Finalizado em: 16/07/2020

Capítulo Único

Era apenas mais uma tarde comum para . Talvez não tão comum quanto as outras, afinal, nesta ela estava à caminho do aniversário de sua avó. Talvez seus recentes vinte e sete anos tenham a ensinado a importância de manter a família por perto, por isso não quis perder a chance de visitar sua velha no auge de seus, agora, setenta e cinco.
O caminho já era conhecido, mas não do banco do motorista. Normalmente ela se sentava atrás, ao lado de seu irmão, Matheus, onde cantavam músicas animadas enquanto seu pai e sua mãe estavam no banco da frente.
Suspirou pesadamente ao lembrar de seus pais. Ainda era difícil pensar que haviam se distanciado tanto. Matheus ainda morava por perto e sua relação com ele se mantinha a mesma, inclusive era madrinha de um dos filhos do mais velho.
Depois de algumas horas dirigindo ao som de sua banda favorita, chegou à casa de Marlene, sua avó. O carro de seu irmão já estava parado em frente à calçada, e assim que estacionou o seu, pôde ouvir a risada escandalosa de seu sobrinho vindo da varanda da casa. Aproximou-se do porta e a empurrou com a mão esquerda, já que na direita carregava uma caixa de presente.
- Tia ! - Eduardo, seu afilhado, o mais velho dos dois filhos de Matheus, correu em sua direção e agarrou suas pernas.
- Eu não esperava por uma recepção tão calorosa. - riu fraco e se inclinou para beijar o topo da cabeça do menino. - Como você está, Dudu?
- Eu estou bem, tia. Aprendi um golpe novo no Karatê, posso te mostrar depois? - os cabelos castanhos do garoto estavam presos em um pequeno coque, mas uma rebelde mecha insistia em cair sobre seu olho. Isso fez rir.
- Mas é claro. Deixe-me apenas falar com seus pais e a bisa, ok? - a mulher encarou o garoto com compaixão e ele sorriu largo, soltando suas pernas e a deixando seguir o caminho até a sala de estar, onde todos estavam.
- Quem é vivo sempre aparece, não? - Carlos, marido de Matheus e um de seus melhores amigos de infância falou em tom alto, enquanto bebericava seu café. - .
- Carlos Albuquerque. - a loira tentou manter seu semblante sério, mas ela amava aquele homem de todo seu coração, e a maneira que sempre se cumprimentavam, falando seus nomes completos, a fazia sorrir. Era como se tivessem quinze anos novamente.
Seu cunhado levantou e foi em sua direção, puxando-a para um abraço.
- Nem parece que me viu a duas semanas. - a mulher sussurrou, em meio à algumas risadas.
- Sabe como é, né? Você faz falta. - Carlos respondeu, sorrindo.
- Calúnia. - Matheus, ao ouvir a fala do marido, se levantou e veio em direção à irmã. - Você é uma chata, ninguém gosta de você.
- A verdade é que a quinze minutos ele estava perguntando porque você ainda não tinha chegado, . - Sua avó, uma senhora enxuta, que não aparentava mesmo estar completando setenta e cinco anos, falou. Ela estava sentada em uma poltrona ao lado do sofá principal, em sua mão uma xícara de chá, talvez fosse o de camomila, seu favorito.
- Eu sempre soube do amor de Matheus por mim, vovó. - a garota se soltou dos braços do irmão e do cunhado, e foi em direção à sua velha. - Feliz aniversário. - entregou então a caixa que estava em sua mão para a mulher.
- Eu abrirei assim que seus pais chegarem, tudo bem? Quando cantarmos parabéns. - a senhora, que tinha os cabelos pintados num preto azulado, sorriu simpática e concordou com sua fala. - Agora, por que não vai lá em cima? Tem uma pessoa que quer muito te ver. - sorriu terna e a jovem concordou.
Saiu da sala e passou rapidamente pela cozinha, onde pôde ver suas tias preparando um bolo. Falou rapidamente com as mulheres e subiu as escadas que ficavam próximas à sala de jantar.
No andar de cima, ouviu um som já conhecido saindo de um dos quartos. O único que estava com a porta aberta.
Caminhou até o local, e encontrou sentado na antiga cama que usava aos quinze anos, seu antigo melhor amigo, .
- Eu deveria presumir que você estava aqui. - a mulher passou pela porta e os olhos castanhos do rapaz encontraram os seus rapidamente. - A abertura de Naruto só poderia estar tocando por sua causa. - ela riu e o rapaz pausou o episódio que começava.
- É, parece que eu ainda sou viciado nesse anime. - ele riu e, com um aceno de cabeça, a convidou para sentar ao seu lado. - Vem, estou prestes a ver a batalha entre o Sasuke e o Itachi.
- Definitivamente não. - a garota riu fraco. - Demorei muito para fazer essa maquiagem apenas para destruí-la com a morte do Itachi. - passou a mão levemente pelo rosto, fazendo o garoto rir. - Mas, como você está?
Os olhos castanhos do garoto rapidamente fitaram os da menina. sabia que tinha conseguido realizar seu sonho profissional e que tinha se casado. Mas, depois da notícia do casamento, a mulher perdeu todo contato que antes tinha com o rapaz.
e eram melhores amigos, quase como irmãos siameses, eram inseparáveis. Não há quem não tenha imaginado que os dois se casariam no futuro. Porém, não foi isso que aconteceu. O rapaz seguiu seu sonho de fazer uma Pós graduação fora do país e a menina tinha ficado no Brasil trabalhando no escritório de Advocacia da família.

Depois desses acontecimentos, e já não eram mais tão inseparáveis quanto antes. Aquela era a primeira vez em cinco anos na qual eles se encontravam.
- Eu estou ótimo. - suas mãos encontraram o controle da TV, apertando o botão para pausar o programa. - Depois que voltei de Londres tudo melhorou. Estou dando aula na faculdade na qual me formei agora. - seu sorriso era sincero, assim como o de . A menina sabia que aquilo era o que ele sempre havia sonhado. - E você? Deve estar cheia de dinheiro defendendo criminosos. - uma risada escapou dos dois.
- Em parte, sim. - um suspiro pesado saiu dos lábios de . - Mas, a um tempo descobri que a verdadeira felicidade não está nos bens materiais. Não está no carro na garagem, ou nas viagens que faço. - deu de ombros, e caminhou para mais perto, sentando-se ao lado de seu velho amigo.
, naquele momento, conseguiu sentir o cheiro de avelã do shampoo de . O mesmo cheiro de sempre.
Por um momento ele se sentiu com dezessete anos novamente, andando pelo campus da universidade que futuramente seria onde ele e sua melhor amiga se formariam; ele em História, ela em Direito.
E lembrou do momento no qual uma brisa leve passou pela garota e o fez sentir o cheiro tão característico de seus cabelos.
A verdade é que e já se amaram em segredo. Porém, aquilo sempre foi tão bem guardado que nenhum dos dois nunca desconfiou até os dias de hoje. E, por eles, continuaria assim.
- Você está certa. - ele sorriu fraco, enquanto desviava seu olhar para sua calça jeans escura. - Eu acho que sempre temos que viver como se fossemos jovens.
- Cometendo loucuras? - perguntou, rindo fraco. Seu dedo indicador colocou uma mecha de seu cabelo atrás da orelha, com esse movimento, a barra da manga de sua jaqueta revelou os traços finos da tatuagem em seu pulso.
- Eu me lembro disso. - falou, se referindo à palavra ali escrita.
Foi a primeira tatuagem de , e ele estava ao lado dela, como em todas as vezes.
Fearless era o que estava escrito.
Entretanto, ambos lembravam bem que morrera de medo no dia que decidiu fazer. Por isso, se juntou à ela, fazendo uma tatuagem com a mesma palavra, no mesmo lugar.
De certa forma, aquele era um lembrete dos dois, para que eles nunca esquecessem como era ser jovem e sem medo de nada.
- Eu olho pra ela e me sinto velha. - riu e a acompanhou.
- Você ainda consegue se lembrar de como é ser jovem? Além da parte de cometer loucuras. - frisou a última frase, respondendo a última pergunta que sua amiga havia feito.
- Eu lembro das noites mal dormidas, das maratonas de Naruto ao seu lado, das nossas fugas para ir àquele restaurante depois das aulas de Matemática da Rogéria. - os olhos da garota estavam encarando um ponto fixo na parede do quarto. - Lembro dos sentimentos proibidos, e dos nunca revelados.
deixou seu queixo cair levemente, demonstrando sua surpresa. Nunca revelados? Mas, eles nunca tiveram segredos.
- Nunca revelados? - deixou a voz falhar por um instante.
- Já temos idade o suficiente. Então, posso finalmente assumir que já fui secretamente apaixonada por você. - falou com facilidade, como se aquilo já não fizesse mais parte dela. E ela tinha plena convicção de que não fazia.
- Se eu soubesse disso na época. - apertou os lábios e a mulher fez uma feição engraçada. - Eu também era apaixonado por você, .
- Faz tempo que não ouço esse apelido. - riu fraco. - Acho que agora tudo ficou mais formal e mais adulto. Mais sem graça. - o garoto concordou, sorrindo fraco.
e sabiam a necessidade que tinham de crescer e deixar o passado para trás, mas algo ainda os incomodava com o fato dos assuntos não resolvidos por eles. Mas, não assuntos de ambos, assuntos individuais.
Os olhares de ambos se encontraram em surpresa, eles não esperavam por aquele contato. sentiu sua perna falhar e agradeceu mentalmente por estar sentada, , em contrapartida, sentiu seu coração acelerar por alguns milésimos de segundos. Tudo parecia voltar no tempo e eles eram adolescentes novamente.
- , eu… - a respiração do garoto estava pesada.
- Eu sei, . - seu sorriso era fraco e sincero. - Lembranças, não? - seus olhos piscavam lentamente, o rapaz estava hipnotizado com aquilo. - Sabe, eu ainda me pergunto porque nos afastamos, ou porque paramos de nos falar. Então, eu percebo que isso, na verdade, nunca aconteceu. - um semblante duvidoso tomou o rosto de e isso fez sorrir. - Essa tatuagem… - apontou para seu pulso. - Ela é a prova de que você sempre esteve aqui, e sempre estará. É a prova de que a minha juventude não foi desperdiçada.
O sorriso do rapaz era verdadeiro, assim como o de . Ela sabia que ali não existiam mais sentimentos afetivos, e que tudo era apenas um bom momento entre amigos. Ele também tinha ciência disso. E para eles estava tudo bem.
- Acho que acabamos de re-significar essas tatuagens. - ele riu e a menina concordou.
Um barulho veio da porta do quarto e ambos viraram-se para saber sobre o que se tratava.
- Ah, vocês estão aí. - o homem de cabelos grisalhos e camisa polo sorriu largamente.
- Pai! - levantou para abraçar o homem que não via há muito tempo. - Como o senhor está?
- Creio que não muito melhor que você. - ele indicou com sua cabeça e sentiu suas bochechas corarem. - Venham, vamos cantar parabéns.
levantou de onde estava e caminhou até a porta, nesse intervalo o pai de já havia se retirado do local.
Novamente se pôs à olhar para a menina, fazendo com que seu coração disparasse.
Então, lembrou de uma das suas músicas favoritas:

"Just for tonight, look inside and spark that memory of you"


Com certeza, era a melhor memória da juventude que ele tinha. Mas, que o tempo o fez esquecer.

--

- Como está a Mari? - agora os dois estavam no Jardim da casa, aproveitando seus bolos de baunilha.
- Ela está bem, ficou em casa para descansar. - o rapaz colocou a mão sobre a barriga, indicando o que a mulher já poderia imaginar.
fez uma feição surpresa, e rapidamente puxou para um abraço.
- Meu Deus, estou muito feliz por vocês. - Ela realmente estava. Sabia que tudo que sentiu por ele não existia mais, e que todo aquele momento no quarto fora uma nostalgia, talvez um pouco necessária.
sorriu verdadeiramente, pois ele sabia o que a mulher pensava, e concordava com ela.
- Sabe, eu fico feliz de ter te reencontrado. Fico feliz de saber que está bem. - colocou um pedaço do bolo na boca. - Com você aqui, eu consigo perceber o quanto cresci e mudei. - respirou fundo. - Eu finalmente posso dizer que me identifico com essa tatuagem. - sorriu. - Sem medo de viver e ser quem eu sou, sem precisar ser jovem para isso.
- O importante é sempre lembrar disso, minha amiga.
E olhando para o anoitecer, e tinham dezesseis anos novamente. Não eram um Professor e uma Advogada, eram apenas dois melhores amigos tentando ganhar o mundo. Jovens, e sem medo.




Fim



Nota da autora: Essa fic não ficou tão longa quanto eu queria, mas foi escrita de coração e baseada numa história real da minha mãe com seu melhor amigo.
Eu quis passar a ideia de que, na vida, nem todos os romances que temos serão eternos, mas que as memórias da juventude sempre serão. ♥️



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


comments powered by Disqus