Finalizada em: 07/10/2020

Capítulo único

Todas as mulheres
Todos os beijos delas as
Formas variadas como amam e
Falam e carecem.

Um poema de amor – Charles Bukowski.


Falam e carecem. - Recitei por último, parafraseando a primeira estrofe com pausas dramáticas para, enfim, encarar toda a classe e sentir minhas mãos se umedecerem ao constatar todos os olhares em mim. Encarei meus pés, direcionando o olhar para a professora, aguardando que, finalmente, ela me permitisse retornar à minha carteira.
... Senhorita Carlston. - Corrigiu-se rapidamente. — Isso foi... Uau! - Sua frase quase se perdera, e se perderia facilmente por completo se não fosse seus olhos evidenciando o quão maravilhada estava pela citação. E pela primeira vez em tempos, eu acreditei ser merecedora de tal admiração. A filosofia era uma das poucas áreas em que me sentia bem, acolhida, compreendida. — Classe, essa foi uma citação do poeta e romancista, Charles Bukowski, o qual tinha como principal característica os romances rápidos, não necessariamente relacionamentos. Obrigada, Senhorita Carlston por essa interpretação. Pode voltar ao seu lugar. - Poucas e fracas palmas foram ouvidas dos colegas, no entanto, não me importava, da mesma maneira que nunca me importei antes. A única coisa que me interessava era que a senhora Maison percebesse o quão importante aquilo era para mim, e isto era claro como água cristalina.
Eu quis retornar ao meu lugar sem encarar mais ninguém, porém, sem perceber, minhas pupilas me traíram ao encará-la, e ela tinha um olhar semelhante à senhora Maison.
Na verdade, era um pouco de exagero compará-las. Talvez ela não entendesse majoritariamente a intensidade de Bukowski, mesmo quando eu compreendia perfeitamente ao imaginá-la enquanto recitava.
O sinal tocou, e eu corri até que pudesse guardar o livro e o caderno a tempo de não me atrasar para a segunda aula.
O corredor estava lotado como em cem por cento das vezes, e me esgueirei pelos adolescentes excitados a contarem novidades aos melhores amigos. Eu não estava acostumada a tal, precisava admitir, pelo menos não até conhecer Clifford Evans.
Cliff no meio do ano letivo me veio com uma ideia.
Esta, eu havia visto apenas em filmes e nada mais era, do que usar da minha inteligência para escrever bilhetes com sua assinatura.
Estes bilhetes eram endereçados a ela.
Ela que não consegui disfarçar ao recitar Bukowski.
Ela era Hathaway. . Ou .
Ela cantava no coral da escola, era alguma espécie de redatora chefe do jornal e ainda tinha tempo para ser o topo da pirâmide nos jogos de futebol.
Seus cabelos eram castanhos escuro com ondas não muito evidentes – exceto por aquela mecha que ela colocava atrás da orelha e sempre se sobressaía ao moldar seu rosto.
Estava de volta à rotina: acordar, tomar banho, escola, adiantar o jantar, estudar, conversar com mamãe e Karen.
Karen é minha irmã mais nova e a razão pela qual aceitei fazer o que estava fazendo sem nem mesmo pensar duas vezes.
Como mencionara, Clifford me fez a proposta de escrever qualquer coisa que fosse romântica com sua assinatura afim de conquistar . E era fácil, porque nada mais era do que abrir meu coração. Eu só precisava transferir o que ele me pagava até que conseguisse cobrir o custo do vestido do baile de Boas-Vindas de Karen ao Ensino Médio, como lhe prometera.
Apesar de ter visto propostas como essas apenas em filmes, não contara com as controvérsias que esse plano poderia ter, porque, bem... Os filmes não mostravam isso.
— Senhorita Carlston e Senhorita Hathaway... - Professora ponderou por alguns segundos, encarando a folha em sua mão, que enumerava os diferentes temas de filosofia apresentando durantes diferentes décadas. Meu coração perdeu o ritmo de suas batidas. — Vocês apresentarão sobre o Romantismo. - Decidiu por vez. — O Romantismo enfatizava o “eu”, a criatividade, a imaginação e o valor da Arte. Vocês vão se dar bem com esse tema. - Piscou marota a professora alheia a tudo que acontecia nas entrelinhas.
Não que precise de muito para decifrar, no entanto essa fora a gota d’água. Botara todo o plano a perder.
Nós estávamos bem.
Cliff era diferente dos quarterbacks do time e realmente havia algum sentimento para demonstrar. O que complicava é que no momento em que lhe perguntei sobre o sentimento que nutria por , ele o justificava apenas por sua beleza física. era lindíssima, sim. Mas também era inteligente e empática. Era sensível e sorria fácil.
E o trabalho de filosofia que precisávamos apresentar deixou tudo isso explícito. Deixou a forma como eu a enxergava explicitamente exposto, porque ela deixou claro reconhecer minha grafia no momento exato em que nos encontramos para esquematizar a apresentação.
— Sua letra é linda! Eu fiz caderno de caligrafia por anos e nunca cheguei nem perto disso. - Ela disse baixinho, parando de folhear um dos quinhentos livros que separamos na biblioteca. Era modéstia. Pura modéstia. Porque, como qualquer outro detalhe nela, sua grafia era perfeita.
— Minha mãe foi professora por muito tempo, e essa é uma das coisas que ela exige. - Ri fraco ao responder automaticamente.
— Toda a exigência funcionou perfeitamente. - sorriu fraco, mas não fraco suficiente para não surtir efeito em minha espinha, que resultou num arrepio por todo o corpo.
O trabalho tinha entrega para dali três semanas, entretanto ela soprou o castelo de cartas muito antes desse prazo.
reconhecer minha grafia fora como um treme-terra no nosso castelo de cartas. Daqueles bravos, que engolem tudo.
Sua expressão facial se tornou indecifrável durante diversos minutos, isto porque variava entre confusão, tristeza, raiva, desapontamento e nojo.
Apesar de ter tudo isso despejado em mim, não a julgava.
Tudo que ela recebera nas últimas semanas era pura mentira.
Mentira de quem as entregava.
Não de quem as escrevia.
Uma das suas frases que mais me doeu foi: “Eu supria sentimentos por alguém que não existia”.
E era verdade.
Apesar de um sentimento verdadeiro, o remetente era um fantasma. Porque entre mim e Clifford, nenhum de nós era cem por cento verdadeiro naquela história.
Eu queria estar ao lado dela e, ao mesmo tempo, causei-lhe uma decepção que, a meu ver, era quase imperdoável.
Nada disso fora uma brincadeira, mas fora um jogo arriscado, e , maravilhosa como é, fora quem mais saiu perdendo.
Não era como se me curasse, mas pegar na mão de Karen e ouvi-la disparar todas as suas dúvidas sobre qual vestido escolher fechava boa parte das feridas que se abriram ao enganar .
Me custava a acreditar o quanto esse amor adolescente poderia machucar.
Eu já havia feito trabalhos escolares em troca de dinheiro por tantas vezes que cheguei a perder as contas, e a única coisa me impedindo de seguir em frente era a maneira patética que meu coração acelerava sempre que revivia seu olhar desolado.
Era a primeira vez que me apaixonava por uma garota.
E eu estava morrendo de medo.
Principalmente porque colocara tudo a perder.
Colocara tudo a perder inclusive quando a vi adentrar a loja em que eu estava com Karen.
Karen estava serelepe e insistia por minha opinião no vestido que provava.
Senti a mão da minha irmã mais nova me puxar cada vez mais insistente.
— É por ela que você está apaixonada, ?
— Eu não estou apaixonada. - Respondi o mais automaticamente possível.
— Que lindo! - Ela juntou as mãos no colo, perto do coração. — Já contou pra ela?
— Ela já sabe. - Revirei os olhos. — Mas não é uma história boa de se ouvir.
— Mas você estará indo pra faculdade em algumas semanas! - Evidenciou em tom de obviedade.
— Essa é a parte que me conforta. - Suspirei, finalmente conseguindo desviar meu olhar do sorriso largo de , que assim como eu, estava com sua irmã.
— Você é quem sabe. Não posso resolver todos os seus problemas! - Karen deu de ombros, se adiantando em desfazer o nó lateral do vestido lilás que provava. — Tenho mais uns quatro ou cinco pra provar, ok? - Concordei com a cabeça, até porque se fosse respondê-la sequer daria tempo pois ela já se emaranhava entre as cabines do provador mais uma vez.
Tirei a mochila do ombro a fim de procurar pela caixinha dos óculos de grau que começavam embaçar com algumas poeiras voadoras das saias sobrepostas dos vestidos. Mesmo que por alguns segundos, chegava a ser desesperadora a realidade de não enxergar os palmos à frente, e se tornou indescritivelmente mais desesperador quando os coloquei de volta, percebendo que o vulto que via se movimentar ao meu lado era , acomodada no mesmo sofá que eu, encarando suas mãos enquanto nós duas aguardávamos por nossas irmãs.
Karen aparecera mais duas vezes, essas com vestidos muito parecidos e, segundo ela, os tons clarinhos de rosa-lemonade e rosa-crepe eram inconfundíveis. Já para , os vestidos de sua irmã – que descobri se chamar Vivian – eram majoritariamente em cores florescentes e recortes radicais, nada confundíveis.
, você poderia me ajudar mais. Como vou decidir um vestido desse jeito? - Karen saiu em passos largos do provador, separando em um braço os dois vestidos que provara e os restantes três que não se deu ao trabalho, até porque, para mim, eram iguais. — O que você acha? - Ela se virou rapidamente para , mostrando-lhe os vestidos. — Rosa-crepe ou Lemonade? diz que são iguais...
— Não consigo decidir entre os dois... - ponderou sorridente. — Mas concordo com você quando diz que são diferentes, porque não vejo semelhança alguma. - Arqueou as sobrancelhas, mordendo o lábio inferior como se quisesse conter o sorriso que dera há poucos segundos.
— Viu?! - Karen virou-se para mim, sorrindo presunçosa.
— Tem uma outra loja na a duas esquinas daqui. Vamos? - Chamei-a.
— Vocês estudam juntas, não é? - Minha irmã se sentou no espaço entre nós, revezando seu olhar.
— Sim. - Ela respondeu fraco.
— E o que mais? me disse que não é uma boa história... O que aconteceu?
— KAREN!
? - A mais nova me encarou, serena. — Estou curiosa.
— Realmente não é uma história legal.
— Podem conversar lá fora se quiserem. Não nos importamos, não é Vivian? - Minha irmã se levantou, enlaçando o braço junto da outra garota.
— Mas o quê?! - murmurou.
— Isso não foi uma coincidência. - Vivian declarou de uma forma tão decidida que era até estranha para uma pré-adolescente de treze anos.
— Me choca que não tenham percebido.
— Eu e Karen planejamos esse encontro há semanas! - Viv riu alto, contagiando Karen até que ambas fizessem um high-five. — Agora, por favor, não estraguem a última parte do plano.
— Nós temos vestidos a provar! - Karen abanou a mão no ar, como quem nos apressava para sairmos dali.
Com muita relutância, levantei meu olhar até as írises dela, que piscavam de maneira insistente.
Ela não me encarou, mas deu o primeiro passo em direção a porta e um sorriso começou nascer do canto dos meus lábios.
— Vai, vai! - Karen sussurrou repetitiva até que eu começasse a segui-la.
Um frio terrível tomava conta do meu corpo inteiro, e eu não conseguia pensar em uma palavra sequer para puxar assunto, como uma pane. Como se eu fosse uma espécie de sistema que facilmente desconfigurou.
Ela se sentou no banco de madeira em frente à loja, e eu fiz o mesmo. pigarreou uma, duas e até três vezes, limitando-se a tirar a jaqueta jeans que vestia por cima do vestido azul simples, e o mero movimento fora responsável pela nuvem passageira e entorpecente do perfume floral que ela gostava de usar.
colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha – aquela que fica mais ondulada que o resto dos fios justamente por isso- e suspirou.
— Você consegue acreditar nessas duas pestinhas? - A garota iniciou incerta.
— Parece trama de filme de Hollywood, mas Karen...
— Eu não estou brava com você. - Ela disse de uma só vez, como quem contava um segredo.
— Não está?
— Estou decepcionada por você ter se deixado ser usada por Clifford.
— Não me orgulho, mas, para ser sincera, foi um acordo. - Pigarreei quando a voz falhou. — Cliff gosta mesmo de você, e é com o dinheiro que ele comprava os poemas que hoje consigo dar um vestido para Karen.
— Você já fez isso alguma outra vez?
— Nunca.
— Karen merece mesmo aquele vestido.
— Precisei abdicar de muito por ele.
— Não estou dizendo que esqueci, mas entendo que não fez por mal, até porque seu motivo era nobre.
— Fico aliviada, . Obrigada por entender.
— Tenho tentado entender muito. Inclusive meus sentimentos... Não compreendo nada do que está acontecendo, . - Confessou baixo, em voz vacilante. — Os caras do time eram para manter as aparências. Eu precisava que um deles fosse o rei ao meu lado no Baile de Primavera. - Ela se mexer no banco, desconfortável. — O que eu quero dizer, é que se aqueles poemas forem verdadeiros... Eu quero tentar fazer isso dar certo, .
— Você está dizendo que...
Eve Carlston, você quer ser minha namorada?
Eu não conseguia formular frase alguma, mas agradeci quando minhas mãos quase por impulso contornaram as laterais do rosto fino dela.
era a primeira garota que eu beijava, e eu estava nervosa como o primeiro beijo que eu daria na vida. Até porque, este simbolizava a porta de entrada para o meu verdadeiro eu.
— Em um ano eu estarei de volta. Yale não costuma ser bondosa com as folgas! - Sorri genuinamente como não fazia em tempos.
— Talvez possamos voltar juntas de lá. - deixou um beijo na ponta do meu nariz.
— Por quê?
— Porque eu também estarei em Yale.


essas orelhas esses
braços esses
cotovelos esses olhos
olhando, o afeto e a
carência me
sustentaram, me
Sustentaram.

Um poema de amor – Charles Bukowski.





Fim.



Nota da autora: Hello, hello! Vocês estão bem? Espero que sim! Porque eu estou e boa parte disso vem desse casal fofinho que eu me prometi há tempos escrevê-lo. Ah! Esse ficstape foi inspirado num filme que eu fiquei cheia de suspiros, o nome é The Half of It. Espero que gostem como eu gostei. XOXO.



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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