e ela concordou, indicando a cadeira com a mão. Ele se sentou e respirou fundo, encarando , que bebia de sua cerveja e olhava o horizonte. — Você fica bonita com esse penteado.
— Obrigada — respondeu, deixando a cerveja em cima da mesa. — Então. Como devo lhe chamar? Def? ? Ciclista barbeiro mentiroso de merda? — Ela o mirou pelos cantos dos olhos, causando um suspiro no artista, que sorriu sem humor.
— Ok. Merecido, eu concordo. Pode me chamar do que quiser. Acho que sou os três.
— O terceiro nome, com certeza. Já os outros dois, eu não sei — disse sarcasticamente, unindo as mãos em seu colo, balançando as pernas impacientemente. respirou fundo e se aproximou.
— Poderia, por favor, olhar para mim?
— Now focus on me… — cantarolou, o olhando enquanto ria debochada. — Boa música, aliás.
prendeu os lábios numa linha fina e passou as mãos nos cabelos, olhando as pernas de tremularem. Ergueu o olhar para o dela, que ainda o encarava.
— Não é o que você tá pensando.
— E o que é que eu estou pensando? — riu e pegou a garrafa, dando um gole e deixando o rapaz atento às suas ações.
— Olha, eu sei que mereço isso, tá bem? Mas eu quero que saiba que não é o que parece.
— Ok — ela respondeu, dando de ombros ao circular o dedo indicador no bocal da garrafa..
— … Posso ter a sua atenção ou não? — o olhou séria, pela primeira vez, e acenou com a cabeça, um pouco desconfortável. — Eu… porra, eu não menti, está bem? Eu só não te falei sobre esse lado. Fiquei com medo que soubesse quem eu também era, não sabia qual seria sua reação e talvez trouxesse problemas. Você viu por si mesma a confusão que foi aqui na festa. Imagina em lugar público? Eu poderia ter colocado você em risco também. Como se já não bastasse ter te atropelado.
— É um bom ponto — ela comentou de forma amena e sincera, examinando a expressão de , que pensava sobre as próximas palavras que diria.
— Mas eu ainda sou Def, ainda sou apaixonado por fotografia... Ainda sou o ciclista barbeiro e sonhador que acredita no acaso.
semicerrou os olhos, enquanto umedecia os lábios, ao pensar na confissão de . Por fim, ela virou seu corpo completamente, ficando de frente para ele, e aproximou o rosto do seu. Sentia-se confusa.
— Eu não entendo… Pra que tanto esforço?
— Como assim? — o homem perguntou, perdido. soltou um suspiro e abaixou a cabeça, encarando o chão. Remexeu nos cabelos de maneira nervosa e voltou o olhar para o rapaz. Ambos ficaram nesse impasse, até que ela decidiu respondê-lo.
— Olhares intensos, performances enigmáticas, falas em entrevistas que remetem à nossa conversa… E agora você aqui, me procurando quase 4 da manhã. O que diabos você quer com isso, depois de nitidamente esconder quem era? Ou seja, pra que tanto esforço, no final das contas?
engoliu a seco e o pomo-de-adão subindo e descendo em sua garganta chamou a atenção de . Após alguns segundos de silêncio e pensamentos, ela chegou a uma conclusão que não lhe agradava, mas… era possível. Talvez ele estivesse tentando consertar a cagada por temer boatos que poderiam prejudicá-lo, caso decidisse dizer algo publicamente.
Pensando bem, poderia ser isso, né? Afinal de contas, ele nada disse após sua pergunta.
Por fim, se afastou, e, negando com a cabeça, voltou a falar.
— Deixe-me facilitar as coisas para você, . — E o olhou de volta, com um sorriso genuíno. — Você não me deve nada. Pode ter se deixado levar pelo momento, afinal de contas, fui eu que te beijei. E, sim, arrependimentos existem e você não é obrigado a se sentir culpado por ter me dado o convite e agora pensa que foi um erro. Tá tudo certo. Se quis mentir, se não quis, tanto faz. Se está preocupado se isso vai sair na mídia, fica tranquilo, eu realmente não me importo com essa merda. Eu tenho outras coisas para fazer. Muito obrigada por gastar seu precioso tempo com isso, de toda forma. — E pegou o convite dentro de sua mochila, entregando-o para o rapaz. — Foi um ótimo show.
se levantou com rapidez e jogou a garrafa de cerveja vazia no lixo, colocando a mochila nas costas. Caminhou para fora da sacada e entrou no hall, chamando o elevador de serviço. Apesar de sentir-se um pouco murcha com a falta de reciprocidade do rapaz, que aparentava apenas temer a “má mídia”, ela tinha outras coisas com o que se preocupar, e outros motivos para se alegrar.
Motivos que não lhe davam tanto frio na barriga quanto olhar nos olhos de Def e imaginar tudo que poderia ter feito entre quatro paredes, mas a vida era cheia de surpresas. Estranhamente aceitava aquilo como seu destino e decidiu não ficar remoendo mais aquilo; libertou o k-idol da culpa, seguiu seu caminho e tinha novas conquistas a realizar.
Não estava tão ruim assim, né?
A porta do elevador abriu, tirando de seus próprios devaneios. A jovem entrou rapidamente e quando estava prestes a apertar o botão do térreo, surgiu ofegante, entrando no elevador como um foguete e apertando o andar da cobertura. A porta do elevador se fechou e o elevador subiu com os dois se encarando intensamente. franziu o cenho, sem entender nada.
— Mas o que—
— Eu nunca, em toda minha vida, conheci alguém tão tinhosa, tão cabeça dura, tão teimosa e tão irritantemente interessante como você. — A voz saiu falha devido ao fôlego gasto, porém um tanto sincera.
piscou algumas vezes, sentindo um misto de sensações ao ouvir aquela frase. Ao mesmo tempo que achou engraçado, se sentiu meio estranha com tantas verdades que ela odiava encarar. Mas a palavra já dizia: mentindo, não estava.
— Como é? — a jovem decidiu perguntar para ganhar tempo em seus pensamentos.
— Você tira conclusões demais sem sequer me deixar explicar. Nem tudo é no seu tempo, sabia? — A porta do elevador abriu no andar e segurou-a com uma mão, enquanto a outra enlaçava a de , num aperto leve e quente. — Me dá uma chance de te explicar? Sem conclusões precipitadas?
o encarou por alguns segundos, sentindo o aperto aconchegante dele. Ao julgar pela forma que seu estômago revirou em ânimo, ela não negaria aquele convite, e foi assim que cedeu; afirmou com a cabeça, deixando mais calmo enquanto soltava o ar dos pulmões de forma aliviada.
Os dois seguiram pelo corredor e logo alcançaram o quarto do rapaz, que abriu a porta e deu passagem à moça. entrou a passos incertos no quarto, que tinha o cheiro de . Inconscientemente, fechou os olhos e respirou fundo, gravando aquilo tudo na mente. Parecia surreal estar ali.
— Por favor, fique à vontade. — A voz já restabelecida de soou nas costas de , que abriu os olhos e travou o maxilar. Deu dois passos longos e sentou-se na beira da cama, cruzando os braços. — Aceita algo para beber?
descaradamente secou o homem com o olhar, dos pés à cabeça. Sua mente começava a ficar nublada — um quarto, ela e Def retomando de onde pararam —, mas decidiu que precisava focar de alguma forma: estavam ali por um motivo que não era aquele. Pelo menos não inicialmente.
— Eu bebo o que você beber — ela respondeu, desviando o olhar dele e encarando o frigobar ao lado da cama.
Def escondeu um sorriso no rosto, como se sentisse a atmosfera fluir pouco a pouco. Abriu o frigobar e puxou dali duas heineken’s, retirando o lacre e entregando uma a , que estendeu a mão para pegá-la.
Def aproveitou a oportunidade e, ao entregar a cerveja, envolveu a mão da moça, fazendo com que ela erguesse o olhar até si. Os dois se encararam por mais um tempo e decidiu desviar o olhar ao umedecer os lábios.
Encostou sua garrafa na dele, brindando sem dizer nada, e, após um gole, quebrou o silêncio.
— Estou ouvindo.
O artista puxou uma cadeira e se sentou diante da jovem. Deu um gole na cerveja, tentando ficar tranquilo, mesmo que intimamente se sentisse nervoso. Aquela mulher lhe deixava nervoso, mas era uma sensação não danosa, e sim, prazerosa.
O que ele diria afinal?
Lambeu o lábio inferior ao mirar o gás da cerveja subir dentro da garrafa.
Seria sincero.
Com os cotovelos apoiados nos joelhos, ele ergueu a cabeça para ficar de cara com . Queria olhar nos olhos profundos da jovem, lhe dizer aquilo que rasgou o peito a semana toda. Pigarreou antes de começar e, assim, tomou coragem para falar.
— Eu me assustei pra caralho com você. E continuo me assustando toda vez que você abre a boca e me surpreende com sua integridade e autenticidade. Mesmo quando é irritantemente guarda-alta. Mas eu sei que isso lhe é muito caro, assim como sei que a vida não pega leve com você…
prendeu o lábio inferior e a respiração. Sentiu-se atingida em cheio a ponto do olhar marejar, mas não permitiu que o pranto lhe fizesse companhia naquele momento. Não esperava que Def jogasse uma moeda tão alta consigo, mas lá estava ele, sendo sincero até demais.
— Só… vá ao ponto — ela pediu, com a voz levemente embargada. respirou fundo e se aproximou dela.
— Sei que não temos nenhum compromisso e ninguém tem obrigações aqui. Sei que está tudo bem nesse aspecto e fico agradecido por você, mesmo chateada, ter levado em consideração o meu estilo de vida, que muitas vezes compromete minha liberdade, como pode ver. Então não é nenhuma dessas convenções sociais que me move até aqui. O que rolou entre a gente pode ser considerado algo superficial por muitos, e eu realmente não me importo. Mas só achei que deveria saber que significou algo pra mim.
— O quê? — indagou quase em um sussurro, chocada pela fala de Def. Aquilo era um sinal de reciprocidade, afinal? Ele… tinha sentido algo semelhante ao que ela sentiu?
Def sorriu sem graça, coçando a nuca, e continuou a falar.
— Eu… pude ser eu mesmo. Na verdade, pude ser alguém que raramente tem espaço na minha vida. Eu não queria que isso fosse embora quando você descobrisse o lado que todo mundo conhece, .
A mulher o encarou com o cenho franzido, pensando no que ouviu. Remexeu os pés e apoiou a cerveja no chão, colocando as mãos na beirada da cama, ao decidir retrucar.
— Espera aí, Def. Isso é muito bonito de se ouvir, mas vai dizer que você não achou que eu fosse uma vigarista que se aproveitaria da situação? Quer dizer, não foi isso que o moveu? — perguntou descrente.
— Não! Não foi isso! — ele respondeu firme. Ela estalou a língua, rolando os olhos.
— Ah, qual é! Isso sequer passou pela sua mente, Def? — A encarada de fez o rapaz engolir a seco, encarando o chão. Ponderou por uns segundos e decidiu manter a sinceridade.
— Confesso que estranhei você não saber de mim como , mas sinceramente? Já pensou no que poderia acontecer se eu te dissesse? E se na hora que estivéssemos ali, alguém me reconhecesse ou ouvisse nossa conversa, o caos que seria? Como eu ia te deixar protegida, com bicicleta, com ferida na canela, num bairro que eu nem conheço? — E ergueu a cabeça, tentando achar uma brecha na feição endurecida de . — No começo, eu pensei que você estivesse fingindo não saber. Mas depois eu percebi que você realmente não fazia ideia! E eu fiquei aliviado, feliz por isso. Eu estava vivendo algo real! E não… Merda.
E, novamente, desviou o olhar, dando um gole na cerveja. respirou fundo e cruzou as pernas, impaciente.
— Não o quê? — insistiu e o rapaz a olhou de novo, receoso. Mordeu o lábio inferior e ajeitou a postura na cadeira, medindo as palavras que dizia.
— Digamos que eu já tenha vivenciado momentos desastrosos em ocasiões similares. Então é compreensível que eu suspeite das pessoas, não acha?
— Aí é que tá. Você não suspeitou! Você tirou conclusões e sequer me conhece — respondeu um pouco raivosa, ainda que nos lábios pairasse um sorriso incerto, como quem acha pouco justificável a colocação de Def. O homem balançou a cabeça, concordando com ela.
— Eu sei! Eu errei! Então não faça como eu e não se precipite. Tenta entender e me ver!
— E quem me vê?
— Provavelmente um artista idiota que te procura às quatro da manhã depois de passar dias sem tirar você da cabeça!
piscou rápido, encarando o quanto o peito de subia e descia. Ela não esperava ele se exasperar ao assumir aquelas palavras, e ela tinha que ceder para o fato de que… estava ali por algum motivo. E não queria ir embora.
a olhou nos olhos, deixando a garrafa de lado e segurando nas mãos de após um longo momento de silêncio. Apenas olhares se comunicando...
— Eu sei, eu não te vejo totalmente, não te conheço, é verdade. Mas eu vi algo em você. Algo que me atravessou… E, quando dei por mim, estava te mostrando um lado meu que quase ninguém sabe que existe! E você… me acolheu, e pareceu tão à vontade também! Mesmo eu tendo causado um estrago na sua canela ao te atropelar.
Do alto de sua fortaleza, tentava ver algum traço de cilada, mas tudo indicava que estava sendo sincero o tempo todo. Perdeu um pouco da dureza ao ouvir a frase final dele, e encarou as mãos unidas de ambos.
— Então me diz: quem sentou comigo naquele banco? Quem pagou pelas ataduras, quem trocou uma ideia sobre a vida, o acaso, os encontros? Quem tomou uma cerveja comigo? Quem me beijou? Foi Def ou ?
O rapaz se aproximou mais, ficando de joelhos e apertando mais as mãos nas de . Estava tão próximo que as respirações se confundiam.
— Naquele dia, você conheceu Def. Hoje, . E ambos fazem parte de quem sou. Eu não tive vergonha de você, não tenho. Eu fiquei com medo, como fico com tudo que parece ser bom e que esvai pelos dedos. Aquele momento foi algo muito bom para mim. E eu acho que também foi para você, . Então, só me deixa demonstrar... que realmente quis dizer aquilo tudo que falei na entrevista. E em como pedi intimamente que o acaso me presenteasse de novo… com você.
engoliu a seco, encarando os olhos de , mergulhando naquele mar intenso e agitado do rapaz.
As mãos dele sutilmente migraram dos pulsos de , subindo pelos braços dela de forma delicada, parando atrás de sua nuca.
Quando deu por si, segurava o rosto dela com preciosidade, encostando a testa dos dois.
— Você perguntou “Pra que tanto esforço?”. Porque vale a pena. E eu não quero ir embora sem mostrar isso.
— Def… — ela sussurrou contra seu rosto, entorpecida pelo movimento delicado e envolvente que ele fazia ao tocá-la com a ponta do nariz, passeando por seu rosto enquanto falava.
— Diz, . Diz que me deixa te mostrar.
ergueu os olhos de novo e baixou lentamente aos lábios do rapaz.
“Foda-se. Só se vive uma vez”, pensou consigo.
não se assustou como da primeira vez ao sentir os lábios da moça nos seus. Muito pelo contrário. Faminto por , a recebeu já ansiando pelo aprofundamento no beijo ao buscar a língua dela com urgência.
cedeu ao encontro na mais pura ardência, com gosto de saudade. Ambos estavam à procura daquela sensação de liberdade que sentiram na presença do outro e não tiveram nenhuma decepção ao repetir o ato.
As mãos dela seguraram o rosto de enquanto as dele espalmaram na cama, quando o rapaz posicionou seu tronco contra o dela. Giros, giros e mais giros na boca do estômago de ; seu interior vibrava em emoção, confirmando a vontade avassaladora de tornar real o que imaginou a semana inteira.
Com o toque quente e certeiro, o homem explorava a superfície do corpo de , que parecia entrar em ebulição a cada toque. As pontas dos dedos ágeis invadiram a blusa dela e ofegou ao sentir o corpo de arrepiar enquanto ele subia o tecido, deixando o torso da jovem desnudo, apenas com o sutiã.
Após se livrar daquele pedaço de pano, se permitiu parar por alguns segundos, observando com os lábios entreabertos, respirando com dificuldades, enquanto remexia discretamente o quadril, tentando conter a excitação.
Aquela cena gerou um sorriso sacana no rosto dele, que mirou todo o corpo dela com atenção.
— Incrível… — ele deixou o pensamento escapar, como se estivesse falando consigo mesmo, ao tocar o vale dos seios de , que impediu com dificuldades um gemido. arqueou uma sobrancelha ao notar o som vindo da mulher e começou a brincar com as sensações e sua mão, que passou a rodear e invadir o sutiã de .
— Def… — ela chamou, erguendo uma mão até a cintura do rapaz, agarrando a calça pelo cós, puxando o quadril dele contra o seu.
Foi a vez dele gemer enquanto franzia o cenho, ao sentir o pulsar em seu sexo.
— Me chama de novo… — ele pediu, se aproximando com um beijo furtivo nos lábios dela.
— Def — ela disse com dificuldade, ao senti-lo distribuir beijos pelo pescoço e mordiscar sua orelha.
— Hm? — ele retrucou, roçando em no meio de suas pernas, que se abriram em convite.
Os beijos desceram para os ombros e, com os dentes, se livrou das alças, deixando um rastro de saliva ao sentir o sabor da pele de .
— Deliciosa — deu seu veredito ao movimentar os lábios até onde a mão brincava, e após algumas provocações ao redor dos seios, implorou de olhos fechados.
— Def! — Sua voz saiu um pouco sôfrega, o que trouxe música aos ouvidos de . Sem delongas, ele abaixou o sutiã por completo e avançou nos seios, investindo em beijos e sucções, apertos e carinhos.
fechou as pernas ao redor dele, sentindo-se quente, muito quente!
Segurou o homem pelos cabelos e projetou o torso, a fim de que ele não parasse com as carícias. Com os pés desesperados, começou a arrastar a calça dele, que começava a descer pelas pernas torneadas do rapaz. Ainda que estivesse com a visão nublada, reparar nos detalhes de só a deixavam cada vez mais excitada.
Decidiu tomar algumas providências com a blusa que ainda o cobria e rompeu abruptamente os carinhos de , puxando com pressa o tecido por cima dos ombros do rapaz, que logo cedeu ao pedido.
Aproveitou a deixa para retirar a própria calça, mas deixou a calcinha de renda vermelha para atiçar o artista. Pelo olhar de tesão que ele lançou para sua vulva, o plano tinha dado mais que certo. Os olhos subiram para os de , que o olhava de volta. Aquilo parecia tornar tudo mais sensível, como se vissem a pintura de Dalí pela primeira vez.
E, de fato, viam algo cintilar num momento muito íntimo e desejado por ambos, sendo revelados pelos olhos — as janelas da alma.
O sorriso no rosto de aqueceu o ventre de , quando ela espalhou os dedos pelo abdômen dele, registrando tudo com voracidade, com todos os sentidos possíveis.
E então, ela mesma desceu o tecido da calcinha com uma única mão, enquanto o rapaz acompanhava o movimento totalmente entregue à ação.
adorou vê-lo tão concentrado.
finalmente ergueu os olhos em fogo aos de e, com a mão protuberante, envolveu o seio esquerdo da jovem, que arfou com aquilo. O rapaz beijou o espaço entre os seios e desceu preguiçosamente até chegar ao umbigo. Abriu a boca e deixou que seu hálito quente demorasse no ventre de , que inconscientemente abria mais e mais as pernas.
Os olhares nunca se desgrudaram.
Nem quando, numa tortura gostosa, trouxe o toque quente de sua língua no ponto sensível de , arregalou as vistas e projetou as costas em prazer.
Céus. Era aquilo que ela tanto ansiava!
Ao respirar com dificuldade, observava as investidas de em si, como se quisesse descobrir seu gosto no momento do ápice. Com aquele empenho, a descoberta aconteceria muito em breve.
Principalmente quando o dedo de começou a rondar a entrada lubrificada da jovem. O fio de controle visual que ambos tinham passou a se desfazer quando finalmente o indicador do homem entrou na carne de , que revirou os olhos em prazer, deixando um gemido audível escapar.
A cena era sem preço: ereto, com a face afundada no sexo de , o dedo a penetrando com agilidade, enquanto a outra mão do homem estimulava o seio dela. A mulher, por sua vez, segurava os cabelos dele, e a cada pequeno e forte aperto, era como se registrasse uma súplica daquilo que jamais poderia cessar.
— Def, porra… — ela rosnou, ao sentir um segundo dedo em si, e seu quadril passou a se remexer em harmonia com as estocadas dele, que aumentou o ritmo de tudo, sem desgrudar os olhos de toda e qualquer reação da mulher. — Caralho! Eu, eu vou…
— Goza pra mim, — a voz grave e rouca dele só potencializou o clímax de , que não hesitou depois daquele pedido; atingiu seu orgasmo em alto e bom som, trazendo um sorriso para os lábios molhados de , que deu um beijo estalado na virilha dela, obtendo uma tremulação involuntária da jovem.
riu com aquela reação, enquanto sorria como um gato manhoso na cama. Mordeu o lábio inferior ao ver o homem de joelhos se tocando ao encará-la de volta.
— Eu quero você — ela disse, deslocando o olhar entre o rosto do artista e seu pênis ereto. Aquilo só o fazia pulsar mais.
Como um cometa, soltou o ar preso nos pulmões ao avançar em ; começaram um beijo apaixonado, e o rapaz buscava na mesa de cabeceira o preservativo, que logo foi alcançado dentro da gaveta. Pararam poucos segundos para que ele se vestisse, e, sem avisos, o colocou deitado na cama, ficando por cima de si.
Espalmou a mão esquerda em cima do peitoral dele, enquanto a outra ajudava a encaixar-se na extensão quente e protuberante do homem. O arfar foi inevitável quando desceu milímetro por milímetro, e a feição de mudou de ansiosa para sôfrega; os lábios entreabertos, o cenho franzido, os olhos contemplando a penetração tão esperada.
A respiração ficou descompassada, o peito dele começou a subir e a descer, assim como em seu colo.
— Você vai me matar — ele concluiu, segurando a cintura de com força, enquanto ela soltava uma risada sensual.
— Eu só estou retribuindo o favor — ela brincou, e, com destreza, apoiou as mãos no colchão enquanto começava a se movimentar com mais rapidez, soltando grunhidos inaudíveis de . Vê-lo num estado tão entregue, sentindo todas aquelas sensações excitantes, a deixava num estado de êxtase como há muito não ficava.
não conseguiu manter o contato visual, fechou os olhos com força e começou a investir por debaixo da moça, ao abraçar com afinco a cintura dela. envolveu os ombros de e colou seu tronco no dele, recebendo as estocadas com gosto, enquanto gemia no ouvido, pedindo por mais.
Aquilo era prazerosamente enlouquecedor, e ele atendeu ao pedido da jovem sem pestanejar; virou com ela na cama e, ao ficar por cima, começou a investir com vontade, soltando o ar pela boca enquanto encarava as reações faciais da mulher, que o seguia nos movimentos dos quadris. Numa empolgação inédita, colocou uma das pernas apoiadas no ombro de , que revirou os olhos e gemeu alto ao senti-la mais fundo.
— Puta que pariu, …!
Aquilo foi como música para os ouvidos dela. E parecia que os dois passavam a ouvir uma sinfonia harmônica demais enquanto se permitiam expressar livremente o tesão e o desejo concretizado ao explorarem um ao outro.
Numa cartada final, saiu debaixo de , ficando em quatro apoios e, após se ajeitar na cama, o olhou por cima dos ombros, lançando uma feição sugestiva. A boca aberta e a face hipnotizada do homem entregaram seu estado de prazer.
— É oficial: você está me matando.
Ela soltou uma gargalhada gostosa, que prontamente foi interrompida quando entrou em si, segurando com precisão a cintura dela. Investiu dentro de e foi à lua e voltou ao perceber que a curvatura de seu pênis casava com o canal vaginal da mulher. também sentiu a diferença e se permitiu apertar os lençóis ao receber com força, que começava a latejar dentro de si, anunciando seu orgasmo.
— ! — ele a chamou, e ela, provocativa, ditou abruptamente o ritmo, desacelerando e aprofundando ao mesmo tempo. — Caralho, !
Ela rebolou contra ele, sentindo-o explorar cada canto de si. Prolongou o movimento por mais um tempo e se surpreendeu quando segurou os cabelos da nuca, trazendo a cabeça para perto da sua. Ele colou os lábios na orelha esquerda e dedilhou até encontrar o clitóris, recebendo um alto gemido em resposta.
— Goza comigo, vai — ele pediu, respirando fundo e engolindo a seco, fazendo com que a mulher percebesse o quanto ele estava se segurando para aquele momento.
Então os movimentos desacelerados passaram a manter o ritmo ameno, enquanto investia nos estímulos em , que rebolava em busca do prazer.
— Isso, assim, aí! — ela pedia em sussurros ao apertar o próprio seio.
seguiu dedilhando com afinco e se surpreendeu ao sentir a mão de sob a sua, bem onde ele a tocava; ela lhe indicava o caminho, ele a obedecia com obediência e dedicação, sentindo a lubrificação aumentar diante do desempenho.
— Def… Def! — ela chamou em desespero, e ele entendeu que ela estava perto. Começou a aumentar os ritmos, sem que aquilo comprometesse a estimulação clitoriana, e rangeu através dos dentes quando sentiu o sexo de lhe envolver mais ainda. Diante do gemido prolongado, a mulher alcançou o segundo orgasmo enquanto recebia as estocadas do jovem homem.
Foi uma das sensações mais incríveis que vivenciava nos últimos tempos.
— Caralho… ! — ele anunciou o prenúncio do fim, e após duas investidas profundas, gemeu alto contra a nuca de , com a boca aberta apoiada em sua pele.
A mulher sentiu quando seu interior se preencheu numa temperatura mais quente e gostosa, e arfou em prazer.
Ambos caíram mortos na cama, se desfazendo do preservativo e o descartando no lixo, enquanto o observava, ainda buscando fôlego.
O casal se olhou por alguns segundos e a trouxe para perto, acariciando a barriga desnuda dela.
— Se era isso que você queria me mostrar, então você pode me mostrar sempre que quiser.
soltou uma gargalhada alta, escondendo a cara no pescoço de , que riu em resposta. Ele depositou um beijo rápido ali e voltou a observá-la, subindo a mão até o rosto da jovem.
— Você é linda. Toda linda. Nas falas, nas vontades… No jeito de sentar.
Foi a vez de esconder o rosto nele, dando um tapinha no ombro do homem, que riu em resposta.
— Você era mais cavalheiro há uns dias. Não falava desse jeito!
— Isso foi antes de você me mostrar o quão incrível você pode ser. Tá de parabéns e nem é seu aniversário!
Os dois riram alto e ela negou com a cabeça.
— E quem disse que não? — arregalou os olhos.
— É seu aniversário?
— Poderia ser… só para contrariar. — Ela riu, sapeca. Ele rolou os olhos, sorrindo.
— Isso é tão você, garota. Escuta… — ficou mais sério, olhando nos olhos dela. — Não tive aquele discurso só para isso. Quer dizer, isso tudo, foi muito…
— Bom? — ela sugeriu, com um olhar curioso.
— Eu diria foda, mas bom também serve. — Os dois riram e ele acariciou a cabeça dela, voltando à sua fala. — Mas é algo que eu queria pontuar, sabe? Não é só essa parte que é boa. Conversar com você naquele dia foi muito bom também.
sorriu sem graça, sentindo o frio a barriga com aquela sinceridade de .
— Mesmo eu sendo meio grossinha?
— Acho que eu mereci, já que te atropelei. E você não parecia estar num dia bom. Mas vi que você não se resumia a isso.
— Não mesmo… Tem muita coisa acontecendo na vida, sabe? Mas uma delas é justamente a inflexibilidade de me resumir. Já não preciso mais tentar caber em nada.
a encarou, contemplativo, e uma pequena ruga surgiu no meio de sua testa.
— Como assim? — perguntou, atento. deu um meio sorriso e se permitiu desenhar formas invisíveis no peito dele, ao se virar para o rapaz.
— Digamos que finalizei ciclos importantes para que eu abrisse espaço para mim mesma.
— Sério? — ele indagou, com um sorriso surpreso. Ela acenou com a cabeça.
— Sim! Terminei minha faculdade e resolvi as pendências que faltavam com… o pai da minha filha. Sou oficialmente divorciada e produtora cultural.
— Uau. Isso é muita coisa mesmo. E como você se sente?
— Estranha. Mas é um estranho bom… Como se de alguma forma, tudo isso fizesse sentido, mesmo sendo novo e até… meio assustador.
— Mudar exige algumas coisas, né? Mas me parece que está valendo a pena.
— Bastante. Não sei ao certo como consegui ficar tanto tempo negando a necessidade de mudar.
— Que bom que você conseguiu, no fim das contas. Fácil não é, né?
parou os desenhos invisíveis e encarou , sorrindo abertamente.
— A vida não é para amadores, né? Mas para amantes de si mesmos.
a encarou com as sobrancelhas em pé e sorriu com aquela frase.
— E o que você vai fazer como amante de si mesma?
— Bom, agora agoooora, eu vou amar o próximo como a mim mesma — respondeu, com uma feição sugestiva, dando beijos no queixo do rapaz, que riu com aquilo.
— E como você pretende fazer isso?
— Abraçando o acaso… — E envolveu o tronco do rapaz com seus braços, de maneira sutil. dedilhou o rosto dela e o segurou em sua mão esquerda, mirando em seus olhos.
— Como um ciclista que atropela uma moça num sinal fechado? — sorriu ao ouvir a mesma frase de dias atrás.
— Como um ciclista que atropela uma moça num sinal fechado — a mulher respondeu, indo ao encontro dos lábios do rapaz, que a recebeu de bom grado.
E ali, deitados na cama e aproveitando o momento que tinham, não passavam de acasos. Acasos que se encontraram após reconhecerem um no outro, a tempestade interna e a bagunça que ela poderia causar em si.
Contudo, o ditado era certo: toda tempestade chega ao fim.
teve a certeza quando percebeu que o sol de sua vida, mesmo depois de tudo, ainda era ela mesma. Assim como parecia partilhar do mesmo entendimento em relação a si.
E como estrelas brilhantes, o encontro não poderia ser nada menos do que intenso, purgante, potente.
Ele simplesmente era, existia. E isso já era o bastante.
FIM
Nota da beta: Eu estou completamente apaixonada por essa fanfic. AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA.
Impossível não shippar esses dois logo de cara e ficou tudo tão realista que me fez sonhar acordada.
Você arrasou demais, mulher. Eu juro que fiquei louca com esses dois e querendo muito ler mais sobre eles.
Parabéns! ♥
Para saber quando essa fanfic vai atualizar, acompanhe aqui.
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