Capítulo Único
A porta do quarto se abriu atrás de , fazendo com que a garota se sobressaltasse pelo barulho externo que invadiu o cômodo. Já tinha quase se esquecido de que tinha uma quantidade de jovens adultos bêbados o suficiente para povoar uma cidade boêmia logo ali, sob seu teto – ou melhor, de seus pais.
- O que está fazendo aqui? – Perguntou, sorrindo, ao olhar por cima dos ombros o rapaz que acabara de fechar a porta atrás de si.
- Vim ver o que você estava aprontando – respondeu, entrelaçando os braços pela cintura do garota, encaixando a boca na curva de seu pescoço, deixando que seus lábios roçassem levemente sobre a porção de pele que a blusa tomara que caia deixava à mostra.
- No caso, eu vim procurar curativos. Lembra o sapato lindo que meu pai me deu na formatura?
- O que ficou pequeno?
- Esse mesmo. Não tinha tamanho maior na loja para realizarem a troca, então eu decidi ficar com ele – disse e apontou para os próprios pés marcados, com os calcanhares já sem pele, marcando os cortes que a fivela tinha deixado. – Péssima ideia, eu sei. Malditos sapatos maravilhosos que não me servem.
riu alto, enquanto puxava um par de rasteirinhas douradas que estavam ao lado da cama dela e entregou para que ela trocasse os calçados.
- Ninguém mandou a princesa ser o Pé Grande disfarçado de garotinha indefesa.
- Não sou uma garotinha indefesa, . Quem mata as baratas em casa?
- Você – ele admitiu, rindo.
- Então, estamos combinados. Se eu sou o Pé Grande, você é a garotinha indefesa – ela respondeu, cobrindo os cortes com recortes improvisados de esparadrapo e calçando as rasteirinhas. – E a garotinha deveria voltar para a festa, não acha?
- Para quê? Minha festa está bem aqui – respondeu, com um sorriso safado, puxando a garota para a cama.
caiu por cima dele, com um gritinho risonho, enquanto habilmente invertia suas posições, beijando seus lábios avidamente. Ela correu as mãos pela nuca dele, embrenhando os dedos finos por seus cabelos. As pernas da garota já pareciam encaixadas ao quadril do namorado com uma naturalidade incrível, como se tivessem sido moldadas exatamente para agarrarem aquele corpo que lhe causava arrepios a cada toque. As mãos do rapaz começaram a passear com total liberdade pelas pernas dela, apertando um pouco suas coxas sem interromper os beijos. Quando as coisas pareciam se encaminharem para o próximo nível, no entanto, a porta se abriu com uma violência um tanto desnecessária, assustando a ambos, que tentaram se ajeitar em segundos.
- Nem tentem disfarçar – a garota parada à porta disse com os braços cruzados. – Se eu não tivesse certeza de que seria empata foda, eu nem me daria ao trabalho de vir aqui. Esses cabelos bagunvçados e o vestido levantado vão entregar vocês lá fora, pelo menos finjam para os seus colegas que vocês não abandonaram a própria festa para transar.
- Haley, você é uma ridícula – reclamou, enquanto prendia os cabelos em um coque alto para disfarçar os nós. - Eu sou. E mesmo assim vocês dois me amam incondicionalmente – disse e beijou as bochechas dos amigos, pendurando-se nos ombros deles para sair do quarto. – Inclusive, eu já bebi um pouco mais do que devia e vou dormir aqui. Bem no meio de vocês dois. Só comunicando mesmo.
revirou os olhos, perguntando-se como sempre em que momento suas faculdades mentais decidiram que Haley seria uma melhor amiga perfeita para e ele simultaneamente. Com certeza, eles não deveriam estar muito sóbrios ou conscientes por deixar aquela garota virar parte fundamental da vida de ambos.
Retornaram para o meio de todos aqueles jovens recém-formados que decidiram descontar todos os estresses e frustrações de provas, trabalhos e diplomas dos anos anteriores naquela noite. e decidiram dar uma grande festa e convidar todos os amigos dos cursos de que finalmente tinham se libertado: Cinema e Artes Cênicas, respectivamente. Era nessas horas que todos agradeciam pelos pais liberais da garota, que permitiam esses eventos e nem faziam questão de presenciá-los. A essa altura, eles provavelmente estariam em uma pousada na cidade vizinha em uma nova “Lua de Mel” como chamavam. Ou simplesmente teriam ido a um spa receber algumas massagens cheias de óleos e aromas.
‘Mi gente’ soava pelas caixas de som em volume acima do limiar da dor, mas ninguém parecia se importar de verdade com aquilo. A maioria dos grupinhos tinha se concentrado ao redor da piscina ou dentro dela e todos pareciam se divertir à sua forma. O casal sorriu, abraçado, orgulhoso do passo que estavam dando e cheios de expectativa pelo futuro que esperavam alcançar. Contentes pelos amigos que fizeram, pelos laços que criaram – mesmo sem saber quantos deles realmente durariam do lado de fora daquela casa -, pelos obstáculos que superaram e, principalmente, por continuarem juntos por todos esses anos, apoiando as decisões e enfrentando os problemas um do outro.
sorriu consigo mesma, apertando a mão do namorado, enquanto deitava a cabeça sobre o ombro dele. depositou um beijo em sua cabeça e, naquele momento, sabiam que independentemente do que acontecesse dali em diante, estariam juntos. E, ao final do dia, era só isso que realmente importava.
*****
já tinha realinhado o blazer preto sobre os ombros pelo menos cinco vezes, culpando os céus ou qualquer ser divino possível criador por ter criado a ansiedade no mundo. Estava com uma caixa de lenços na bolsa só para tentar controlar o suor frio nas palmas das mãos, torcendo para não encostar em ninguém com seus fluidos corporais. Definitivamente seria uma maneira inexplicavelmente horrível de começar seu primeiro emprego na área de formação. O nervosismo era milhares de vezes pior agora do que fora quando conseguiu uma vaga para trabalhar como garçonete em uma pequena lanchonete durante as férias. Provavelmente porque aquela vez era apenas um meio de conseguir alguns trocados extras para trocar de celular e, agora, era o primeiro passo do que esperava ser o alicerce de todo o seu futuro. Sem pressão.
- , pelo amor de Deus – a garota gritou do andar inferior, totalmente impaciente. – Se você realmente quer me levar, lembre-se de que tem que ser ainda hoje.
O garoto gritou qualquer coisa incompreensível de forma embolada e um barulho alto em sequência fez com que se assustasse. Logo ele apareceu à sua frente, praguejando e esfregando a coluna onde sofrera a pancada ao cair da escada. Sorriu amarelo ao ver a namorada revirar os olhos para sua incrível destreza de sempre.
- Já imaginou perder seu primeiro dia no trabalho dos seus sonhos para levar o amor da sua vida para colocar uma tipoia no braço?
- Já imaginou perder a sua vida? Não existe amor quando se trata do meu futuro. Se você tivesse se esborrachado, eu ligaria para a ambulância e te largaria aí esperando a emergência.
riu, pegando as chaves do carro e os óculos de grau que se negava a usar.
- Fico realmente impressionado com toda essa sua demonstração de afeto. Se eu não soubesse que você precisa desse trabalho para sustentar os nossos filhos, eu até ficaria chateado.
- Eu tomo anticoncepcional exatamente para isso. Se eu me disponho a esse risco de morrer de trombose é porque eu realmente não quero uma criança. Que, por sinal, só será sustentada só por mim se, por um milagre, ela for feita com o meu próprio dedo. Se são necessários dois seres para conceber uma criança, esses dois seres são responsáveis por ela.
- Eu sei, gatinha. Era só para te irritar – disse o rapaz, beijando a bochecha dela com um estalo. – Ninguém aqui quer uma criança agora, mas é óbvio que lidaríamos com isso juntos se acontecesse.
- Ok, ok. Agora para com esse papo e me leva logo ou seremos uma família de indigentes.
Os dois entraram no carro e , enquanto dirigia, começou a cantarolar uma música qualquer dos anos 80 que tocava na rádio. tinha os braços cruzados na frente do corpo e brincava com os próprios dedos, machucando as próprias juntas de tanto forçá-las a estralar. Batia os saltos baixos no carpete abaixo do banco do carona e agora pensava se não deveria ter se submetido a um sapato mais alto. De repente, toda a sua escolha de roupa e acessórios parecia uma incrível estupidez. Provavelmente não estava formal o suficiente ou, talvez, estivesse formal demais. Talvez a paleta de cores que tinha pensado com tanta cautela fosse ridícula e ofendesse alguém por estar fora de moda. Será que tinha passado desodorante o suficiente? A única pizza que gostava de ter perto de si era aquela com queijo extra e uma pitada de pimenta; dispensava qualquer outra.
- Ei, amor – o rapaz chamou, tirando a mão direita do volante rapidamente para fazer um carinho na coxa da namorada. – Vai dar tudo certo, viu? Você está linda e sabe muito bem como é capacitada para esse cargo ou qualquer outro. Eles vão ficar é com raiva por você não ter se formado antes.
A garota esboçou um sorriso nervoso, esmagando os dedos que o namorado repousara em sua perna. Agradecia mentalmente a cada segundo em que ele tinha se disposto a ficar ao seu lado em todos aqueles anos, fosse contando alguma piada sem graça, tentando distrai-la de algo ou simplesmente erguendo a mão para que ela usasse da forma que preferisse. Ele esteve ali em todos os momentos em que ela precisara. Esteve ali até quando ela não queria que ele estivesse – o que fazia com que ela tivesse que quase literalmente chutar ele de casa por algumas horas, enquanto ele dava algumas voltas no shopping até que a poeira finalmente abaixasse. Se existia alguém com quem ela poderia contar para fazer um almoço improvisado, assistir a uma estreia de animação, fazer companhia na sala de espera do dentista ou simplesmente passar horas jogando conversa fora com um pacote de balinhas azedas; esse alguém era ele. Muito mais que um amante ou que um simples amigo. Era simples e inexplicavelmente impossível definir com algumas palavras tudo o que aquele homem representava em sua vida.
Perdida em seus devaneios, não percebeu que o carro já estava sendo estacionado. Seus olhos se arregalaram e o coração passou a bater tão rápido que, paradoxalmente, parecia que iria parar a qualquer momento.
- Não estou pronta – disse, baixinho, sentindo um nó esquisito na garganta que, de repente, parecia mais seca que o Deserto do Saara.
- Você sempre esteve pronta. Só não sabe da própria força ainda – respondeu, arrumando uma mecha do cabelo da namorada. – Quer que eu vá até lá com você? – A pergunta foi feita na intenção de irritá-la, sabendo que isso a motivaria a encarar o desafio daquele dia.
- Não, mãe – ironizou. – Não preciso de guarda-costas, mas agradeço sua oferta tentadora.
Ela abriu a porta com força, respirando fundo. Precisava aproveitar aquele um segundo de coragem absurda antes que desistisse totalmente de descer do automóvel e ir de vez.
- Eu amo você – disse, sorrindo quadrado e fazendo sinais de ‘joinha’ com as mãos.
- Também te amo. Agora, aproveita e some antes que eu volte correndo.
O namorado ainda ficou observando enquanto ela passava para a recepção do prédio, para garantir que poderia ir embora sem problemas. Foi então que viu a bolsa preta de fivela dourada no banco do carona.
- Droga – reclamou ao pegar o acessório e entrar correndo no grande e iluminado prédio.
Sentiu-se um peixe fora d’água ao ver todos aqueles funcionários circulando de roupa social – apesar de menos formais que a de sua namorada, o que provavelmente faria com que ela perdesse a linha – com pastas embaixo do braço, pilhas de papeis nas mãos e canetas enfiadas em bolsos, golas e apoiadas em orelhas.
Avistou a garota conversando com um homem de cabelos esbranquiçados com óculos grossos e se aproximou, rezando para que não fosse uma jogada imprudente.
- Licença – pediu, sentindo que suas bochechas provavelmente tinham acabado de atingir o vermelho Pantone 185, tão reluzente quanto o do rótulo de uma garrafa de Coca-Cola. – Desculpa mesmo interromper, eu realmente não queria fazer isso – Droga, por que ele nem sabia formular uma frase direito? – Mas você esqueceu a sua bolsa no carro. Perdão por atrapalhar mais uma vez.
Entregou o objeto nas mãos da namorada e estava prestes a se virar quando o senhor que conversava com ela teve a brilhante ideia de tentar ser simpático, fazendo com que toda aquela situação só ficasse mais constrangedora para o jovem.
- Ah, o que é isso, rapaz? Atrapalhar? – Deu uma risada um pouco alta demais. – Estávamos apenas conversando sobre algumas formalidades do cargo, sabe? Algumas especificidades desse diretor. Mas quem é você?
travou, recebendo um sorriso nervoso de , que praticamente sinalizava um piscante e ofuscante “SOCORRO”. Captando a mensagem da melhor forma que podia, o rapaz estendeu a mão para o homem mais velho, tentando parecer calmo e descontraído enquanto só desejava sumir – e sabia bem que ela também preferiria que ele sumisse logo.
- , prazer. É, eu sou, bem... O namorado da .
- Don Williams, o chefe dela. Também sou o diretor de ‘Luzes da Cidade’, sabe? O tal cara responsável por todas as inúmeras especificidades do cargo.
arregalou ainda mais o sorriso e os olhos maníacos de desespero como se concluísse: “Agora você entendeu a minha vontade de explodir ou simplesmente enfiar a minha cabeça no centro da Terra?”.
- Bom, como eu disse, é um enorme prazer conhecê-lo, senhor. Tenho certeza de que o filme será um grande sucesso. A é uma grande fã e me contou tudo que o contrato permitia sobre o roteiro. É impressionante! As bases do enredo são incrivelmente bem pensadas e os personagens têm aquela profundidade que os torna totalmente esféricos. Vai ser um filme maravilhoso e desejo mesmo todo o sucesso do universo para essa obra, mesmo sabendo que meus desejos não se comparam à magnitude do projeto. – estava impressionada com a lábia que o teatro tinha criado no namorado. Seria capaz de dar um beijo na boca dele por usar aquelas palavras tão certas ou dar um soco no meio daquele rosto magnífico por soar tão puxa-saco às vezes.
- Eu sei, eu sei. Não esperaria menos de um profissional tão maravilhosamente qualificado como eu. – Novamente a risada alta demais. – Mas, me fala sobre você. Tem interesse em alguma vaga no time também? É tão bonito e fala tão bem que acho que consigo te arranjar um estágio, mesmo achando que é um total desperdício. Mas você é um rapaz tão legal que eu posso te indicar para alguns colegas que trabalham gerenciando rapazes como modelos fotográficos.
alargou o sorriso com aqueles dentes perfeitamente clareados e alinhados com a ajuda dos anos de aparelho ortodôntico. Aquele maldito sorriso perfeito que fazia com que até as pessoas mais alheias à vida dele simplesmente se desmanchassem totalmente no mesmo instante. Era um golpe definitivamente baixo demais para qualquer coração. Ainda mais quando vinha de um coração tão enorme quanto o dele.
- Eu não tenho palavras para mostrar o quão agradecido eu sou por essa oferta, senhor. Mas acabei de me formar em Artes Cênicas e não consigo me imaginar fazendo outra coisa. Tenho algumas audições nos próximos dias. É por me agarrar a essas esperanças que não posso aceitar essa oferta, mas isso não diminui de forma alguma a minha mais completa gratidão.
- Audições, hm? Que tal uma audição para ‘Luzes da Cidade’? O ator cotado para ser o melhor amigo do protagonista acabou cancelando a participação ontem. Aparentemente uma proposta na DC Comics é mais importante que o meu longa. Grande droga, todos nós sabemos que eles vão ser totalmente massacrados pela crítica mesmo. Não que eu o culpe, também aceitaria o emprego. É só meu orgulho ferido.
e riram, com o ambiente se tornando mais leve, apesar das surpresas.
- Estou falando bem sério – Don continuou. – Não tenho um plano B e você é bonito e carismático, exatamente o que eu preciso. Se atuar bem, lançamos você com esse filme. Seria uma bomba para a mídia, todos enlouquecerão querendo saber de onde o novo galã de Hollywood saiu de repente. O burburinho em cima do ator desconhecido aumentaria ainda mais a atenção dos tabloides e dos críticos. A curiosidade é uma das maiores fontes de divulgação. Seria incrível! Incrível! Por favor, rapaz. Aceite fazer o teste. Podemos entrar agora mesmo, não vai durar mais do que alguns minutos, eu posso garantir isso. Minha assistente vai agilizar o processo, não vai?
deu uma breve engasgada, percebendo que era com ela que ele estava falando. Aquilo tudo era louco demais para digerir em tão curto intervalo de tempo.
- C-claro. Vamos, então? – Chamou, quase implorando para que concordasse logo com aquela sandice antes que alguém saísse de um vão entre as paredes gritando que era apenas uma pegadinha para ver quem era o mais facilmente enganável deles.
E foram mesmo, com voltando a demonstrar todo o nervosismo que a situação lhe trouxera desde o início. Agora, era ele quem secava as mãos freneticamente nas calças jeans surradas, tentando não ter um total colapso de pânico sobre tudo que estava acontecendo logo diante de seus olhos.
Quando deu por si, já estavam em uma sala afastada, revestida com cores sóbrias, na predominância de um cinza que quase o lembrava das paredes de um hospital – o que aumentava ainda mais a sensação de que ele poderia acabar vomitando a qualquer momento. Don entregou uma pilha de papéis com o roteiro impresso de uma das cenas principais do filme.
- Ignore as anotações e os rabiscos. Esse é o meu rascunho, mas pode usá-lo para treinar. Tem uma hora, sim? Sei que é pouco para as leituras brancas e a adaptação da personagem, mas faço parte do grupo que encara a qualidade como uma característica dissociada da quantidade. Dez minutos bem aproveitados, com foco, valem bem mais que horas de trabalho desprovido de atenção. Um bom ator não precisa de grandes falas ou de grandes palcos, apenas de uma grande oportunidade. Creio que você saberá bem como aproveitá-la.
O diretor abandonou o recinto, deixando sozinho para que pudesse se concentrar em ler e treinar o texto. sussurrou um “Boa sorte, meu anjo” antes de fechar a porta daquele cômodo atrás de si, deixando-o à própria sorte.
- Você consegue, Respira fundo. Você consegue – dizia a si mesmo, na tentativa de se convencer.
Leu e releu aquelas rubricas como se sua vida dependesse daquilo. Devia admitir que estava fascinado pelo papel a que concorria. Mesmo que pudesse simplesmente ignorar a grandiosidade da obra, ainda seria incapaz de fingir que não era uma personagem incrível.
Quando Don adentrou a sala para perguntar se ele estava pronto, sentiu a adrenalina impulsioná-lo. Muitos de seus amigos propagavam aquela ideia de lidar com o nervosismo imaginando o público totalmente nu. Sinceramente, uma audiência sem roupa só o deixaria ainda mais perturbado. Ele preferia simplesmente canalizar sua confiança como se fosse algum método de alinhamento de chakras – apesar de que já tinha tentado visualizar a plateia com longos bigodes, em sua primeira apresentação grande. Era esse o pensamento que ele mantinha em mente quando o mais velho avisou que estava pronto para o teste.
começou a encenar o monólogo, seguindo para o diálogo que o próprio Don engatou com ele. Mantinha os papéis em mãos, sabendo que era humanamente impossível que soubesse todas aquelas falas de uma hora para a outra assim. Mesmo assim, sentia-se seguro como só se sentia ao interpretar outra pessoa. O teatro lhe conferira confiança e desenvoltura sobre si mesmo, mas tudo era totalmente diferente quando ele incorporava outra pessoa. Não era mais ele ali. E foi por demonstrar isso tão bem que o diretor acabou dando um sorrisinho de lado, um tanto presunçoso.
- – o homem chamou -, pode preparar um contrato para o seu namorado. Seja bem-vindo a ‘Luzes da Cidade’.
*****
já tinha pedido o segundo combinado grande de salmão enquanto observava a namorada brincar com os hashis presos pela borrachinha verde. Sorriu sozinho ao vê-la em uma careta, com a testa franzida e a ponta da língua de fora, concentrada em recolocar os “palitinhos” no lugar certo. Ela amava comida japonesa e comia sempre que podia, mas mesmo assim não conseguia de forma alguma usar aqueles malditos corretamente. A prática nem sempre levava à perfeição. E ela definitivamente tinha desistido de praticar.
- Acho que eu quero outro temaki – comentou, enquanto brincava com a pocinha de shoyu em seu prato. – Preciso comer para digerir tudo que aconteceu hoje. Tenho certeza de que é informação demais para uma pessoa normal.
- Você não é normal. É completamente surtada – caçoou, recebendo um dedo do meio em resposta. – Qual é? Eu não te trouxe aqui para superar nada. Nós só temos motivos para comemorar hoje! Meu amor, você tem noção do que esse dia representa em nossas vidas? Seu estágio é um sucesso, seu chefe simplesmente te adorou instantaneamente.
- Na verdade, ele adorou você, Stavo – disse, fazendo uma referência ao personagem que ele representaria no filme. – Eu, no máximo, ele aturou. Em compensação, era “, você é tão bonito”, “, você é tão carismático”, “ você será uma jogada de marketing incrível para o meu filme”. Estava esperando a hora em que ele ia se ajoelhar e beijar seus pés, pedindo para que você fosse o Deus louvado pela religião nova que ele está prestes a criar. Não roube meu chefe, pequeno aspirante a galã.
- Don é um homem incrível e ainda mais por perceber o grande e promissor ator maravilhoso que eu sou, mas pode ter certeza de que eu não quero roubar o seu chefe. Aliás, por acaso, agora ele é nosso, meu anjo, aprenda a dividir. Mas, é sério; eu só vim aqui para comemorar. – Puxou o copo de água e o ergueu, propondo um brinde. – Ao nosso futuro.
- Ao nosso futuro – concordou, batendo o seu copo de tônica ao dele.
- Na verdade, é exatamente sobre o futuro que eu quero falar. Pensei que teríamos um motivo para comemorar hoje e, de repente, temos dois. O que acha de termos um terceiro?
- Eu posso tranquilamente comemorar a grande ideia de quem decidiu colocar cream cheese na comida japonesa. Deixe os japoneses nos detestarem pela heresia, mas não tem como negar que isso foi uma jogada de mestre.
- Será que você pode parar de pensar e falar sobre comida por um segundo, garota?!
- Fica difícil quando eu vejo várias barcas passando por aí e nenhuma delas é a do meu pedido.
revirou os olhos, rindo da namorada. Não importava onde, quando ou com quem fosse, o estômago era um órgão sagrado para ela e não poderia ser ignorado de maneira alguma.
- Você é ridícula, sabia?
- Sim – ela respondeu. – Foi exatamente o que minha mãe me disse quando a enfermeira me entregou a ela depois do parto.
- Sabe que ela te daria um baita tapa se tivesse ouvido isso, não sabe?
- Com certeza. Se ela estivesse por perto, eu teria que me preparar para sair correndo assim que terminasse a frase. Mas, enfim, o que você queria dizer? Eu interrompi toda sua linha de pensamento com a minha fome.
- Já estou acostumado – ele caçoou. – Vou direto ao ponto, você sabe como eu sou incrível com palavras que não são minhas, que estão lá em um roteiro, mas tem noção de que falar por nós mesmos é muito mais difícil do que falar por um personagem. Mas, hoje, eu estou aqui, despido de qualquer intervenção teatral, sendo só eu; o cara que se apaixonou perdidamente por uma mulher incrível anos atrás e desde então não consegue imaginar sua vida sem ela por um instante sequer. É esse garoto, que ainda está aprendendo a lidar com o mundo, mas que tem a mais pura certeza do quão incrivelmente apaixonado ele é por você, que quer te fazer esse pedido.
tinha se levantado de sua cadeira só para ajoelhar em frente a , vendo-a arregalar os olhos como se finalmente tivesse entendido aonde aquele papo todo estava chegando.
- , você quer se casar comigo?
Alguns clientes das mesas ao redor soltaram murmúrios e suspiros, voltando sua atenção total ao momento inesperado que se sucedia bem diante de seus olhos atentos e famintos – fosse por outro prato ou por alguma novidade em suas monótonas rotinas.
O rapaz já estava ficando impaciente com a demora da resposta – que parecia muito maior para ele do que realmente estava sendo. Se uma pena caísse no chão naquele momento, qualquer um naquele restaurante poderia ouvir claramente a queda. Tinha certeza absoluta de que a senhora da mesa ao lado estava escutando seu coração batendo acelerado, prestes a gritar de desespero.
Foi então, que ele percebeu algumas lágrimas nos olhos dela, acompanhando um sorriso singelo, que ia se alargando gradativamente em sua face.
- Quero – respondeu com a voz embargada, sendo puxada para um abraço em seguida.
Todo o restaurante começou a aplaudir a cena, enquanto alguns até arriscavam uns assobios e comentários que, sinceramente, eles simplesmente nem assimilaram.
- Posso trazer uma sobremesa para comemorarem? – Um dos garçons perguntou. – Na conta da casa.
- Pode – respondeu prontamente, rodando anel em seu dedo. – Mas, primeiro, eu quero a minha barca de salmão.
*****
estava folheando sem parar o roteiro enorme que acabara de receber. Tinha dado um suspiro aliviado ao perceber que pelo menos não participava de cada uma daquelas páginas cheias, mas isso com certeza não fazia a situação deixar de ser um tanto aterrorizante.
- Não surta – disse ao se sentar o lado dele, estendendo um copo de água ao rapaz. – Eu consigo ver do outro lado dessa sala que você está hiperventilando de uma forma totalmente indiscreta. Imagina só quando os atores famosos e experientes chegarem! Você vai desmaiar!
- Sabe, meu amor, você realmente não está ajudando nesse momento. Eu vou arrancar a sua mão com os dentes se você conseguir me deixar mais nervoso do que eu já estou.
- Que delicado, nossa.
Ela provavelmente começaria a fazer um discurso sobre como ele deveria praticar meditação ou yoga – ou os dois -, mas o momento sermão zen foi interrompido por Don adentrando a sala com outros dois jovens cujos nomes o casal já conhecia muito bem.
- , – o diretor chamou, colocando as mãos nos bolsos da calça social. – Conheçam os nossos protagonistas: Abigail e Oliver, representados por Crystal e Scott, respectivamente. Talvez vocês já tenham ouvido falar nesses dois.
- Com certeza já – respondeu, tentando sorrir educadamente. – Oi, eu sou a , assistente de direção.
- E esse é o – Don fez questão de apresentar – que interpretará o Stavo. Não é exatamente o rosto que vocês esperavam?
- Aparentemente é ainda melhor – Crystal respondeu estendendo sua mão direita com a palma voltada para cima como se aguardasse que ele a beijasse. – Enchanté.
O rapaz franziu a testa com a atitude da garota, virando delicadamente para apertá-la como em um cumprimento comum. , às suas costas, observava a cena com uma alfinetada de leve, cutucando sua consciência e começando a deixá-la um tanto cismada com a atitude da outra.
Crystal definitivamente não tinha o histórico mais limpo de Hollywood. Qualquer pesquisa de dois minutos sobre seu nome no google mostraria uma aba de notícias um tanto inchada com escândalos: affairs com os “garotos problema” que mal duravam uma noite, saídas de festas em estado totalmente alcoolizado beirando a inconsciência, vários rumores sobre possíveis consumos de drogas ilícitas e um número considerável de outras atrizes que diziam ter sofrido algum tipo de agressão por parte da jovem. Mesmo assim, todos os projetos em que ela participava ainda vendiam como água, único motivo pelo qual ela não tinha simplesmente sido cortada de tudo para limpar a própria imagem – que acabava sendo uma publicidade a mais.
Mas foi no movimento de pegar sua mão que permitiu que a atriz pudesse visualizar o aro metálico em torno de seu dedo.
- Credo! Aliança? – Crystal riu, em mostra de completa ironia. – É realmente bem deprimente alguém como você andando por aí de coleira e deixando de aproveitar a vida.
Scott engasgou com o café que estava bebendo, entrando numa crise de tosse absurda enquanto Don corria para dar tapinhas em suas costas, iniciando um discurso sobre como eles deveriam tomar o máximo de cuidado possível para não se matarem antes da gravação do filme estar completa porque ele não poderia perder outro dos integrantes de maneira alguma.
deu os comandos para que alinhassem a luz e alguns componentes do cenário para o ensaio de uma das cenas principais que contava apenas com a presença dos três, como uma forma de testar o entrosamento deles e trabalhar a química em cena dos personagens.
Scott e Crystal se posicionaram na sala improvisada do que deveria ser uma casa humilde, posse da família do protagonista. Ao som do “Ação!”, o rapaz iniciou sua fala.
- Eu não posso mais guardar isso para mim, Abigail. Deus sabe o quanto eu tentei fingir que poderia simplesmente seguir em frente como se nada disso me afetasse, mas afeta.
- O que está dizendo, Oliver? Não compreendo. Pensei que estivesse bem.
- Não posso permitir que você se case com Vincent sem que saiba que eu te amo. Tudo que eu fiz, todos os dias da minha vida desde que coloquei os meus olhos em você pela primeira vez, foi te amar como se alguma parte vital de mim dependesse disso. Sei que parece tarde demais e eu fui um fraco por levar tanto tempo para te dizer isso, mas não posso mais guardar esse sentimento para mim.
- Oliver, por que não me disse isso antes? Por que permitiu que meu pai oferecesse minha mão a Vincent como se eu fosse algum tipo de prêmio por ele ter nascido em uma família importante? Por que deixou que tudo isso acontecesse? Nós poderíamos estar felizes juntos.
- Ainda podemos. Nunca é tarde demais para fazer o que é certo. E eu não consigo ver nada mais certo nesse mundo do que nós dois. Juntos. Como deveria ser. No fundo, você sabe que eu tenho razão. Nós podemos superar o medo e o mundo juntos.
Um alto barulho foi ouvido: uma sonoplastia para uma porta sendo aberta com força extrema. , que no momento era Stavo, havia entrado em cena, totalmente esbaforido, como se tivesse corrido uma longa distância.
- Stavo, o que foi? – A jovem perguntou.
- A porção norte da cidade está em escuridão total – respondeu, parando para respirar enquanto falava. – Houve um acidente com a fiação em conserto. Parece que há vítimas no local.
- Ah, meu Deus. – Lágrimas brotaram nos olhos do outro rapaz. – Meu pai estava em serviço lá.
- E corta! – Don gritou. – Ótimo aquecimento, pessoal. Sentem para ler as próximas cenas, vou fazer alguns ajustes na rubrica. Vamos, .
*****
- Estamos entendidos quanto aos gráficos da cena de Oliver e Stavo contra os ladrões, certo? – perguntava, anotando e conversando avidamente com os responsáveis pelos efeitos especiais do filme. Os homens assentiram, remexendo alguns detalhes na tela do computador. – Ótimo. Acho que podemos seguir para o bosque do casamento, nas cenas finais.
Nesse momento, um dos estagiários da filmagem irrompeu pela sala, chamando a atenção de todos que compartilhavam o ambiente. Seu semblante parecia um tanto abalado, carregado de preocupação, surpreendendo todos os demais.
- O que houve, Ronnie? – A jovem perguntou. – Está com uma cara tão estranha.
- Don exigiu sua presença na sala de reuniões imediatamente. Solicitou que eu lhe pedisse calma ao chegar lá. A situação, de fato, não parece ser das melhores se os rumores do set de filmagem forem reais.
sentiu sua pressão cair quase instantaneamente. Tinha medo só de começar a cogitar o que poderia estar acontecendo para que um dos estagiários mais calmos que vira nas últimas semanas parecesse, de repente, tão alarmado. Havia repassado na cabeça tudo o que tinha feito nos últimos dias, tentando encontrar de alguma forma o erro que custaria a sua demissão naquele momento. Don não teria outro motivo para pedir que ela tivesse calma logo para um funcionário cujo nome ele provavelmente não se interessava por saber.
Enquanto cruzava o corredor que dava na sala mencionada, ouvia o bater de seus sapatos nos tacos do chão, juntamente às batidas mais altas de seu coração. Tinha certeza de que pensava tão alto que qualquer pessoa passando por ali seria simplesmente capaz de ouvir o turbilhão de besteiras em que sua mente ia se afundando a cada instante.
Respirou fundo ao encontrar a porta de vidro à sua frente. Mesmo sabendo que não levaria sequer um minuto para que a vissem e que a cordialidade no momento talvez fosse um tanto desnecessária e forçada, ergueu delicadamente os dedos para bater à porta. Logo recebeu um gesto um tanto exagerado de seu chefe, sinalizando que entrasse logo.
Apressou-se para adentrar o cômodo, fechando a porta atrás de si e ocupando a cadeira ao lado de Don. Só queria que parassem de encará-la enquanto fazia tal caminho. Ao levantar os olhos – torcendo para que já tivessem desistido de fitá-la -, encontrou os olhos arregalados de observando fixamente o nada. Sua expressão definitivamente nunca parecera tão vazia quanto naquele exato momento. Era como se um buraco negro tivesse sugado totalmente sua força e isso já começava a pesar sobre os ombros da noiva.
- Podem começar – o diretor sinalizou, respirando tão fundo que poderia ter aspirado todo o ar do ambiente. Talvez eles realmente preferissem que não houvesse oxigênio naquele momento para não ter que lidar com o caos que estava prestes a vir de uma só vez.
A mulher e o homem, ambos em ternos de riscas de giz, entreolharam-se do outro lado da mesa, como se perguntassem “Você vai ou eu?”. Um pigarro acabou agilizando o processo, fazendo com que a equipe responsável pelo marketing e publicidade do filme e, consequentemente, por construir a imagem dos atores jogasse logo a bomba em seus colos.
- Crystal está levando a imagem do filme por água abaixo. Enquanto ela recebia papéis de rebelde sem causa ou de adolescente em crise era fácil lidar com as fofocas e os escândalos. Agora, que assumiu o protagonismo em um drama de peso, as pessoas precisam ver uma nova mulher, dissociada dessa imagem de obscenidade.
Crystal espumava e estava prestes a protestar, mas recebeu um sinal da agente, assinalando que ela se calasse. Estendeu impressões das capas dos principais jornais diários, apontando as longas unhas pintadas de branco nas manchetes com fotos que ocupavam quase toda a metade superior da página. Nelas, a atriz aparecia caída na frente de uma boate, com o vestido curto tão torto no corpo que a imagem acabava mostrando um pouco mais do que ela gostaria.
- “Atriz hollywoodiana entra em nova polêmica com drogas”, “Dizem que ela será protagonista de um drama. Será que será um maior que a própria vida boêmia dela?”. E essas são as mais leves que não te tratam como uma total viciada, chamam você de traficante ou te acusam de ter fugido de uma clínica de reabilitação. Sem contar o novo viral das redes sociais: um vídeo seu totalmente desacordada e inconsciente nessa festa. Alguém gravou e jogou no instastories e no snapchat. É o vídeo mais visto da semana e nem tem vinte e quatro horas de publicação.
- Isso é manipulação de mídia! Eu não sou esse monstro que eles adoram pintar para o mundo – ela ralhou.
- Manipulação ou não, você precisa de uma brusca mudança ou vai complicar a sua carreira e a de todos aqui. – Foi a vez de o agente se manifestar, com uma voz incrivelmente grossa.
- E se eu não quiser? – Perguntou, aumentando o tom de voz.
- Você não tem escolha. Vocês dois tinham inúmeras cláusulas de imagem no contrato de vocês com a empresa. Se não seguirem a publicidade do filme, seja lá o que isso custe, estarão os dois demitidos antes do amanhecer.
- Como assim os dois? – perguntou, soando um tanto desesperado. – Sem querer parecer rude, mas, se o problema é ela, o que eu tenho a ver com isso?
- Eu não sou o problema, gatinho – Crystal rebateu. – O mundo é. Essa droga de mídia achando que pode definir tudo o que eu sou por causa de um porre. Se fosse você, iam te chamar de festeiro, mas eu, aparentemente, acabo de me tornar a mais nova traficante do pedaço.
- Não interessa o que eles diriam, só o que eles já disseram e como isso afeta o projeto como um todo. Crystal, vamos diretamente ao ponto, você precisa de uma relação que te dê credibilidade e estabilidade para os olhos do público e dos principais editores e jornalistas. Queremos que entre em algo como um namoro de fachada, digamos assim. Passaremos a ideia de uma menina delicada e apaixonada em vez da pose de rebelde inconsequente.
- Eu tenho alguma escolha? – Ela perguntou enquanto cutucava as próprias unhas, demonstrando total falta de interesse. não conseguia acreditar em como ela poderia estar tão alheia a algo que era tão importante. Jamais imaginaria ser capaz de lidar com algo dessa dimensão com o sangue frio daquela forma.
- Na verdade, não tem. Nenhum de vocês dois têm – a agente continuou, atraindo os olhares confusos de e para si. – Passarão os próximos meses aparecendo juntos publicamente, encenando a maior história de amor que esse mundo poderia sonhar em ver. Quando o filme sair das bilheterias, vocês fingem um rompimento por algum motivo qualquer, mas, por enquanto, os dois precisam se ajudar e nos ajudar a construir a imagem de ambos.
- Mas o que eu tenho a ver com isso? – A voz de saíra um tom mais aguda, totalmente desolada e descontrolada. Agora, era que tinha a expressão totalmente vazia, mas o coração cheio demais, devastado demais para sequer continuar assimilando o caminho que aquilo tomaria após a facada que parecia ter atingido seu peito.
- Você é um total desconhecido, funciona perfeitamente como uma via de mão dupla: além de ser visto facilmente como boa influência e boa pessoa, esse relacionamento vai te colocar nos tabloides em instantes. É a publicidade perfeita para todos aqui. E, como eu gostaria de lembrar, vocês não têm escolha a não ser que optem pela demissão.
tinha os olhos cheios de água quando procurou o olhar de sua noiva do outro lado da mesa. Ela mantinha o olhar perdido, mesmo ao fitá-lo. sorriu levemente como se desse permissão para que ele seguisse em frente com o que acreditava que precisava fazer.
- Com licença – disse com a voz entrecortada. – Eu tenho alguns assuntos ainda a tratar com os roteiristas.
- , espera – gritou ao se levantar da estofada cadeira preta.
Mas ela já havia ido embora. E, por mais que doesse como o inferno admitir, ele sentia que, naquele momento ela tinha saído de muito mais do que simplesmente daquela sala.
*****
Nada havia sido oficializado entre eles. Com o tempo, e começaram a diminuir as visitas que faziam um ao outro discretamente. Saídas para fora dos portões do condomínio eram impossíveis a essa altura do campeonato, já que as câmeras não paravam de observar cada passo do rapaz. Qualquer deslize, qualquer pisão em falso e tudo simplesmente iria por água abaixo, incluindo o início de sua carreira tão prematura.
Agora, ele aparecia em “sociais” com Crystal, andando de mãos dadas, fingindo que não queriam ser fotografados, mas praticamente implorando por alguma exposição fotográfica – por mais que ele parecesse totalmente desconfortável com tamanha invasão de sua privacidade. Compareciam a desfiles, pequenas festas de alguns artistas – especialmente cantores em ascensão entre o público adolescente – e passeios considerados mais comuns como cinemas e jantares românticos. Só sabia como era difícil continuar sorrindo mesmo odiando infinitamente tudo aquilo. Queria poder sumir. Divagava durante as madrugadas em claro sobre a possibilidade de ter simplesmente escolhido um curso diferente, uma paixão diferente. Agora, toda essa manipulação midiática havia conseguido destruir tanto o seu amor pela atuação quanto o seu verdadeiro amor.
Em momentos como aquele, o rapaz queria poder ligar para a noiva – que não havia retirado a aliança, apesar de ele ter sido obrigado a tirar a dele ao pisar fora de sua casa. Queria se agarrar a ideia de que isso era como uma luz ao fim do túnel, um fio de esperança ao qual ele ainda poderia se agarrar. Mas, a cada dia que passava, só conseguia pensar em como não se falavam mais como faziam, em como ela não ria mais das piadas toscas dele e em como ambos pareciam incrivelmente abatidos e infelizes no período que deveria ser o melhor de suas vidas.
Não era justo. Nada daquilo era justo. Sentou-se na beirada da cama e encaixou a cabeça entre as mãos, negando sem parar com a cabeça. Não, não, não. Aquilo era ridículo, absurdo, deplorável. Como deixara tudo aquilo ir tão longe? Horas atrás, estava em uma première de outro filme, passando o braço pela cintura de Crystal enquanto uma enxurrada de flashes tentava captar cada movimento e sorriso dos dois. A atriz decidira, de supetão, que seria uma boa ideia engatar um beijo no tapete vermelho para atrair mais ainda a atenção para eles. Aquela história de recriação de imagem parecia ter sido incrivelmente eficaz e proveitosa para a reputação dela, mas destruíra totalmente a vida pessoal dele.
Já era tarde demais; tão tarde que já era quase possível dizer que era cedo demais. Mas o sono não vinha de forma alguma. Recomeçou a assistir a House of Cards, por mais que “assistir” fosse um verbo muito forte para definir o estado de paisagem em que ele se encontrava. Sua inércia, no entanto, foi interrompida pelo toque incessante da campainha de sua porta. Quase tropeçou três vezes na escada antes de chegar, finalmente, à porta de entrada.
- ? – O choque em sua face e sua voz era totalmente perceptível ao se deparar com a mulher ali.
- Eu posso entrar? Juro que não vou demorar muito. Estava morrendo de medo de te acordar a essa hora, mas pelo jeito é só mais com uma insônia ridícula – comentou, rindo nasaladamente, como em um movimento automático sem humor algum.
estendeu o braço, assinalando para que ela entrasse. Seguiram para o quarto dele, completamente desorganizado em um dos acessos de raiva que tivera durante a semana. Não se orgulhava de admitir que não haviam sido poucos.
Sentaram-se a uma distância considerável, praticamente em pontas opostas da cama. Ao perceber que, se esticasse a mão, não a alcançaria, o rapaz soube que as coisas estavam realmente seguindo um caminho tortuoso, completamente diferente do que ele queria e esperava.
- Eu vi a première – ela quebrou o silêncio. – Por algum tempo, eu chorei tanto que fiquei desejando não ter visto. Aquela cena, aqueles sorrisos, aquele beijo... Você não faz ideia de como isso me dilacerou por dentro. Era como se algo tivesse sido arrancado de mim e eu simplesmente não soubesse lidar com esse vazio inédito. Eu tentei entender, eu juro. Eu não poderia atrapalhar a sua carreira e acabei achando que pudesse conviver com toda essa situação. Que seriam alguns meses de encenação e logo voltaríamos a sermos nós mesmos.
- Mas é exatamente isso que eu quero: ser eu mesmo e com você – interrompeu, recebendo um sinal que pedia que ele parasse. As lágrimas rolavam livremente pelo rosto dela, como se fossem crianças brincando de dar cambalhotas.
- Eu achei que podia fazer isso, mas eu não posso. Não sou tão forte quanto eu achava. E eu ainda me culpei por isso, quando claramente a culpa não foi minha. Eu não tive oportunidade alguma de escolher como a minha vida seria. Eu simplesmente fui obrigada a ficar em silêncio enquanto todo o resto daquela sala simplesmente decidia o rumo do meu futuro por mim. Você tem noção do que é isso? Tem alguma ideia de como eu me senti?
- Decidiram o seu futuro?! Eles literalmente tomaram total controle da minha vida e é você quem se dói por isso? Ah, me poupe.
riu de uma forma tão irônica que chegava a doer.
- Entendi. Eu aqui pensando que o nosso futuro era nos braços um do outro, mas pelo jeito agora você só pensa em você mesmo. Sinto muito se você chegou ao ponto de ser uma dessas pessoas egoístas que acredita que o universo gira em torno do próprio umbigo. Antes, nós éramos inseparáveis, lembra? Que droga, . Nós estávamos planejando nosso casamento até pouco tempo atrás. Escolhemos o nome dos nossos filhos sem nem saber se eu posso engravidar depois dos problemas que tive no útero. Eu não sei se você se lembra, mas nós estávamos procurando um apartamento para começar a nossa vida. E, de repente, é isso que eu ouço: que essa é a sua vida. De um instante para o outro, simplesmente é sua e não há nada mais a ser nosso. Eu tenho pena de quem você virou, de verdade. Sempre quis acreditar que você não seria desses que deixaria a fama subir a cabeça, mas olhe só para esse estranho que eu não sei nada além do nome.
- Eu sou o estranho agora? É você quem de repente virou uma insensível e incompreensiva. Eu não posso simplesmente jogar a maior chance que eu posso ter na vida de iniciar a minha carreira. Sabe em que outro momento eu teria uma oportunidade como essa? Deixa eu te responder: NUNCA! Você acha que eu vou deixar isso passar por causa de um capricho seu? Por ciúmes?
Quando a mulher levantou o rosto, sentiu como se um soco tivesse atingido com uma força absurda a boca de seu estômago. Ela tinha os olhos tão cheios de lágrimas que algumas delas já começavam a lhe escorrer pela face. No entanto, seu sofrimento era contido e silencioso porque, a cada segundo que passava, percebia mais que aquele não era o seu noivo e definitivamente não era o homem por quem ela havia se apaixonado. Sendo assim, ele não merecia a sua dor.
- Desculpa, você tem razão – disse, aproximando-se dela e tentando limpar suas lágrimas com as pontas dos dedos, acariciando as suas bochechas avermelhadas pelo choro. – Eu não quis dizer isso, foi da boca para fora. Eu te amo, . Eu odeio o que fizeram com a gente, odeio de verdade. Tudo o que eu mais quero nesse mundo é que tudo isso acabe logo para que possamos voltar a ficar juntos.
Dito isso, ele estendeu o corpo para frente, de forma a permitir que seus lábios encontrassem os dela. Foi delicado, lento, como se ele estivesse esperando alguma reação dela que o impedisse de prosseguir. Mas ela não desviou. Em questão de segundos, as mãos dela estavam entrelaçadas em seu pescoço e as dele passeavam por sua cintura, percorrendo o caminho até os seus cabelos.
O beijo ficou mais intenso e logo estavam matando a saudade dos toques, das carícias, da sensação de um corpo enlaçado no outro. Parecia fazer tempo demais que não viviam essa situação, tanto tempo que mesmo conhecendo cada centímetro quadrado de pele do corpo do outro, cada toque proporcionava choques como se tudo fosse inédito para ambos. Entregaram-se ao amor que ainda sentiam, ao desejo que por tanto tempo permanecera reprimido. só voltou a raciocinar decentemente quando a bagunça já estava feita.
Levantou às pressas da cama e começou a se vestir, deixando um encará-la sem entender bem o que estava acontecendo. Ela estava nervosa e aflita, podendo até arriscar dizer que sentia vergonha ou arrependimento. Ou ambos.
- O que houve? Eu pensei que estivéssemos bem – o rapaz disse, levantando-se para ajeitar a roupa apressadamente também.
- Foi um erro, uma recaída. Não foi para isso que eu vim. Isso não é certo, . Eu não posso mais fazer isso.
- É por causa do que eu disse? Eu sei que te machuquei. Nós dois dissemos coisas que jamais poderemos retirar, não importa o quanto tentemos consertar. Provavelmente voltar nisso só nos machuque mais, então será que podemos simplesmente esquecer que isso aconteceu?
- Não, não. Não é pelo que você disse. Algumas coisas simplesmente não são feitas para durar tanto quanto gostaríamos, você não vê? Espero que algum dia nós possamos nos ver, sorrir, acenar e ficar bem apesar de tudo. Eu realmente espero que atinjamos essa maturidade.
- Não fala isso, . Por favor, se isso é um adeus, eu não quero ouvir. Só me abrace, você vai ver que ainda podemos ficar bem.
As lágrimas escorriam mais rapidamente por seu rosto e podia sentir outras se formando em seus próprios olhos.
- Não posso mais fazer isso. Eu sinto muito.
Foram as últimas palavras que ela disse antes de retirar a aliança do dedo e posicioná-la na escrivaninha antes de virar as costas e sair da casa dele, enquanto o rapaz, atordoado, ainda implorava aos berros para que ela ficasse.
*****
No dia seguinte, revirou todo o estúdio atrás dela. Checou o set de gravação principal, as salas de roteiro, de edição, os camarins e pediu para uma das cozinheiras checar os banheiros femininos. Quando perdeu a paciência, foi correndo atrás de Don, perguntar aonde havia se metido. Por alguns instantes, arrependeu-se profundamente do questionamento:
- Oh, pensei que você soubesse. Ela veio hoje antes do expediente assinar a demissão. Creio que vá se dedicar a novos projetos daqui para frente. Ela vai fazer muita falta. Realmente uma das melhores assistentes que eu já tive.
Era a segunda vez nesses dois dias que o seu chão tinha sido brutalmente arrancado. Ligou o dia inteiro para o número dela, ouvindo a irritante gravação da caixa postal em todas elas. O Messenger do facebook estava totalmente inativo há dias. Ela o havia bloqueado no whatsapp. Nenhum de seus snapchats estavam sendo abertos. Ela simplesmente tinha sumido. E ele só queria poder ter sumido junto.
*****
- Preparados? – Don perguntou, enquanto fazia menção de se levantar do banco da grande limusine preta. Ele, Scott, e Crystal decidiram por chegarem juntos à première, para levar os fãs e espectadores ainda mais do imediato delírio pela chegada do grupo ao tapete vermelho.
Os três jovens assentiram, sorrindo. achava que ia explodir a qualquer momento de tanto nervosismo. Tinha certeza de que assim que saísse do alcance do forte ar condicionado do automóvel, sentiria gotas de suor escorrerem incomodamente por suas costas.
Assim que a porta foi aberta pelo motorista formalmente uniformizado, puderam ouvir gritos entusiasmados clamando por eles, o bombardeamento de perguntas dos paparazzi e sentir o ofuscamento que os flashes incessantes causavam em seus olhos despreparados.
Don e Scott foram à frente, acenando enquanto carregavam sorrisos enormes nos rostos. Crystal segurou firme na mão de , entrelaçando seus dedos ao dele antes de seguirem ao alcance do frenesi do tapete vermelho. Não sabia se era pelo toque da garota – que ainda lhe causava uma resposta de aversão involuntária do próprio corpo – ou pela ansiedade, mas ele sentia uma vontade horrível de vomitar. Tinha algo dentro dele implorando para ser colocado para fora. E precisava ser o mais rápido possível.
Posaram para algumas fotos, tentando fingir que ainda enxergavam as câmeras. Foi nesse momento que o novato percebeu porque as celebridades sempre aparentavam um olhar tão distante nas fotos: provavelmente eles não conseguiam mais identificar visualmente as câmeras logo ali depois de tantos flashes queimando suas retinas com fervor.
Quando as entrevistas começaram, ele sentiu que alguma coisa estava muito errada. Um aperto no peito, um nó na garganta, uma sensação horrível de que havia se esquecido de alguma coisa cuja importância ele definitivamente desconhecia. Optou, assim, por deixar que Crystal fizesse o que mais gostava por ambos: falar.
- Como vai o relacionamento de vocês? – Um dos homens perguntou, enquanto sua equipe os rodeava por microfones. – Percebemos que de uns tempos para cá você parecia bem aéreo e distante, .
O rapaz sequer assimilou a pergunta, tomando um discreto beliscão de Crystal.
- Inclusive, exatamente da forma que você parece nesse momento.
- Perdoem-no – Crystal interveio. – Sabem como é, não? Marinheiro de primeira viagem, está um pouco atordoado ainda. Mas, respondendo à sua pergunta, estamos muito bem e muito felizes. Inclusive estamos começando a cogitar nos mudarmos para uma grande casa com um quintal enorme. Não é a intenção agora, mas precisaremos de mais espaço para expandir a família. Eu sempre quis uma casa grande para encher de crianças correndo para todos os lados.
engoliu em seco, rezando para que um meteoro caísse em suas cabeças para acabar logo com aquilo. Em vez disso, o que fez com que todos desviassem sua atenção não foi uma catástrofe espacial, mas um zunido de vibração de um celular que começou a causar desconforto. Colocando as mãos nos bolsos, ele percebeu que o aparelho descontrolado era o seu mesmo.
- Desliga isso – Crystal resmungou, tentando manter a compostura.
- Não posso. Desliguei a internet para não atrapalhar, mas preciso do telefone. Minha mãe não está bem, fui eu quem pediu para que me mandassem notícias se possível. Com licença.
Ele desviou do tapete vermelho, buscando um local mais silencioso para atender apressadamente o número desconhecido que continuava ligando sem parar. Estava desesperado, tentando não pensar que o pior poderia ter acabado de acontecer.
- Alô?
- Alô! – A voz masculina respondeu do outro lado da linha. – ?
- Sou eu. Pode falar.
- Perdão por te ligar assim, mas você era o contato de emergência da nossa paciente e ela acabou de passar por procedimento cirúrgico emergencial, então precisávamos de algum contato para ela. Pode vir?
- Claro. – Ele podia sentir as lágrimas escorrendo em seu rosto. Pelo que o homem dizia, sua mãe ainda deveria estar viva, mas não fazia ideia da condição em que ela se encontrava. – Só me passe o endereço.
- Sim, claro. Estamos com a no UCLA Medical Center. Quando chegar, na recepção, informe...
não ouviu mais nada desde que o nome da noiva tinha sido mencionado. Fazia pouco mais de sete meses desde a última vez em que a vira para nunca mais conseguir entrar em contato com ela. Tanto tempo depois, tudo o que ele queria era vê-la, mas preferia profundamente que não fosse assim, sob tanto pânico e preocupação.
- Don – gritou, interrompendo a entrevista que o diretor dava. Infelizmente, naquele momento, ele realmente não se importava com seu comportamento errado. – Preciso ir. foi operada.
- A ? Pensei que ela tivesse sumido.
- Eu também. Não posso ficar aqui – disse simplesmente, sabendo que o diretor entenderia, apesar do rebuliço que aquela saída às pressas causaria para o filme e para os responsáveis por ele.
Correu até a rua, gritando por um táxi que o levasse logo ao hospital. Por um lindo acaso do destino, ele conseguiu um em poucos minutos.
Fez a viagem batucando os pés no tapete do carro, tendo a certeza de que o taxista deveria estar morrendo de vontade de mandá-lo descer e pagar por peças novas para o carro. Sorte do motorista que ele ainda não tinha chegado ao ponto de ficar “brincando” de levantar e abaixar o vidro sem parar. Seu nervosismo e preocupação já estavam tão fora de controle que ele mesmo estava perdendo a linha.
- Obrigado – disse em tom agudo ao chegar à frente do hospital. Arremessou um bolo de dinheiro no banco da frente, sem se preocupar com a grande quantia extra que tinha deixado ali. Havia coisas muito mais importantes que o dinheiro. Troco algum valia o tempo que perderia de estar perto de .
Com a testa já pingando suor e totalmente atordoado, rodava naquele hospital desconhecido, procurando por alguma informação que o levasse até ela, seja lá qual fosse ou como fosse.
Finalmente, conseguiu que uma enfermeira, recém-saída de seu turno, lhe desse as coordenadas para a UTI – o que só aumentou o arrepio que ele sentia percorrer a sua espinha. Aquelas três malditas letras tinham deixado sua respiração automaticamente descompassada.
Parecia que aqueles corredores eram infinitos. O que deveria ser uma caminhada de alguns metros parecia uma maratona olímpica. As portas eram infinitamente brancas, as paredes ridiculamente claras, como se zombassem da completa falta de paz que assolava a sua alma naquele momento. Carrinhos de parada com desfibriladores eram arrastados pelos corredores com uma pressa que ele nunca vira antes – nem quando tentava fazer um trabalho inteiro da faculdade em menos de uma noite. Pessoas corriam de um lado para o outro com seus jalecos incrivelmente limpos, enquanto outros ainda utilizavam as vestes das salas de operação. Enfermeiros passavam pelas salas, carregando pilhas de prontuários, certificando-se de que todos recebessem os medicamentos adequados nos horários corretos. Era como um grande corpo trabalhando completamente unido para funcionar de forma a se prontificar em prol do bem estar geral. Enquanto isso, o corpo dele, que só precisava sustentar uma pessoa, parecia prestes a desmoronar.
Teve que conversar com pelo menos outras três pessoas para conseguir autorização de adentrar a UTI, dizendo o quanto precisava ver a sua noiva – eles não precisavam saber que tudo havia acabado. Explicou inúmeras vezes que tinha falado com um homem aproximadamente uma hora antes, dizendo que a mulher passara por uma cirurgia emergencial e pedindo que ele fosse até lá vê-la – coisa que aqueles funcionários estavam atrapalhando. Quando ele estava prestes a apelar mais ainda para o emocional, um homem o identificou pela voz, apresentando-se como o Doutor Lee, responsável pela ligação recente. Foi assim que aquele mesmo homem o auxiliou com o processo de higienização e disse “Entre! Eles estão ali!”.
- Eles? – perguntou baixinho ao entrar na sala. O que raios aquilo queria dizer afinal?
Foi naquele instante que o olhar dela encontrou o dele. estava pálida, com olheiras fundas e o cabelo despenteado. Parecia mais cansada do que nunca naquele robe branco com desenhos azuis claros. Uma de suas mãos segurava a cabeça sobre o cotovelo apoiado na poltrona e a outra sendo segurada por uma minúscula mãozinha através da cavidade da incubadora.
sentiu os olhos se encherem de lágrimas instantaneamente. Era tão pequeno. Tão delicado. Tão precioso. Cheio de ruguinhas na testa e pés que caberiam juntos na palma de sua mão e ainda sobraria espaço. Seu coração estava tão acelerado que acabou fazendo com que seu rosto estivesse encharcado em um tempo ainda menor do que ele esperava.
- É meu? – Perguntou em um impulso, por mais que sentisse que já soubesse a resposta.
- É – ela disse com a voz baixa e rouca. - Ele vai precisar ficar aqui por algum tempo. Nasceu com um pouco menos de oito meses e o parto não foi um dos melhores. Os médicos preferiram ficar em observação.
- Se o parto foi tão complicado, você não deveria estar em repouso? Tipo, deitada?
- E deixar o meu filho aqui? Nunca.
- Nosso – corrigiu. – Eu vou estar aqui também. Já escolheu o nome?
- Nathan. Achei que o mais certo seria manter o que nós planejávamos. Depois que tanta coisa saiu dos eixos entre nós, quis me agarrar a uma das poucas que eu ainda poderia controlar.
- Posso tocar? – Ele perguntou, com a voz embargada. Ela apenas assentiu.
colocou a mão com a maior delicadeza do mundo. Não se lembrava de já ter sido tão cuidadoso assim em algum momento de sua vida. Era como se estivesse morrendo de medo de que pudesse, com um toque, estragar tudo.
Encostou os dedos calmamente nas pernas dele, sentindo a macia textura daquela pele nova, enquanto a barriguinha subia e descia em compasso com a sua respiração. O pequeno Nathan dormia tranquilamente, franzindo o rosto vez ou outra, como se respondesse aos próprios sonhos.
- Ele é a coisa mais maravilhosa do universo – comentou, ainda sentindo o rosto úmido. Por um impulso segurou a mão de , que acabou correspondendo ao movimento. – Como pudemos fazer algo tão perfeito e puro como isso?
- Com amor – respondeu simplesmente. – As coisas mais maravilhosas do mundo são as que fazemos com amor. Ou com quem amamos.
- E eu ainda sou quem você ama? – Perguntou, olhando profundamente em seus olhos.
- Nunca deixou de ser – respondeu, sentindo-se totalmente inconfortável instantaneamente. Mudou de assunto ao mesmo tempo em que se afastou do alcance das mãos dele. – Aliás, você não deveria estar com a sua namorada agora? A première ainda deve estar acontecendo a todo vapor a uma hora dessas.
- Não. Eu estou exatamente onde eu deveria estar. Meu lugar é do seu lado. Sempre foi. E, agora, é do lado do nosso filho também. Eu sei que fui um idiota, mas, se você permitir, eu pretendo recuperar o tempo perdido. Eu quero participar da vida do nosso menino. E da sua também. Será que nós podemos nos dar outra chance? Eu definitivamente não sei quem eu sou sem você ao meu lado. Eu sou só um vazio.
respirou fundo, tanto para se manter sã, quanto pela dor que o corte lhe fazia sentir. Sabia que precisava voltar ao repouso e tomar seus remédios, mas preferia aguentar todos os resultados da cirurgia a sair de perto de Nathan. Ele precisava dela. Foram apenas os dois nos últimos meses. Não podia deixar que de repente ele se encontrasse sozinho.
- Amor, pode dormir. Você precisa descansar um pouco. Eu estou aqui com ele.
Ela fez menção de que iria retrucá-lo, mas ele a impediu prontamente.
- Não precisamos nos resolver agora. Descansa. Vai ficar tudo bem.
Após cogitar por algum tempo, ela acabou cedendo, percebendo que não resistiria por mais muito tempo nem se quisesse. Encostou a cabeça no ombro dele e permitiu que suas mãos se entrelaçassem mais uma vez.
- Tem razão – disse, entre bocejos. Nós vamos ficar bem.
- O que está fazendo aqui? – Perguntou, sorrindo, ao olhar por cima dos ombros o rapaz que acabara de fechar a porta atrás de si.
- Vim ver o que você estava aprontando – respondeu, entrelaçando os braços pela cintura do garota, encaixando a boca na curva de seu pescoço, deixando que seus lábios roçassem levemente sobre a porção de pele que a blusa tomara que caia deixava à mostra.
- No caso, eu vim procurar curativos. Lembra o sapato lindo que meu pai me deu na formatura?
- O que ficou pequeno?
- Esse mesmo. Não tinha tamanho maior na loja para realizarem a troca, então eu decidi ficar com ele – disse e apontou para os próprios pés marcados, com os calcanhares já sem pele, marcando os cortes que a fivela tinha deixado. – Péssima ideia, eu sei. Malditos sapatos maravilhosos que não me servem.
riu alto, enquanto puxava um par de rasteirinhas douradas que estavam ao lado da cama dela e entregou para que ela trocasse os calçados.
- Ninguém mandou a princesa ser o Pé Grande disfarçado de garotinha indefesa.
- Não sou uma garotinha indefesa, . Quem mata as baratas em casa?
- Você – ele admitiu, rindo.
- Então, estamos combinados. Se eu sou o Pé Grande, você é a garotinha indefesa – ela respondeu, cobrindo os cortes com recortes improvisados de esparadrapo e calçando as rasteirinhas. – E a garotinha deveria voltar para a festa, não acha?
- Para quê? Minha festa está bem aqui – respondeu, com um sorriso safado, puxando a garota para a cama.
caiu por cima dele, com um gritinho risonho, enquanto habilmente invertia suas posições, beijando seus lábios avidamente. Ela correu as mãos pela nuca dele, embrenhando os dedos finos por seus cabelos. As pernas da garota já pareciam encaixadas ao quadril do namorado com uma naturalidade incrível, como se tivessem sido moldadas exatamente para agarrarem aquele corpo que lhe causava arrepios a cada toque. As mãos do rapaz começaram a passear com total liberdade pelas pernas dela, apertando um pouco suas coxas sem interromper os beijos. Quando as coisas pareciam se encaminharem para o próximo nível, no entanto, a porta se abriu com uma violência um tanto desnecessária, assustando a ambos, que tentaram se ajeitar em segundos.
- Nem tentem disfarçar – a garota parada à porta disse com os braços cruzados. – Se eu não tivesse certeza de que seria empata foda, eu nem me daria ao trabalho de vir aqui. Esses cabelos bagunvçados e o vestido levantado vão entregar vocês lá fora, pelo menos finjam para os seus colegas que vocês não abandonaram a própria festa para transar.
- Haley, você é uma ridícula – reclamou, enquanto prendia os cabelos em um coque alto para disfarçar os nós. - Eu sou. E mesmo assim vocês dois me amam incondicionalmente – disse e beijou as bochechas dos amigos, pendurando-se nos ombros deles para sair do quarto. – Inclusive, eu já bebi um pouco mais do que devia e vou dormir aqui. Bem no meio de vocês dois. Só comunicando mesmo.
revirou os olhos, perguntando-se como sempre em que momento suas faculdades mentais decidiram que Haley seria uma melhor amiga perfeita para e ele simultaneamente. Com certeza, eles não deveriam estar muito sóbrios ou conscientes por deixar aquela garota virar parte fundamental da vida de ambos.
Retornaram para o meio de todos aqueles jovens recém-formados que decidiram descontar todos os estresses e frustrações de provas, trabalhos e diplomas dos anos anteriores naquela noite. e decidiram dar uma grande festa e convidar todos os amigos dos cursos de que finalmente tinham se libertado: Cinema e Artes Cênicas, respectivamente. Era nessas horas que todos agradeciam pelos pais liberais da garota, que permitiam esses eventos e nem faziam questão de presenciá-los. A essa altura, eles provavelmente estariam em uma pousada na cidade vizinha em uma nova “Lua de Mel” como chamavam. Ou simplesmente teriam ido a um spa receber algumas massagens cheias de óleos e aromas.
‘Mi gente’ soava pelas caixas de som em volume acima do limiar da dor, mas ninguém parecia se importar de verdade com aquilo. A maioria dos grupinhos tinha se concentrado ao redor da piscina ou dentro dela e todos pareciam se divertir à sua forma. O casal sorriu, abraçado, orgulhoso do passo que estavam dando e cheios de expectativa pelo futuro que esperavam alcançar. Contentes pelos amigos que fizeram, pelos laços que criaram – mesmo sem saber quantos deles realmente durariam do lado de fora daquela casa -, pelos obstáculos que superaram e, principalmente, por continuarem juntos por todos esses anos, apoiando as decisões e enfrentando os problemas um do outro.
sorriu consigo mesma, apertando a mão do namorado, enquanto deitava a cabeça sobre o ombro dele. depositou um beijo em sua cabeça e, naquele momento, sabiam que independentemente do que acontecesse dali em diante, estariam juntos. E, ao final do dia, era só isso que realmente importava.
*****
já tinha realinhado o blazer preto sobre os ombros pelo menos cinco vezes, culpando os céus ou qualquer ser divino possível criador por ter criado a ansiedade no mundo. Estava com uma caixa de lenços na bolsa só para tentar controlar o suor frio nas palmas das mãos, torcendo para não encostar em ninguém com seus fluidos corporais. Definitivamente seria uma maneira inexplicavelmente horrível de começar seu primeiro emprego na área de formação. O nervosismo era milhares de vezes pior agora do que fora quando conseguiu uma vaga para trabalhar como garçonete em uma pequena lanchonete durante as férias. Provavelmente porque aquela vez era apenas um meio de conseguir alguns trocados extras para trocar de celular e, agora, era o primeiro passo do que esperava ser o alicerce de todo o seu futuro. Sem pressão.
- , pelo amor de Deus – a garota gritou do andar inferior, totalmente impaciente. – Se você realmente quer me levar, lembre-se de que tem que ser ainda hoje.
O garoto gritou qualquer coisa incompreensível de forma embolada e um barulho alto em sequência fez com que se assustasse. Logo ele apareceu à sua frente, praguejando e esfregando a coluna onde sofrera a pancada ao cair da escada. Sorriu amarelo ao ver a namorada revirar os olhos para sua incrível destreza de sempre.
- Já imaginou perder seu primeiro dia no trabalho dos seus sonhos para levar o amor da sua vida para colocar uma tipoia no braço?
- Já imaginou perder a sua vida? Não existe amor quando se trata do meu futuro. Se você tivesse se esborrachado, eu ligaria para a ambulância e te largaria aí esperando a emergência.
riu, pegando as chaves do carro e os óculos de grau que se negava a usar.
- Fico realmente impressionado com toda essa sua demonstração de afeto. Se eu não soubesse que você precisa desse trabalho para sustentar os nossos filhos, eu até ficaria chateado.
- Eu tomo anticoncepcional exatamente para isso. Se eu me disponho a esse risco de morrer de trombose é porque eu realmente não quero uma criança. Que, por sinal, só será sustentada só por mim se, por um milagre, ela for feita com o meu próprio dedo. Se são necessários dois seres para conceber uma criança, esses dois seres são responsáveis por ela.
- Eu sei, gatinha. Era só para te irritar – disse o rapaz, beijando a bochecha dela com um estalo. – Ninguém aqui quer uma criança agora, mas é óbvio que lidaríamos com isso juntos se acontecesse.
- Ok, ok. Agora para com esse papo e me leva logo ou seremos uma família de indigentes.
Os dois entraram no carro e , enquanto dirigia, começou a cantarolar uma música qualquer dos anos 80 que tocava na rádio. tinha os braços cruzados na frente do corpo e brincava com os próprios dedos, machucando as próprias juntas de tanto forçá-las a estralar. Batia os saltos baixos no carpete abaixo do banco do carona e agora pensava se não deveria ter se submetido a um sapato mais alto. De repente, toda a sua escolha de roupa e acessórios parecia uma incrível estupidez. Provavelmente não estava formal o suficiente ou, talvez, estivesse formal demais. Talvez a paleta de cores que tinha pensado com tanta cautela fosse ridícula e ofendesse alguém por estar fora de moda. Será que tinha passado desodorante o suficiente? A única pizza que gostava de ter perto de si era aquela com queijo extra e uma pitada de pimenta; dispensava qualquer outra.
- Ei, amor – o rapaz chamou, tirando a mão direita do volante rapidamente para fazer um carinho na coxa da namorada. – Vai dar tudo certo, viu? Você está linda e sabe muito bem como é capacitada para esse cargo ou qualquer outro. Eles vão ficar é com raiva por você não ter se formado antes.
A garota esboçou um sorriso nervoso, esmagando os dedos que o namorado repousara em sua perna. Agradecia mentalmente a cada segundo em que ele tinha se disposto a ficar ao seu lado em todos aqueles anos, fosse contando alguma piada sem graça, tentando distrai-la de algo ou simplesmente erguendo a mão para que ela usasse da forma que preferisse. Ele esteve ali em todos os momentos em que ela precisara. Esteve ali até quando ela não queria que ele estivesse – o que fazia com que ela tivesse que quase literalmente chutar ele de casa por algumas horas, enquanto ele dava algumas voltas no shopping até que a poeira finalmente abaixasse. Se existia alguém com quem ela poderia contar para fazer um almoço improvisado, assistir a uma estreia de animação, fazer companhia na sala de espera do dentista ou simplesmente passar horas jogando conversa fora com um pacote de balinhas azedas; esse alguém era ele. Muito mais que um amante ou que um simples amigo. Era simples e inexplicavelmente impossível definir com algumas palavras tudo o que aquele homem representava em sua vida.
Perdida em seus devaneios, não percebeu que o carro já estava sendo estacionado. Seus olhos se arregalaram e o coração passou a bater tão rápido que, paradoxalmente, parecia que iria parar a qualquer momento.
- Não estou pronta – disse, baixinho, sentindo um nó esquisito na garganta que, de repente, parecia mais seca que o Deserto do Saara.
- Você sempre esteve pronta. Só não sabe da própria força ainda – respondeu, arrumando uma mecha do cabelo da namorada. – Quer que eu vá até lá com você? – A pergunta foi feita na intenção de irritá-la, sabendo que isso a motivaria a encarar o desafio daquele dia.
- Não, mãe – ironizou. – Não preciso de guarda-costas, mas agradeço sua oferta tentadora.
Ela abriu a porta com força, respirando fundo. Precisava aproveitar aquele um segundo de coragem absurda antes que desistisse totalmente de descer do automóvel e ir de vez.
- Eu amo você – disse, sorrindo quadrado e fazendo sinais de ‘joinha’ com as mãos.
- Também te amo. Agora, aproveita e some antes que eu volte correndo.
O namorado ainda ficou observando enquanto ela passava para a recepção do prédio, para garantir que poderia ir embora sem problemas. Foi então que viu a bolsa preta de fivela dourada no banco do carona.
- Droga – reclamou ao pegar o acessório e entrar correndo no grande e iluminado prédio.
Sentiu-se um peixe fora d’água ao ver todos aqueles funcionários circulando de roupa social – apesar de menos formais que a de sua namorada, o que provavelmente faria com que ela perdesse a linha – com pastas embaixo do braço, pilhas de papeis nas mãos e canetas enfiadas em bolsos, golas e apoiadas em orelhas.
Avistou a garota conversando com um homem de cabelos esbranquiçados com óculos grossos e se aproximou, rezando para que não fosse uma jogada imprudente.
- Licença – pediu, sentindo que suas bochechas provavelmente tinham acabado de atingir o vermelho Pantone 185, tão reluzente quanto o do rótulo de uma garrafa de Coca-Cola. – Desculpa mesmo interromper, eu realmente não queria fazer isso – Droga, por que ele nem sabia formular uma frase direito? – Mas você esqueceu a sua bolsa no carro. Perdão por atrapalhar mais uma vez.
Entregou o objeto nas mãos da namorada e estava prestes a se virar quando o senhor que conversava com ela teve a brilhante ideia de tentar ser simpático, fazendo com que toda aquela situação só ficasse mais constrangedora para o jovem.
- Ah, o que é isso, rapaz? Atrapalhar? – Deu uma risada um pouco alta demais. – Estávamos apenas conversando sobre algumas formalidades do cargo, sabe? Algumas especificidades desse diretor. Mas quem é você?
travou, recebendo um sorriso nervoso de , que praticamente sinalizava um piscante e ofuscante “SOCORRO”. Captando a mensagem da melhor forma que podia, o rapaz estendeu a mão para o homem mais velho, tentando parecer calmo e descontraído enquanto só desejava sumir – e sabia bem que ela também preferiria que ele sumisse logo.
- , prazer. É, eu sou, bem... O namorado da .
- Don Williams, o chefe dela. Também sou o diretor de ‘Luzes da Cidade’, sabe? O tal cara responsável por todas as inúmeras especificidades do cargo.
arregalou ainda mais o sorriso e os olhos maníacos de desespero como se concluísse: “Agora você entendeu a minha vontade de explodir ou simplesmente enfiar a minha cabeça no centro da Terra?”.
- Bom, como eu disse, é um enorme prazer conhecê-lo, senhor. Tenho certeza de que o filme será um grande sucesso. A é uma grande fã e me contou tudo que o contrato permitia sobre o roteiro. É impressionante! As bases do enredo são incrivelmente bem pensadas e os personagens têm aquela profundidade que os torna totalmente esféricos. Vai ser um filme maravilhoso e desejo mesmo todo o sucesso do universo para essa obra, mesmo sabendo que meus desejos não se comparam à magnitude do projeto. – estava impressionada com a lábia que o teatro tinha criado no namorado. Seria capaz de dar um beijo na boca dele por usar aquelas palavras tão certas ou dar um soco no meio daquele rosto magnífico por soar tão puxa-saco às vezes.
- Eu sei, eu sei. Não esperaria menos de um profissional tão maravilhosamente qualificado como eu. – Novamente a risada alta demais. – Mas, me fala sobre você. Tem interesse em alguma vaga no time também? É tão bonito e fala tão bem que acho que consigo te arranjar um estágio, mesmo achando que é um total desperdício. Mas você é um rapaz tão legal que eu posso te indicar para alguns colegas que trabalham gerenciando rapazes como modelos fotográficos.
alargou o sorriso com aqueles dentes perfeitamente clareados e alinhados com a ajuda dos anos de aparelho ortodôntico. Aquele maldito sorriso perfeito que fazia com que até as pessoas mais alheias à vida dele simplesmente se desmanchassem totalmente no mesmo instante. Era um golpe definitivamente baixo demais para qualquer coração. Ainda mais quando vinha de um coração tão enorme quanto o dele.
- Eu não tenho palavras para mostrar o quão agradecido eu sou por essa oferta, senhor. Mas acabei de me formar em Artes Cênicas e não consigo me imaginar fazendo outra coisa. Tenho algumas audições nos próximos dias. É por me agarrar a essas esperanças que não posso aceitar essa oferta, mas isso não diminui de forma alguma a minha mais completa gratidão.
- Audições, hm? Que tal uma audição para ‘Luzes da Cidade’? O ator cotado para ser o melhor amigo do protagonista acabou cancelando a participação ontem. Aparentemente uma proposta na DC Comics é mais importante que o meu longa. Grande droga, todos nós sabemos que eles vão ser totalmente massacrados pela crítica mesmo. Não que eu o culpe, também aceitaria o emprego. É só meu orgulho ferido.
e riram, com o ambiente se tornando mais leve, apesar das surpresas.
- Estou falando bem sério – Don continuou. – Não tenho um plano B e você é bonito e carismático, exatamente o que eu preciso. Se atuar bem, lançamos você com esse filme. Seria uma bomba para a mídia, todos enlouquecerão querendo saber de onde o novo galã de Hollywood saiu de repente. O burburinho em cima do ator desconhecido aumentaria ainda mais a atenção dos tabloides e dos críticos. A curiosidade é uma das maiores fontes de divulgação. Seria incrível! Incrível! Por favor, rapaz. Aceite fazer o teste. Podemos entrar agora mesmo, não vai durar mais do que alguns minutos, eu posso garantir isso. Minha assistente vai agilizar o processo, não vai?
deu uma breve engasgada, percebendo que era com ela que ele estava falando. Aquilo tudo era louco demais para digerir em tão curto intervalo de tempo.
- C-claro. Vamos, então? – Chamou, quase implorando para que concordasse logo com aquela sandice antes que alguém saísse de um vão entre as paredes gritando que era apenas uma pegadinha para ver quem era o mais facilmente enganável deles.
E foram mesmo, com voltando a demonstrar todo o nervosismo que a situação lhe trouxera desde o início. Agora, era ele quem secava as mãos freneticamente nas calças jeans surradas, tentando não ter um total colapso de pânico sobre tudo que estava acontecendo logo diante de seus olhos.
Quando deu por si, já estavam em uma sala afastada, revestida com cores sóbrias, na predominância de um cinza que quase o lembrava das paredes de um hospital – o que aumentava ainda mais a sensação de que ele poderia acabar vomitando a qualquer momento. Don entregou uma pilha de papéis com o roteiro impresso de uma das cenas principais do filme.
- Ignore as anotações e os rabiscos. Esse é o meu rascunho, mas pode usá-lo para treinar. Tem uma hora, sim? Sei que é pouco para as leituras brancas e a adaptação da personagem, mas faço parte do grupo que encara a qualidade como uma característica dissociada da quantidade. Dez minutos bem aproveitados, com foco, valem bem mais que horas de trabalho desprovido de atenção. Um bom ator não precisa de grandes falas ou de grandes palcos, apenas de uma grande oportunidade. Creio que você saberá bem como aproveitá-la.
O diretor abandonou o recinto, deixando sozinho para que pudesse se concentrar em ler e treinar o texto. sussurrou um “Boa sorte, meu anjo” antes de fechar a porta daquele cômodo atrás de si, deixando-o à própria sorte.
- Você consegue, Respira fundo. Você consegue – dizia a si mesmo, na tentativa de se convencer.
Leu e releu aquelas rubricas como se sua vida dependesse daquilo. Devia admitir que estava fascinado pelo papel a que concorria. Mesmo que pudesse simplesmente ignorar a grandiosidade da obra, ainda seria incapaz de fingir que não era uma personagem incrível.
Quando Don adentrou a sala para perguntar se ele estava pronto, sentiu a adrenalina impulsioná-lo. Muitos de seus amigos propagavam aquela ideia de lidar com o nervosismo imaginando o público totalmente nu. Sinceramente, uma audiência sem roupa só o deixaria ainda mais perturbado. Ele preferia simplesmente canalizar sua confiança como se fosse algum método de alinhamento de chakras – apesar de que já tinha tentado visualizar a plateia com longos bigodes, em sua primeira apresentação grande. Era esse o pensamento que ele mantinha em mente quando o mais velho avisou que estava pronto para o teste.
começou a encenar o monólogo, seguindo para o diálogo que o próprio Don engatou com ele. Mantinha os papéis em mãos, sabendo que era humanamente impossível que soubesse todas aquelas falas de uma hora para a outra assim. Mesmo assim, sentia-se seguro como só se sentia ao interpretar outra pessoa. O teatro lhe conferira confiança e desenvoltura sobre si mesmo, mas tudo era totalmente diferente quando ele incorporava outra pessoa. Não era mais ele ali. E foi por demonstrar isso tão bem que o diretor acabou dando um sorrisinho de lado, um tanto presunçoso.
- – o homem chamou -, pode preparar um contrato para o seu namorado. Seja bem-vindo a ‘Luzes da Cidade’.
já tinha pedido o segundo combinado grande de salmão enquanto observava a namorada brincar com os hashis presos pela borrachinha verde. Sorriu sozinho ao vê-la em uma careta, com a testa franzida e a ponta da língua de fora, concentrada em recolocar os “palitinhos” no lugar certo. Ela amava comida japonesa e comia sempre que podia, mas mesmo assim não conseguia de forma alguma usar aqueles malditos corretamente. A prática nem sempre levava à perfeição. E ela definitivamente tinha desistido de praticar.
- Acho que eu quero outro temaki – comentou, enquanto brincava com a pocinha de shoyu em seu prato. – Preciso comer para digerir tudo que aconteceu hoje. Tenho certeza de que é informação demais para uma pessoa normal.
- Você não é normal. É completamente surtada – caçoou, recebendo um dedo do meio em resposta. – Qual é? Eu não te trouxe aqui para superar nada. Nós só temos motivos para comemorar hoje! Meu amor, você tem noção do que esse dia representa em nossas vidas? Seu estágio é um sucesso, seu chefe simplesmente te adorou instantaneamente.
- Na verdade, ele adorou você, Stavo – disse, fazendo uma referência ao personagem que ele representaria no filme. – Eu, no máximo, ele aturou. Em compensação, era “, você é tão bonito”, “, você é tão carismático”, “ você será uma jogada de marketing incrível para o meu filme”. Estava esperando a hora em que ele ia se ajoelhar e beijar seus pés, pedindo para que você fosse o Deus louvado pela religião nova que ele está prestes a criar. Não roube meu chefe, pequeno aspirante a galã.
- Don é um homem incrível e ainda mais por perceber o grande e promissor ator maravilhoso que eu sou, mas pode ter certeza de que eu não quero roubar o seu chefe. Aliás, por acaso, agora ele é nosso, meu anjo, aprenda a dividir. Mas, é sério; eu só vim aqui para comemorar. – Puxou o copo de água e o ergueu, propondo um brinde. – Ao nosso futuro.
- Ao nosso futuro – concordou, batendo o seu copo de tônica ao dele.
- Na verdade, é exatamente sobre o futuro que eu quero falar. Pensei que teríamos um motivo para comemorar hoje e, de repente, temos dois. O que acha de termos um terceiro?
- Eu posso tranquilamente comemorar a grande ideia de quem decidiu colocar cream cheese na comida japonesa. Deixe os japoneses nos detestarem pela heresia, mas não tem como negar que isso foi uma jogada de mestre.
- Será que você pode parar de pensar e falar sobre comida por um segundo, garota?!
- Fica difícil quando eu vejo várias barcas passando por aí e nenhuma delas é a do meu pedido.
revirou os olhos, rindo da namorada. Não importava onde, quando ou com quem fosse, o estômago era um órgão sagrado para ela e não poderia ser ignorado de maneira alguma.
- Você é ridícula, sabia?
- Sim – ela respondeu. – Foi exatamente o que minha mãe me disse quando a enfermeira me entregou a ela depois do parto.
- Sabe que ela te daria um baita tapa se tivesse ouvido isso, não sabe?
- Com certeza. Se ela estivesse por perto, eu teria que me preparar para sair correndo assim que terminasse a frase. Mas, enfim, o que você queria dizer? Eu interrompi toda sua linha de pensamento com a minha fome.
- Já estou acostumado – ele caçoou. – Vou direto ao ponto, você sabe como eu sou incrível com palavras que não são minhas, que estão lá em um roteiro, mas tem noção de que falar por nós mesmos é muito mais difícil do que falar por um personagem. Mas, hoje, eu estou aqui, despido de qualquer intervenção teatral, sendo só eu; o cara que se apaixonou perdidamente por uma mulher incrível anos atrás e desde então não consegue imaginar sua vida sem ela por um instante sequer. É esse garoto, que ainda está aprendendo a lidar com o mundo, mas que tem a mais pura certeza do quão incrivelmente apaixonado ele é por você, que quer te fazer esse pedido.
tinha se levantado de sua cadeira só para ajoelhar em frente a , vendo-a arregalar os olhos como se finalmente tivesse entendido aonde aquele papo todo estava chegando.
- , você quer se casar comigo?
Alguns clientes das mesas ao redor soltaram murmúrios e suspiros, voltando sua atenção total ao momento inesperado que se sucedia bem diante de seus olhos atentos e famintos – fosse por outro prato ou por alguma novidade em suas monótonas rotinas.
O rapaz já estava ficando impaciente com a demora da resposta – que parecia muito maior para ele do que realmente estava sendo. Se uma pena caísse no chão naquele momento, qualquer um naquele restaurante poderia ouvir claramente a queda. Tinha certeza absoluta de que a senhora da mesa ao lado estava escutando seu coração batendo acelerado, prestes a gritar de desespero.
Foi então, que ele percebeu algumas lágrimas nos olhos dela, acompanhando um sorriso singelo, que ia se alargando gradativamente em sua face.
- Quero – respondeu com a voz embargada, sendo puxada para um abraço em seguida.
Todo o restaurante começou a aplaudir a cena, enquanto alguns até arriscavam uns assobios e comentários que, sinceramente, eles simplesmente nem assimilaram.
- Posso trazer uma sobremesa para comemorarem? – Um dos garçons perguntou. – Na conta da casa.
- Pode – respondeu prontamente, rodando anel em seu dedo. – Mas, primeiro, eu quero a minha barca de salmão.
estava folheando sem parar o roteiro enorme que acabara de receber. Tinha dado um suspiro aliviado ao perceber que pelo menos não participava de cada uma daquelas páginas cheias, mas isso com certeza não fazia a situação deixar de ser um tanto aterrorizante.
- Não surta – disse ao se sentar o lado dele, estendendo um copo de água ao rapaz. – Eu consigo ver do outro lado dessa sala que você está hiperventilando de uma forma totalmente indiscreta. Imagina só quando os atores famosos e experientes chegarem! Você vai desmaiar!
- Sabe, meu amor, você realmente não está ajudando nesse momento. Eu vou arrancar a sua mão com os dentes se você conseguir me deixar mais nervoso do que eu já estou.
- Que delicado, nossa.
Ela provavelmente começaria a fazer um discurso sobre como ele deveria praticar meditação ou yoga – ou os dois -, mas o momento sermão zen foi interrompido por Don adentrando a sala com outros dois jovens cujos nomes o casal já conhecia muito bem.
- , – o diretor chamou, colocando as mãos nos bolsos da calça social. – Conheçam os nossos protagonistas: Abigail e Oliver, representados por Crystal e Scott, respectivamente. Talvez vocês já tenham ouvido falar nesses dois.
- Com certeza já – respondeu, tentando sorrir educadamente. – Oi, eu sou a , assistente de direção.
- E esse é o – Don fez questão de apresentar – que interpretará o Stavo. Não é exatamente o rosto que vocês esperavam?
- Aparentemente é ainda melhor – Crystal respondeu estendendo sua mão direita com a palma voltada para cima como se aguardasse que ele a beijasse. – Enchanté.
O rapaz franziu a testa com a atitude da garota, virando delicadamente para apertá-la como em um cumprimento comum. , às suas costas, observava a cena com uma alfinetada de leve, cutucando sua consciência e começando a deixá-la um tanto cismada com a atitude da outra.
Crystal definitivamente não tinha o histórico mais limpo de Hollywood. Qualquer pesquisa de dois minutos sobre seu nome no google mostraria uma aba de notícias um tanto inchada com escândalos: affairs com os “garotos problema” que mal duravam uma noite, saídas de festas em estado totalmente alcoolizado beirando a inconsciência, vários rumores sobre possíveis consumos de drogas ilícitas e um número considerável de outras atrizes que diziam ter sofrido algum tipo de agressão por parte da jovem. Mesmo assim, todos os projetos em que ela participava ainda vendiam como água, único motivo pelo qual ela não tinha simplesmente sido cortada de tudo para limpar a própria imagem – que acabava sendo uma publicidade a mais.
Mas foi no movimento de pegar sua mão que permitiu que a atriz pudesse visualizar o aro metálico em torno de seu dedo.
- Credo! Aliança? – Crystal riu, em mostra de completa ironia. – É realmente bem deprimente alguém como você andando por aí de coleira e deixando de aproveitar a vida.
Scott engasgou com o café que estava bebendo, entrando numa crise de tosse absurda enquanto Don corria para dar tapinhas em suas costas, iniciando um discurso sobre como eles deveriam tomar o máximo de cuidado possível para não se matarem antes da gravação do filme estar completa porque ele não poderia perder outro dos integrantes de maneira alguma.
deu os comandos para que alinhassem a luz e alguns componentes do cenário para o ensaio de uma das cenas principais que contava apenas com a presença dos três, como uma forma de testar o entrosamento deles e trabalhar a química em cena dos personagens.
Scott e Crystal se posicionaram na sala improvisada do que deveria ser uma casa humilde, posse da família do protagonista. Ao som do “Ação!”, o rapaz iniciou sua fala.
- Eu não posso mais guardar isso para mim, Abigail. Deus sabe o quanto eu tentei fingir que poderia simplesmente seguir em frente como se nada disso me afetasse, mas afeta.
- O que está dizendo, Oliver? Não compreendo. Pensei que estivesse bem.
- Não posso permitir que você se case com Vincent sem que saiba que eu te amo. Tudo que eu fiz, todos os dias da minha vida desde que coloquei os meus olhos em você pela primeira vez, foi te amar como se alguma parte vital de mim dependesse disso. Sei que parece tarde demais e eu fui um fraco por levar tanto tempo para te dizer isso, mas não posso mais guardar esse sentimento para mim.
- Oliver, por que não me disse isso antes? Por que permitiu que meu pai oferecesse minha mão a Vincent como se eu fosse algum tipo de prêmio por ele ter nascido em uma família importante? Por que deixou que tudo isso acontecesse? Nós poderíamos estar felizes juntos.
- Ainda podemos. Nunca é tarde demais para fazer o que é certo. E eu não consigo ver nada mais certo nesse mundo do que nós dois. Juntos. Como deveria ser. No fundo, você sabe que eu tenho razão. Nós podemos superar o medo e o mundo juntos.
Um alto barulho foi ouvido: uma sonoplastia para uma porta sendo aberta com força extrema. , que no momento era Stavo, havia entrado em cena, totalmente esbaforido, como se tivesse corrido uma longa distância.
- Stavo, o que foi? – A jovem perguntou.
- A porção norte da cidade está em escuridão total – respondeu, parando para respirar enquanto falava. – Houve um acidente com a fiação em conserto. Parece que há vítimas no local.
- Ah, meu Deus. – Lágrimas brotaram nos olhos do outro rapaz. – Meu pai estava em serviço lá.
- E corta! – Don gritou. – Ótimo aquecimento, pessoal. Sentem para ler as próximas cenas, vou fazer alguns ajustes na rubrica. Vamos, .
- Estamos entendidos quanto aos gráficos da cena de Oliver e Stavo contra os ladrões, certo? – perguntava, anotando e conversando avidamente com os responsáveis pelos efeitos especiais do filme. Os homens assentiram, remexendo alguns detalhes na tela do computador. – Ótimo. Acho que podemos seguir para o bosque do casamento, nas cenas finais.
Nesse momento, um dos estagiários da filmagem irrompeu pela sala, chamando a atenção de todos que compartilhavam o ambiente. Seu semblante parecia um tanto abalado, carregado de preocupação, surpreendendo todos os demais.
- O que houve, Ronnie? – A jovem perguntou. – Está com uma cara tão estranha.
- Don exigiu sua presença na sala de reuniões imediatamente. Solicitou que eu lhe pedisse calma ao chegar lá. A situação, de fato, não parece ser das melhores se os rumores do set de filmagem forem reais.
sentiu sua pressão cair quase instantaneamente. Tinha medo só de começar a cogitar o que poderia estar acontecendo para que um dos estagiários mais calmos que vira nas últimas semanas parecesse, de repente, tão alarmado. Havia repassado na cabeça tudo o que tinha feito nos últimos dias, tentando encontrar de alguma forma o erro que custaria a sua demissão naquele momento. Don não teria outro motivo para pedir que ela tivesse calma logo para um funcionário cujo nome ele provavelmente não se interessava por saber.
Enquanto cruzava o corredor que dava na sala mencionada, ouvia o bater de seus sapatos nos tacos do chão, juntamente às batidas mais altas de seu coração. Tinha certeza de que pensava tão alto que qualquer pessoa passando por ali seria simplesmente capaz de ouvir o turbilhão de besteiras em que sua mente ia se afundando a cada instante.
Respirou fundo ao encontrar a porta de vidro à sua frente. Mesmo sabendo que não levaria sequer um minuto para que a vissem e que a cordialidade no momento talvez fosse um tanto desnecessária e forçada, ergueu delicadamente os dedos para bater à porta. Logo recebeu um gesto um tanto exagerado de seu chefe, sinalizando que entrasse logo.
Apressou-se para adentrar o cômodo, fechando a porta atrás de si e ocupando a cadeira ao lado de Don. Só queria que parassem de encará-la enquanto fazia tal caminho. Ao levantar os olhos – torcendo para que já tivessem desistido de fitá-la -, encontrou os olhos arregalados de observando fixamente o nada. Sua expressão definitivamente nunca parecera tão vazia quanto naquele exato momento. Era como se um buraco negro tivesse sugado totalmente sua força e isso já começava a pesar sobre os ombros da noiva.
- Podem começar – o diretor sinalizou, respirando tão fundo que poderia ter aspirado todo o ar do ambiente. Talvez eles realmente preferissem que não houvesse oxigênio naquele momento para não ter que lidar com o caos que estava prestes a vir de uma só vez.
A mulher e o homem, ambos em ternos de riscas de giz, entreolharam-se do outro lado da mesa, como se perguntassem “Você vai ou eu?”. Um pigarro acabou agilizando o processo, fazendo com que a equipe responsável pelo marketing e publicidade do filme e, consequentemente, por construir a imagem dos atores jogasse logo a bomba em seus colos.
- Crystal está levando a imagem do filme por água abaixo. Enquanto ela recebia papéis de rebelde sem causa ou de adolescente em crise era fácil lidar com as fofocas e os escândalos. Agora, que assumiu o protagonismo em um drama de peso, as pessoas precisam ver uma nova mulher, dissociada dessa imagem de obscenidade.
Crystal espumava e estava prestes a protestar, mas recebeu um sinal da agente, assinalando que ela se calasse. Estendeu impressões das capas dos principais jornais diários, apontando as longas unhas pintadas de branco nas manchetes com fotos que ocupavam quase toda a metade superior da página. Nelas, a atriz aparecia caída na frente de uma boate, com o vestido curto tão torto no corpo que a imagem acabava mostrando um pouco mais do que ela gostaria.
- “Atriz hollywoodiana entra em nova polêmica com drogas”, “Dizem que ela será protagonista de um drama. Será que será um maior que a própria vida boêmia dela?”. E essas são as mais leves que não te tratam como uma total viciada, chamam você de traficante ou te acusam de ter fugido de uma clínica de reabilitação. Sem contar o novo viral das redes sociais: um vídeo seu totalmente desacordada e inconsciente nessa festa. Alguém gravou e jogou no instastories e no snapchat. É o vídeo mais visto da semana e nem tem vinte e quatro horas de publicação.
- Isso é manipulação de mídia! Eu não sou esse monstro que eles adoram pintar para o mundo – ela ralhou.
- Manipulação ou não, você precisa de uma brusca mudança ou vai complicar a sua carreira e a de todos aqui. – Foi a vez de o agente se manifestar, com uma voz incrivelmente grossa.
- E se eu não quiser? – Perguntou, aumentando o tom de voz.
- Você não tem escolha. Vocês dois tinham inúmeras cláusulas de imagem no contrato de vocês com a empresa. Se não seguirem a publicidade do filme, seja lá o que isso custe, estarão os dois demitidos antes do amanhecer.
- Como assim os dois? – perguntou, soando um tanto desesperado. – Sem querer parecer rude, mas, se o problema é ela, o que eu tenho a ver com isso?
- Eu não sou o problema, gatinho – Crystal rebateu. – O mundo é. Essa droga de mídia achando que pode definir tudo o que eu sou por causa de um porre. Se fosse você, iam te chamar de festeiro, mas eu, aparentemente, acabo de me tornar a mais nova traficante do pedaço.
- Não interessa o que eles diriam, só o que eles já disseram e como isso afeta o projeto como um todo. Crystal, vamos diretamente ao ponto, você precisa de uma relação que te dê credibilidade e estabilidade para os olhos do público e dos principais editores e jornalistas. Queremos que entre em algo como um namoro de fachada, digamos assim. Passaremos a ideia de uma menina delicada e apaixonada em vez da pose de rebelde inconsequente.
- Eu tenho alguma escolha? – Ela perguntou enquanto cutucava as próprias unhas, demonstrando total falta de interesse. não conseguia acreditar em como ela poderia estar tão alheia a algo que era tão importante. Jamais imaginaria ser capaz de lidar com algo dessa dimensão com o sangue frio daquela forma.
- Na verdade, não tem. Nenhum de vocês dois têm – a agente continuou, atraindo os olhares confusos de e para si. – Passarão os próximos meses aparecendo juntos publicamente, encenando a maior história de amor que esse mundo poderia sonhar em ver. Quando o filme sair das bilheterias, vocês fingem um rompimento por algum motivo qualquer, mas, por enquanto, os dois precisam se ajudar e nos ajudar a construir a imagem de ambos.
- Mas o que eu tenho a ver com isso? – A voz de saíra um tom mais aguda, totalmente desolada e descontrolada. Agora, era que tinha a expressão totalmente vazia, mas o coração cheio demais, devastado demais para sequer continuar assimilando o caminho que aquilo tomaria após a facada que parecia ter atingido seu peito.
- Você é um total desconhecido, funciona perfeitamente como uma via de mão dupla: além de ser visto facilmente como boa influência e boa pessoa, esse relacionamento vai te colocar nos tabloides em instantes. É a publicidade perfeita para todos aqui. E, como eu gostaria de lembrar, vocês não têm escolha a não ser que optem pela demissão.
tinha os olhos cheios de água quando procurou o olhar de sua noiva do outro lado da mesa. Ela mantinha o olhar perdido, mesmo ao fitá-lo. sorriu levemente como se desse permissão para que ele seguisse em frente com o que acreditava que precisava fazer.
- Com licença – disse com a voz entrecortada. – Eu tenho alguns assuntos ainda a tratar com os roteiristas.
- , espera – gritou ao se levantar da estofada cadeira preta.
Mas ela já havia ido embora. E, por mais que doesse como o inferno admitir, ele sentia que, naquele momento ela tinha saído de muito mais do que simplesmente daquela sala.
Nada havia sido oficializado entre eles. Com o tempo, e começaram a diminuir as visitas que faziam um ao outro discretamente. Saídas para fora dos portões do condomínio eram impossíveis a essa altura do campeonato, já que as câmeras não paravam de observar cada passo do rapaz. Qualquer deslize, qualquer pisão em falso e tudo simplesmente iria por água abaixo, incluindo o início de sua carreira tão prematura.
Agora, ele aparecia em “sociais” com Crystal, andando de mãos dadas, fingindo que não queriam ser fotografados, mas praticamente implorando por alguma exposição fotográfica – por mais que ele parecesse totalmente desconfortável com tamanha invasão de sua privacidade. Compareciam a desfiles, pequenas festas de alguns artistas – especialmente cantores em ascensão entre o público adolescente – e passeios considerados mais comuns como cinemas e jantares românticos. Só sabia como era difícil continuar sorrindo mesmo odiando infinitamente tudo aquilo. Queria poder sumir. Divagava durante as madrugadas em claro sobre a possibilidade de ter simplesmente escolhido um curso diferente, uma paixão diferente. Agora, toda essa manipulação midiática havia conseguido destruir tanto o seu amor pela atuação quanto o seu verdadeiro amor.
Em momentos como aquele, o rapaz queria poder ligar para a noiva – que não havia retirado a aliança, apesar de ele ter sido obrigado a tirar a dele ao pisar fora de sua casa. Queria se agarrar a ideia de que isso era como uma luz ao fim do túnel, um fio de esperança ao qual ele ainda poderia se agarrar. Mas, a cada dia que passava, só conseguia pensar em como não se falavam mais como faziam, em como ela não ria mais das piadas toscas dele e em como ambos pareciam incrivelmente abatidos e infelizes no período que deveria ser o melhor de suas vidas.
Não era justo. Nada daquilo era justo. Sentou-se na beirada da cama e encaixou a cabeça entre as mãos, negando sem parar com a cabeça. Não, não, não. Aquilo era ridículo, absurdo, deplorável. Como deixara tudo aquilo ir tão longe? Horas atrás, estava em uma première de outro filme, passando o braço pela cintura de Crystal enquanto uma enxurrada de flashes tentava captar cada movimento e sorriso dos dois. A atriz decidira, de supetão, que seria uma boa ideia engatar um beijo no tapete vermelho para atrair mais ainda a atenção para eles. Aquela história de recriação de imagem parecia ter sido incrivelmente eficaz e proveitosa para a reputação dela, mas destruíra totalmente a vida pessoal dele.
Já era tarde demais; tão tarde que já era quase possível dizer que era cedo demais. Mas o sono não vinha de forma alguma. Recomeçou a assistir a House of Cards, por mais que “assistir” fosse um verbo muito forte para definir o estado de paisagem em que ele se encontrava. Sua inércia, no entanto, foi interrompida pelo toque incessante da campainha de sua porta. Quase tropeçou três vezes na escada antes de chegar, finalmente, à porta de entrada.
- ? – O choque em sua face e sua voz era totalmente perceptível ao se deparar com a mulher ali.
- Eu posso entrar? Juro que não vou demorar muito. Estava morrendo de medo de te acordar a essa hora, mas pelo jeito é só mais com uma insônia ridícula – comentou, rindo nasaladamente, como em um movimento automático sem humor algum.
estendeu o braço, assinalando para que ela entrasse. Seguiram para o quarto dele, completamente desorganizado em um dos acessos de raiva que tivera durante a semana. Não se orgulhava de admitir que não haviam sido poucos.
Sentaram-se a uma distância considerável, praticamente em pontas opostas da cama. Ao perceber que, se esticasse a mão, não a alcançaria, o rapaz soube que as coisas estavam realmente seguindo um caminho tortuoso, completamente diferente do que ele queria e esperava.
- Eu vi a première – ela quebrou o silêncio. – Por algum tempo, eu chorei tanto que fiquei desejando não ter visto. Aquela cena, aqueles sorrisos, aquele beijo... Você não faz ideia de como isso me dilacerou por dentro. Era como se algo tivesse sido arrancado de mim e eu simplesmente não soubesse lidar com esse vazio inédito. Eu tentei entender, eu juro. Eu não poderia atrapalhar a sua carreira e acabei achando que pudesse conviver com toda essa situação. Que seriam alguns meses de encenação e logo voltaríamos a sermos nós mesmos.
- Mas é exatamente isso que eu quero: ser eu mesmo e com você – interrompeu, recebendo um sinal que pedia que ele parasse. As lágrimas rolavam livremente pelo rosto dela, como se fossem crianças brincando de dar cambalhotas.
- Eu achei que podia fazer isso, mas eu não posso. Não sou tão forte quanto eu achava. E eu ainda me culpei por isso, quando claramente a culpa não foi minha. Eu não tive oportunidade alguma de escolher como a minha vida seria. Eu simplesmente fui obrigada a ficar em silêncio enquanto todo o resto daquela sala simplesmente decidia o rumo do meu futuro por mim. Você tem noção do que é isso? Tem alguma ideia de como eu me senti?
- Decidiram o seu futuro?! Eles literalmente tomaram total controle da minha vida e é você quem se dói por isso? Ah, me poupe.
riu de uma forma tão irônica que chegava a doer.
- Entendi. Eu aqui pensando que o nosso futuro era nos braços um do outro, mas pelo jeito agora você só pensa em você mesmo. Sinto muito se você chegou ao ponto de ser uma dessas pessoas egoístas que acredita que o universo gira em torno do próprio umbigo. Antes, nós éramos inseparáveis, lembra? Que droga, . Nós estávamos planejando nosso casamento até pouco tempo atrás. Escolhemos o nome dos nossos filhos sem nem saber se eu posso engravidar depois dos problemas que tive no útero. Eu não sei se você se lembra, mas nós estávamos procurando um apartamento para começar a nossa vida. E, de repente, é isso que eu ouço: que essa é a sua vida. De um instante para o outro, simplesmente é sua e não há nada mais a ser nosso. Eu tenho pena de quem você virou, de verdade. Sempre quis acreditar que você não seria desses que deixaria a fama subir a cabeça, mas olhe só para esse estranho que eu não sei nada além do nome.
- Eu sou o estranho agora? É você quem de repente virou uma insensível e incompreensiva. Eu não posso simplesmente jogar a maior chance que eu posso ter na vida de iniciar a minha carreira. Sabe em que outro momento eu teria uma oportunidade como essa? Deixa eu te responder: NUNCA! Você acha que eu vou deixar isso passar por causa de um capricho seu? Por ciúmes?
Quando a mulher levantou o rosto, sentiu como se um soco tivesse atingido com uma força absurda a boca de seu estômago. Ela tinha os olhos tão cheios de lágrimas que algumas delas já começavam a lhe escorrer pela face. No entanto, seu sofrimento era contido e silencioso porque, a cada segundo que passava, percebia mais que aquele não era o seu noivo e definitivamente não era o homem por quem ela havia se apaixonado. Sendo assim, ele não merecia a sua dor.
- Desculpa, você tem razão – disse, aproximando-se dela e tentando limpar suas lágrimas com as pontas dos dedos, acariciando as suas bochechas avermelhadas pelo choro. – Eu não quis dizer isso, foi da boca para fora. Eu te amo, . Eu odeio o que fizeram com a gente, odeio de verdade. Tudo o que eu mais quero nesse mundo é que tudo isso acabe logo para que possamos voltar a ficar juntos.
Dito isso, ele estendeu o corpo para frente, de forma a permitir que seus lábios encontrassem os dela. Foi delicado, lento, como se ele estivesse esperando alguma reação dela que o impedisse de prosseguir. Mas ela não desviou. Em questão de segundos, as mãos dela estavam entrelaçadas em seu pescoço e as dele passeavam por sua cintura, percorrendo o caminho até os seus cabelos.
O beijo ficou mais intenso e logo estavam matando a saudade dos toques, das carícias, da sensação de um corpo enlaçado no outro. Parecia fazer tempo demais que não viviam essa situação, tanto tempo que mesmo conhecendo cada centímetro quadrado de pele do corpo do outro, cada toque proporcionava choques como se tudo fosse inédito para ambos. Entregaram-se ao amor que ainda sentiam, ao desejo que por tanto tempo permanecera reprimido. só voltou a raciocinar decentemente quando a bagunça já estava feita.
Levantou às pressas da cama e começou a se vestir, deixando um encará-la sem entender bem o que estava acontecendo. Ela estava nervosa e aflita, podendo até arriscar dizer que sentia vergonha ou arrependimento. Ou ambos.
- O que houve? Eu pensei que estivéssemos bem – o rapaz disse, levantando-se para ajeitar a roupa apressadamente também.
- Foi um erro, uma recaída. Não foi para isso que eu vim. Isso não é certo, . Eu não posso mais fazer isso.
- É por causa do que eu disse? Eu sei que te machuquei. Nós dois dissemos coisas que jamais poderemos retirar, não importa o quanto tentemos consertar. Provavelmente voltar nisso só nos machuque mais, então será que podemos simplesmente esquecer que isso aconteceu?
- Não, não. Não é pelo que você disse. Algumas coisas simplesmente não são feitas para durar tanto quanto gostaríamos, você não vê? Espero que algum dia nós possamos nos ver, sorrir, acenar e ficar bem apesar de tudo. Eu realmente espero que atinjamos essa maturidade.
- Não fala isso, . Por favor, se isso é um adeus, eu não quero ouvir. Só me abrace, você vai ver que ainda podemos ficar bem.
As lágrimas escorriam mais rapidamente por seu rosto e podia sentir outras se formando em seus próprios olhos.
- Não posso mais fazer isso. Eu sinto muito.
Foram as últimas palavras que ela disse antes de retirar a aliança do dedo e posicioná-la na escrivaninha antes de virar as costas e sair da casa dele, enquanto o rapaz, atordoado, ainda implorava aos berros para que ela ficasse.
No dia seguinte, revirou todo o estúdio atrás dela. Checou o set de gravação principal, as salas de roteiro, de edição, os camarins e pediu para uma das cozinheiras checar os banheiros femininos. Quando perdeu a paciência, foi correndo atrás de Don, perguntar aonde havia se metido. Por alguns instantes, arrependeu-se profundamente do questionamento:
- Oh, pensei que você soubesse. Ela veio hoje antes do expediente assinar a demissão. Creio que vá se dedicar a novos projetos daqui para frente. Ela vai fazer muita falta. Realmente uma das melhores assistentes que eu já tive.
Era a segunda vez nesses dois dias que o seu chão tinha sido brutalmente arrancado. Ligou o dia inteiro para o número dela, ouvindo a irritante gravação da caixa postal em todas elas. O Messenger do facebook estava totalmente inativo há dias. Ela o havia bloqueado no whatsapp. Nenhum de seus snapchats estavam sendo abertos. Ela simplesmente tinha sumido. E ele só queria poder ter sumido junto.
- Preparados? – Don perguntou, enquanto fazia menção de se levantar do banco da grande limusine preta. Ele, Scott, e Crystal decidiram por chegarem juntos à première, para levar os fãs e espectadores ainda mais do imediato delírio pela chegada do grupo ao tapete vermelho.
Os três jovens assentiram, sorrindo. achava que ia explodir a qualquer momento de tanto nervosismo. Tinha certeza de que assim que saísse do alcance do forte ar condicionado do automóvel, sentiria gotas de suor escorrerem incomodamente por suas costas.
Assim que a porta foi aberta pelo motorista formalmente uniformizado, puderam ouvir gritos entusiasmados clamando por eles, o bombardeamento de perguntas dos paparazzi e sentir o ofuscamento que os flashes incessantes causavam em seus olhos despreparados.
Don e Scott foram à frente, acenando enquanto carregavam sorrisos enormes nos rostos. Crystal segurou firme na mão de , entrelaçando seus dedos ao dele antes de seguirem ao alcance do frenesi do tapete vermelho. Não sabia se era pelo toque da garota – que ainda lhe causava uma resposta de aversão involuntária do próprio corpo – ou pela ansiedade, mas ele sentia uma vontade horrível de vomitar. Tinha algo dentro dele implorando para ser colocado para fora. E precisava ser o mais rápido possível.
Posaram para algumas fotos, tentando fingir que ainda enxergavam as câmeras. Foi nesse momento que o novato percebeu porque as celebridades sempre aparentavam um olhar tão distante nas fotos: provavelmente eles não conseguiam mais identificar visualmente as câmeras logo ali depois de tantos flashes queimando suas retinas com fervor.
Quando as entrevistas começaram, ele sentiu que alguma coisa estava muito errada. Um aperto no peito, um nó na garganta, uma sensação horrível de que havia se esquecido de alguma coisa cuja importância ele definitivamente desconhecia. Optou, assim, por deixar que Crystal fizesse o que mais gostava por ambos: falar.
- Como vai o relacionamento de vocês? – Um dos homens perguntou, enquanto sua equipe os rodeava por microfones. – Percebemos que de uns tempos para cá você parecia bem aéreo e distante, .
O rapaz sequer assimilou a pergunta, tomando um discreto beliscão de Crystal.
- Inclusive, exatamente da forma que você parece nesse momento.
- Perdoem-no – Crystal interveio. – Sabem como é, não? Marinheiro de primeira viagem, está um pouco atordoado ainda. Mas, respondendo à sua pergunta, estamos muito bem e muito felizes. Inclusive estamos começando a cogitar nos mudarmos para uma grande casa com um quintal enorme. Não é a intenção agora, mas precisaremos de mais espaço para expandir a família. Eu sempre quis uma casa grande para encher de crianças correndo para todos os lados.
engoliu em seco, rezando para que um meteoro caísse em suas cabeças para acabar logo com aquilo. Em vez disso, o que fez com que todos desviassem sua atenção não foi uma catástrofe espacial, mas um zunido de vibração de um celular que começou a causar desconforto. Colocando as mãos nos bolsos, ele percebeu que o aparelho descontrolado era o seu mesmo.
- Desliga isso – Crystal resmungou, tentando manter a compostura.
- Não posso. Desliguei a internet para não atrapalhar, mas preciso do telefone. Minha mãe não está bem, fui eu quem pediu para que me mandassem notícias se possível. Com licença.
Ele desviou do tapete vermelho, buscando um local mais silencioso para atender apressadamente o número desconhecido que continuava ligando sem parar. Estava desesperado, tentando não pensar que o pior poderia ter acabado de acontecer.
- Alô?
- Alô! – A voz masculina respondeu do outro lado da linha. – ?
- Sou eu. Pode falar.
- Perdão por te ligar assim, mas você era o contato de emergência da nossa paciente e ela acabou de passar por procedimento cirúrgico emergencial, então precisávamos de algum contato para ela. Pode vir?
- Claro. – Ele podia sentir as lágrimas escorrendo em seu rosto. Pelo que o homem dizia, sua mãe ainda deveria estar viva, mas não fazia ideia da condição em que ela se encontrava. – Só me passe o endereço.
- Sim, claro. Estamos com a no UCLA Medical Center. Quando chegar, na recepção, informe...
não ouviu mais nada desde que o nome da noiva tinha sido mencionado. Fazia pouco mais de sete meses desde a última vez em que a vira para nunca mais conseguir entrar em contato com ela. Tanto tempo depois, tudo o que ele queria era vê-la, mas preferia profundamente que não fosse assim, sob tanto pânico e preocupação.
- Don – gritou, interrompendo a entrevista que o diretor dava. Infelizmente, naquele momento, ele realmente não se importava com seu comportamento errado. – Preciso ir. foi operada.
- A ? Pensei que ela tivesse sumido.
- Eu também. Não posso ficar aqui – disse simplesmente, sabendo que o diretor entenderia, apesar do rebuliço que aquela saída às pressas causaria para o filme e para os responsáveis por ele.
Correu até a rua, gritando por um táxi que o levasse logo ao hospital. Por um lindo acaso do destino, ele conseguiu um em poucos minutos.
Fez a viagem batucando os pés no tapete do carro, tendo a certeza de que o taxista deveria estar morrendo de vontade de mandá-lo descer e pagar por peças novas para o carro. Sorte do motorista que ele ainda não tinha chegado ao ponto de ficar “brincando” de levantar e abaixar o vidro sem parar. Seu nervosismo e preocupação já estavam tão fora de controle que ele mesmo estava perdendo a linha.
- Obrigado – disse em tom agudo ao chegar à frente do hospital. Arremessou um bolo de dinheiro no banco da frente, sem se preocupar com a grande quantia extra que tinha deixado ali. Havia coisas muito mais importantes que o dinheiro. Troco algum valia o tempo que perderia de estar perto de .
Com a testa já pingando suor e totalmente atordoado, rodava naquele hospital desconhecido, procurando por alguma informação que o levasse até ela, seja lá qual fosse ou como fosse.
Finalmente, conseguiu que uma enfermeira, recém-saída de seu turno, lhe desse as coordenadas para a UTI – o que só aumentou o arrepio que ele sentia percorrer a sua espinha. Aquelas três malditas letras tinham deixado sua respiração automaticamente descompassada.
Parecia que aqueles corredores eram infinitos. O que deveria ser uma caminhada de alguns metros parecia uma maratona olímpica. As portas eram infinitamente brancas, as paredes ridiculamente claras, como se zombassem da completa falta de paz que assolava a sua alma naquele momento. Carrinhos de parada com desfibriladores eram arrastados pelos corredores com uma pressa que ele nunca vira antes – nem quando tentava fazer um trabalho inteiro da faculdade em menos de uma noite. Pessoas corriam de um lado para o outro com seus jalecos incrivelmente limpos, enquanto outros ainda utilizavam as vestes das salas de operação. Enfermeiros passavam pelas salas, carregando pilhas de prontuários, certificando-se de que todos recebessem os medicamentos adequados nos horários corretos. Era como um grande corpo trabalhando completamente unido para funcionar de forma a se prontificar em prol do bem estar geral. Enquanto isso, o corpo dele, que só precisava sustentar uma pessoa, parecia prestes a desmoronar.
Teve que conversar com pelo menos outras três pessoas para conseguir autorização de adentrar a UTI, dizendo o quanto precisava ver a sua noiva – eles não precisavam saber que tudo havia acabado. Explicou inúmeras vezes que tinha falado com um homem aproximadamente uma hora antes, dizendo que a mulher passara por uma cirurgia emergencial e pedindo que ele fosse até lá vê-la – coisa que aqueles funcionários estavam atrapalhando. Quando ele estava prestes a apelar mais ainda para o emocional, um homem o identificou pela voz, apresentando-se como o Doutor Lee, responsável pela ligação recente. Foi assim que aquele mesmo homem o auxiliou com o processo de higienização e disse “Entre! Eles estão ali!”.
- Eles? – perguntou baixinho ao entrar na sala. O que raios aquilo queria dizer afinal?
Foi naquele instante que o olhar dela encontrou o dele. estava pálida, com olheiras fundas e o cabelo despenteado. Parecia mais cansada do que nunca naquele robe branco com desenhos azuis claros. Uma de suas mãos segurava a cabeça sobre o cotovelo apoiado na poltrona e a outra sendo segurada por uma minúscula mãozinha através da cavidade da incubadora.
sentiu os olhos se encherem de lágrimas instantaneamente. Era tão pequeno. Tão delicado. Tão precioso. Cheio de ruguinhas na testa e pés que caberiam juntos na palma de sua mão e ainda sobraria espaço. Seu coração estava tão acelerado que acabou fazendo com que seu rosto estivesse encharcado em um tempo ainda menor do que ele esperava.
- É meu? – Perguntou em um impulso, por mais que sentisse que já soubesse a resposta.
- É – ela disse com a voz baixa e rouca. - Ele vai precisar ficar aqui por algum tempo. Nasceu com um pouco menos de oito meses e o parto não foi um dos melhores. Os médicos preferiram ficar em observação.
- Se o parto foi tão complicado, você não deveria estar em repouso? Tipo, deitada?
- E deixar o meu filho aqui? Nunca.
- Nosso – corrigiu. – Eu vou estar aqui também. Já escolheu o nome?
- Nathan. Achei que o mais certo seria manter o que nós planejávamos. Depois que tanta coisa saiu dos eixos entre nós, quis me agarrar a uma das poucas que eu ainda poderia controlar.
- Posso tocar? – Ele perguntou, com a voz embargada. Ela apenas assentiu.
colocou a mão com a maior delicadeza do mundo. Não se lembrava de já ter sido tão cuidadoso assim em algum momento de sua vida. Era como se estivesse morrendo de medo de que pudesse, com um toque, estragar tudo.
Encostou os dedos calmamente nas pernas dele, sentindo a macia textura daquela pele nova, enquanto a barriguinha subia e descia em compasso com a sua respiração. O pequeno Nathan dormia tranquilamente, franzindo o rosto vez ou outra, como se respondesse aos próprios sonhos.
- Ele é a coisa mais maravilhosa do universo – comentou, ainda sentindo o rosto úmido. Por um impulso segurou a mão de , que acabou correspondendo ao movimento. – Como pudemos fazer algo tão perfeito e puro como isso?
- Com amor – respondeu simplesmente. – As coisas mais maravilhosas do mundo são as que fazemos com amor. Ou com quem amamos.
- E eu ainda sou quem você ama? – Perguntou, olhando profundamente em seus olhos.
- Nunca deixou de ser – respondeu, sentindo-se totalmente inconfortável instantaneamente. Mudou de assunto ao mesmo tempo em que se afastou do alcance das mãos dele. – Aliás, você não deveria estar com a sua namorada agora? A première ainda deve estar acontecendo a todo vapor a uma hora dessas.
- Não. Eu estou exatamente onde eu deveria estar. Meu lugar é do seu lado. Sempre foi. E, agora, é do lado do nosso filho também. Eu sei que fui um idiota, mas, se você permitir, eu pretendo recuperar o tempo perdido. Eu quero participar da vida do nosso menino. E da sua também. Será que nós podemos nos dar outra chance? Eu definitivamente não sei quem eu sou sem você ao meu lado. Eu sou só um vazio.
respirou fundo, tanto para se manter sã, quanto pela dor que o corte lhe fazia sentir. Sabia que precisava voltar ao repouso e tomar seus remédios, mas preferia aguentar todos os resultados da cirurgia a sair de perto de Nathan. Ele precisava dela. Foram apenas os dois nos últimos meses. Não podia deixar que de repente ele se encontrasse sozinho.
- Amor, pode dormir. Você precisa descansar um pouco. Eu estou aqui com ele.
Ela fez menção de que iria retrucá-lo, mas ele a impediu prontamente.
- Não precisamos nos resolver agora. Descansa. Vai ficar tudo bem.
Após cogitar por algum tempo, ela acabou cedendo, percebendo que não resistiria por mais muito tempo nem se quisesse. Encostou a cabeça no ombro dele e permitiu que suas mãos se entrelaçassem mais uma vez.
- Tem razão – disse, entre bocejos. Nós vamos ficar bem.
FIM
Nota da autora: ALÔÔÔÔÔÔÔÔ! COMO É QUE VOCÊS ESTÃO?
Espero que vocês tenham gostado desse continho que foi feito com tanto carinho pela minha pessoa totalmente doidinha e perdida com os próprios prazos. É a minha música favorita da rainha e espero não ter decepcionado tanto.
Agradeço muito por terem lido isso até aqui e ficaria ainda mais feliz se deixassem um comentáriozinho aí embaixo para eu saber que vocês vieram.
Entrem no grupo do facebook para saber mais sobre essa e outras histórias minhas, além de ficar por dentro de atualizações e novidades. Link do grupo
Outras Fanfics:
01. Middle of the Night
02. Stitches
04. Someone New
04. Warning
06. If I Could Fly
13. See Me Now
4th of the July
Side by Side
Espero que vocês tenham gostado desse continho que foi feito com tanto carinho pela minha pessoa totalmente doidinha e perdida com os próprios prazos. É a minha música favorita da rainha e espero não ter decepcionado tanto.
Agradeço muito por terem lido isso até aqui e ficaria ainda mais feliz se deixassem um comentáriozinho aí embaixo para eu saber que vocês vieram.
Entrem no grupo do facebook para saber mais sobre essa e outras histórias minhas, além de ficar por dentro de atualizações e novidades. Link do grupo
Outras Fanfics:
01. Middle of the Night
02. Stitches
04. Someone New
04. Warning
06. If I Could Fly
13. See Me Now
4th of the July
Side by Side