Última atualização: 12/08/2018

Capítulo Único

4h36 da manhã, é o que diz o relógio e eu pulo da cama, sobressaltada. Não passava da meia-noite na última vez que conferi as horas, e tenho o hábito de checar os minutos com frequência. O fato de haver uma distância brutal entre uma checagem e outra significa que eu dormi.

Sento-me no colchão com o coração se chocando contra as costelas, descompassado. Eu não poderia ter dormido. Sei que foi um sinal claro de exaustão – não deveria me dar esse luxo há pelo menos uns dois dias – e não existe corpo que aguente tamanha carga, mas eu realmente não poderia ter me deixado levar pelo sono assim, sem cuidado nenhum.

Não é seguro.

Olho em volta. Tudo parece estar exatamente em seu devido lugar, mas olhei rápido demais. Preciso analisar os detalhes com mais atenção. Estamos escondidos nesse galpão há apenas uma semana e já conheço tudo tão bem que a sensação é a de que chegamos há meses (quem dera fossem meses mesmo). O colchão onde dormimos fica no chão. Não existe cama. Estamos cercados por armários de meio-metro. Nele estão guardados livros embolorados da dona que nos cedeu esse espaço por alguns dias (dona que não tem a menor ideia de que abrigou dois fugitivos).

Os vasos de planta estão por todos os lados e a louça permanece suja dentro da pia (a pia fica de frente para o colchão, são poucos passos de distância). Eu e ficamos com preguiça demais de lavar assim que terminamos de comer a pizza que deu pra comprar (ainda bem que deu pra comprar. Nosso dinheiro está acabando). É. Agora estou convencida de que ninguém apareceu nessas horas em que baixei a guarda.

As coisas estão mesmo em seus devidos lugares.

Torno a me deitar. Não para dormir – não vou cometer o mesmo erro de novo, nunca se sabe o que pode acontecer – e sim para observar . Ele é tão tranquilo! Enquanto dorme, todas as linhas de expressão deixam seu rosto e ele parece ser a pessoa mais serena que existe na face da Terra. Meus dedos passeiam por sua pele. É um toque leve, delicado. Não quero acorda-lo. Eu não quero dormir, mas sim, quero que ele durma.

salvou a minha vida me tirando do cativeiro de , há pouco mais de uma semana. Eu me comprometi, então, cuidar desse homem com toda a dedicação e devoção que me cabe. No momento, devo tudo a ele.

Deposito um beijo em sua testa e me dou o direito de levantar, mesmo com o coração tendo dado um salto. Estamos sozinhos, já constatei que tudo está no lugar, mas ainda assim o medo de sair de perto de aparece, mesmo que seja pra ir apenas ao banheiro. É como se fosse aparecer há qualquer momento e se eu estiver longe do meu companheiro, não vou ter como me defender.

Vou ao banheiro mesmo assim, jogando um pouco de água fria no rosto para despertar e checando meu estado no espelho que dá visão do corpo inteiro. Não trouxemos muitas roupas – não trouxe muitas roupas, na verdade, porque eu mesmo não consegui pegar nada que me pertencia; fugi com a roupa do corpo – e estou me virando com as camisetas que ele conseguiu enfiar em uma mochila. Elas são tudo, agora. É o que uso para sair para comprar pão, é roupa de ficar em casa e até minha camisola. Apesar de largas – é bem maior do que eu –, mostram boa parte das minhas pernas e essa, sem mangas, revela também os meus braços.

Os círculos arroxeados estão sumindo. Logo, logo não vai mais dar pra ver o tanto que apanhei. As situações nunca vão deixar minhas lembranças, mas pelo menos não vai mais ser visível todos os golpes que desferiu contra mim.

Eu deveria ter escutado a minha mãe. “Esse homem é bandido", ela alertava sobre . “Não se envolve com traficante, . A não ser que você queira terminar morta.” Ao menos eu ainda estava viva. Por pouco, mas estava. Não posso mais me apresentar às pessoas com meu nome verdadeiro por puro medo de ser encontrada, e em breve os documentos falsos ficariam prontos – era a única coisa que faltava para irmos embora pra bem longe, para recomeçar –, mas graças a eu ainda estava viva.

, acordei", ele avisou. passou a avisar sempre que acorda quando não estou ao lado dele, no colchão. Antes de ontem algo semelhante aconteceu. Levantei, vim ao banheiro e ele me surpreendeu, me abraçando por trás. Foi horrível ser pega desprevenida. Gritei, chorei, temi que fosse vindo me buscar. Depois disso ele entendeu que não deveria me surpreender daquele jeito.

“Conseguiu descansar?”, perguntou ao adentrar o banheiro, abraçando-me pelas costas. Nada de sustos dessa vez.

“Sim. Tirei um cochilo.” não sabe que me obrigo ficar acordada por medo. Para ele é apenas insônia.

“É um bom sinal. Hoje vai ser um dia e tanto, sabia? Os documentos ficam prontos, vou sacar a quantia para as passagens e aí é vida nova", comemorou e eu sorri, aliviada e feliz.

Vida nova.

Uma vida com , o cara que deixou tudo o que tinha pra trás pra me livrar de um traficante possessivo e abusivo.

Eu não poderia estar mais grata por esse presente que a vida estava me dando. Depois de cometer tantos erros, não imaginava que seria merecedora de um recomeço como aquele.

“Obrigada por existir", agradeci antes de me virar para ele e selar nossos lábios. Eu não quero que isso acabe nunca.





FIM



Nota da autora: Mais um ficstape pra conta <3





Outras Fanfics:
Em andamento:
In Your Car (Originais)
Questão de Tempo (Restristas - Outros)

Ficstapes:
03. Everybody Knows (McFLY - Radio:Active)
04. What About Us (P!nk - Beautiful Trauma)
07. Preocupa Não (Jorge e Mateus)

Finalizadas:
The Royal Wedding (Restritas - Shortfic - Originais)

Music Video:
MV: Dance, Dance (Rock - Fall Out Boy)



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