Capítulo único
Eu estava deitada na cama, olhando para o teto, havia alguns minutos e, ao escutar o ronco de , senti que era o sinal que estava esperando para me levantar e ir tomar um banho. Lavei do meu corpo o suor deixado pelo sexo, mas simbolicamente estava também tentando tirar a sujeira que eu sentia grudada em mim, tomando todo o meu ser, a cada dia, lentamente.
Sem perceber, comecei a chorar, me lembrando de minutos atrás, quando ele, no meio da transa, olhando em meus olhos, disse que me amava. Já fazia algum tempo que eu não acreditava mais na atuação daquele homem, e saber que as emoções dele sempre tinham sido superficiais me fazia sentir realmente mal.
Quando ficava deitado ao meu lado, fumando um cigarro e bebendo uísque, me chamando de sua pequena e dizendo que um dia poderia ser todo meu, ele me fazia sentir mesmo pequena, minúscula, insignificante. Quando não emitia um som sequer, mesmo que eu andasse pelo quarto fazendo barulho, para mostrar que estava me arrumando para ir embora, eu sentia que estava dando muito e recebendo nada, mas, ainda assim, sempre voltava, esperando sentir de novo tudo o que sentia no início, toda aquela paixão que um dia tinha incendiado o meu corpo e a minha alma.
O que era ainda pior era o fato de que eu deveria ter previsto aquilo. Um homem casado que usa os filhos como pretexto, para continuar com a mulher que diz não amar mais, realmente não a ama, mas também não ama aquela que ele leva para a cama, mas não pode levar ao cinema ou a um restaurante para o almoço de domingo. Suas promessas são mentiras, e eu me permitira acreditar que com a gente era diferente. Mas por que seria?
A gente tinha deixado aquilo ir muito longe! Ele fazia o jogo dele, tomava o que queria de mim, e eu me apaixonara de verdade, o que tornava difícil abrir mão da nossa relação. Porém eu sabia que alguém teria que ceder, que as coisas precisavam mudar, afinal eu não me sentia mais feliz como antes. Todas as vezes em que nos encontrávamos, eu deixava que ele me tocasse, me conduzisse, e depois me sentia péssima, com uma vontade imensa de sumir.
Saí do chuveiro, me secando e me enrolando na toalha. Vi meu rosto no espelho, vermelho, inchado, feio. Pensei no acerto da frase Os incomodados que se mudem, pois jamais poderia esperar de uma atitude, quando ele estava em uma situação confortável, e eu, incomodada, abatida, transparecendo isso no olhar sem brilho que via em meu reflexo. Seria eu quem teria que ceder, abrir mão do pouco que tinha, das migalhas que vinha aceitando. Seria eu quem precisaria me mudar.
Já totalmente seca, entrei no quarto e o vi dormindo. Desta vez, não fiz nem barulho, enquanto me vestia para deixar o quarto do apart hotel que ele mantinha para que pudéssemos nos encontrar. Não tinha interesse em acordá-lo. Não queria dizer nada a ele e nem ouvir mais mentiras. Escrevi um bilhete em um pedaço de papel que arranquei de minha agenda, e que estava em branco porque eu nunca anotava meus compromissos, quando envolviam o homem de quem eu tinha sido amante durante todo aquele ano.
Acho melhor pararmos por aqui. Há muito tempo nós dois sabemos que isso não vai passar de um caso, e eu não quero só um caso.
Por bastante tempo, eu não encontrei nenhum motivo bom o bastante pra ir, mas decidi que os motivos pra ficar também não são bons o bastante.
Estou levando tudo que estava no apart e me interessa. Você pode fazer o que quiser com o resto.
Espero que você um dia também pare de mentir pra si mesmo.
Peguei as poucas coisas que havia deixado no pequeno apartamento e queria levar comigo, conforme havia acabado de escrever: apenas algumas roupas, as bijuterias e meu perfume favorito. Coloquei tudo em uma bolsa grande que usara para levar roupas de frio, algumas semanas antes. Pus a minha cópia da chave em uma mesa, na saleta onde raras vezes tínhamos conseguido comer alguma coisa juntos, e saí, descendo as escadas, ao invés de aguardar o elevador, querendo deixar aquele lugar para trás, o mais rápido possível.
Queria me sentir aliviada, mas me sentia quebrada. Sabia que não tinha perdido nada, já que não havia realmente algo meu para perder, mas a sensação de perda ainda estava e ficaria comigo, por algum tempo, junto com a culpa colossal, esmagadora. Eu podia ter me sentido enfeitiçada por , quando o conheci, em um happy hour animado, durante o qual ele estava sem aliança no anelar esquerdo, mas isso não justificava o erro de ter mantido uma relação, por meses, com o marido de alguém.
Minha casa ficava a cinco quarteirões e eu sempre pegava um táxi para ir embora, mas decidi caminhar, apesar do tempo frio e da chuva fina que caía. Precisava ficar completamente sozinha por mais alguns minutos, experimentar plenamente a dor, antes de lutar para escapar dela, e nada parecia mais adequado do que passar por isso em uma noite típica de inverno londrino.
Quando entrei no apartamento herdado de meus pais, estava arrepiada dos pés à cabeça e precisava me aquecer com urgência, para preservar minha saúde física, considerando que a mental já estava prejudicada demais. Liguei o aquecedor, troquei a roupa úmida por um pijama de flanela, calcei pantufas forradas com pelo e coloquei água em um bule, a fim de preparar um chá de camomila.
Tirei o celular da bolsa, resolvendo mexer nele, enquanto esperava a água ferver, e havia quatorze mensagens, sendo doze de . Eu já imaginava que ele não se contentaria com um bilhete, então não fiquei surpresa com as ligações, ou com o que li no whatsapp.
O que foi isso, ?
Vamos conversar
Me atende
Não faz sentido terminar tudo assim
Obviamente, enquanto para mim o que não fazia sentido era continuar com aquele caso sem futuro, para ele fazia todo sentido ter uma esposa que cuidava de seus filhos e da administração da casa, que dividia os gastos e cuidava sozinha de boa parte dos problemas, e também ter seus encontros semanais com uma garota um pouco mais jovem, que não falava sobre contas, idas ao pediatra ou notas vermelhas em matemática, e ainda era cheia de energia e sonhos.
Eu tinha escrito o bilhete, decidida a não conversar com ele, e felizmente não mudei de ideia ao ver as palavras na tela do meu telefone. Bloqueei o número dele para chamadas e todo tipo de mensagem, e também impedi seu acesso a mim nas redes sociais. Ele tentaria usar um número desconhecido, mas eu cuidaria disso com calma depois.
Olhei as outras duas mensagens, uma da estagiária que trabalhava em minha equipe no escritório, e a outra de . Ele e estavam em um bar, e queriam que eu fosse encontrá-los, mas não existia a menor chance de eu sair de casa de novo, naquela noite. Respondi, agradecendo o convite e explicando que já estava de pijama, mas meu celular tocou, menos de um minuto depois.
Fala sério, ! Tira esse pijama, mete um pretinho básico, um saltão e aquele sobretudo mara, e vem pra cá.
gritou. Dava para ouvir o som típico de um bar movimentado, junto com a voz dela. Suspirei, antes de responder, alto o suficiente para que ela me ouvisse e entendesse claramente, e eu não precisasse repetir.
Eu não to no clima, . Eu terminei com o hoje.
O que? Terminou?
Eu praticamente podia ver seus olhos arregalados e a boca aberta.
deve ter tomado o telefone da mão dela, porque a próxima coisa que escutei foi ele dizendo a gente tá indo praí, antes de a ligação ser finalizada.
Em quinze minutos, eles estavam tocando a campainha da minha casa. foi o primeiro a entrar, me puxando para um abraço apertado, enquanto perguntava, baixinho, como eu estava. tinha uma garrafa de vinho na mão e não perguntou nada. Ao invés disso, levantou a garrafa, pedindo taças e afirmando que eu precisava afogar as mágoas em álcool, já que não podia afogar o canalha no Tâmisa. Eles eram tão diferentes e tinham modos tão opostos de lidar com situações difíceis, que às vezes eu me perguntava como conseguiam ser tão amigos. Contudo, em ocasiões como aquela, eu tinha certeza de que era exatamente por isso que eu tinha ambos como os meus melhores amigos. Eu precisava do conforto de , do apoio incondicional, do ótimo ouvinte que ele era, daquele tipo que não faz julgamentos. Também precisava de , com seu jeito de quem não levava nada muito a sério, com sua língua afiada.
se jogou em uma poltrona, enquanto eu pegava três taças e minha amiga criticava meu pijama. Ela achava que eu deveria estar sempre sexy, mesmo dentro de casa, pois sempre poderia surgir um vizinho gostoso, batendo à minha porta para pedir uma xícara de café.
— Principalmente agora que você se livrou do estorvo — completou, recebendo o primeiro olhar repreendedor de .
Eu ri e tomei praticamente o conteúdo da minha taça toda, em um só gole. Estava mesmo precisando de algo mais forte que chá.
perguntou se eu queria conversar, contar o que havia acontecido, e os dois escutaram a história em silêncio, enquanto esvaziávamos a garrafa.
— Quer saber de uma coisa? — disse, depois que terminei de falar tudo o que queria. — Finalmente você voltou a enxergar, amiga. — a fulminou com os olhos outra vez, mas ela fez um sinal, deixando claro que não iria se calar. — Você sempre foi um exemplo pra mim de mulherão da porra! Sempre teve auto estima pra caramba, sempre soube o que queria. Aí você conheceu esse cara e o que parece é que ele jogou algum feitiço brabo pra cima de você. Eu não tava te reconhecendo! Você, , aceitando migalhas...
— , chega! — a interrompeu finalmente. — A precisa do nosso apoio, e não de críticas. Se não tiver nada realmente bom pra dizer, essa é a hora certa pra ficar calada, porra.
Ela revirou os olhos e eu dei um sorriso para ele, agradecida. Sabia que ele queria parar nossa amiga para me poupar.
— Desculpa, — ela falou, sincera. — Eu não quis te criticar. Mesmo. Só queria te lembrar da pessoa foda que você é... do quanto você merece mais na vida que um cara como o . Mas acho que, na verdade, eu nem preciso, né? Você já tomou uma atitude, porque você se lembrou disso sozinha.
deu um sorriso constrangido e eu me levantei da poltrona em que estava para sentar ao lado dela no sofá, puxando-a para um abraço. Para acabar, de uma vez por todas, com o clima ruim, propus um brinde à Fênix, que renasceu das cinzas, e sugeri que colocássemos uma música bem animada, já me dirigindo à aparelhagem de som.
Depois de mais uma garrafa de vinho, eu ainda me sentia muito mal, mas, dançando e cantando alto com , e observando rir de nossas caras e bocas, eu conseguia me ver, em um futuro próximo, sendo novamente a mulher forte e alto astral que sempre fora.
tinha razão. Eu não estava inteira havia algum tempo. Meu ego estava cheio de rachaduras que eu apenas tentara ignorar.
No fim, tinha sido necessário aceitar a realidade e me deixar quebrar de vez, para só assim poder ter alguma esperança de juntar os pedaços e, então, me refazer.
Sem perceber, comecei a chorar, me lembrando de minutos atrás, quando ele, no meio da transa, olhando em meus olhos, disse que me amava. Já fazia algum tempo que eu não acreditava mais na atuação daquele homem, e saber que as emoções dele sempre tinham sido superficiais me fazia sentir realmente mal.
Quando ficava deitado ao meu lado, fumando um cigarro e bebendo uísque, me chamando de sua pequena e dizendo que um dia poderia ser todo meu, ele me fazia sentir mesmo pequena, minúscula, insignificante. Quando não emitia um som sequer, mesmo que eu andasse pelo quarto fazendo barulho, para mostrar que estava me arrumando para ir embora, eu sentia que estava dando muito e recebendo nada, mas, ainda assim, sempre voltava, esperando sentir de novo tudo o que sentia no início, toda aquela paixão que um dia tinha incendiado o meu corpo e a minha alma.
O que era ainda pior era o fato de que eu deveria ter previsto aquilo. Um homem casado que usa os filhos como pretexto, para continuar com a mulher que diz não amar mais, realmente não a ama, mas também não ama aquela que ele leva para a cama, mas não pode levar ao cinema ou a um restaurante para o almoço de domingo. Suas promessas são mentiras, e eu me permitira acreditar que com a gente era diferente. Mas por que seria?
A gente tinha deixado aquilo ir muito longe! Ele fazia o jogo dele, tomava o que queria de mim, e eu me apaixonara de verdade, o que tornava difícil abrir mão da nossa relação. Porém eu sabia que alguém teria que ceder, que as coisas precisavam mudar, afinal eu não me sentia mais feliz como antes. Todas as vezes em que nos encontrávamos, eu deixava que ele me tocasse, me conduzisse, e depois me sentia péssima, com uma vontade imensa de sumir.
Saí do chuveiro, me secando e me enrolando na toalha. Vi meu rosto no espelho, vermelho, inchado, feio. Pensei no acerto da frase Os incomodados que se mudem, pois jamais poderia esperar de uma atitude, quando ele estava em uma situação confortável, e eu, incomodada, abatida, transparecendo isso no olhar sem brilho que via em meu reflexo. Seria eu quem teria que ceder, abrir mão do pouco que tinha, das migalhas que vinha aceitando. Seria eu quem precisaria me mudar.
Já totalmente seca, entrei no quarto e o vi dormindo. Desta vez, não fiz nem barulho, enquanto me vestia para deixar o quarto do apart hotel que ele mantinha para que pudéssemos nos encontrar. Não tinha interesse em acordá-lo. Não queria dizer nada a ele e nem ouvir mais mentiras. Escrevi um bilhete em um pedaço de papel que arranquei de minha agenda, e que estava em branco porque eu nunca anotava meus compromissos, quando envolviam o homem de quem eu tinha sido amante durante todo aquele ano.
Acho melhor pararmos por aqui. Há muito tempo nós dois sabemos que isso não vai passar de um caso, e eu não quero só um caso.
Por bastante tempo, eu não encontrei nenhum motivo bom o bastante pra ir, mas decidi que os motivos pra ficar também não são bons o bastante.
Estou levando tudo que estava no apart e me interessa. Você pode fazer o que quiser com o resto.
Espero que você um dia também pare de mentir pra si mesmo.
Peguei as poucas coisas que havia deixado no pequeno apartamento e queria levar comigo, conforme havia acabado de escrever: apenas algumas roupas, as bijuterias e meu perfume favorito. Coloquei tudo em uma bolsa grande que usara para levar roupas de frio, algumas semanas antes. Pus a minha cópia da chave em uma mesa, na saleta onde raras vezes tínhamos conseguido comer alguma coisa juntos, e saí, descendo as escadas, ao invés de aguardar o elevador, querendo deixar aquele lugar para trás, o mais rápido possível.
Queria me sentir aliviada, mas me sentia quebrada. Sabia que não tinha perdido nada, já que não havia realmente algo meu para perder, mas a sensação de perda ainda estava e ficaria comigo, por algum tempo, junto com a culpa colossal, esmagadora. Eu podia ter me sentido enfeitiçada por , quando o conheci, em um happy hour animado, durante o qual ele estava sem aliança no anelar esquerdo, mas isso não justificava o erro de ter mantido uma relação, por meses, com o marido de alguém.
Minha casa ficava a cinco quarteirões e eu sempre pegava um táxi para ir embora, mas decidi caminhar, apesar do tempo frio e da chuva fina que caía. Precisava ficar completamente sozinha por mais alguns minutos, experimentar plenamente a dor, antes de lutar para escapar dela, e nada parecia mais adequado do que passar por isso em uma noite típica de inverno londrino.
Quando entrei no apartamento herdado de meus pais, estava arrepiada dos pés à cabeça e precisava me aquecer com urgência, para preservar minha saúde física, considerando que a mental já estava prejudicada demais. Liguei o aquecedor, troquei a roupa úmida por um pijama de flanela, calcei pantufas forradas com pelo e coloquei água em um bule, a fim de preparar um chá de camomila.
Tirei o celular da bolsa, resolvendo mexer nele, enquanto esperava a água ferver, e havia quatorze mensagens, sendo doze de . Eu já imaginava que ele não se contentaria com um bilhete, então não fiquei surpresa com as ligações, ou com o que li no whatsapp.
O que foi isso, ?
Vamos conversar
Me atende
Não faz sentido terminar tudo assim
Obviamente, enquanto para mim o que não fazia sentido era continuar com aquele caso sem futuro, para ele fazia todo sentido ter uma esposa que cuidava de seus filhos e da administração da casa, que dividia os gastos e cuidava sozinha de boa parte dos problemas, e também ter seus encontros semanais com uma garota um pouco mais jovem, que não falava sobre contas, idas ao pediatra ou notas vermelhas em matemática, e ainda era cheia de energia e sonhos.
Eu tinha escrito o bilhete, decidida a não conversar com ele, e felizmente não mudei de ideia ao ver as palavras na tela do meu telefone. Bloqueei o número dele para chamadas e todo tipo de mensagem, e também impedi seu acesso a mim nas redes sociais. Ele tentaria usar um número desconhecido, mas eu cuidaria disso com calma depois.
Olhei as outras duas mensagens, uma da estagiária que trabalhava em minha equipe no escritório, e a outra de . Ele e estavam em um bar, e queriam que eu fosse encontrá-los, mas não existia a menor chance de eu sair de casa de novo, naquela noite. Respondi, agradecendo o convite e explicando que já estava de pijama, mas meu celular tocou, menos de um minuto depois.
Fala sério, ! Tira esse pijama, mete um pretinho básico, um saltão e aquele sobretudo mara, e vem pra cá.
gritou. Dava para ouvir o som típico de um bar movimentado, junto com a voz dela. Suspirei, antes de responder, alto o suficiente para que ela me ouvisse e entendesse claramente, e eu não precisasse repetir.
Eu não to no clima, . Eu terminei com o hoje.
O que? Terminou?
Eu praticamente podia ver seus olhos arregalados e a boca aberta.
deve ter tomado o telefone da mão dela, porque a próxima coisa que escutei foi ele dizendo a gente tá indo praí, antes de a ligação ser finalizada.
Em quinze minutos, eles estavam tocando a campainha da minha casa. foi o primeiro a entrar, me puxando para um abraço apertado, enquanto perguntava, baixinho, como eu estava. tinha uma garrafa de vinho na mão e não perguntou nada. Ao invés disso, levantou a garrafa, pedindo taças e afirmando que eu precisava afogar as mágoas em álcool, já que não podia afogar o canalha no Tâmisa. Eles eram tão diferentes e tinham modos tão opostos de lidar com situações difíceis, que às vezes eu me perguntava como conseguiam ser tão amigos. Contudo, em ocasiões como aquela, eu tinha certeza de que era exatamente por isso que eu tinha ambos como os meus melhores amigos. Eu precisava do conforto de , do apoio incondicional, do ótimo ouvinte que ele era, daquele tipo que não faz julgamentos. Também precisava de , com seu jeito de quem não levava nada muito a sério, com sua língua afiada.
se jogou em uma poltrona, enquanto eu pegava três taças e minha amiga criticava meu pijama. Ela achava que eu deveria estar sempre sexy, mesmo dentro de casa, pois sempre poderia surgir um vizinho gostoso, batendo à minha porta para pedir uma xícara de café.
— Principalmente agora que você se livrou do estorvo — completou, recebendo o primeiro olhar repreendedor de .
Eu ri e tomei praticamente o conteúdo da minha taça toda, em um só gole. Estava mesmo precisando de algo mais forte que chá.
perguntou se eu queria conversar, contar o que havia acontecido, e os dois escutaram a história em silêncio, enquanto esvaziávamos a garrafa.
— Quer saber de uma coisa? — disse, depois que terminei de falar tudo o que queria. — Finalmente você voltou a enxergar, amiga. — a fulminou com os olhos outra vez, mas ela fez um sinal, deixando claro que não iria se calar. — Você sempre foi um exemplo pra mim de mulherão da porra! Sempre teve auto estima pra caramba, sempre soube o que queria. Aí você conheceu esse cara e o que parece é que ele jogou algum feitiço brabo pra cima de você. Eu não tava te reconhecendo! Você, , aceitando migalhas...
— , chega! — a interrompeu finalmente. — A precisa do nosso apoio, e não de críticas. Se não tiver nada realmente bom pra dizer, essa é a hora certa pra ficar calada, porra.
Ela revirou os olhos e eu dei um sorriso para ele, agradecida. Sabia que ele queria parar nossa amiga para me poupar.
— Desculpa, — ela falou, sincera. — Eu não quis te criticar. Mesmo. Só queria te lembrar da pessoa foda que você é... do quanto você merece mais na vida que um cara como o . Mas acho que, na verdade, eu nem preciso, né? Você já tomou uma atitude, porque você se lembrou disso sozinha.
deu um sorriso constrangido e eu me levantei da poltrona em que estava para sentar ao lado dela no sofá, puxando-a para um abraço. Para acabar, de uma vez por todas, com o clima ruim, propus um brinde à Fênix, que renasceu das cinzas, e sugeri que colocássemos uma música bem animada, já me dirigindo à aparelhagem de som.
Depois de mais uma garrafa de vinho, eu ainda me sentia muito mal, mas, dançando e cantando alto com , e observando rir de nossas caras e bocas, eu conseguia me ver, em um futuro próximo, sendo novamente a mulher forte e alto astral que sempre fora.
tinha razão. Eu não estava inteira havia algum tempo. Meu ego estava cheio de rachaduras que eu apenas tentara ignorar.
No fim, tinha sido necessário aceitar a realidade e me deixar quebrar de vez, para só assim poder ter alguma esperança de juntar os pedaços e, então, me refazer.