Capítulo Único
3 de janeiro de 2018
Ainda existia barulho de trânsito, luzes altas e uma movimentação insana na rua. estava sentada na cama olhando tudo isso pela janela, aquele exemplo de agitação e insanidade da civilização, nada nunca parava, nem as 3 horas da manhã. Era reconfortante de certa forma, estar nesse pique e sentir como se nada no mundo fosse pará-la, porque existiam milhões de coisas a serem feitas e sua mente ficava tão ocupada, todos os pensamentos pareciam estar sob efeito de adrenalina e você não sentia sua própria respiração, nem nada além daquilo do seu foco. Era ótimo quando ela estava se sentindo assim e era uma porcaria quando ela parava. A mente continuava a mil, mas não havia nada a se concentrar, só girava em torno de milhões de assuntos sem especificidade, era meio desconcertante, especialmente quando isso causava insônia em uma das poucas noites da semana com permissão de 8 horas de sono. Ela devia estar dormindo, não observando o trânsito e pensando em coisas estúpidas da adolescência. Pelo amor! Por que o cérebro era tão aleatório antes de dormir? A adolescência tinha passado há muito tempo, fazia mais de dez anos desde que se formara no ensino médio, e a vida tinha seguido exatamente como planejado. Era bem formada, ganhava bem e trabalhava no sonho de infância, ou uma versão dele. Sem a parte de salvar o mundo, apenas a de ajudar uns poucos por ai. Medicina não era exatamente todo o sonho e maravilha da sua imaginação, mas ainda era o que ela queria. O trabalho que dava os plantões de 48h, nos quais sua recuperação devia acontecer agora. Soltou um suspiro frustrado e caiu de costas na cama e escondeu o rosto no travesseiro. Cada vez que tentara dormir sua mente viajara, passando por dezenas de rostos não vistos há anos, por cenas antes perdidas na sua memória e uma sensação de nostalgia surgia. Não era nem saudade ou infelicidade, era só um sentimento de falta e de perceber como as coisas mudaram tanto. Como ela mudara tanto, nem sequer mantivera contato com ninguém além da sua família, quando todas as amizades daquela época pareciam eternas e necessárias. As notícias recebidas sobre as pessoas da sua infância e adolescência vinham do Facebook, como se fossem uma página de notícia. Pessoas distantes e quase desconhecidas.
Não sabia o que causava esses pensamentos, suas noites de insônia eram recheadas, normalmente, de casos de pacientes novos e velhos, repensando o que deveria ter feito e se era possível ser melhor. Será que a proximidade da data causava isso? Não devia ter olhado no calendário, normalmente não o acompanhava, apenas seguia o planejado sem completa noção nem do dia da semana em que estava. Mas algo a fizera olhar e encarar 16 de janeiro. Faria 11 anos que o fatídico dia ocorrera, alguns desses anos nem sentiram a data e só recordaram no ano seguinte ou meses depois. Talvez realmente fosse mais dura como diz sua mãe, alguma (ou toda) doçura e sensibilidade foram perdidas no meio do caminho, afinal, que tipo de pessoa esquecia-se do dia em que perdera o filho e a vida que quase foi?
14 de janeiro de 2018
- Alguma emergência a caminho? – a voz de era ouvida pela enfermeira Jane Mayer no balcão perto da entrada do emergência. A moça estava em plantão e esperava uma noite agitada, mas tudo estava calmo, apenas ferimentos leves e algumas indisposições. Seu plantão deveria durar até o dia seguinte e se tudo se ajeitasse, nem sentiria o passar do dia e tudo seria normal e indolor. Quando acabasse estaria tão cansada que não saberia mais detalhes de nada de 16 de janeiro.
- Uma ambulância com vítimas de um acidente de carro está a caminho. – Jane respondeu com um sorriso compreensivo, sabia da inquietude de com a tranquilidade.
O agradecimento pela informação foi interrompido pelo som da ambulância em questão. sorriu ironicamente e se dirigiu a entrada do local. As coisas estavam finalmente entrando no plano.
O paciente do acidente estava sobre a mesa de operação tendo seus sangramentos controlados e fechando as perfurações. encarava o abdômen dele com seriedade e total concentração até o som do interfone interromper o silêncio novamente, já havia acontecido antes com a ligação ignorada de sua insistente mãe. Escolheu ignorar o som e terminar a operação que estava ao fim.
- Doutora Walker, sua mãe ligou para a recepção e diz que precisa falar urgentemente com a senhorita. – soltou um suspiro baixo e se perguntou antes de responder o porquê sua mãe ainda não havia entendido que uma ligação não respondida e sem retorno significava estar ocupada.
- Diga a ela que retorno em meia hora, estou no final e falta apenas fechar o paciente.
- Ela disse para não esquecer e que ligará de novo. É urgente. – sorriu ironicamente com o sentimento que sabia sobre o que era e disse: Claro que é. - Oi, mãe, o que aconteceu de tão importante que não podia esperar? – A voz de era impaciente, achava que a ligação era sobre o dia que se aproximava. Uma não emergência em sua mente, afinal não havia mais nada a ser feito.
- está morta – Mary respondeu com uma voz chorosa e sem intervalos e hesitações, não havia forma delicada de declarar isso.
- O quê? – a incredulidade a preencheu, a frase não fazia sentido em sua cabeça, era sua prima e melhor amiga de infância, talvez seu relacionamento não fosse o mesmo de antes, mas aquela era a mulher mais próxima de uma irmã que chegou a ter. A pessoa mais forte que já conheceu, tão forte e segura que não podia estar morta. Não se deixaria ser tomada por algo tão mundano quanto a morte. Não podia ser verdade.
- Ela teve uma complicação no parto e precisavam escolher entre a vida do filho e a dela.
- estava grávida? Como? O quê? – nada daquilo fazia sentido, como não sabia sobre isso? Lembrava perfeitamente de conversar com ela dois meses atrás, uma gravidez nunca foi mencionada. Ela nem sequer sabia se queria ser mãe, o sonho dela foi a carreira e o mundo. Sempre com a cabeça nos lugares que queria conhecer e os que já conhecia e era apaixonada.
- Ela não queria te contar, por motivos óbvios, pensou que iria magoá-la saber disso. – a ironia era tanta que não sabia o que dizer. O filho sempre foi o sonho dela e ele nunca chegou a realmente respirar sozinho. nunca falou ou pensou sobre isso, mas foi ela quem deu a vida por um filho no final. – O funeral acontecerá dia 16 para que os pais dela consigam chegar a tempo, tudo foi muito rápido e o bebê não era previsto até o início de março. Ninguém esperava e só Dan estava no hospital quando tudo aconteceu.
- Eu.... eu vou comprar uma passagem de avião e estou indo para casa – um silêncio surpreso seguiu essa frase, não tinha posto os pés na cidade em que nascera desde sua saída para a faculdade.
- Tem certeza? Ninguém realmente espera que você venha.
- esperaria que eu fosse, conhecesse o filho dela e apoiasse Dan nesse momento. É o mínimo que eu posso fazer.
- Você poderia sair do banheiro e dizer qual foi o resultado? Ficar trancada não vai mudar nada. – estava em pé encostada à porta do banheiro de seu quarto tentando causar uma reação além de silêncio em , aquele silêncio não significava o resultado esperado das duas. – Vamos , eu quero ajudar, mas não posso fazer nada se você continuar trancada.
- Deu positivo, eu estou grávida. – abriu a porta com o rosto inchado e vermelho, os olhos vermelhos e um sorriso que parecia uma careta. – O que eu vou fazer agora?
- Você sempre quis ser mãe, amiga. Vai apenas acontecer antes do esperado – falava enquanto seguia em direção a sua cama, esta afundava o rosto no travesseiro e fazia um som parecido com um gemido.
- Antes do esperado? Isso é o eufemismo do ano. Eu tenho 18 anos, queria um filho depois que eu me formasse, depois de um casamento ou algo mais sólido que um relacionamento que nem sei se aguentará a distância. Eu queria ser médica e depois mãe. – Suas palavras já não eram tão claras através do choro, mas a conhecia bem e entendia a mensagem, sabia o que algo assim faria a . – Eu nunca quis ser apenas mãe e eu sempre quis ser mais coisas, coisas que ainda não descobri nem irei.
a puxou para um abraço e a segurou, entendia o choque da amiga, mas sabia que os sonhos não precisavam acabar agora. Então disse:
- Não precisa significar o fim de tudo, eu sei que será um choque para a tia Mary, nem será algo do gosto do tio John, mas eles não irão te abandonar. Nem te deixar sozinha. Eles te amam, amarão essa criança. Talvez medicina atrase um pouco, mas ela virá. Ou quem sabe, você descubra outro sonho, outra coisa que queira ser.
olhou para com um sorriso carinhoso, grata por ela estar ali com ela através disso. Não sabia como poderia lidar com isso sem ela. Abraçou a um pouco mais forte antes de dizer o que estava no fundo de sua mente desde que vira o resultado do teste de gravidez.
- Meus pais não são os únicos que precisam saber. Preciso contar para – um suspiro leve saiu de sua boca ao dizer o nome. – ele está tão entusiasmado com a escola de música, tão feliz. Como eu posso acabar com isso? E se ele me rejeitar, se rejeitar o bebê? E se ele nos abandonar?
- Eu estarei contigo para contar se ajudar. Ou te espero enquanto conta. E se ele fizer isso... se ele agir como o idiota que eu sei que não é, ou espero não ser. Eu vou estar lá , para tudo. Como foi em toda a nossa vida. Isso nunca mudará.
16 de janeiro de 2018
saiu do carro e suspirou ao ver sua casa de infância. Finalmente chegara, depois de horas no aeroporto e mais algumas no carro, esquecera o significado de morar em uma cidade tão pequena com o aeroporto mais próximo a duas horas de distância. Esquecera muitas coisas, mas o aperto no coração ao ver o local de tantos acontecimentos não foi uma delas. Suspirou e olhou para as chaves do carro, não era hora para isso. Precisava guardar isso bem no fundo dela como sempre fazia. Aquele não era o momento para transbordar, era a hora de permanecer inteira. Não precisava de mais pensamentos tristes além dos acompanhantes da cerimônia fúnebre de hoje. Precisava manter a mente em branco o máximo possível.
Andou em direção a porta e bateu na porta, fazia tanto tempo que nem as chaves possuía mais. Esperou um pouco antes do rosto choroso de sua mãe aparecer na porta.
- Oh, querida. – Mary puxou a filha para um abraço forte e ficaram assim por alguns instantes com apenas as respirações das duas. Tirando forças daquele abraço que ainda lhe dava forças depois de tanto tempo, finalmente conseguiu dizer algo.
- Oi, mãe, eu consegui. Eu... Eu sinto muito – não sabia se a fala era pelo o que aconteceria, era tanto como uma irmã para ela como uma filha para Mary, ou se por ter demorado tanto para voltar, por estar sempre afastada mesmo quando as duas estavam juntas. A mãe entendia isso melhor que a filha e sabia ser de certa forma pelos dois. Por isso a abraçou de novo e por mais tempo dessa vez, algumas lágrimas caindo de seus olhos enquanto segurava a filha forte.
- Eu sei, meu amor. Entre e tome um banho e troque de roupa. Ainda temos algum tempo. Você irá conosco no carro. A família precisa continuar unida em momentos como esse. – limpou as lágrimas do rosto e puxou o queixo da ilha para cima, vendo vestígios de lágrimas nas bochechas de e as limpando suavemente com as mãos. - Seus tios ficarão satisfeitos de te ver aqui.
Um sorriso melancólico foi trocado e as duas mulheres Walker entraram na casa.
A família Walker estava sentada na primeira fila, olhando para o caixão que continha o corpo de alguém tão importante para todos eles. O funeral iria iniciar a qualquer momento, o velório passara como um borrão para todos, nenhum deles tinha a completa compreensão do significado de tudo, ainda não entendendo como algo assim aconteceria com . Como ela poderia não estar ali ao lado de Dan como estivera a vida toda.
O pastor começou a falar e trocava olhares entre o ele, o caixão e Dan, não conseguindo manter o foco em nada específico até ver um carro preto estacionar próximo e alguém sair dele, não conseguia vê-lo direito até ele chegar mais perto. Choque percorreu seu corpo ao ver um rosto tão familiar e ao mesmo tempo tão estrangeiro. . O que fazia aqui? Na última vez que ouvira falar dele, estava na Europa, fazendo concertos como pianista.
andou até chegar na mesma fila da família e se manteve em pé com os olhos fixos no pastor. Ouvindo palavras de um homem sobre uma mulher que havia sido tanto como uma irmã para ele como foi para .
- Vamos, eu quero que você conheça alguém – uma de 12 anos arrastava pelo braço em direção a sua casa, estava com um sorriso gigante no rosto e o corpo quase tremendo de felicidade. Sua prima favorita estava de volta das férias com os pais e finalmente poderia fazer seus melhores amigos se conhecerem. se mudara para a cidade nas férias de verão e desde então não se desgrudavam. Agora poderia apresentar suas pessoas favoritas no mundo inteiro uma a outra.
- Tudo bem, mas não precisa arrancar o meu braço para isso. – massageava o braço marcado pelo entusiasmo de enquanto esta passava pela entrada e corria em direção a sala, gritando o nome com um entusiasmo com capacidade de criar uma pitada de ciúmes no menino que não dividira com ninguém em três meses. Andou devagar a fim de evitar o inevitável até ver uma menina pequena de cabelos castanhos e sardas no rosto. Ela era bonita, pensou.
- Quem é esse? – a menina bonita perguntou com uma voz doce.
- Esse é , meu novo melhor amigo. – a menina olhou com um rosto engraçado e não muito feliz com a novidade, antes que pudesse dizer algo, a fala continuou. – Então, ele é também o seu novo melhor amigo.
A menina sorriu sapeca com isso e disse.
- Sério? Eu sou e vamos ver quanto tempo ele aguenta esse cargo.
- Então, quando o momento da coragem acontecerá? – riu com a confusão fingida de , como se ele não soubesse sobre o assunto que ela falava.
- Que momento de coragem?
- O momento que você vai pedir a para sair claro – o rosto de assumiu um vermelho forte com a frase, tornando impossível esconder a verdade da fala dela.
- Eu não tenho ideia do que você está falando. – a sobrancelha dela subiu com isso, como ele pensava que podia se fazer do bobo com ela depois de todo esse tempo? Conheciam se há três anos e ele nunca foi bom em mentir de qualquer jeito.
- Acho que você tem. Sabia que suas orelhas ficam vermelhas toda vez que aparece? E que você se pendura em cada palavra dela? Ou que a única apresentação sem ser de música com a sua atenção é qualquer uma em que a Eli esteja? Como você olha para todo mundo e os faz ficarem calados porque sabe que isso a deixa nervosa enquanto fala em público. – ficou surpreso, nem ele sabia disso tudo, como podia ser tão transparente para ela?
- Nós somos melhores amigos, quase irmãos, isso não quer dizer nada.
- Sério? Porque você não faz isso comigo, na verdade, eu mal consigo um segundo de atenção quando você está no piano, mas se aparecer, nem lembra se tem ensaio. – disse tudo com o sorriso confiante de quem sabia que estava certa. – Se você quer continuar negando, tudo bem. Mas se te interessar, a resposta dela seria sim.
- O quê?
- Se você a chamar para um encontro, ela dirá sim. Você não é o único transparente com os sentimentos.
Jogavam a terra em cima do caixão e as pessoas começavam a se dispersar. continuou parado e olhando para o buraco meio preenchido até sentir alguém o cutucando, olhou para o lado e perdeu o fôlego ao ver esse rosto. Não acreditava que ela conseguiria vir, não acreditava nem que ele conseguiria. Sempre foi difícil sequer pensar na cidade, quanto mais voltar. Olhar para o que deveria ter sido sempre é difícil.
- Oi – a voz de era trêmula, tão descaraterístico dela, mas precisava dizer algo, não podia continuar calada como fez nos últimos anos. Não havia sido culpa de ninguém e precisava parar de agir como se fosse.
- Oi – também estava inseguro, sem saber quais as palavras certas a dizer a alguém que já significou tudo.
- Como você está? Faz um tempo. – as palavras pareciam erradas e inadequadas. Não era uma conversa mundana, nem devia ser. Hoje era um dia difícil, perderam a melhor amiga e hoje fazia 11 anos, ele teria quase essa idade também, se o mundo fosse mais justo.
- Eu estou bem, dado tudo. Eu... eu senti sua falta . – a boca de estava seca enquanto dizia isso, estava nervoso, não se sentia assim há muito tempo. Mas esse era o dia de recordações e passado afinal.
o olhou bem e fez a única coisa que fazia sentido, disse a verdade.
- Eu também, mesmo quando eu não quero. – hesitou um pouco antes de continuar, observou o cemitério ao redor dele, notando que todos já haviam ido embora, só restava eles e , a própria imagem do passado se o cenário e as circunstâncias fossem diferentes. – Podemos ir a algum lugar? Precisamos conversar e... acho que isso era o que iria querer. Ela sempre me disse para ligar, eu nunca tive coragem.
- Acho que sei onde, eu estou de carro. Podemos ir nele? – o nervosismo era visível nos dois, depois de tanto tempo, ainda tinha razão. Eles eram muito transparentes para o mundo quando se tratava um do outro.
- Claro.
O carro de parou em frente a uma casa afastada da cidade, os dois a conheciam bem e nunca puderam se desfazer dela. Era a casa que eles teriam morado se Sam tivesse nascido, se eles tivessem casado, se escolhessem ficar. Fora um presente dos pais de , uma casa antiga que pertencera a uma senhora desconhecida. A casa era suposto significar um começo bonito, agora, era um amontoado de fantasmas.
- Parece bem conservada – a conversa fiada parecia uma boa opção agora, talvez eles não precisassem realmente conversar, poderia fingir que nunca o havia revisto. Era boa nisso agora, em fingir.
- Meus pais pagam alguém para tomar conta as vezes, eles sempre pensaram que eu poderia querer voltar. Não queria ficar em um hotel, queria algo familiar. – se encostara no banco do carro, também sem pressa de sair.
- E é? – a olhou confuso, não entendendo a pergunta, então continuou. – Familiar, tem sido um tempo, aposto que muitas coisas mudaram.
- A única mudança foi a gente , ela continua igual, inclusive o quintal se era isso que você queria saber. – soltou um suspiro, sabia que continuava ali, ninguém da família se atreveria a tocar, mas a realização do que realmente estava lá só passou por ela agora. Seu filho. Parecia que tudo teria um cemitério hoje.
- Mais um pouco, um degrau aqui – segurava as mãos de uma vendada, guiando a para uma surpresa e sentindo sua impaciência.
- Falta muito? Ainda não acredito que você me fez entrar vendada em um carro. – riu e desamarrou a venda, segurando a enquanto contava de regressivamente a partir de três.
A venda caiu no chão, seguido por um suspiro e olhos arregalados. encarava a casa, tentando criar sentido nisso, porque não poderia ser o pensamento mais lógico. Afinal, como seria possível?
- Isso é..?
- A nossa casa? Sim, meus pais compraram e eu prometi que os iria pagar de volta, apesar de eles insistirem ser um presente para a filha postiça deles. Às vezes, acho que eles gostam mais de você do que de mim. – sua voz brincalhona era seguida por um pulo de elise que envolveu as pernas ao redor de sua cintura. O sorriso dela poderia ser visto a quilômetros de distância, felicidade irradiava de cada poro dela.
- Eu amo seus pais. Completamente. É lindo, é a coisa mais linda que eles já me deram, não que eles tenham me dado muitas coisas, mas você entendeu. – o êxtase a deixava mais falante e tudo saiu atropelado pela velocidade da fala.
- Ama meus pais? A coisa mais linda que eles te deram? E quanto a mim? – falou enquanto a apertava um pouco e aproximava seu rosto.
- Okay, a segunda coisa mais linda que eles já me deram. E eu os amo, mas não mais do que amo você.
sorriu apaixonado, seus olhos brilhavam e disse antes de a beijar lentamente, como se nunca tivesse feito isso antes. Cada parte de si se sentindo mais pleno do que nunca. Mais feliz até do que a música o faz.
- Não mais do que eu te amo.
As coisas talvez não fossem como planejado, mas eles seriam felizes.
Os dois estavam em silêncio na mesa da sala, demorara um pouco para saírem do carro, nenhum deles com forças de realmente fazer o que precisava ser feito. De ter a conversa tão adiada. De realmente lidarem com a dor um do outro. Mas os empurrava para isso, como sempre fizera, os confrontando para fazer o certo, para lidarem com os próprios sentimentos.
- Eu nunca disse sinto muito por ter me escrito na Royal Academy of Music, por não ter dito nada sobre, nem por ter ido quando fui aprovado. – resolveu quebrar o silêncio e começou por algo que sempre precisou ser dito.
- Eu mandei você ir lembra? Não é como se você tivesse me abandonado, como se tivesse um motivo para ficar. Já estava tudo acabado quando essa carta chegou. Eu nunca tive raiva, não demorei muito para ir embora também, você sabe.
- Isso não importa, eu não devia ter te deixado sozinha, era muito recente você estava magoada. Eu nem sequer fui pela música, ou pela carreira ou por sonhos. Eu só não conseguia mais te ver naquele quarto, naquela cadeira com aquele bichinho de pelúcia sempre abraçado. Era mais doloroso que tudo. Eu só precisava sair. Mas isso não é desculpa, eu não devia ter fugido. Você não deveria ter ficado sozinha aqui ou na casa dos seus pais. – tinha as mãos trêmulas como poucas vezes a teve, era uma mistura de culpa, tristeza, decepção e, lá no fundo, uma parte de um amor que nunca realmente teve um fim concreto, nunca teve as palavras necessárias ditas.
- Você precisava de um novo começo, você não conseguia respirar nessa casa, nessa cidade, não conseguia ir no parque porque imaginava como nosso filho teria parecido lá. Não conseguia passar em frente ao hospital porque tudo se perdeu lá. Não olhava para as lojas que compramos as coisas dele. Não conseguia olhar para mim, não porque você me culpava por perder o bebê, mas porque ele também era uma parte de mim, você não se olhava no espelho como eu, porque imaginava quais partes de si ele teria. – a voz de já estava trêmula e lágrimas guardadas por anos desciam pelo seu rosto. – Sabe como eu sei disso? Porque eu senti o mesmo, eu não conseguia ficar perto de você nem de nada, quando te disse para ir não era por mágoa, era alívio que não precisávamos mais aguentar esse peso juntos. Doía olhar para você, doía ouvir você tocar a música de ninar que compôs para ele. Mesmo que isso me fizesse sentir próxima dele, como se ainda estivesse aqui. – suspirou e segurou a barriga como se para manter inteira, tentou controlar as próprias emoções e perguntou.
– Você lembra-se dessa música? Ainda consegue tocar?
- Eu nunca poderia esquecer, mesmo se eu quisesse, eu não a toco desde que sai daqui, mas ela nunca saiu da minha cabeça. Tornou-se como uma parte de mim. – olhou para as próprias mãos como que as vendo tocar aquelas teclas, como se acontecendo bem em frente aos seus olhos. – Eu sei que você não tem raiva, sei que entende, nós sempre fomos parecidos. Você foi para a faculdade na primeira oportunidade que teve depois da minha partida, meus pais me contaram. Eu.... – outro suspiro, talvez a única coisa que sobrasse a eles. – Eu só sei que não foi certo, mesmo com a sua benção, eu só queria tornar algum sonho real, tornar algum plano sem falhas incorrigíveis em algo real, sei que isso foi a sua motivação para medicina também. O plano antigo era seguro, sem dor. Mas, talvez, nós deveríamos ter tentado tornar o plano vida juntos em algo real.
- Ele foi algo real, tão real que não deu certo. – a melancolia preenchida com ironia o interrompeu. – Os sonhos mudam, a coisa certa a fazer nem sempre é indolor e, naquela época, eu não podia lidar com mais dor.
- Talvez, deveríamos ter lutado mais, em vez de seguir em frente. Talvez, o certo fosse agir como se o outro fosse real, não fingir que nada disso aconteceu. – continuou com a voz mais forte, ignorando o que ela tinha acabado de dizer, não era novidade, os dois sabiam, eles precisavam falar sobre o que ainda não havia sido dito.
- Você está propondo que tentemos de novo? Sério? Está preso em um passado de 11 anos que já fracassou. Nós nunca poderíamos voltar a antes de Sam, ele mudou tudo. – se tornou defensiva e tentava deixar a vulnerabilidade escondida, substituindo dor por raiva e incredulidade.
- Eu não estou dizendo isso. Estou dizendo que não deveríamos ter desistido tão fácil naquela época. Mas já passou muito tempo e não podemos mudar. Mas podemos agir melhor do que dois adolescentes que não podiam suportar a visão um do outro, não tinham a maturidade de tentar lidar com a dor de uma forma saudável. Estou dizendo que precisamos nos despedir de verdade um do outro. Despedir-nos dele.
- O quê?
- Acho que devíamos ir até ele e dizer adeus, dizer tudo o que nunca tivemos coragem. Tornar as coisas certas agora.
olhava o quintal pela janela, podia ver a árvore que tinham plantado anos atrás. Ela crescera e era forte. Mais forte do que seu menino nunca pode ser. Era estranho como a vida podia tirar forças da morte, a semente dela fora plantada em cima do corpo do filho. Parecia uma boa ideia marcar o local com algo melhor do que apenas um sinal da cruz de madeira. Na época, sentia indiferente demais, não poderia lhe dar um funeral, então pensou que talvez pudesse fornecer companhia. Agora, a visão lhe dava amargura, ver algo crescido e forte no lugar de alguém sem nenhuma chance de tal.
estava no quintal, esperando parar de amaldiçoar uma planta indefesa. Lembrava-se do costume de se perder em pensamentos e buscar significados em paisagens. Era a forma dela de entender tudo ao seu redor, mas também podia ser uma fuga de momentos sérios e indesejados. Como agora. 11 anos de distância, uma vida de escolhas que os levaram a caminhos opostos, alguns novos vícios e, ao final, apesar de tudo, ainda eram os mesmos, pelo menos aos olhos deles. Ainda se conheciam como a palma da mão, mesmo que a casca tivesse mudado.
- Você planeja continuar parada o dia todo? – perguntou alto.
- Apenas o suficiente para você perceber como isso é uma péssima ideia. Péssima e desnecessária. – respondeu já da porta com saída para o quintal, cada vez mais perto, mas com uma distância segura.
- Se é tão ruim? Por que não terminar logo com isso? Costumava dizer que ideias ruins são o primeiro passo para as boas ideias. Mas primeiro, precisa realizá-las. Acho que nos fará bem, nos sentiremos melhor.
- Eu me sinto bem agora. – já estava ao lado dele. Sua fala era tão errada e estranha dada ao dia e o que aconteceu anteriormente que só conseguiu olhar para seu rosto com uma sobrancelha levantada, causando um suspiro e encolher de ombros nela. Sabia admitir quando perdera uma discussão e seus argumentos já perdiam o sentido.
- Se lhe der coragem, eu posso começar. – disse já se sentando em frente à árvore com uma cruz no chão. acenou enquanto repetia sua ação.
- Oi, filho, eu não sei muito o que dizer. Nós nunca tivemos a chance de nos conhecermos e faz um tempo. Tempo demais. Me desculpe por isso. Eu sempre imagino como seria a minha vida se você estivesse vivo. Não consigo olhar para uma criança, qualquer criança de qualquer idade, sem imaginar como você seria com essa idade. Se você pareceria comigo ou com a sua mãe. Se teria o cérebro dela ou meu talento para música. Eu esperei por você por tão pouco tempo comparado ao resto da vida, mas depois que te perdemos, tudo tinha a sua marca. Mesmo em um país que você nunca pisou antes. Mesmo que eu tenha seguido a vida planejada antes de você. É como se você tivesse deixado de ser a união de nós dois e virou um pedaço dentro de mim. Um pedaço que eu tento suprimir, esquecer. Sinto muito por não honrar sua memória, só que as vezes, eu não consigo lidar com ela. Queria que soubesse que você teria sido amado, não seria um sacrifício nem um estorvo. Não sei se sabe, mas o segundo pensamento que tive depois de descobrir que seria pai foi esse, era algo que nunca contei para a sua mãe. Ela já carregava muita carga por nós dois naquela época e não precisava saber como eu podia ser mimado e insensível. Mas eu estava errado, não seria assim. Você tornaria tudo melhor e talvez a vida que eu construí tivesse um significado maior. As melhores músicas que eu já compus foi pensando em você. Tanto enquanto eu esperava por você como quando eu lamentava a sua perda. Sinto muito que precisei perdê-lo para aprender isso. – tinha algumas lágrimas no rosto, mas a voz ainda era firme, as mãos dele pressionavam a terra como se buscando contato, mais proximidade com o que estava abaixo deles. – Eu não sei se eu consigo tentar ter um filho de novo, se consigo ter essa vulnerabilidade, mas se eu conseguir. Se tiver mais forças do que me dou crédito, queria que soubesse que ainda te amo. Não vou esquecê-lo nem substituí-lo. Você existiu para mim, você me mudou e eu tento ser uma pessoa melhor a cada dia por você. Para que você se orgulhe. Eu prometo tocar suas músicas, tirá-las da partitura e não esquecer. Eu prometo visitar e parar de fugir. – As promessas não faziam parte do plano, mas eram verdade. Era o que pretendia e também era o certo. Talvez ainda estivesse por aqui, o guiando para o certo. Como sempre fizera.
passou o discurso todo olhando para ele, se perguntando como ele ainda podia ter tanto a dizer. Como ainda existia tanta coisa na superfície e capaz de sair enquanto nela tudo estava enterrado. Agora precisava dizer algo, esperava que as palavras surgissem. Palavras certas mesmo se não soubesse se alguém além de a ouviria. Talvez você bom tirar algo de si e colocar no mundo, talvez o peso que a acompanhava há tanto tempo diminuísse.
- Eu acho que a primeira coisa que devia fazer é começar com desculpas, assim como o seu pai. Sinto muito nunca ter vindo aqui, sinto muito que você esteja só, por fingir que esse dia não existiu, por tentar esquecer você a cada segundo do meu dia. Me desculpe por ser uma péssima mãe, mas eu nunca tive a prática, você não pode me ajudar com isso. Não sei se eu posso ser chamada de mãe, não cheguei nem aos seis meses de gestação, mas sempre me dizem que a maternidade começa com a descoberta. O instinto já existe ali, sinto muito pelo o meu ser ruim. – Soltou uma risada seca, não devia trazer esse humor para um momento como esse, mas não tinha mais prática de lidar com isso da maneira certa, a vinha evitando por tanto tempo que era difícil reconhece-la. – Acho que você foi o sortudo por não ter que conviver comigo, não sei se eu seria uma pessoa melhor se você estivesse aqui. Eu queria pediatria sabe? Antes disso tudo, mas nem pensei na possibilidade depois de você, qualquer coisa que envolvesse grávidas, recém-nascidos e crianças era um assunto evitado por mim. Escolhi cirurgia no final, trauma para ser mais exata. Ela consome muito do tempo e da mente, não permite pensar em mais coisas. Por isso pego todos os plantões que eu posso. Mesmo quando tenho insônia, os casos ainda me consomem, não me deixam pensar direito. Escolhi isso para não pensar em você, para seguir em frente, ou tentar apagar tudo isso. Sinto muito que seja assim. Mas eu pensei em você algumas semanas atrás, acho que algo me dizia que eu finalmente iria te visitar. me fez vir no final, ela seria sua madrinha sabe? Ela te amaria, mesmo que não gostasse de crianças na época, ela costumava brincar que a única criança que teria paciência seria com alguma que saísse de mim e tivesse um pouco do . Ela dizia que assim ou ela seria séria e inteligente como eu e não a irritaria ou ela seria tão talentosa quanto o pai e derreteria seu coração. Ela foi a primeira a saber sobre você. É tão irônico que eu e o filho dela estejamos aqui, vivos, e vocês estejam aí. É irônico que a mãe tenha sido ela, que ela só tenha sido por tempo suficiente para tomar uma decisão. – sua voz já falhava quando mencionara o nome de sua amiga e piorara no final. Era tudo tão injusto, sem razão e necessidade. Nada deveria ter saído desse jeito.
Alvez apoio, enquanto ela fazia uma pausa buscando mais sentimentos para desenterrar. Hoje era apenas demais. Seu peito doía como há muito não acontecia e não estava ali para segurar sua mão.
- Eu queria ter te amado mais enquanto você estava dentro de mim, talvez você ainda estivesse aqui. Eu queria ter tido mais cuidado e não ter escorregado daquela escada enquanto estava sozinha em casa. Eu queria não sentir essa culpa e eu queria não ignorá-la. Queria que você me perdoasse por não ter te protegido. Queria saber se você me amaria apesar de tudo. Queria dizer que mesmo quando eu finjo que nada aconteceu, as vezes fico sem fôlego quando vejo o dia 16 de qualquer mês, ou quando escuto um menino sendo chamado Sam. Queria que você soubesse que você também é parte de mim, a parte que ainda se importa, que ainda ama o seu pai e está meio oca, as vezes meio apática, outras tão cheia que dói. Eu te amo e eu sinto muito por não ter sido melhor. – as lágrimas já escorriam pelo rosto dos dois. deu um beijo no templo de .
- Não foi sua culpa, foi um acidente. Ele sabe.
- Eu sei, mas saber é diferente de sentir. E não foi sua culpa também, não estar lá. – os dois trocaram um sorriso triste, compreendendo mais uma vez a semelhança entre eles. Os laços que sempre os uniriam. Ficaram assim por um tempo, em silêncio e sentindo o mais próximo de paz que sentiram em muito tempo.
A gravidez foi como um sinal do destino de que eles pertenciam eternamente um ao outro, que sempre existiria algo com um pouco dos dois. O aborto natural daquele bebê era como um tapa dizendo que eles tinham sonhado demais e a vida não era um conto de fadas.
16 de janeiro de 2020
- Ei, soube que você faria um concerto hoje no parque. Queria saber se você poderia me encontrar depois, um jantar talvez. Preciso conversar com você. – disse a através do celular. Fazia dois anos desde a tarde que conversaram, desde então pararam de fingir que o outro nunca fizera parte da própria história e passaram a conversar regularmente. As cicatrizes estavam mais fechadas agora, respirar era mais fácil, a culpa não mais permanecia no fundo da mente. Quase soavam como os amigos que foram as vezes, outros eram desajeitados sem saber como agir ao redor um do outro. parara de fazer turnês na Europa e agora exibia seu talento clássico no mesmo país que ela, o que facilitava a comunicação, mas ainda passavam meses em cidades separadas, com rotinas bem diferentes e, em alguns momentos, incompatíveis.
- Claro, comida italiana? – respondeu do outro lado da linha.
- Sim, alguns gostos nunca se vão.
- O repertorio ainda inclui a canção de ninar? Ou foi um especial para hoje? – perguntou suavemente. Os dois estavam sentados ao lado um do outro em um restaurante perto do centro comercial da cidade. O concerto acabara havia pouco mais de uma hora, eles haviam andando um pouco para chegar ali, não conversando muito e apenas apreciando os arredores e a companhia um do outro.
- Eu incluí depois daquela tarde, acho que nunca tirarei. Toquei a favorita da hoje também, uma das primeiras que aprendi a tocar, ela sempre me fazia tocar no aniversário dela. – eles riram com a lembrança, uma das muitas que compartilhavam. – Como está o pequeno James? A madrinha dele deve ter todas as novidades possíveis. – sorriu com a implicância e com a recordação do sorriso do pequenino em sua mente.
- Bem, saudável e grande. Com dois anos e usando roupas dois números maior. Definitivamente não puxou a nesse sentido. Dan o está criando bem e quando falha um pouco pede ajuda, ele é bem menos orgulhoso que nós dois. Agora que ele aceitou um emprego na cidade vizinha, ficou mais fácil, consigo vê-los quase todo final de semana.
- Isso é ótimo, ficaria orgulhosa. Mas sobre o que queria falar hoje? Ainda não tocou no assunto, a não ser que você me ligou para conversar sobre o concerto. Duvidoso considerando esse não ser o primeiro que você assistiu.
- Eu queria perguntar uma coisa e talvez seja estranho fazer isso hoje, mas você estava aqui finalmente. E eu agora penso nesse dia mais como um recomeço, e... – a hesitação preencheu seu corpo, não sabia se ainda tinha permissão para tocar em um assunto como esse, mas precisava saber se ainda havia uma chance, ou o que eles têm hoje seria o máximo a sempre acontecer.
- E... – tentou continuar e a incentivou com um sorriso, tentando transmitir que poderia perguntar qualquer coisa.
- E eu quero saber se ainda poderia existir um nós. Não um futuro, não um plano de casamento, mas um nós que exista agora. Não um eu aqui e você a quilômetros de distância. Quero saber se você ainda sente algo por mim do mesmo jeito que eu sinto por você. Se ainda pode me amar como antes. Se existe alguma esperança para o agora.
Surpresa correu o rosto de , não esperava exatamente por isso. Talvez se tivesse acontecido antes, nas inúmeras vezes que quase se beijaram em 2019. Mas, agora, depois do clima familiar que se instalara não imaginava que isso ainda fosse uma possibilidade para ela.
- Eu... você tem certeza de quer isso? Arriscar errar de novo?
- Sim, mas não foi isso que eu perguntei. Quero saber o que você sente. E não errar de novo, tentar fazer dar certo. , você disse aquele dia que deveríamos ter lutado mais um pelo outro, não deveríamos ter nos abandonado, não devia ter te dito para ir. Não faz diferença agora, não podemos mudar isso. Mas eu posso agir diferente agora e eu quero lutar, quero tentar.
- Eu nunca parei de sentir nada, eu só não me agarrei a isso, eu tentei seguir em frente. Eu não se consigo tentar agora, eu quero, mas – foi interrompido pelos lábios de . Lábios que não sentia há mais de 13 anos, quase esquecidos e ainda ardendo na sua mente. Não tentou interromper e colocou a mão na nuca dela, aproximando-a e sentindo como ainda era capaz de sentir as sensações da adolescência ali. Era doce e lento. Tinha a sensação da felicidade ingênua, daquela que não conhecia perdas. Durou uma eternidade e tempo nenhum, o tempo necessário e rápido demais para compensar todo o tempo que passaram sem se sentir assim.
Suas testas se tocavam depois do fim do beijo, suas respirações atingiam o rosto um do outro, tentando recuperar o fôlego perdido.
- Vou perguntar de novo. Diga sim ou não. Você quer tentar de novo? Dessa vez sem planos, metas e sonhos que nos separam. Só nós e o que sentimos agora.
disse a única palavra que fazia sentido para ele, a única palavra que tornaria a felicidade em uma companhia.
- Sim.
Ainda existia barulho de trânsito, luzes altas e uma movimentação insana na rua. estava sentada na cama olhando tudo isso pela janela, aquele exemplo de agitação e insanidade da civilização, nada nunca parava, nem as 3 horas da manhã. Era reconfortante de certa forma, estar nesse pique e sentir como se nada no mundo fosse pará-la, porque existiam milhões de coisas a serem feitas e sua mente ficava tão ocupada, todos os pensamentos pareciam estar sob efeito de adrenalina e você não sentia sua própria respiração, nem nada além daquilo do seu foco. Era ótimo quando ela estava se sentindo assim e era uma porcaria quando ela parava. A mente continuava a mil, mas não havia nada a se concentrar, só girava em torno de milhões de assuntos sem especificidade, era meio desconcertante, especialmente quando isso causava insônia em uma das poucas noites da semana com permissão de 8 horas de sono. Ela devia estar dormindo, não observando o trânsito e pensando em coisas estúpidas da adolescência. Pelo amor! Por que o cérebro era tão aleatório antes de dormir? A adolescência tinha passado há muito tempo, fazia mais de dez anos desde que se formara no ensino médio, e a vida tinha seguido exatamente como planejado. Era bem formada, ganhava bem e trabalhava no sonho de infância, ou uma versão dele. Sem a parte de salvar o mundo, apenas a de ajudar uns poucos por ai. Medicina não era exatamente todo o sonho e maravilha da sua imaginação, mas ainda era o que ela queria. O trabalho que dava os plantões de 48h, nos quais sua recuperação devia acontecer agora. Soltou um suspiro frustrado e caiu de costas na cama e escondeu o rosto no travesseiro. Cada vez que tentara dormir sua mente viajara, passando por dezenas de rostos não vistos há anos, por cenas antes perdidas na sua memória e uma sensação de nostalgia surgia. Não era nem saudade ou infelicidade, era só um sentimento de falta e de perceber como as coisas mudaram tanto. Como ela mudara tanto, nem sequer mantivera contato com ninguém além da sua família, quando todas as amizades daquela época pareciam eternas e necessárias. As notícias recebidas sobre as pessoas da sua infância e adolescência vinham do Facebook, como se fossem uma página de notícia. Pessoas distantes e quase desconhecidas.
Não sabia o que causava esses pensamentos, suas noites de insônia eram recheadas, normalmente, de casos de pacientes novos e velhos, repensando o que deveria ter feito e se era possível ser melhor. Será que a proximidade da data causava isso? Não devia ter olhado no calendário, normalmente não o acompanhava, apenas seguia o planejado sem completa noção nem do dia da semana em que estava. Mas algo a fizera olhar e encarar 16 de janeiro. Faria 11 anos que o fatídico dia ocorrera, alguns desses anos nem sentiram a data e só recordaram no ano seguinte ou meses depois. Talvez realmente fosse mais dura como diz sua mãe, alguma (ou toda) doçura e sensibilidade foram perdidas no meio do caminho, afinal, que tipo de pessoa esquecia-se do dia em que perdera o filho e a vida que quase foi?
14 de janeiro de 2018
- Alguma emergência a caminho? – a voz de era ouvida pela enfermeira Jane Mayer no balcão perto da entrada do emergência. A moça estava em plantão e esperava uma noite agitada, mas tudo estava calmo, apenas ferimentos leves e algumas indisposições. Seu plantão deveria durar até o dia seguinte e se tudo se ajeitasse, nem sentiria o passar do dia e tudo seria normal e indolor. Quando acabasse estaria tão cansada que não saberia mais detalhes de nada de 16 de janeiro.
- Uma ambulância com vítimas de um acidente de carro está a caminho. – Jane respondeu com um sorriso compreensivo, sabia da inquietude de com a tranquilidade.
O agradecimento pela informação foi interrompido pelo som da ambulância em questão. sorriu ironicamente e se dirigiu a entrada do local. As coisas estavam finalmente entrando no plano.
O paciente do acidente estava sobre a mesa de operação tendo seus sangramentos controlados e fechando as perfurações. encarava o abdômen dele com seriedade e total concentração até o som do interfone interromper o silêncio novamente, já havia acontecido antes com a ligação ignorada de sua insistente mãe. Escolheu ignorar o som e terminar a operação que estava ao fim.
- Doutora Walker, sua mãe ligou para a recepção e diz que precisa falar urgentemente com a senhorita. – soltou um suspiro baixo e se perguntou antes de responder o porquê sua mãe ainda não havia entendido que uma ligação não respondida e sem retorno significava estar ocupada.
- Diga a ela que retorno em meia hora, estou no final e falta apenas fechar o paciente.
- Ela disse para não esquecer e que ligará de novo. É urgente. – sorriu ironicamente com o sentimento que sabia sobre o que era e disse: Claro que é. - Oi, mãe, o que aconteceu de tão importante que não podia esperar? – A voz de era impaciente, achava que a ligação era sobre o dia que se aproximava. Uma não emergência em sua mente, afinal não havia mais nada a ser feito.
- está morta – Mary respondeu com uma voz chorosa e sem intervalos e hesitações, não havia forma delicada de declarar isso.
- O quê? – a incredulidade a preencheu, a frase não fazia sentido em sua cabeça, era sua prima e melhor amiga de infância, talvez seu relacionamento não fosse o mesmo de antes, mas aquela era a mulher mais próxima de uma irmã que chegou a ter. A pessoa mais forte que já conheceu, tão forte e segura que não podia estar morta. Não se deixaria ser tomada por algo tão mundano quanto a morte. Não podia ser verdade.
- Ela teve uma complicação no parto e precisavam escolher entre a vida do filho e a dela.
- estava grávida? Como? O quê? – nada daquilo fazia sentido, como não sabia sobre isso? Lembrava perfeitamente de conversar com ela dois meses atrás, uma gravidez nunca foi mencionada. Ela nem sequer sabia se queria ser mãe, o sonho dela foi a carreira e o mundo. Sempre com a cabeça nos lugares que queria conhecer e os que já conhecia e era apaixonada.
- Ela não queria te contar, por motivos óbvios, pensou que iria magoá-la saber disso. – a ironia era tanta que não sabia o que dizer. O filho sempre foi o sonho dela e ele nunca chegou a realmente respirar sozinho. nunca falou ou pensou sobre isso, mas foi ela quem deu a vida por um filho no final. – O funeral acontecerá dia 16 para que os pais dela consigam chegar a tempo, tudo foi muito rápido e o bebê não era previsto até o início de março. Ninguém esperava e só Dan estava no hospital quando tudo aconteceu.
- Eu.... eu vou comprar uma passagem de avião e estou indo para casa – um silêncio surpreso seguiu essa frase, não tinha posto os pés na cidade em que nascera desde sua saída para a faculdade.
- Tem certeza? Ninguém realmente espera que você venha.
- esperaria que eu fosse, conhecesse o filho dela e apoiasse Dan nesse momento. É o mínimo que eu posso fazer.
- Você poderia sair do banheiro e dizer qual foi o resultado? Ficar trancada não vai mudar nada. – estava em pé encostada à porta do banheiro de seu quarto tentando causar uma reação além de silêncio em , aquele silêncio não significava o resultado esperado das duas. – Vamos , eu quero ajudar, mas não posso fazer nada se você continuar trancada.
- Deu positivo, eu estou grávida. – abriu a porta com o rosto inchado e vermelho, os olhos vermelhos e um sorriso que parecia uma careta. – O que eu vou fazer agora?
- Você sempre quis ser mãe, amiga. Vai apenas acontecer antes do esperado – falava enquanto seguia em direção a sua cama, esta afundava o rosto no travesseiro e fazia um som parecido com um gemido.
- Antes do esperado? Isso é o eufemismo do ano. Eu tenho 18 anos, queria um filho depois que eu me formasse, depois de um casamento ou algo mais sólido que um relacionamento que nem sei se aguentará a distância. Eu queria ser médica e depois mãe. – Suas palavras já não eram tão claras através do choro, mas a conhecia bem e entendia a mensagem, sabia o que algo assim faria a . – Eu nunca quis ser apenas mãe e eu sempre quis ser mais coisas, coisas que ainda não descobri nem irei.
a puxou para um abraço e a segurou, entendia o choque da amiga, mas sabia que os sonhos não precisavam acabar agora. Então disse:
- Não precisa significar o fim de tudo, eu sei que será um choque para a tia Mary, nem será algo do gosto do tio John, mas eles não irão te abandonar. Nem te deixar sozinha. Eles te amam, amarão essa criança. Talvez medicina atrase um pouco, mas ela virá. Ou quem sabe, você descubra outro sonho, outra coisa que queira ser.
olhou para com um sorriso carinhoso, grata por ela estar ali com ela através disso. Não sabia como poderia lidar com isso sem ela. Abraçou a um pouco mais forte antes de dizer o que estava no fundo de sua mente desde que vira o resultado do teste de gravidez.
- Meus pais não são os únicos que precisam saber. Preciso contar para – um suspiro leve saiu de sua boca ao dizer o nome. – ele está tão entusiasmado com a escola de música, tão feliz. Como eu posso acabar com isso? E se ele me rejeitar, se rejeitar o bebê? E se ele nos abandonar?
- Eu estarei contigo para contar se ajudar. Ou te espero enquanto conta. E se ele fizer isso... se ele agir como o idiota que eu sei que não é, ou espero não ser. Eu vou estar lá , para tudo. Como foi em toda a nossa vida. Isso nunca mudará.
16 de janeiro de 2018
saiu do carro e suspirou ao ver sua casa de infância. Finalmente chegara, depois de horas no aeroporto e mais algumas no carro, esquecera o significado de morar em uma cidade tão pequena com o aeroporto mais próximo a duas horas de distância. Esquecera muitas coisas, mas o aperto no coração ao ver o local de tantos acontecimentos não foi uma delas. Suspirou e olhou para as chaves do carro, não era hora para isso. Precisava guardar isso bem no fundo dela como sempre fazia. Aquele não era o momento para transbordar, era a hora de permanecer inteira. Não precisava de mais pensamentos tristes além dos acompanhantes da cerimônia fúnebre de hoje. Precisava manter a mente em branco o máximo possível.
Andou em direção a porta e bateu na porta, fazia tanto tempo que nem as chaves possuía mais. Esperou um pouco antes do rosto choroso de sua mãe aparecer na porta.
- Oh, querida. – Mary puxou a filha para um abraço forte e ficaram assim por alguns instantes com apenas as respirações das duas. Tirando forças daquele abraço que ainda lhe dava forças depois de tanto tempo, finalmente conseguiu dizer algo.
- Oi, mãe, eu consegui. Eu... Eu sinto muito – não sabia se a fala era pelo o que aconteceria, era tanto como uma irmã para ela como uma filha para Mary, ou se por ter demorado tanto para voltar, por estar sempre afastada mesmo quando as duas estavam juntas. A mãe entendia isso melhor que a filha e sabia ser de certa forma pelos dois. Por isso a abraçou de novo e por mais tempo dessa vez, algumas lágrimas caindo de seus olhos enquanto segurava a filha forte.
- Eu sei, meu amor. Entre e tome um banho e troque de roupa. Ainda temos algum tempo. Você irá conosco no carro. A família precisa continuar unida em momentos como esse. – limpou as lágrimas do rosto e puxou o queixo da ilha para cima, vendo vestígios de lágrimas nas bochechas de e as limpando suavemente com as mãos. - Seus tios ficarão satisfeitos de te ver aqui.
Um sorriso melancólico foi trocado e as duas mulheres Walker entraram na casa.
A família Walker estava sentada na primeira fila, olhando para o caixão que continha o corpo de alguém tão importante para todos eles. O funeral iria iniciar a qualquer momento, o velório passara como um borrão para todos, nenhum deles tinha a completa compreensão do significado de tudo, ainda não entendendo como algo assim aconteceria com . Como ela poderia não estar ali ao lado de Dan como estivera a vida toda.
O pastor começou a falar e trocava olhares entre o ele, o caixão e Dan, não conseguindo manter o foco em nada específico até ver um carro preto estacionar próximo e alguém sair dele, não conseguia vê-lo direito até ele chegar mais perto. Choque percorreu seu corpo ao ver um rosto tão familiar e ao mesmo tempo tão estrangeiro. . O que fazia aqui? Na última vez que ouvira falar dele, estava na Europa, fazendo concertos como pianista.
andou até chegar na mesma fila da família e se manteve em pé com os olhos fixos no pastor. Ouvindo palavras de um homem sobre uma mulher que havia sido tanto como uma irmã para ele como foi para .
- Vamos, eu quero que você conheça alguém – uma de 12 anos arrastava pelo braço em direção a sua casa, estava com um sorriso gigante no rosto e o corpo quase tremendo de felicidade. Sua prima favorita estava de volta das férias com os pais e finalmente poderia fazer seus melhores amigos se conhecerem. se mudara para a cidade nas férias de verão e desde então não se desgrudavam. Agora poderia apresentar suas pessoas favoritas no mundo inteiro uma a outra.
- Tudo bem, mas não precisa arrancar o meu braço para isso. – massageava o braço marcado pelo entusiasmo de enquanto esta passava pela entrada e corria em direção a sala, gritando o nome com um entusiasmo com capacidade de criar uma pitada de ciúmes no menino que não dividira com ninguém em três meses. Andou devagar a fim de evitar o inevitável até ver uma menina pequena de cabelos castanhos e sardas no rosto. Ela era bonita, pensou.
- Quem é esse? – a menina bonita perguntou com uma voz doce.
- Esse é , meu novo melhor amigo. – a menina olhou com um rosto engraçado e não muito feliz com a novidade, antes que pudesse dizer algo, a fala continuou. – Então, ele é também o seu novo melhor amigo.
A menina sorriu sapeca com isso e disse.
- Sério? Eu sou e vamos ver quanto tempo ele aguenta esse cargo.
- Então, quando o momento da coragem acontecerá? – riu com a confusão fingida de , como se ele não soubesse sobre o assunto que ela falava.
- Que momento de coragem?
- O momento que você vai pedir a para sair claro – o rosto de assumiu um vermelho forte com a frase, tornando impossível esconder a verdade da fala dela.
- Eu não tenho ideia do que você está falando. – a sobrancelha dela subiu com isso, como ele pensava que podia se fazer do bobo com ela depois de todo esse tempo? Conheciam se há três anos e ele nunca foi bom em mentir de qualquer jeito.
- Acho que você tem. Sabia que suas orelhas ficam vermelhas toda vez que aparece? E que você se pendura em cada palavra dela? Ou que a única apresentação sem ser de música com a sua atenção é qualquer uma em que a Eli esteja? Como você olha para todo mundo e os faz ficarem calados porque sabe que isso a deixa nervosa enquanto fala em público. – ficou surpreso, nem ele sabia disso tudo, como podia ser tão transparente para ela?
- Nós somos melhores amigos, quase irmãos, isso não quer dizer nada.
- Sério? Porque você não faz isso comigo, na verdade, eu mal consigo um segundo de atenção quando você está no piano, mas se aparecer, nem lembra se tem ensaio. – disse tudo com o sorriso confiante de quem sabia que estava certa. – Se você quer continuar negando, tudo bem. Mas se te interessar, a resposta dela seria sim.
- O quê?
- Se você a chamar para um encontro, ela dirá sim. Você não é o único transparente com os sentimentos.
Jogavam a terra em cima do caixão e as pessoas começavam a se dispersar. continuou parado e olhando para o buraco meio preenchido até sentir alguém o cutucando, olhou para o lado e perdeu o fôlego ao ver esse rosto. Não acreditava que ela conseguiria vir, não acreditava nem que ele conseguiria. Sempre foi difícil sequer pensar na cidade, quanto mais voltar. Olhar para o que deveria ter sido sempre é difícil.
- Oi – a voz de era trêmula, tão descaraterístico dela, mas precisava dizer algo, não podia continuar calada como fez nos últimos anos. Não havia sido culpa de ninguém e precisava parar de agir como se fosse.
- Oi – também estava inseguro, sem saber quais as palavras certas a dizer a alguém que já significou tudo.
- Como você está? Faz um tempo. – as palavras pareciam erradas e inadequadas. Não era uma conversa mundana, nem devia ser. Hoje era um dia difícil, perderam a melhor amiga e hoje fazia 11 anos, ele teria quase essa idade também, se o mundo fosse mais justo.
- Eu estou bem, dado tudo. Eu... eu senti sua falta . – a boca de estava seca enquanto dizia isso, estava nervoso, não se sentia assim há muito tempo. Mas esse era o dia de recordações e passado afinal.
o olhou bem e fez a única coisa que fazia sentido, disse a verdade.
- Eu também, mesmo quando eu não quero. – hesitou um pouco antes de continuar, observou o cemitério ao redor dele, notando que todos já haviam ido embora, só restava eles e , a própria imagem do passado se o cenário e as circunstâncias fossem diferentes. – Podemos ir a algum lugar? Precisamos conversar e... acho que isso era o que iria querer. Ela sempre me disse para ligar, eu nunca tive coragem.
- Acho que sei onde, eu estou de carro. Podemos ir nele? – o nervosismo era visível nos dois, depois de tanto tempo, ainda tinha razão. Eles eram muito transparentes para o mundo quando se tratava um do outro.
- Claro.
O carro de parou em frente a uma casa afastada da cidade, os dois a conheciam bem e nunca puderam se desfazer dela. Era a casa que eles teriam morado se Sam tivesse nascido, se eles tivessem casado, se escolhessem ficar. Fora um presente dos pais de , uma casa antiga que pertencera a uma senhora desconhecida. A casa era suposto significar um começo bonito, agora, era um amontoado de fantasmas.
- Parece bem conservada – a conversa fiada parecia uma boa opção agora, talvez eles não precisassem realmente conversar, poderia fingir que nunca o havia revisto. Era boa nisso agora, em fingir.
- Meus pais pagam alguém para tomar conta as vezes, eles sempre pensaram que eu poderia querer voltar. Não queria ficar em um hotel, queria algo familiar. – se encostara no banco do carro, também sem pressa de sair.
- E é? – a olhou confuso, não entendendo a pergunta, então continuou. – Familiar, tem sido um tempo, aposto que muitas coisas mudaram.
- A única mudança foi a gente , ela continua igual, inclusive o quintal se era isso que você queria saber. – soltou um suspiro, sabia que continuava ali, ninguém da família se atreveria a tocar, mas a realização do que realmente estava lá só passou por ela agora. Seu filho. Parecia que tudo teria um cemitério hoje.
- Mais um pouco, um degrau aqui – segurava as mãos de uma vendada, guiando a para uma surpresa e sentindo sua impaciência.
- Falta muito? Ainda não acredito que você me fez entrar vendada em um carro. – riu e desamarrou a venda, segurando a enquanto contava de regressivamente a partir de três.
A venda caiu no chão, seguido por um suspiro e olhos arregalados. encarava a casa, tentando criar sentido nisso, porque não poderia ser o pensamento mais lógico. Afinal, como seria possível?
- Isso é..?
- A nossa casa? Sim, meus pais compraram e eu prometi que os iria pagar de volta, apesar de eles insistirem ser um presente para a filha postiça deles. Às vezes, acho que eles gostam mais de você do que de mim. – sua voz brincalhona era seguida por um pulo de elise que envolveu as pernas ao redor de sua cintura. O sorriso dela poderia ser visto a quilômetros de distância, felicidade irradiava de cada poro dela.
- Eu amo seus pais. Completamente. É lindo, é a coisa mais linda que eles já me deram, não que eles tenham me dado muitas coisas, mas você entendeu. – o êxtase a deixava mais falante e tudo saiu atropelado pela velocidade da fala.
- Ama meus pais? A coisa mais linda que eles te deram? E quanto a mim? – falou enquanto a apertava um pouco e aproximava seu rosto.
- Okay, a segunda coisa mais linda que eles já me deram. E eu os amo, mas não mais do que amo você.
sorriu apaixonado, seus olhos brilhavam e disse antes de a beijar lentamente, como se nunca tivesse feito isso antes. Cada parte de si se sentindo mais pleno do que nunca. Mais feliz até do que a música o faz.
- Não mais do que eu te amo.
As coisas talvez não fossem como planejado, mas eles seriam felizes.
Os dois estavam em silêncio na mesa da sala, demorara um pouco para saírem do carro, nenhum deles com forças de realmente fazer o que precisava ser feito. De ter a conversa tão adiada. De realmente lidarem com a dor um do outro. Mas os empurrava para isso, como sempre fizera, os confrontando para fazer o certo, para lidarem com os próprios sentimentos.
- Eu nunca disse sinto muito por ter me escrito na Royal Academy of Music, por não ter dito nada sobre, nem por ter ido quando fui aprovado. – resolveu quebrar o silêncio e começou por algo que sempre precisou ser dito.
- Eu mandei você ir lembra? Não é como se você tivesse me abandonado, como se tivesse um motivo para ficar. Já estava tudo acabado quando essa carta chegou. Eu nunca tive raiva, não demorei muito para ir embora também, você sabe.
- Isso não importa, eu não devia ter te deixado sozinha, era muito recente você estava magoada. Eu nem sequer fui pela música, ou pela carreira ou por sonhos. Eu só não conseguia mais te ver naquele quarto, naquela cadeira com aquele bichinho de pelúcia sempre abraçado. Era mais doloroso que tudo. Eu só precisava sair. Mas isso não é desculpa, eu não devia ter fugido. Você não deveria ter ficado sozinha aqui ou na casa dos seus pais. – tinha as mãos trêmulas como poucas vezes a teve, era uma mistura de culpa, tristeza, decepção e, lá no fundo, uma parte de um amor que nunca realmente teve um fim concreto, nunca teve as palavras necessárias ditas.
- Você precisava de um novo começo, você não conseguia respirar nessa casa, nessa cidade, não conseguia ir no parque porque imaginava como nosso filho teria parecido lá. Não conseguia passar em frente ao hospital porque tudo se perdeu lá. Não olhava para as lojas que compramos as coisas dele. Não conseguia olhar para mim, não porque você me culpava por perder o bebê, mas porque ele também era uma parte de mim, você não se olhava no espelho como eu, porque imaginava quais partes de si ele teria. – a voz de já estava trêmula e lágrimas guardadas por anos desciam pelo seu rosto. – Sabe como eu sei disso? Porque eu senti o mesmo, eu não conseguia ficar perto de você nem de nada, quando te disse para ir não era por mágoa, era alívio que não precisávamos mais aguentar esse peso juntos. Doía olhar para você, doía ouvir você tocar a música de ninar que compôs para ele. Mesmo que isso me fizesse sentir próxima dele, como se ainda estivesse aqui. – suspirou e segurou a barriga como se para manter inteira, tentou controlar as próprias emoções e perguntou.
– Você lembra-se dessa música? Ainda consegue tocar?
- Eu nunca poderia esquecer, mesmo se eu quisesse, eu não a toco desde que sai daqui, mas ela nunca saiu da minha cabeça. Tornou-se como uma parte de mim. – olhou para as próprias mãos como que as vendo tocar aquelas teclas, como se acontecendo bem em frente aos seus olhos. – Eu sei que você não tem raiva, sei que entende, nós sempre fomos parecidos. Você foi para a faculdade na primeira oportunidade que teve depois da minha partida, meus pais me contaram. Eu.... – outro suspiro, talvez a única coisa que sobrasse a eles. – Eu só sei que não foi certo, mesmo com a sua benção, eu só queria tornar algum sonho real, tornar algum plano sem falhas incorrigíveis em algo real, sei que isso foi a sua motivação para medicina também. O plano antigo era seguro, sem dor. Mas, talvez, nós deveríamos ter tentado tornar o plano vida juntos em algo real.
- Ele foi algo real, tão real que não deu certo. – a melancolia preenchida com ironia o interrompeu. – Os sonhos mudam, a coisa certa a fazer nem sempre é indolor e, naquela época, eu não podia lidar com mais dor.
- Talvez, deveríamos ter lutado mais, em vez de seguir em frente. Talvez, o certo fosse agir como se o outro fosse real, não fingir que nada disso aconteceu. – continuou com a voz mais forte, ignorando o que ela tinha acabado de dizer, não era novidade, os dois sabiam, eles precisavam falar sobre o que ainda não havia sido dito.
- Você está propondo que tentemos de novo? Sério? Está preso em um passado de 11 anos que já fracassou. Nós nunca poderíamos voltar a antes de Sam, ele mudou tudo. – se tornou defensiva e tentava deixar a vulnerabilidade escondida, substituindo dor por raiva e incredulidade.
- Eu não estou dizendo isso. Estou dizendo que não deveríamos ter desistido tão fácil naquela época. Mas já passou muito tempo e não podemos mudar. Mas podemos agir melhor do que dois adolescentes que não podiam suportar a visão um do outro, não tinham a maturidade de tentar lidar com a dor de uma forma saudável. Estou dizendo que precisamos nos despedir de verdade um do outro. Despedir-nos dele.
- O quê?
- Acho que devíamos ir até ele e dizer adeus, dizer tudo o que nunca tivemos coragem. Tornar as coisas certas agora.
olhava o quintal pela janela, podia ver a árvore que tinham plantado anos atrás. Ela crescera e era forte. Mais forte do que seu menino nunca pode ser. Era estranho como a vida podia tirar forças da morte, a semente dela fora plantada em cima do corpo do filho. Parecia uma boa ideia marcar o local com algo melhor do que apenas um sinal da cruz de madeira. Na época, sentia indiferente demais, não poderia lhe dar um funeral, então pensou que talvez pudesse fornecer companhia. Agora, a visão lhe dava amargura, ver algo crescido e forte no lugar de alguém sem nenhuma chance de tal.
estava no quintal, esperando parar de amaldiçoar uma planta indefesa. Lembrava-se do costume de se perder em pensamentos e buscar significados em paisagens. Era a forma dela de entender tudo ao seu redor, mas também podia ser uma fuga de momentos sérios e indesejados. Como agora. 11 anos de distância, uma vida de escolhas que os levaram a caminhos opostos, alguns novos vícios e, ao final, apesar de tudo, ainda eram os mesmos, pelo menos aos olhos deles. Ainda se conheciam como a palma da mão, mesmo que a casca tivesse mudado.
- Você planeja continuar parada o dia todo? – perguntou alto.
- Apenas o suficiente para você perceber como isso é uma péssima ideia. Péssima e desnecessária. – respondeu já da porta com saída para o quintal, cada vez mais perto, mas com uma distância segura.
- Se é tão ruim? Por que não terminar logo com isso? Costumava dizer que ideias ruins são o primeiro passo para as boas ideias. Mas primeiro, precisa realizá-las. Acho que nos fará bem, nos sentiremos melhor.
- Eu me sinto bem agora. – já estava ao lado dele. Sua fala era tão errada e estranha dada ao dia e o que aconteceu anteriormente que só conseguiu olhar para seu rosto com uma sobrancelha levantada, causando um suspiro e encolher de ombros nela. Sabia admitir quando perdera uma discussão e seus argumentos já perdiam o sentido.
- Se lhe der coragem, eu posso começar. – disse já se sentando em frente à árvore com uma cruz no chão. acenou enquanto repetia sua ação.
- Oi, filho, eu não sei muito o que dizer. Nós nunca tivemos a chance de nos conhecermos e faz um tempo. Tempo demais. Me desculpe por isso. Eu sempre imagino como seria a minha vida se você estivesse vivo. Não consigo olhar para uma criança, qualquer criança de qualquer idade, sem imaginar como você seria com essa idade. Se você pareceria comigo ou com a sua mãe. Se teria o cérebro dela ou meu talento para música. Eu esperei por você por tão pouco tempo comparado ao resto da vida, mas depois que te perdemos, tudo tinha a sua marca. Mesmo em um país que você nunca pisou antes. Mesmo que eu tenha seguido a vida planejada antes de você. É como se você tivesse deixado de ser a união de nós dois e virou um pedaço dentro de mim. Um pedaço que eu tento suprimir, esquecer. Sinto muito por não honrar sua memória, só que as vezes, eu não consigo lidar com ela. Queria que soubesse que você teria sido amado, não seria um sacrifício nem um estorvo. Não sei se sabe, mas o segundo pensamento que tive depois de descobrir que seria pai foi esse, era algo que nunca contei para a sua mãe. Ela já carregava muita carga por nós dois naquela época e não precisava saber como eu podia ser mimado e insensível. Mas eu estava errado, não seria assim. Você tornaria tudo melhor e talvez a vida que eu construí tivesse um significado maior. As melhores músicas que eu já compus foi pensando em você. Tanto enquanto eu esperava por você como quando eu lamentava a sua perda. Sinto muito que precisei perdê-lo para aprender isso. – tinha algumas lágrimas no rosto, mas a voz ainda era firme, as mãos dele pressionavam a terra como se buscando contato, mais proximidade com o que estava abaixo deles. – Eu não sei se eu consigo tentar ter um filho de novo, se consigo ter essa vulnerabilidade, mas se eu conseguir. Se tiver mais forças do que me dou crédito, queria que soubesse que ainda te amo. Não vou esquecê-lo nem substituí-lo. Você existiu para mim, você me mudou e eu tento ser uma pessoa melhor a cada dia por você. Para que você se orgulhe. Eu prometo tocar suas músicas, tirá-las da partitura e não esquecer. Eu prometo visitar e parar de fugir. – As promessas não faziam parte do plano, mas eram verdade. Era o que pretendia e também era o certo. Talvez ainda estivesse por aqui, o guiando para o certo. Como sempre fizera.
passou o discurso todo olhando para ele, se perguntando como ele ainda podia ter tanto a dizer. Como ainda existia tanta coisa na superfície e capaz de sair enquanto nela tudo estava enterrado. Agora precisava dizer algo, esperava que as palavras surgissem. Palavras certas mesmo se não soubesse se alguém além de a ouviria. Talvez você bom tirar algo de si e colocar no mundo, talvez o peso que a acompanhava há tanto tempo diminuísse.
- Eu acho que a primeira coisa que devia fazer é começar com desculpas, assim como o seu pai. Sinto muito nunca ter vindo aqui, sinto muito que você esteja só, por fingir que esse dia não existiu, por tentar esquecer você a cada segundo do meu dia. Me desculpe por ser uma péssima mãe, mas eu nunca tive a prática, você não pode me ajudar com isso. Não sei se eu posso ser chamada de mãe, não cheguei nem aos seis meses de gestação, mas sempre me dizem que a maternidade começa com a descoberta. O instinto já existe ali, sinto muito pelo o meu ser ruim. – Soltou uma risada seca, não devia trazer esse humor para um momento como esse, mas não tinha mais prática de lidar com isso da maneira certa, a vinha evitando por tanto tempo que era difícil reconhece-la. – Acho que você foi o sortudo por não ter que conviver comigo, não sei se eu seria uma pessoa melhor se você estivesse aqui. Eu queria pediatria sabe? Antes disso tudo, mas nem pensei na possibilidade depois de você, qualquer coisa que envolvesse grávidas, recém-nascidos e crianças era um assunto evitado por mim. Escolhi cirurgia no final, trauma para ser mais exata. Ela consome muito do tempo e da mente, não permite pensar em mais coisas. Por isso pego todos os plantões que eu posso. Mesmo quando tenho insônia, os casos ainda me consomem, não me deixam pensar direito. Escolhi isso para não pensar em você, para seguir em frente, ou tentar apagar tudo isso. Sinto muito que seja assim. Mas eu pensei em você algumas semanas atrás, acho que algo me dizia que eu finalmente iria te visitar. me fez vir no final, ela seria sua madrinha sabe? Ela te amaria, mesmo que não gostasse de crianças na época, ela costumava brincar que a única criança que teria paciência seria com alguma que saísse de mim e tivesse um pouco do . Ela dizia que assim ou ela seria séria e inteligente como eu e não a irritaria ou ela seria tão talentosa quanto o pai e derreteria seu coração. Ela foi a primeira a saber sobre você. É tão irônico que eu e o filho dela estejamos aqui, vivos, e vocês estejam aí. É irônico que a mãe tenha sido ela, que ela só tenha sido por tempo suficiente para tomar uma decisão. – sua voz já falhava quando mencionara o nome de sua amiga e piorara no final. Era tudo tão injusto, sem razão e necessidade. Nada deveria ter saído desse jeito.
Alvez apoio, enquanto ela fazia uma pausa buscando mais sentimentos para desenterrar. Hoje era apenas demais. Seu peito doía como há muito não acontecia e não estava ali para segurar sua mão.
- Eu queria ter te amado mais enquanto você estava dentro de mim, talvez você ainda estivesse aqui. Eu queria ter tido mais cuidado e não ter escorregado daquela escada enquanto estava sozinha em casa. Eu queria não sentir essa culpa e eu queria não ignorá-la. Queria que você me perdoasse por não ter te protegido. Queria saber se você me amaria apesar de tudo. Queria dizer que mesmo quando eu finjo que nada aconteceu, as vezes fico sem fôlego quando vejo o dia 16 de qualquer mês, ou quando escuto um menino sendo chamado Sam. Queria que você soubesse que você também é parte de mim, a parte que ainda se importa, que ainda ama o seu pai e está meio oca, as vezes meio apática, outras tão cheia que dói. Eu te amo e eu sinto muito por não ter sido melhor. – as lágrimas já escorriam pelo rosto dos dois. deu um beijo no templo de .
- Não foi sua culpa, foi um acidente. Ele sabe.
- Eu sei, mas saber é diferente de sentir. E não foi sua culpa também, não estar lá. – os dois trocaram um sorriso triste, compreendendo mais uma vez a semelhança entre eles. Os laços que sempre os uniriam. Ficaram assim por um tempo, em silêncio e sentindo o mais próximo de paz que sentiram em muito tempo.
A gravidez foi como um sinal do destino de que eles pertenciam eternamente um ao outro, que sempre existiria algo com um pouco dos dois. O aborto natural daquele bebê era como um tapa dizendo que eles tinham sonhado demais e a vida não era um conto de fadas.
16 de janeiro de 2020
- Ei, soube que você faria um concerto hoje no parque. Queria saber se você poderia me encontrar depois, um jantar talvez. Preciso conversar com você. – disse a através do celular. Fazia dois anos desde a tarde que conversaram, desde então pararam de fingir que o outro nunca fizera parte da própria história e passaram a conversar regularmente. As cicatrizes estavam mais fechadas agora, respirar era mais fácil, a culpa não mais permanecia no fundo da mente. Quase soavam como os amigos que foram as vezes, outros eram desajeitados sem saber como agir ao redor um do outro. parara de fazer turnês na Europa e agora exibia seu talento clássico no mesmo país que ela, o que facilitava a comunicação, mas ainda passavam meses em cidades separadas, com rotinas bem diferentes e, em alguns momentos, incompatíveis.
- Claro, comida italiana? – respondeu do outro lado da linha.
- Sim, alguns gostos nunca se vão.
- O repertorio ainda inclui a canção de ninar? Ou foi um especial para hoje? – perguntou suavemente. Os dois estavam sentados ao lado um do outro em um restaurante perto do centro comercial da cidade. O concerto acabara havia pouco mais de uma hora, eles haviam andando um pouco para chegar ali, não conversando muito e apenas apreciando os arredores e a companhia um do outro.
- Eu incluí depois daquela tarde, acho que nunca tirarei. Toquei a favorita da hoje também, uma das primeiras que aprendi a tocar, ela sempre me fazia tocar no aniversário dela. – eles riram com a lembrança, uma das muitas que compartilhavam. – Como está o pequeno James? A madrinha dele deve ter todas as novidades possíveis. – sorriu com a implicância e com a recordação do sorriso do pequenino em sua mente.
- Bem, saudável e grande. Com dois anos e usando roupas dois números maior. Definitivamente não puxou a nesse sentido. Dan o está criando bem e quando falha um pouco pede ajuda, ele é bem menos orgulhoso que nós dois. Agora que ele aceitou um emprego na cidade vizinha, ficou mais fácil, consigo vê-los quase todo final de semana.
- Isso é ótimo, ficaria orgulhosa. Mas sobre o que queria falar hoje? Ainda não tocou no assunto, a não ser que você me ligou para conversar sobre o concerto. Duvidoso considerando esse não ser o primeiro que você assistiu.
- Eu queria perguntar uma coisa e talvez seja estranho fazer isso hoje, mas você estava aqui finalmente. E eu agora penso nesse dia mais como um recomeço, e... – a hesitação preencheu seu corpo, não sabia se ainda tinha permissão para tocar em um assunto como esse, mas precisava saber se ainda havia uma chance, ou o que eles têm hoje seria o máximo a sempre acontecer.
- E... – tentou continuar e a incentivou com um sorriso, tentando transmitir que poderia perguntar qualquer coisa.
- E eu quero saber se ainda poderia existir um nós. Não um futuro, não um plano de casamento, mas um nós que exista agora. Não um eu aqui e você a quilômetros de distância. Quero saber se você ainda sente algo por mim do mesmo jeito que eu sinto por você. Se ainda pode me amar como antes. Se existe alguma esperança para o agora.
Surpresa correu o rosto de , não esperava exatamente por isso. Talvez se tivesse acontecido antes, nas inúmeras vezes que quase se beijaram em 2019. Mas, agora, depois do clima familiar que se instalara não imaginava que isso ainda fosse uma possibilidade para ela.
- Eu... você tem certeza de quer isso? Arriscar errar de novo?
- Sim, mas não foi isso que eu perguntei. Quero saber o que você sente. E não errar de novo, tentar fazer dar certo. , você disse aquele dia que deveríamos ter lutado mais um pelo outro, não deveríamos ter nos abandonado, não devia ter te dito para ir. Não faz diferença agora, não podemos mudar isso. Mas eu posso agir diferente agora e eu quero lutar, quero tentar.
- Eu nunca parei de sentir nada, eu só não me agarrei a isso, eu tentei seguir em frente. Eu não se consigo tentar agora, eu quero, mas – foi interrompido pelos lábios de . Lábios que não sentia há mais de 13 anos, quase esquecidos e ainda ardendo na sua mente. Não tentou interromper e colocou a mão na nuca dela, aproximando-a e sentindo como ainda era capaz de sentir as sensações da adolescência ali. Era doce e lento. Tinha a sensação da felicidade ingênua, daquela que não conhecia perdas. Durou uma eternidade e tempo nenhum, o tempo necessário e rápido demais para compensar todo o tempo que passaram sem se sentir assim.
Suas testas se tocavam depois do fim do beijo, suas respirações atingiam o rosto um do outro, tentando recuperar o fôlego perdido.
- Vou perguntar de novo. Diga sim ou não. Você quer tentar de novo? Dessa vez sem planos, metas e sonhos que nos separam. Só nós e o que sentimos agora.
disse a única palavra que fazia sentido para ele, a única palavra que tornaria a felicidade em uma companhia.
- Sim.