Capítulo único
The reason why, why there is blood on my sleeve
And all this time, I thought it mine
But it's not, it's yours and...
A neve caía lentamente sobre toda Chicago, sendo acompanhada pelo vento que assobiava ao pé do ouvido das poucas pessoas que arriscavam andar pelas ruas naquela manhã gelada. Havia alguns anos que Chicago não sofria um inverno tão rigoroso — pessoas em situação de rua ou trancafiadas em presídios morriam todos os dias, os pobres não conseguiam se proteger do frio e o governo fingia não enxergar aquilo, preocupando-se apenas com as eleições que estavam por vir.
Para , que viu todo tipo de horror possível na vida, isso não fazia o menor sentido — mas ele também não tinha mais esperança em seus governantes, não depois do que haviam feito consigo. Enfrentar o frio parecia muito mais fácil do que enfrentar a vida do lado de fora, até porque sequer sabia se ainda teria uma; se haveria alguém o esperando do outro lado dos enormes portões de metal que pareciam se arrastar à sua frente.
— Você pode ir — a voz grossa e sem ânimo do guarda praticamente gritou, enxotando-o dali.
apenas assentiu, acatando a ordem. Aprendeu nos cinco anos que passara ali dentro que deveria apenas assentir, dizer “sim, senhor” ou “não, senhor” e andar de cabeça baixa se quisesse continuar vivo. Portanto, desta maneira, atravessou os portões da principal penitenciária do condado de Cook, em Chicago, sua cidade natal — e a qual jurou amar e proteger até seu último segundo de vida.
O primeiro contato com a liberdade foi estranho. sentia o corpo trêmulo e não sabia dizer se era por conta do frio intenso ou nervosismo. Ao olhar para o céu, sentiu uma gota pingar diretamente em seu nariz e o sorriso foi inevitável. Quando se passa anos recluso sem poder aproveitar as menores coisas da vida, o simples se torna genial, necessário e incrível. Mesmo que não soubesse o que fazer, estava feliz por estar do lado de fora novamente. Não haveria mais gritarias, ameaças, grades grossas à sua volta e covardia. Estava livre, poderia fazer o que quisesse — desde que arranjasse logo um trabalho e um endereço fixo, já que era um homem sozinho e em condicional.
— Ei, cara! — uma voz conhecida ecoou do outro lado da rua, fazendo com que finalmente parasse de olhar para o céu. Sorriu outra vez, um pouco mais feliz em descobrir que não estava sozinho.
— Ramon! — exclamou e prendeu melhor a bolsa em seu ombro, correndo até o antigo amigo. — Como soube que eu estava sendo liberado hoje?
— As notícias correm, meu caro — Ramon sorriu. — Vamos lá, acho que você precisa de ajuda. Conseguiu um acordo, né?
— É, não foi do jeito que eu gostaria, mas foi o melhor que consegui depois de cinco anos...
— Já está ótimo, ainda mais para um crime que você não cometeu — Ramon deu de ombros e apontou para o carro ao seu lado. — Agora, entra aí. Vamos comer alguma coisa antes de te levar para o seu novo lar.
— Novo lar?
— Sim. Pensou que eu iria deixá-lo na mão?
— Você é inacreditável, Ramon. Não deveria estar me ajudando.
— Você ainda é meu melhor amigo, . Se não fosse por você, eu não estaria aqui.
— E se não fosse por mim, você nunca teria sido um informante da polícia e não teria sido perseguido quando a informação vazou. Assim como não teria sofrido por estar aqui ilegalmente.
— É, talvez — Ramon deu de ombros e ligou o carro. — Mas não me importo, porque você me avisou que poderia acontecer tudo isso e eu aceitei os riscos. Minha situação estava um pouco complicada em relação a estar nesse país, mas já consegui resolver e está tudo sob controle. Não corro mais o risco de ser deportado. Temos muito o que conversar ainda, meu amigo, mas não faremos isso agora. Tenho certeza que você está faminto, a comida daquele lugar não é digna para nenhum ser humano. Principalmente quando o ser humano em questão é um ex-policial.
e Ramon tinham uma relação de irmãos. Conheceram-se há cerca de dez anos, quando ainda estava começando a construir sua carreira em um dos distritos da polícia de Chicago. O encontro foi repentino e em meio ao caos de um tiroteio no subúrbio da cidade. Ramon estava escondido e agarrado à irmã mais nova, escondendo-se da polícia para não sofrerem o risco de serem deportados já que eram imigrantes ilegais. os ajudou, tirou-os da linha de fogo e descobriu que ambos sabiam muito a respeito da gangue que estavam procurando. Sendo assim, ambos se tornaram informantes da polícia e ajudavam em casos que envolviam tráfico e assassinatos através da gangue mais perigosa de todo o estado de Illinois. O tempo foi o responsável para o crescimento daquela amizade, mesmo que às escondidas para que não corressem ainda mais riscos. Ramon estava disposto a ajudar como fosse possível, principalmente agora, no momento mais difícil de toda a vida de — um homem fadado ao fracasso, abandonado pela nação, na porta dos 35 anos e fichado por homicídio.
O primeiro dia de liberdade de passou rápido. Seu novo lar se resumia em um quarto de tamanho médio nos fundos da casa de Ramon, onde ele ainda vivia com a irmã, dois sobrinhos e recebia visitas esporádicas do namorado — esse fato fez com que gargalhasse devido à vermelhidão no rosto do melhor amigo ao assumir-se gay para ele (o que não era necessário, porque não mudava em absolutamente nada na relação harmoniosa que possuíam).
pensou que não seria aceito com facilidade por Dalila, a irmã de Ramon, porém fora recebido com um abraço caloroso e carinhoso repleto de agradecimento, e uma mesa farta com comidas típicas do México. Foi um bom momento; leve e necessário. Contudo, ficava claro para todos, até mesmo para as crianças, que ainda guardava certas manias e trejeitos dos últimos cinco anos em cárcere. Ainda falava baixo e somente quando seu nome era citado, não olhava ninguém nos olhos, não abria portas se alguém não dissesse que podia abrir, não se aproximava de janelas e ficou um tanto agitado ao perceber que algumas delas tinham telas protetoras por causa dos três gatos dos sobrinhos de Ramon. O que era uma imagem bem diferente do antigo , o policial fiel e da área de inteligência, que sempre falava firme, olhava de cima, prendia quem quer que fosse, corria velozmente e atirava com precisão, que não sentia medo nem hesitava quando sabia que estava certo; era um novo homem — perdido, amedrontado e dez vezes mais desconfiado.
— Me diz uma coisa, — Ramon começou a falar em determinado momento do jantar. — Você acha que ainda tem facilidade para mexer com carros? Consertá-los, trocar pneus, essas coisas básicas.
— Acho que sim — deu de ombros. — Por quê?
— Porque acho que te consegui um emprego aqui pelo bairro.
deu uma risada fraca e assentiu, ainda um tanto tocado e emocionado com a devoção que Ramon tinha em ajudá-lo. Sequer sabia como expressar sua gratidão àquele homem.
— Você sabe que isso pode sujar seu nome… Ajudar um ex-policial… Ex-presidiário.
— O dono da oficina me deve uma. Andei limpando a barra dele por aí. Aceita ou não?
— Claro que aceito, você sabe que preciso. Não existe a menor possibilidade de eu continuar aqui sem retribuir o que estão fazendo por mim. Só não quero me meter em confusão, nem que você se ferre por minha causa.
— Está tudo sob controle, . Apenas esteja de pé às sete em ponto, tudo bem?
— Certo, obrigado, cara — sorriu e esticou a mão para Ramon, que a apertou com carinho.
— Não precisa agradecer, amigo. Estamos aqui para ajudá-lo e porque sabemos que é um bom homem. Você vai se reerguer, , e estaremos ao seu lado.
Quando o relógio marcou seis da manhã, se levantou. Não havia conseguido dormir muito bem naquela noite. Os horários da cadeia ainda estavam entranhados em seu ser, assim como os costumes. Ele não costumava dormir muito naturalmente, antes de ser preso, e durante os cinco anos recluso naquele lugar horrível passou a dormir menos ainda. Quando se é um policial e vai para um presídio estadual, é necessário ter muito jogo de cintura e sangue frio. Mesmo que não tenha culpa do crime cometido, é bom assumi-lo e andar de cabeça erguida entre outros presos — principalmente se, ao menos, 10% estiver ali por sua culpa, como era o caso de . Ainda assim, tinha de dormir pouco para que ninguém tentasse nada contra ele durante a madrugada. Caso sofresse algum atentado, nenhum carcereiro se daria ao trabalho de tentar ajudá-lo, não estavam nem aí — viam-no como um corrupto, um traidor. Policiais não eram bem vindos dentro de presídios, eram sempre olhados com desdém e ódio, sofriam ameaças constantes e eram cercados dia após dia em uma tentativa covarde de espancamento.
No entanto, aguentou, sobreviveu àquele inferno durante cinco anos — foi doloroso, difícil e, sobretudo, perturbador, mas sobreviveu. Ainda lhe doía pensar que havia cumprido ⅓ da pena por um crime que não havia cometido, e doía mais ainda lembrar-se quem o havia deixado à mercê do próprio azar mesmo que tentasse não pensar sobre isso. Era difícil. Ainda sentia todos os traumas que aquela experiência havia lhe trazido; queimava sua pele, corria nas veias. Havia ouvido e visto muitas coisas das quais jamais iria se esquecer e superar; preferia mil vezes ter morrido naquela noite ao invés de ter sido pego pelos colegas de trabalho.
soltou um suspiro fraco ao observar a neve cair do lado de fora lentamente. Havia feito toda sua rotina matinal em modo automático e devagar, sempre tendo em mente que ainda estava muito adiantado para conhecer seu novo local de trabalho. Os pensamentos em sua mente não faziam muito sentido e eram apenas borrões de lembranças, medos e perspectivas de futuro — coisa que ele nunca pensou que teria novamente, dado ao que estava passando. Distraído, desviou o olhar da janela e encarou as próprias mãos — os dedos tortos, as palmas calejadas, as cicatrizes que vinham de seu dorso até o início do antebraço. Questionava-se se ainda seria capaz de consertar carros quando sequer conseguia consertar a si mesmo. Estava marcado dos pés à cabeça, tinha cicatrizes por todo o corpo forte e troncudo, a mente estava acelerada e confusa… Será que realmente seria capaz de voltar à sociedade e trabalhar normalmente? No fundo, achava que não. Porém, sabia que precisava e não podia decepcionar o amigo que lhe dava uma chance de ouro. Não era hora de render-se aos traumas e medos, não podia dar-se tamanho luxo num momento como aquele. Precisava voltar às ruas, conhecer o bairro novo em que vivia, familiarizar-se com a vizinhança e mostrar para Ramon que estava pronto para qualquer coisa — e, sobretudo, fingir que não tinha planos de vingança, como o amigo vinha achando que tinha.
era um homem correto e honesto antes de passar pelo presídio. Decidiu ser policial quando ainda era criança, depois de assistir aos filmes de 007. A ação e a adrenalina faziam-no sentir-se vivo e bem, em seu habitat natural. Na adolescência, pegou-se estudando mais do que os outros rapazes para se destacar e conseguir uma bolsa em uma boa universidade do país. Conseguiu entrar na Universidade de Chicago com notas incríveis para o curso de Direito. Formou-se com honras e em seguida decidiu entrar para a academia de polícia, a fim de trabalhar na área de inteligência da cidade — era seu sonho, afinal. Poderia ter ido mais cedo para a academia, sabia que sim, entretanto, queria ter um curso superior bom e que pudesse dá-lo a segurança de exercer a profissão com maestria e conhecimento o suficiente para não ser passado para trás ou não saber como se defender.
Lutou para ter tudo o que teve, foi firme e focado em suas escolhas e sonhos. Mas, ainda assim, não foi o suficiente. Em seu primeiro deslize, a cidade inteira lhe virou as costas e não acreditou em suas palavras, todos acreditaram que ele era um assassino inescrupuloso. Entendia a reação dos cidadãos, claro que entendia, ele havia sido encontrado desmaiado vestindo luvas cobertas de sangue e a arma do crime entre os dedos, com o corpo estirado ao seu lado. Era óbvio que ele era visivelmente culpado. No entanto, seus amigos de profissão sequer lhe deram a chance de se explicar. O cenário parecia perfeito demais, óbvio demais; e isso lhe dava, no mínimo, o benefício da dúvida. Qual era o sentido de assassinar alguém a sangue frio, sujar-se por inteiro, deixar as digitais e desmaiar por excesso de drogas que ele jamais havia usado? Estava nítido que se tratava de uma armação, mas ninguém lhe deu ouvidos.
Por isso, não era mais um homem correto e honesto. Durante as primeiras semanas dentro do presídio estadual, tentou ser, tentou manter sua integridade, sua índole. Contudo, foi impossível. Quando completou um mês naquele inferno e sua condenação foi dada logo em seguida, teve de sujar as mãos lá dentro. Por necessidade e proteção, precisou barganhar e pagar para manter-se vivo, precisou juntar-se aos bandidos que havia jogado ali dentro para, assim, talvez ter uma chance de continuar respirando durante o primeiro ano de prisão. A experiência mudou seus pensamentos, suas vontades, seus ideais. Lembrava-se todos os dias o motivo de estar ali, a pessoa que o instigara a chegar àquele ponto, o que havia acontecido, o que havia vivido. Lembrava-se, também, que ninguém se importou com o fato dele ter sido pego em meio a uma operação onde trabalhava disfarçado, sob o codinome Alvin. Ninguém se preocupou em procurar saber se seu disfarce havia sido comprometido ou o porquê de estar naquela situação. Foi assim que entendeu que a pessoa culpada por sua prisão tinha contatos acima dele. Foi assim que percebeu que seu Sargento talvez não fosse tão bom assim. Foi assim que percebeu que estava sendo enganado dentro de seu próprio distrito.
Foi assim que descobriu que não era só a traficante que ele queria pôr as mãos... Ela era também a filha rebelde e deslocada de seu Sargento — este que era o imperador do tráfico de drogas na cidade de Chicago e ninguém fazia questão de investigar.
Ao tomar ciência de tudo o que estava acontecendo, decidiu que iria se vingar daquela família imunda. E não importava o que ele precisaria abrir mão, o tempo que teria de esperar ou o quanto precisaria trabalhar até ter a chance que precisava — ele iria se vingar, iria matar um por um, iria fazer valer o sangue e as cicatrizes que carregava nas mãos.
estava na oficina há algumas horas. Não havia conversado com ninguém, nem mesmo com o dono do local. Não era necessário, afinal, bastava olhar para os companheiros de trabalho para saber que não era bem vindo. Além dele, mais dois homens trabalhavam ali — ambos eram ex-traficantes que tinham certo grau de parentesco com o dono. O dono, aliás, era um cara que tinha dado a sorte grande na loteria e não sabia fazer nada além de mexer com automóveis, então abriu a oficina sem pretensão alguma de sair do bairro — ao menos isso fez questão de prestar atenção enquanto, emburrado, o homem mais velho lhe contava sua história e explicava quais seriam suas funções a partir daquele dia.
Não teria muito o que fazer até conquistar a confiança dos outros homens, porém, ainda assim, mostrou seu valor quando teve de avaliar um dos carros que estava nos fundos da oficina. não era profissional, longe disso, seu conhecimento se resumia a estudos amadores ao lado de seu pai durante grande parte de sua adolescência, e isso se espalhou pelo seu antigo bairro, pela escola, pela faculdade… Quando se deu conta, estava consertando carros e motos de amigos e conseguindo arrecadar uma grana que o ajudava a se sustentar nos dias difíceis. Buscou se aprimorar com cursos pequenos e rápidos para que não fizesse besteiras nos automóveis alheios, mas não se considerava nada além de um mecânico amador — como os outros dois que estavam ao seu lado naquela oficina. Contudo, conseguiu observar bem o carro que fora posto em suas mãos. Era um problema simples no motor, ele percebeu logo de cara, e o ajustou como pôde. De início o carro não quis funcionar, mas bastou uma mexidinha interna e o ronco do motor fora tão alto que os demais acabaram assustados. sorriu satisfeito e recebeu um aceno fraco do dono em troca — ainda não confiavam um no outro, mas pelo menos o emprego estava 100% garantido.
Ao perceber que já estava na hora do almoço, seguiu até sua mochila e pegou a marmita preparada por Dalila com carinho e um desejo de boa sorte. não se incomodou em sentar-se em uma cadeira suja que encontrou entre os carros espalhados e abertos. Devagar, começou a comer e não se incomodou com os olhares atravessados dos outros dois homens que insistiam em tentar intimidá-lo — o que quase o fazia rir abertamente, mas se freava para mostrar-se o bom moço que deveria ser dali em diante se quisesse continuar trabalhando.
Já estava chegando ao fim da refeição quando notou uma movimentação diferente na oficina, entrando logo em alerta. Levantou-se devagar e passeou sorrateiramente entre os carros até chegar perto o suficiente para ver o que estava acontecendo — era seu primeiro dia, não queria se meter em confusão ou em assuntos que não era chamado, mas teve a impressão de ouvir uma voz que conhecia muito bem.
— Vocês precisam dar um jeito nesse carro ainda hoje — um homem negro e alto falou firme enquanto erguia levemente o casaco grosso que vestia, deixando à mostra uma pistola. — Entenderam?
Os dois companheiros de trabalho de apenas assentiram, como se já estivessem acostumados com aquela situação. E de fato, coisas como aquelas eram rotineiras naquele bairro, lembrava-se muito bem dos dias que fazia ronda por ali, antes de entrar para a equipe de inteligência. Além de ter trabalhado um longo ano infiltrado nas gangues locais, sabia muito bem como tudo funcionava. Por isso, decidiu que não queria ser visto.
— O pagamento irei trazer quando o serviço estiver feito — outro homem disse, e ele sim chamou a atenção de ; era a voz que conhecia. — Ouvi dizer que vocês precisaram contratar outro cara para a oficina. Isso é verdade? Quem é ele?
— É um amigo de um amigo do dono — Kyle, um dos funcionários, respondeu. — Não o conheço, nunca o vi, mas também não quero saber. Ninguém vem para essa oficina sem ter algum problema. E de problemas já bastam os meus.
— Sei… — o homem deu de ombros, mas ainda continuava a olhar a oficina de maneira desconfiada. Foi nesse momento que lembrou de onde o conhecia, e por que sua voz ainda lhe era tão viva e conhecida.
Aquele homem era ninguém mais, ninguém menos que Ralph Henderson, braço direito de . Um desgraçado sem escrúpulos e extremamente covarde. No momento em que o reconheceu, sentiu o coração acelerar e sua respiração falhar, tamanho era seu nervosismo e ódio. Por um segundo, enxergou vermelho e quis avançar sobre o homem, mas não podia se arriscar tanto. A melhor opção era continuar escondido entre as sombras, apenas observando o diálogo que acontecia à sua frente, porém, não aguentava mais se esconder, fingir que não existia, não mostrar-se como realmente era. Com isso em mente, deu um passo para o lado, depois outro, e outro, até estar sob a luz acesa no centro da oficina, de frente para a entrada.
Quando o olhar de Ralph encontrou o seu, ergueu o queixo, mostrando-se firme. Ralph, no entanto, deu um sorriso mínimo de canto, enquanto o encarava de cima a baixo com desdém, deliciando-se com a imagem fracassada que tinha do ex-policial.
— Alvin — Ralph murmurou debochado, fingindo-se de inocente; ele sabia qual era o seu verdadeiro nome. — Você é o novo funcionário. Interessante.
— Alvin? — Kyle murmurou confuso, alternando o olhar de um para o outro. O outro companheiro de trabalho, Rob, permanecia calado, apenas observando os carros; não queria problemas, sabia o que estava acontecendo ali, não era burro e lembrava da história que havia rolado há cinco anos. O rosto de ficou estampado nos jornais durante meses. Kyle era um idiota que não percebia o que estava acontecendo.
— Não sabia que tinha voltado das férias — Ralph comentou de maneira calma, dando passos leves para dentro da oficina. — Gostou da estadia? Foi uma viagem e tanto… Cinco anos. Quem diria, não é?
— A estadia foi incrível, Ralph — respondeu, tentando manter-se calmo. Porém, o maxilar travado e os dentes cerrados mostravam que calma era a última coisa que sentia no momento. — Foram cinco anos de paz e calmaria. Espero que um dia você possa visitar aquele mesmo hotel. Ele é mais para homens como você.
Ralph sorriu abertamente, mostrando os dentes amarelados por conta dos cigarros que fumava. Fitou por inteiro outra vez, como se quisesse gravar seus detalhes e ter certeza de que era ele ali, livre.
— Bom te ver, Alvin — murmurou, por fim. — Seja bem vindo de volta.
não respondeu, tampouco se moveu quando Ralph lhe deu as costas e foi embora com seu capanga. A única coisa que bombardeava sua mente naquele momento, era que estava exposto e ameaçado outra vez. Pior ainda, saberia de seu retorno em breve.
— Por que ele te chamou de Alvin? — Kyle perguntou, curioso e preocupado.
, no entanto, limitou-se a olhá-lo com desdém e manteve seu silêncio, indo em direção ao próximo carro que deveria ser consertado. Não devia satisfações a ninguém e agora, mais do que nunca, precisava pensar em como executar sua vingança o mais rápido possível — e, talvez, ele soubesse exatamente por onde começar.
Já passava das oito da noite quando finalmente baixou as portas de metal da oficina. Com educação, despediu-se do dono do local e dos companheiros de trabalho.
As ruas estavam desertas, como já era de se esperar, e a neve banhava o chão quase por completo, fazendo com que as botas de afundassem no gelo e deixassem suas passadas mais lentas. Ainda assim, o ex-policial foi capaz de sentir que era seguido. Não se desesperou, porém. Em algum momento aquilo aconteceria, ele sabia, só não esperava que fosse tão cedo — não estava nem uma semana em liberdade. Sendo assim, continuou andando pelas ruelas vazias do bairro como quem não queria nada. Devagar, mexeu nos bolsos do casaco que vestia e puxou um maço de cigarros que Ramon o havia dado “de presente”. Acendeu o cigarro com paciência e continuou caminhando até que chegasse em uma pracinha pequena e precária, mas que servia para as crianças brincarem durante os dias mais quentes.
Enquanto baforava o tabaco, sentou em um dos bancos sem se importar se estava levemente molhado devido à chuva de minutos mais cedo. Não sabia quem o estava seguindo, nem por que, mas estava ali — disponível, vulnerável e preparado para qualquer coisa, ao menos era o que pensava. Sentia a presença atrás de si, de pé no banco. Podia ouvir a respiração ruidosa também. Por fim, apenas esperou. Seria apunhalado pelas costas, típico e clichê.
— Não acreditei quando disseram que você estava de volta — uma voz suave demais ecoou pela praça vazia, fazendo com que um calafrio subisse por todo o corpo de , travando-o sobre o banco. — Perdeu a capacidade de falar, ?
— Pensei que demoraria mais para vir atrás de mim — respondeu um tanto quanto contrariado, tentando segurar a raiva que sentia. Devagar, virou-se para trás, dando de cara com em toda sua glória.
Ela continuava a mesma. O corpo esguio e alto escondido por roupas confortáveis e quentes, os cabelos curtos sob uma touca vermelha que a deixava com uma aparência inocente, o piercing no septo, os lábios pintados de vermelho… Tudo continuava igual, perfeitamente igual.
— Não consegui conter a ansiedade — respondeu, tentando segurar um sorriso, e acabou com a distância que mantinha, logo sentando-se ao lado de . — Fiquei surpresa ao descobrir que estava por este bairro. Digamos que ex-policiais não são bem vindos por aqui.
— Acredito que eu seja uma exceção — deu de ombros. — Os responsáveis pela região têm certo apreço por mim.
— Por você e pelo seu amigo, o latino — comentou como quem não queria nada; com a voz ainda estranhamente suave.
— Andou me investigando?
— Você sabe que faz parte. Não estava esperando sua volta.
— Você esperava a notícia da minha morte, .
— Eu jamais perdi a fé em você, . Sei que é um cara forte e inteligente, nunca iria deixar-se morrer em uma penitenciária estadual.
— Claro que não, eu precisava sair para matar você e seu pai.
riu, assentindo lentamente. não havia mudado em nada; ainda continuava o mesmo homem cheio de si; insuportável, ela diria, se não o achasse tão adorável. Ele jamais teria coragem de matá-la. Seu pai, porém, ela sabia que ele mataria se tivesse a chance — ela mesma o faria, se ele já não estivesse morto.
— Meu pai já morreu, . Bom saber que não foi encomendado por você.
a encarou um tanto quanto confuso. Não esperava por aquilo, havia tido notícias do sargento corrupto pouco antes de sua liberação. Aquilo não fazia o menor sentido — além de não ter seu objeto de vingança, também ficava sem uma prova em potencial de que era inocente e havia passado cinco anos recluso por algo que não fez.
— Aconteceu há poucos dias — explicou. — Uma emboscada, a equipe disse. Meu pai não cairia em uma emboscada, .
— Parece que caiu, sim — deu de ombros, sem sentir nada em relação à notícia. — Nós não somos espertos sempre, . Você sabe bem disso, já teve exemplos demais.
— Considera-se um deles, ?
— Sim — respondeu, simplesmente. — Permiti que você brincasse comigo, que me deixasse cego. Veja só como terminei.
— Não jogue a culpa em mim por ter se apaixonado, , eu não tenho nada a ver com isso. Você se iludiu sozinho.
— Você mentiu para mim.
— Você era um policial, eu precisei. Sabia que na primeira oportunidade acabaria presa, eu não podia permitir isso. Não me culpe pelos seus deslizes.
— Então não culpe ninguém pelos deslizes do seu pai. Ele era tão viciado em dinheiro que não deve ter percebido onde estava se metendo. Ou talvez tenha percebido, mas seu ego inflado não o permitiu enxergar que poderia terminar como terminou.
ficou em silêncio por alguns segundos, engolindo as lágrimas que sabia que queriam cair. Seu pai era um assunto delicado e sabia disso; ele estava tentando ser cruel como ela havia sido poucos segundos atrás. Entretanto, as palavras doíam de qualquer forma — ela ainda estava sentida e de luto. Embora sua relação com o sargento não fosse tão boa por discordarem o tempo todo, ele havia sido seu porto seguro, o motivo pelo qual dominava tantos bairros sem ser pega. Era estranho e ninguém entendia o porquê do sargento deixar sua única filha se envolver em assuntos como aqueles, corrupção alguma justificaria uma vida inteira enfurnada em gangues organizando assaltos e tráfico de drogas. Era tudo muito complicado.
— Você não tem o direito de falar do meu pai.
— Não venha me falar de direitos, . Apenas vá direto ao ponto: o que está fazendo aqui e por que me seguiu?
— Queria ter certeza de que era você. Não consegui acreditar quando Ralph disse que o viu na oficina. Eu te segui para te matar, — foi sincera, soltando um suspiro. — Mas, por algum motivo, hesitei.
— Talvez você tenha me amado tanto quanto te amei, — a encarou nos olhos. — Mas quero que saiba que, caso eu tenha uma chance, não irei hesitar em enfiar uma bala na sua testa. O que passei nos últimos cinco anos por conta de toda a armação que montou para mim, não tenho como descrever e tampouco esquecer. Eu vou me vingar. Não tive a oportunidade de matar seu pai como sonhei, mas sei que terei a de matar você. E, céus, eu não irei hesitar. Então, se quiser de fato me matar, o faça agora. Se me der uma chance de sair vivo dessa, acredite: você não terá a mesma sorte.
suspirou e abriu um sorriso zombeteiro — sempre foi de falar demais e fazer de menos. Não acreditava em uma só palavra que o ex-policial dizia; o olhar que ele a lançava deixava explícito que ele jamais conseguiria fazer o que estava dizendo que faria. Seus olhos o entregavam. Continuava o mesmo bobalhão apaixonado de antes — e ela também, porque, do contrário, teria enfiado uma bala em sua cabeça por trás quando teve a chance.
era diferente, sempre fora. Desde quando o viu pela primeira vez, constatou isto. Ele manteve o disfarce muito bem, por longos meses ela sequer desconfiou que se tratava de um policial infiltrado em sua quadrilha. era prestativo, fazia a parte de contabilidade da venda de drogas e dos assaltos, analisava plantas de bancos e lojas grandes, sabia onde passar para que não fossem pegos pelas câmeras de segurança espalhadas pela cidade, sabia os melhores lugares para desovarem corpos de traidores, conseguia despistar a polícia… Não tinha como acreditar 100% no começo, é claro, ninguém é tão perfeito assim em qualquer trabalho que seja, quem dirá no crime. No entanto, lhe deu uma chance e permitiu que entrasse em sua vida — e em sua casa. A proximidade foi inevitável, ela precisava fazer com que ele continuasse fiel à ela, e ele precisava descobrir e gravar coisas para sua equipe e prendê-la eventualmente. Acabaram juntos várias e várias vezes.
— Ainda me lembro do dia que descobri sua verdadeira identidade — sorriu. — Meu pai foi até o galpão, te viu perdido entre os outros caras e simplesmente abriu o jogo para mim. Sem confusões e enrolações. Você é ingênuo demais, . Ou ao menos era, naquela época — o fitou nos olhos outra vez. — Agora vejo que você só quer estar sempre um passo à frente das outras pessoas. Você não tem coragem de me matar, se não o teria feito quando te confrontei e pedi pela verdade. Você negou, disse que não era policial, que não conhecia meu pai. Eu achei engraçado, afinal, você estava ali a mando dele e suas investigações nunca pareciam andar. Seus arquivos sumiam, as pessoas não acreditavam em você… Você passou a ser visto como um traidor só porque decidiu trabalhar sozinho ao perceber que estava enfiado até o pescoço em uma podridão sem volta. Você já pensou que foi enviado para meu galpão para morrer? Na noite em que foi preso, era para você ter morrido, não aquele garoto.
engoliu a seco, porém não desviou o olhar. Lembrava-se claramente de tudo o que dizia; e ela tinha razão, sua morte fora agendada por seu próprio sargento, o pai de , que iniciou uma investigação sobre a maior quadrilha de Chicago, o colocou como responsável e o infiltrado da vez, sabendo que ele teria motivos especiais e pessoais para seguir firme em quaisquer pistas que encontrasse. Sua família foi assassinada, poucos anos antes daquele trabalho, sob comando daquela maldita gangue. Todos no distrito sabiam; então, suas investigações sempre foram mais profundas.
— Meu pai me contou tudo — explicou. — Ele abriu o jogo para mim. Você deveria morrer. Deveria me agradecer que só o fiz ser preso. Confesso, acabei me afeiçoando a você. Mudei os planos de última hora, fiz um rapaz aparecer no galpão. Lugar errado na hora errada. Apenas isso. Fiz parecer que você precisou pensar rápido e havia se rendido à gangue, juntado-se a nós. Meu pai acreditou. Todo mundo acreditou.
— Você me acusou injustamente. Eu passei cinco anos preso por um crime que não cometi, quando os bandidos na verdade eram você e seu pai.
— Eu salvei a sua vida.
— Você sabia que eu poderia morrer na cadeia!
— Mas não morreu!
— Não vou lhe agradecer por isso, — disse firme. — Também não abrirei mão da minha vingança. Vocês me tiraram tudo o que eu tinha. Então, por favor, se você ainda deseja me matar para acabar com todos os seus problemas, o faça agora. É sua última chance. Se eu ficar vivo, esteja ciente que irei atrás de você.
— Não vou matar você, — engoliu a seco e ergueu o queixo, mostrando-se superior. — Só queria ter certeza que está bem, vejo que sim. Tenho muito trabalho para fazer nas próximas semanas, espero que não entre em meu caminho. Eu posso hesitar em te matar, meus homens não irão.
Dito isso, se levantou e saiu a passos rápidos, andando com maestria sobre a neve fofa. continuou ali, encarando o chão onde seu cigarro jazia congelado — sequer o havia notado cair.
Sua cabeça girava como nunca; as informações que havia lhe dado sem mais nem menos ainda rondavam seus pensamentos. A confirmação de que seu sargento havia encomendado sua morte e o colocado dentro daquela gangue de propósito era tudo o que precisava — era uma pena que ele já estivesse morto. Contudo, o que mais lhe doía — e estranhamente confortava — era o fato de ter olhado em seus olhos e confessado que havia armado para que fosse preso. Ela havia matado um rapaz aparentemente inocente e organizado todo um circo para que parecesse sua culpa apenas para que ele não morresse. Não fazia sentido algum e ele precisava saber mais. Porém, não naquela noite. Precisava respirar, organizar as ideias e, principalmente, acostumar-se novamente com a liberdade. Viver confinado era terrível, ainda mais correndo risco de vida todos os dias. Entretanto, ser jogado de volta à sociedade daquela forma beirava à covardia. Não sabia mais o que fazer, o quê, com quem e como falar, não sabia mais se portar perante às pessoas. Era apenas um homem perdido e jogado aos leões — ele torcia para não ser devorado.
Algumas semanas se passaram e não foi incomodado novamente — ao menos, não por e companhia, já que havia sofrido algumas ameaças rasas de outros bandidos da cidade que descobriram sua identidade (não tinha como se esconder para sempre, afinal).
Porém, um boato circulava pelo bairro e deixava-o levemente preocupado. Com o passar dos dias, realmente estava disposto a tentar se reintegrar na sociedade e permitiu-se “fazer amizade” com alguns clientes da oficina. Buscou um pouco de informação de cada um, além de já conseguir conversar melhor com Kyle e Rob durante o trabalho, e descobriu que havia um assalto grande prestes a acontecer. O alvo seria um dos bancos mais importantes de Chicago, e embora soubesse que talvez fosse quase impossível assaltar um banco de grande porte — principalmente com o assunto vazado —, desconfiava de quem teria coragem de ao menos tentar tornar a ação possível. Queria negar, mas estava mais preocupado do que curioso com o método que seria utilizado para o assalto ser realizado. Ainda assim, aquela era sua chance de, agora, reintegrar-se à polícia mesmo que isso o fizesse um mero informante — era o máximo que conseguiria, porém, o único jeito de iniciar a execução de seu plano de vingança.
Naquela tarde, pediu para ser liberado mais cedo, dizendo que precisava ir ao dentista por conta de uma dor de última hora. Como vinha se comportando e sendo elogiado pelos clientes, seu chefe não contestou e apenas o liberou, com a condição que chegasse mais cedo no dia seguinte para abrir a oficina em seu lugar. Ele aceitou com um sorriso agradecido e saiu do local às pressas. Era o momento de procurar por Katherine Linger, sua ex-parceira e a única que acreditou em sua versão em uma das visitas que realizara. Não eram bem amigos, como ele era amigo de Ramon e sua irmã, mas, ainda assim, Katherine era uma mulher confiável e valia a pena tornar-se seu informante ou dar uma dica a respeito do que estava acontecendo. Atualmente, ela era uma das policiais mais importantes da equipe de inteligência do distrito que ele havia trabalhado — fez questão de pesquisar antes de começar a agir de fato.
encontrava-se do lado de fora do prédio rústico onde servia de sede para seu antigo distrito. Estava quase na hora de Katherine sair para sua pausa diária para tomar um café, mesmo depois de cinco anos sua rotina continuava a mesma, ao menos naquele horário da tarde. Não era legal saber da rotina de seus ex-colegas de trabalho, tinha consciência disso, mas era por um bem maior — e não custava nada para Ramon confirmar, para ele, se tudo continuava igual por ali.
Não demorou muito para que Katherine saísse do prédio, e não fez questão de se esconder — era um homem livre, afinal, e estava aprendendo a não se esconder das pessoas, principalmente as que ele conhecia e as que sabiam sua história.
Katherine era uma mulher que andava sempre prestando atenção nas coisas ao redor. Isso se tornou um hábito após um atentado que sofrera há alguns anos, logo no início de sua carreira. Ela era um pouco mais velha que e era policial desde o início dos vinte anos, quando decidiu que queria proteger a cidade e não importava se teria de lidar com uma sociedade machista e que a subestimava não só por sua idade. Katherine era uma mulher incrível, inteligente e com uma intuição de dar inveja — raramente errava um palpite, e no fundo sabia que era mesmo inocente.
não teve dificuldade em atrair o olhar da ex-parceira para si. Katherine o enxergara de longe e chegara a pensar que era uma alucinação — sabia que havia saído da prisão, todos sabiam, mas não esperava que ele apareceria ali tão repentinamente.
— ? — ela perguntou em um tom suave e amigável assim que se aproximou.
— Ei, Katherine — respondeu de volta, enfiando as mãos nos bolsos da calça. — Como vai?
— Meu deus, é mesmo você! — ela riu e abraçou o amigo com força. — Estou bem, e você?
— Tudo bem — sorriu. — Podemos conversar um pouco? Prometo não tomar muito seu tempo, sei que precisa voltar logo ao trabalho.
— Claro, estou a caminho daquele café da esquina. Podemos conversar lá.
— Perfeito.
— Estava com saudades de você, me conte como anda sua vida!
riu da empolgação da ex-parceira e pôs-se a narrar um pouco de sua vida, explicando como e quando havia saído da prisão e como tudo havia mudado desde então. Katherine o ouviu com atenção e não escondeu a felicidade ao escutar sobre o novo trabalho de , assim como se sentiu aliviada por alguém como Ramon estar ao lado do ex-parceiro. Ela queria poder ajudar mais, com algo além de uma simples visita, mas sabia que poderia prejudicá-la no trabalho se ouvissem sobre aquilo — e saber que a entendia e não a condenava em relação a isso, a deixava aliviada.
Adentraram o café dando risada sobre uma aventura que Katherine narrou naquele meio tempo e fizeram seus pedidos, indo em direção à uma mesa afastada em seguida. Conversaram mais um pouco até os cafés chegarem, e mostrou-se repentinamente sério.
— Certo, vamos lá. O que tem para mim, ? — Katherine perguntou, por fim.
— Ouvi uns boatos e achei que era melhor contar para você — explicou. — Um assalto dos grandes, em um banco importante daqui.
— Hum — Katherine murmurou. — Sabe que isso é quase impossível, certo? Nossos bancos são muito bem protegidos por causa do banco da Reserva Federal.
— Eu concordo com você — bebericou seu café. — Mas, bem… Pense um pouco. Você sabe que existem pessoas com coragem o suficiente para tentar um assalto dos grandes por aqui. Talvez o próprio Reserva possa ser o alvo.
Katherine riu em escárnio, mas alto dentro de si piscava indicando que aquilo tinha um fundo de verdade e poderia ser possível a tentativa.
— Mas não daria certo, de toda forma.
— Talvez não seja para dar certo, de fato, já que o boato se espalhou pelo subúrbio — deu de ombros. — Mas você sabe com quem está lidando, Katherine. Não preciso te ensinar o seu trabalho, tampouco te dar informações sobre aquilo que você já sabe.
— Está me dizendo que a gangue que armou para você está de volta?
— Eles nunca estiveram fora, Katherine.
— E por que está me dizendo isso?
— Eu, mais do que ninguém nessa cidade, tenho motivos para querer que essa gangue acabe.
— E você estaria disposto a me ajudar nisso, se tornando meu informante? Não quero que você volte para este jogo desprotegido.
— Se me aceitarem como informante… Sim, estou disposto. Posso até mesmo tentar me reconectar a eles. Não seria difícil, já que , a chefe de tudo, já veio ao meu encontro há algumas semanas.
Katherine o encarou com seriedade. Sabia que havia muito mais por trás de tudo aquilo que realmente estava falando, porém, teria de se contentar com o que tinha naquele momento. não era um homem de criar histórias sem fundamentos e jamais a colocaria em furada — ao menos, era o que gostaria que acontecesse.
— Olhe, … — Katherine começou. — Eu acredito em tudo o que me diz, sempre acreditei, você sabe. Mas isso é muito sério. Eu não tenho como começar uma investigação nem nada do tipo, mas vou procurar saber melhor sobre esses boatos, tenho outros informantes nos arredores. Não estou duvidando de você, mas uma segunda opinião neste momento é importante. Pensei que não estava mais na cidade, principalmente depois da morte do sargento.
— Você sabe que ela gosta de viver em risco, acha que é imortal e inalcançável — rebateu. — A morte do pai não faria com que se afastasse.
— Ainda é difícil acreditar que ela é filha do sargento — Katherine lamentou. — Na verdade, ainda é difícil de acreditar em tudo o que me contou. Não porque as informações vieram de você , mas porque realmente é surreal imaginar que nosso sargento foi corrupto durante todos esses anos e ainda levou a filha pelo mesmo caminho. Além de tudo, ainda me revolto em saber que ele morreu com a imagem de herói na cidade. Ninguém acreditou em mim quando eu trouxe a discussão a respeito da corrupção dele.
— Isso já era esperado, Katherine — suspirou. — Quem vai acreditar que um sargento com aquele currículo e tantas missões bem sucedidas era, na verdade, um traficante e abusador? Não passa pela nossa cabeça.
— Realmente… — Katherine suspirou. — Enfim, eu preciso voltar. Muito obrigada por ainda confiar em mim, . Eu vou ver o que posso fazer a respeito disso, podemos tentar colocar atrás das grades.
— Você conseguirá prendê-la se me deixar ajudar — sugeriu, olhando a ex-parceira nos olhos. — Eu prometo que não vou fazer nada contra a lei, e ainda consigo me aproximar dela novamente.
— Não vai precisar fazer tanto, vou dar um jeito.
— Eu quero — foi firme. — Quero fazê-la passar por tudo que passei, eu mereço isso, Katherine, mereço vingança.
— Vou pensar sobre isso. Por ora, quero que você faça toda a burocracia para se tornar meu informante oficialmente. Preciso e quero protegê-lo, .
— Eu vou ficar bem.
— Eu sei, só quero cuidar disso pessoalmente.
— Tudo bem.
— Passe no distrito amanhã à tarde, vamos fazer isso do jeito certo.
— Como quiser, Katherine.
saiu daquela cafeteria com um sentimento de recomeço e esperança. Poderia não ser mais um policial, mas ainda podia fingir ser um — e sentir-se como um. Com a ajuda de Katherine, mesmo que isso colocasse sua vida em risco — as pessoas no subúrbio não gostavam de informantes, eram conhecidos como “x9” nas comunidades e acabavam mortos quando eram descobertos —, ainda tinha uma chance de se vingar de e sua trupe; tinha uma chance de voltar a viver normalmente, de sentir-se bem consigo mesmo e, principalmente, tinha uma chance de aceitar tudo o que havia feito consigo e esquecê-la de uma vez por todas — ela não merecia ainda fazer parte de seus pensamentos e coração; não merecia todo o amor que ele lhe dera e ainda era capaz de dar se existisse a possibilidade de mudança.
acordou ansioso no dia seguinte. Como prometido, abriu a oficina e iniciou seus trabalhos, visando adiantar e/ou finalizar o máximo possível para ficar livre na hora do almoço para encontrar-se com Katherine novamente. Era sua única chance de pôr as mãos em e em seu bando, aquilo precisava dar certo.
Com isso em mente, distraiu-se consertando motores que sequer percebeu uma aproximação repentina. Contudo, o barulho de metal indo de encontro ao chão o despertou, fazendo-o erguer o rosto no susto.
— Kyle? — perguntou num tom de voz alto, sabendo que Rob não estaria ali naquele dia antes das três da tarde. — Qual foi, cara, não me assuste desse jeito — falou novamente, segurando uma chave de fenda com mais força e saindo da frente do carro com cautela, correndo os olhos por todo o espaço.
— Não é o Kyle — a voz feminina soou atrás de si, fazendo-o engolir a seco. — Não quis te assustar. Parece que nossos encontros estão sendo marcados de sustos.
— Nossos encontros, ? — virou-se para ela, por fim. — Suas perseguições que quis dizer, suponho.
soltou uma risada fraca e se aproximou mais. Suas roupas não eram tão diferentes da noite anterior — casaco grande, calças quentes, botas; o que a diferenciava, no entanto, era a falta da touca em sua cabeça, deixando os cabelos curtos à mostra.
— Precisamos conversar, . Mas, desta vez, com calma.
— Não tenho nada para falar com você. Aliás, não sabia que podia andar livremente pelas ruas assim. Normalmente chefes de gangues não se permitem serem vistos.
— Você sabe que ninguém irá me prender. A única pessoa que era capaz disso trabalha em uma oficina hoje em dia, e não possui mais um distintivo.
— O que quer? Estou em horário de trabalho, não posso ficar recebendo visitas.
— Quero conversar. Cinco minutos.
— O tempo está passando, . Se eu fosse você, me apressaria.
— Tenho certeza que andou ouvindo por aí sobre um assalto a banco — assumiu uma postura séria, cruzando os braços sobre o peito. — Não somos nós, então espero que você não tenha colocado ninguém na nossa cola.
— Não ouvi nada, também não sou dedo-duro — rebateu, dando as costas para a mulher e voltando a mexer no carro. — Se era só isso, não precisa gastar os cinco minutos inteiros.
— . Por favor — revirou os olhos. — Você não me engana, sei que ouviu sobre isso e já deve ter pensado em contar para alguém. Estou apenas informando porque sinto que ainda podemos trabalhar juntos no futuro; eu não me arriscaria desse jeito apenas para olhar o seu rostinho bonito.
— Eu não sei de nada — se virou novamente, encarando-a nos olhos e mais próximo do que antes. — Não era você que podia andar livremente por aí? — sorriu malicioso. — Não me ameace, tampouco ache que podemos trabalhar juntos outra vez. Não sou bandido, , não sou como você e seu pai.
suspirou e revirou os olhos. Sabia que seria difícil conversar com , ainda mais sugerindo que ele voltasse a encontrar-se com ela para trabalhos esporádicos. Ela não sabia dizer se ainda conhecia tão bem quanto antes, mas sabia que ainda conseguia mexer com sua sanidade como se não tivesse passado sequer um dia. As pupilas dilatadas, a respiração desregulada, a tremedeira nos dedos; todas as reações que tinha desde sempre diante de sua presença continuavam ali, claras, óbvias. Poderia não ser por completo, mas ainda o tinha nas mãos e usaria isso com todas as suas forças, até que morresse. Não somente por gostar de brincar com e tudo o que ambos sentiam; mas justamente por ainda nutrir sentimentos reais por ele e saber que ele ainda estava vivo — o alívio que sentia era quase palpável, mas ainda não era hora de falar isso abertamente e em voz alta; não merecia saber que ainda era amado e fora protegido por ela durante parte do tempo que passara preso, até que ela perdesse o contato que tinha na penitenciária.
Na cabeça de , porém, as coisas funcionavam um pouco diferente. Ele sabia que o observava, sabia que ainda achava ter o controle sobre ele — e mesmo que essa parte fosse verdade, ele sentia que estava por cima dessa vez. No entanto, estava focado, e ninguém, absolutamente ninguém, contava com este fato. Ele estava focado em seguir com seu plano, em conseguir entrar na cabeça de e ter a ajuda de Katherine para pegá-la de uma vez por todas. percebeu que seria importante fazer o jogo duro até ter a resposta de Katherine se ele poderia ou não tentar contato com , vê-la ali, procurando-o e insinuando que poderiam fazer algo juntos, foi como um presente — sua mente funcionou automaticamente; bastava manter o discurso da noite anterior e procurá-la dali a algumas semanas como um cãozinho arrependido, implorando para voltar para aquela vida ilegal.
estava no controle agora — ou queria pensar que estava.
— Tudo bem — murmurou. — Eu só quis me certificar, pessoalmente, de que você não fez ou fará nenhuma besteira.
— Está usando seu tom de ameaça comigo? — riu, lembrando-se das vezes que a mulher usava aquele tom a fim de assustar as pessoas.
— Não. Sequer tenho um ‘tom de ameaça’ — irritou-se. — Não se meta no meu caminho, , a não ser que seja para me ajudar de alguma forma.
— Está tão sem homens assim, ? — perguntou. — Ninguém consegue fazer seus servicinhos de maneira eficiente? Está insistindo muito em mim.
— Na verdade, , eu sei que, no fundo, você está louco para voltar para o bando. Desta vez como o bandido que você realmente é, sem precisar se fingir de bonzinho que quer vingança em nome da família — deu mais um passo, ficando cara a cara com o ex-policial. — Você não me engana. Não engana a ninguém. Seu discurso de vingança não cola mais. Eu aposto minha liderança que você estará batendo em minha porta nas próximas semanas em busca de algo que te dê dinheiro de verdade. Além da adrenalina que nunca abriu mão.
— Se eu fosse você, não contaria com isso — rebateu controlado, tentando não olhar para a boca chamativa que possuía.
Ela sorriu ao perceber que era observada e desejada tão de perto. Deu mais um passo.
— Eu tenho certeza que você voltará correndo para mim, . Em todos os sentidos possíveis. Eu não sou a única a sentir falta.
— Não sei do que você está falando.
— Não, mesmo? Tudo bem, vou permitir que continue se enganando dessa maneira. A oferta continuará de pé: não coloque ninguém em meu encalço, que sempre terei um espaço para você… Não somente dentro da gangue.
Tão rápido quanto se aproximou, se afastou e deu as costas sem lançar sequer um olhar para trás. Parado, vendo-a se afastar, permaneceu calado e inebriado com o cheiro forte e gostoso que deixou ao seu redor, lembrando-o que não importava quanto tempo passasse ou o quanto tentasse odiá-la, nunca seria o suficiente para esquecê-la e deixar de sentir o coração acelerado por sua causa. ainda era a mulher de sua vida, por mais que tentasse negar — mas, ainda assim, a queria atrás das grades; quiçá morta, com os sentimentos ele lidaria depois.
Algum tempo depois, estava sentado frente a frente com Katherine e o novo sargento do distrito — ela alegara que ele era de extrema confiança, já que fazia parte da equipe há um certo tempo e crescera ali dentro, até ser nomeado como sargento e assumir o posto do pai de .
— Ela está no meu pé — comentou, referindo-se a . — Consigo entrar facilmente na gangue outra vez.
— Você agora é apenas um informante, , não é seguro te infiltrar lá — Katherine respondeu tentando manter a paciência com o amigo teimoso. — Não é assim que funciona…
— Sou um informante muito habilidoso e totalmente capaz de me proteger estando lá dentro — rebateu. — Caso algo dê errado, vocês não precisam se preocupar e podem me deixar para trás.
— Nós não negociamos vidas, tampouco com um civil — Andy, o novo sargento, comentou. — Não é assim que funciona, . Não estamos mais sob o comando do sargento que fazia o que tinha vontade por debaixo dos panos.
— Como esperam que eu dê informações, então, se não querem me arriscar? — encarou o outro homem no fundo dos olhos. — Você sabe que vai precisar arriscar e sacrificar alguém.
— Tenho muitos homens para isso, , não precisa ser você.
— Nenhum desses homens conhece como eu — afirmou com convicção. — Ela espera que eu apareça lá pedindo apoio e uma segunda chance. Qualquer outra pessoa que surja em meu lugar, ela não hesitará em matar e depois vir atrás de mim.
— Como tem tanta certeza de que ela irá aceitá-lo de volta? — Katherine perguntou aflita. — Só porque ela foi ao seu local de trabalho hoje e disse isso? Quem garante que ela não estava te testando?
— Eu precisei fazer muitas coisas enquanto infiltrado lá — suspirou. — E quando decido me dedicar a algo, mesmo que errado, sou o melhor no que faço. Lá dentro não foi diferente; e de brinde, conquistei o coração de gelo de .
— Ainda assim ela te enfiou em uma penitenciária estadual — Andy rebateu, fazendo rir.
— É, ainda assim fui preso por causa dela — deu de ombros. — Mas acredite, Andy: nenhum de seus homens sobreviveria ao cotidiano daquela gangue. Às vezes chego a pensar que vocês esquecem a gravidade do problema que estamos lidando… Estamos falando de , filha de Jacob . Ambos os maiores traficantes que Illinois inteiro já viu. Eles comandaram Chicago por anos. Acha realmente que alguém além de mim, que sofreu diretamente e ainda mantém contato com ela, será capaz de combatê-la e convencê-la de tomar certas decisões? Acha que seus homens serão capazes de persuadi-la como eu fui durante anos?
— Você se apaixonou por ela, — foi a vez de Katherine rebater. — Seus resultados perdem toda a credibilidade por conta disso. Ela também o enganou.
— Qualquer pessoa no meu lugar teria se apaixonado, Katherine — suspirou. — E ela se apaixonou, também. Por isso, enganou o próprio pai e fez com que eu fosse preso ao invés de morto. Não a defendo, não concordo com essa atitude porque sei que eu poderia me livrar de qualquer que fosse o problema, este não é o ponto. Mas… Eu consegui chegar em um lugar que ninguém jamais chegou. Só eu sei o caminho até os pontos fracos de . Por favor, me deixem participar disso. Eu só quero ter um pouco de paz sabendo que fiz alguma coisa certa; não se trata apenas de vingança.
Katherine e Andy trocaram um olhar, suspirando em seguida. continuou irredutível, sustentando o olhar sobre as duas figuras maiorais daquela situação. A ansiedade palpitava no peito, deixando-o tonto tamanha a tensão que carregava.
— Tudo bem — Andy murmurou, e quase sorriu. — Mas com uma condição.
— Qualquer coisa.
— Você não deve se apaixonar novamente.
As semanas seguintes foram tensas para . Seus planos estavam sendo arruinados por seus próprios aliados, e isso a irritava profundamente. Além de não conseguir esquecer-se de nem por um segundo, precisava lidar com um punhado de homens que achavam que eram melhores e mais inteligentes do que ela, quando, na verdade, isso era impossível. Fora criada para tomar aquele reinado para si, comandar Chicago e fazer da cidade um caos controlado. Afinal, era . Por que as pessoas insistiam em fingir que não a conheciam e não sabiam do que ela era capaz?
Os gritos sôfregos ecoaram pelo galpão mais uma vez, tirando-a de seus devaneios. À sua frente, um rapaz de vinte e poucos anos recebia socos e chutes de Ralph, seu homem de segurança e confiança desde o início de toda aquela loucura — era quase seu irmão mais velho. desviou o olhar do rosto ensanguentado, não gostando de vê-lo daquela forma — além de sempre odiar ver Ralph maltratando pessoas; ele era frio e parecia não sentir nada ao executar suas funções, como se tivesse nascido pura e simplesmente para ser mau.
No entanto, não era como se também não fosse má — ela era, até demais. O problema era que às vezes ela não queria assistir aquilo, nem fazer. Até que fosse extremamente necessário, não gostava de sujar as mãos. Já o havia feito mais do que gostaria, sempre tentou evitar matar e torturar; não era muito fã da violência que aquele “cargo” pedia, e por isso duvidavam tanto de sua capacidade. Porém, era apenas seu jeito. Sabia ser cruel quando queria, e o era naturalmente quando se tratava de fazer jogos emocionais e psicológicos — por isso, todos os participantes daquela gangue restrita estavam em suas mãos, ela guardava podres de todas aquelas pessoas e usava sempre que necessário; quando alguém a ameaçava, quando tentavam sair do bando sem nenhum motivo plausível, quando envolviam a polícia… Enfim, sabia como ser má, até mais do que Ralph e toda sua força bruta.
Naquela situação, porém, não era o caso. Não queria ser má e já estava enjoada de tanto sangue que via espalhado pelo local. Tudo o que queria era que o garoto lhe desse informações válidas e parasse de tentar enganá-la. Ele ficara encarregado de vigiar e todos os seus passos, mas parecia que ele havia trocado de time e, de um dia para o outro, magicamente, não sabia de mais nada da vida do ex-policial — não sabia se ele saía para o trabalho, quais seus horários, se ele estava procurando a polícia, se estava armando contra eles; informações válidas e que só importavam para , é claro, mas que ele tinha levado durante todos aqueles dias que correram.
— Chega, Ralph — pediu e o homem a obedeceu de imediato; já havia se cansado de retrucar a mulher. — Vá cuidar do nosso carregamento, eu fico com o nosso amiguinho aqui.
— Como quiser — Ralph deu de ombros e limpou o sangue das mãos na calça jeans que vestia, logo saindo do galpão para fazer o que lhe fora ordenado.
se aproximou do garoto e agachou à sua frente.
— Eu não gosto de ser enganada, John — murmurou. — Você se vendeu para eles, que eu sei. Não sou burra, sou filha de policial. Sabe disso. Por que preferiu me trair?
— E-eu…
— Shh, não precisa se explicar, eu não quero mais ouvir você — levantou-se. — Na verdade, eu deveria te matar agora, mas sinto que não há necessidade. Minha intuição diz que o que eu quero logo virá até aqui. Você também sabe disso, aposto que ajudou a montar tudo isso. Mas quero que saiba que: eu não sou burra, vocês são. Me trair nunca é a melhor opção, John. Vou deixá-lo viver desta vez, mas não vai voltar a ter a vida que tinha antes.
— O que… O-o-... O que vai fazer? — John murmurou trêmulo; sentia frio, medo e dor. Sabia do que todos ali eram capazes.
— Você logo vai saber, benzinho. Por ora, apenas volte para seus novos amiguinhos e diga-os que eles são espertos, mas não mais do que eu. Levante-se e vá embora.
— E-e-eu… Não… Co-onsigo.
— Claro que consegue. Você conseguiu me trair, então há de conseguir andar. Não o quero mais aqui. Tem cinco minutos para sumir das minhas vistas, John. Nosso próximo encontro será em breve, tenho certeza, e você estará dentro de um caixão.
O garoto arregalou os olhos inchados e roxos, sentindo o coração acelerar. Sabia que a mulher não estava brincando, sabia que morreria assim que pusesse os pés para fora; era traiçoeira, como uma cobra. Sendo assim, forçou-se a levantar e ir embora, mancando, caindo de tempos em tempos, mas saiu do galpão.
apenas o observou com um sorriso de escárnio na boca; era engraçado perceber a dimensão de seu poder e suas palavras, a forma que brincava com as pessoas, como era incrível manipulando quem quer que fosse.
— Não acho que vale a pena fazer tudo isso por aquele crápula — Ralph surgiu atrás de , comentando sobre . — Ele já nos traiu uma vez, . Por que o quer aqui?
— Você sabe que não tem que achar nada, Ralph — virou-se para o amigo. — Eu devo isto ao , tudo bem?
— E você sabe que ele vai nos trair de novo.
— Ele não vai nos trair, nunca o fez.
— Como não? Ele…
— Era um policial infiltrado, sim, e meu pai quem o colocou aqui. Por acaso estamos ou fomos presos nos últimos cinco anos?
— Não. Mas…
— Shhh, ‘mas’ nada — sorriu. — Sei o que estou fazendo. Precisamos de aqui.
— Não precisamos, você precisa — Ralph a fitou nos olhos. — Você precisa porque acredita em um amor fajuto que ele te prometeu cinco anos atrás antes de ser preso por sua causa. Deveria ter nos deixado matá-lo quando tivemos a chance.
— Não acredito em amor algum, Ralph. Se meu próprio pai não foi capaz de me amar verdadeiramente, por que seria? Apenas sinto que precisamos dele porque ele é um homem excepcional e sabe montar assaltos como ninguém. Se eu fosse você, pararia de falar para não acabar debaixo da terra.
— Sabe montar assaltos e entregá-los em seguida, para ficar bem na fita dos ‘tiras’ — Ralph se aproximou de . — Está me ameaçando? Seria capaz de me matar por causa daquele policial de merda? Eu que estive aqui todos esses anos, , e nunca te pedi nada em troca.
— Não estou te ameaçando, não sou mulher de ameaçar e sabe bem disso — o fitou intensamente. — Você nunca me pediu nada em troca por que não tem o que usar contra mim, acha que não sei que subiu entre nós porque tinha coisas comprometedoras sobre meu pai? Não se faça de bom moço, Ralph. E lide com o fato de que, se nos procurar, eu o aceitarei de volta. Se não estiver satisfeito, você sabe o caminho até a porta.
Dito isso, se retirou do galpão a passos graciosos, como se não tivesse acabado de ir contra tudo o que seus companheiros pensavam. Ela sabia que era questão de tempo e bastava um estalar de dedo de algum deles para ser “interditada” e afastada definitivamente da gangue, mesmo sendo quem era. Ainda era uma única pessoa, uma mulher, que eles muitas vezes viam como inferior. Contudo, confiava em si mesma e sabia que estava certa. O futuro de era acabar como ela, apesar de toda a história conturbada que compartilhavam. Ela ainda precisava explicar muitas coisas para o ex-policial antes de aceitá-lo longe outra vez — fora difícil e doloroso demais ficar longe de nos últimos cinco anos, mesmo sabendo que isso, de fato, era sua culpa.
Não tinha por que negar, ainda era apaixonada por ; o amava, e sabia que era correspondida intensamente, apesar de toda a raiva e mágoa que partilhavam. Era um relacionamento conturbado — não a ponto de ser abusivo, porque, apesar das “profissões” e a forma que se apaixonaram, sempre foram muito sinceros um com o outro. , apesar de tudo, não era de brincar com sentimentos. Sabia que não deveria nutri-los, mas não brincava com eles. Sempre foi sincera e clara com , assim como ele era. Porém, isso não era motivo para deixar a situação menos bagunçada e conturbada. Descobrir que estava dormindo com um policial enquanto era uma foragida da polícia foi um baque e tanto; ainda assim, não quis abrir mão e fez de tudo para protegê-lo — e ainda o fazia, quando mandava vigiá-lo não era por mal ou apenas para saber se ele ainda estava focado naquela falsa vingança mas, sim, para protegê-lo também; parecia não saber, mas corria tantos riscos que sequer conseguiu contar.
O resto do dia passou rápido e comum para . Contabilizou dinheiro, carregamento de drogas, mandou tirar algumas pessoas de seu caminho e se estressou um pouco mais com Ralph e suas ideias estúpidas. Quando a noite caiu junto à neve, saiu do galpão enrolada em casacos grossos e grandes, além de sua fiel touca escondendo os cabelos. Não vivia muito longe dali, em uma pequena vila escondida onde as poucas casas lhe pertenciam. Não fazia questão de viver numa mansão como a maioria dos chefes, contentava-se com uma vila relativamente comum e protegida que ninguém desconfiava que era a moradia da traficante mais procurada do estado de Illinois.
estava prestes a trancar o portão de entrada quando avistou uma silhueta conhecida do outro lado da rua. A satisfação foi quase instantânea. O momento que mais aguardara nos últimos anos estava prestes a acontecer, ela sentia. Firme, continuou fitando o homem do outro lado, até que ele tivesse coragem de atravessar a rua.
parou em sua frente com um semblante cansado e com um falso arrependimento nos olhos profundos. Suas pupilas estavam dilatadas e o peito subia e descia devagar, num ritmo tranquilo demais para quem estava ali em uma clara humilhação forçada. não era burra, mas queria saber o que tinha para ela antes de qualquer coisa.
— — murmurou o nome devagar, soprando-o por entre os lábios de maneira provocante, achando graça por vê-lo ali tão acuado.
— . Podemos conversar? — foi direto, um tanto seco até. Ainda assim, era possível notar suas feições bonitas tremularem em nervosismo.
— Claro. Gostaria de entrar? — foi solícita. — Reformei meu quarto no ano passado, talvez você queria vê-lo.
engoliu a seco, tentando manter o foco. Sabia que quando decidisse ir atrás de , ela faria de tudo para desestabilizá-lo — como sempre acontecia. As provocações se misturavam às lembranças e lhe davam arrepios, fazendo-o desejar mais daquilo mesmo sabendo que não podia. Havia prometido para Andy e Katherine que não se deixaria levar novamente, que conseguiria lidar com a situação sem envolver seus sentimentos naquele jogo perigoso. Entretanto, sabia que estava mentindo para os dois policiais e para si mesmo — e talvez eles soubessem disso também. ainda o afetava como se estivesse no início daquela missão sem pé nem cabeça; ainda o deixava tonto com uma fala e outra; ainda o deixava fora de órbita com seu sorriso bonito; ainda era a mulher que mexia consigo e revirava suas entranhas; ainda era a mulher por quem era apaixonado; e bastava fitar meus olhos para que os sentimentos se misturassem e deixassem-no completamente perdido e sem se lembrar o que deveria fazer. Contudo, tinha certeza que deixava a mulher da mesma forma, seu corpo a denunciava — as mãos trêmulas, o olhar pedinte e vacilante, a respiração ofegante por conta de uma mísera conversa ou um olhar, as piscadelas mais demoradas e frequentes; era tão óbvia quanto ele.
— Eu adoraria conhecer seu novo quarto — disse, por fim, atravessando o portão e permitindo que finalmente o trancasse. — Mas, antes, quero saber se aquela proposta ainda está de pé.
— Eu disse que sempre estaria, — sorriu enquanto caminhava em direção a última casa da vila, logo destrancando-a e dando passagem para entrar. — Não sou do tipo de mulher que volta atrás em suas decisões, você me conhece. Mas gostaria de saber o que o fez mudar de ideia.
não respondeu de imediato. Tirou seus casacos e a bota suja de neve, deixando tudo no canto da sala espaçosa. Pensou e repensou as palavras que poderia dizer, as frases prontas que treinara com Katherine, porém, não conseguiu proferir uma só delas. Não parecia certo. Sentia uma necessidade absurda de ser sincero e mostrar-se realmente a fim de estar ali, com ela, na gangue — e isso o fez questionar se, de fato, não o queria.
— Você estava certa — a encarou. — Preciso de mais grana, sou bom quando trabalho com você. Não há nenhum motivo novo.
— É claro… — sorriu e retirou as roupas pesadas e os sapatos também. — Essa volta repentina não tem nada a ver com seus encontros com seus antigos colegas de trabalho e sua vingança descabida, não é?
respirou fundo e tentou não engolir a seco. É claro que iria segui-lo e saber o que planejava; teria de usar sua carta na manga mais cedo do que pretendia. A intenção era utilizar aquele teatro de homem arrependido e a fim de voltar para o crime para fazer mais dinheiro até o último segundo — mas não durara tanto quanto imaginara.
— Eu só precisei de dinheiro, me tornar informante foi a melhor forma que encontrei — deu de ombros. — Cada caso solucionado, é um bom dinheiro recebido. A oficina não rende tanto, e preciso ajudar nas despesas já que moro com Ramon. Mas, como pôde perceber, não te entreguei, nem a coloquei em enrascadas. E olha que você se meteu em muitas nas últimas semanas.
sorriu.
— Confesso que realmente aprontei demais. Fico feliz em saber que não me entregou, . Eu teria de matá-lo de verdade desta vez.
riu e deu de ombros.
— Eu poderia matá-la agora também, . Mas nós dois sabemos que jamais conseguiremos matar um ao outro. Nem por obrigação.
— Você disse que não hesitaria — relembrou a primeira conversa que tiveram após a saída de .
— Disse — deu de ombros. — Mas não estou armado agora, estou? Pareço a fim de matar você?
— Não — sorriu e começou a caminhar em direção ao corredor extenso, seguindo em direção ao seu novo quarto. Sem olhar para trás, onde ainda permanecia parado e a encarando, disse: — Você parece a fim de me beijar, .
— E eu estou — confessou, sabendo que aquilo não era parte de seu teatro; era uma vontade real e que ele não aguentava mais esconder e fingir que não sentia.
— Esse é o momento em que você vem conhecer meu quarto.
— Sim.
sorriu e voltou a caminhar em direção ao cômodo. Atrás dela, com cautela, sacou o celular do bolso, vendo que a ligação com Katherine ainda estava ligada e ela escutava tudo o que falavam. Observou abrir uma porta e adentrar o cômodo sem olhar para trás, e aproveitou para levar o celular até o ouvido e murmurar:
— Estou dentro.
Katherine apenas suspirou do outro lado. , então, desligou a chamada. Era hora de matar seu desejo de e oficializar a encenação do ano — e a polícia não precisava ouvir o que aconteceria a seguir. Após guardar o celular de volta no bolso, adentrou o quarto de sem o mínimo de timidez. Estava pronto para reparar na reforma do lugar e comparar com o que havia conhecido cinco anos atrás, porém, quando seus olhos caíram sobre a entrada da suíte, perdeu o interesse.
Encostada no batente da porta, exibia todo seu corpo bonito e completamente... nu.
não conseguiu se controlar, tampouco quis. Foi preciso apenas alguns segundos para que a tomasse nos braços e colasse suas bocas.
— O que tem para nós, ? — Katherine perguntou em uma tarde qualquer durante o almoço semanal que tinha para conversar sobre o caso. — Já estamos quase um mês em missão e não temos muito…
— Bom, agora temos — sorriu. Ele parecia mais espirituoso, alegre e empenhado. — Eles estão realmente organizando um grande assalto. Parece que está sendo organizado o transporte de uma grande quantia em dinheiro para a próxima semana. Acredito que alguns policiais do seu distrito tenham sido chamados para fazerem a escolta do ‘carro forte’.
— Sim… Incluindo Andy e eu.
— Bom, então fiquem espertos. Eles irão atacar a van e pegar toda a grana, ou o máximo possível. E o plano está realmente bom.
— Você arquitetou tudo, não foi?
— Infelizmente, sim, Kate — suspirou. — Eu preciso fingir que sou parte deles. Acontece que eu coloquei algumas falhas que eles não irão notar. Alguns furos em algumas ruas específicas com câmera de segurança e fácil acesso para a polícia, fiz questão de passar por pelo menos três patrulhas. A rota é arriscada, eles sabem disso, mas estão dispostos a enfrentar o que quer que seja para esse roubo milionário. não quis nos contar o quanto tentaremos assaltar, mas você deve saber que é uma grana bem alta.
— Certo… Tentaremos enganá-los e alterar o dia do transporte, não sei.
— Acho que é uma boa ideia, vocês podem antecipar essa transferência — deu de ombros. — Nós precisamos de tempo para nos organizarmos e dividirmos as pessoas de confiança. Além do mais, eu pretendo danificar alguns carros que serão utilizados.
— Certo. Tome cuidado, .
— Está tudo sob controle, Kate, não se preocupe.
— Estou falando sério — Katherine segurou o braço do amigo. — Temo por você todos os dias, , e não é só em relação à sua vida. Você está mudando. Espero que não esteja se apaixonando outra vez. Estamos quase lá… Não queremos por tudo a perder, queremos?
— É claro que não estou apaixonado, de onde tirou isso? Não quero, nem vou, por tudo a perder. Eu prometo.
Katherine apenas assentiu e soltou .
A verdade era que não queria aceitar e assumir, talvez nunca o fizesse, que Katherine o conhecia muito bem, principalmente depois das últimas semanas que precisaram se comunicar quase diariamente. Ele achava que conseguia enganar a todos, incluindo a si mesmo, em relação aos seus sentimentos por . Achava que, por estar por cima daquela vez e ter a polícia ao seu lado, não seria afetado e não precisaria lidar com as questões do coração outra vez. Achava que já havia superado e tudo o que ela lhe causava. Achava que não a tinha perdoado por jogá-lo em uma penitenciária estadual e quase tê-lo feito morrer nas mãos de bandidos que ele mesmo havia jogado lá. Achava que não precisaria lidar mais com tudo o que acontecia em seu interior; achava que as noites de sexo tão prazerosas não significavam nada além de alívio rápido e prático, além casual. Estava, sim, apaixonado; talvez nunca o tivesse deixado de ser. Entretanto, assumir isso era quase doloroso; não sabia lidar com tantas coisas acontecendo.
Quando o encontro com Katherine chegou ao fim, aproveitou para dar uma caminhada pelos arredores do centro da cidade, a fim de espairecer e fingir que não havia chegado à conclusão de que ainda estava apaixonado por uma mulher como . Não que ela não fosse tudo o que ele mais desejava em uma pessoa — tirando o fato de que era chefe de uma gangue super procurada e sanguinária —, porque era; ela era maravilhosa, bonita, atenciosa e carinhosa na medida certa; sabia quando e como falar, sabia ouvir e era compreensiva, apesar de desconfiada. Ela era a mulher perfeita para ele, sabia disso, porém, era impossível aceitar aquilo carregando o histórico que carregavam — as ameaças, as falcatruas, o medo de ser apunhalado pelas costas outra vez, a prisão.
não entendia por que sua vida havia dado um salto tão grande assim. Perguntava-se onde havia errado, o que fizera para causar todo aquele caos, por que não conseguira apoio antes e por que não conseguia desapegar de . Estava preso em um dilema moral e pessoal — ou apenas vivendo um pesadelo onde a única solução era deixar o pior acontecer.
À noite, no exato momento que chegou em casa, seu celular vibrou. Olhou e havia uma notificação mostrando apenas uma mensagem de :
Na teoria, não podia. Porém, estava evitando fazer coisas que desagradassem , queria tê-la nas mãos antes de qualquer coisa. Respondeu um simples “sim” e saiu de casa novamente, avisando Ramon que não ficaria ali para o jantar. Não demorou muito para chegar à casa de . Adentrou a vila simples com cautela e curiosidade, logo se dirigindo à última casa. Assim que abriu a porta, encontrou-a sentada confortavelmente no sofá, enrolada em cobertores simples e um copo de uísque na mão.
O olhar de estava distante, foi a primeira coisa que notou. A segunda, foi que ela parecia estranhamente calma e perturbada, como se tivesse algo a incomodando tanto que doía fisicamente. Suas expressões estavam vazias e o canto dos olhos tremiam levemente, em um espasmo automático de nervosismo. não era daquele jeito. Mesmo quando contrariada ou estressada, mantinha-se impassível, sem reação, sem esboçar o mínimo. Naquele momento, pôde perceber que havia algo muito errado acontecendo — o descontrole de era quase palpável.
— O que aconteceu? — perguntou em um tom calmo, tirando o casaco que vestia e os sapatos, largando tudo de qualquer jeito no canto da sala.
engoliu o resto do uísque que estava em seu copo e o encarou nos olhos. Com a voz baixa e rouca, retrucou:
— Me diz você, .
— Como assim? O que eu fiz agora?
jogou as cobertas para o alto e se levantou do sofá, mostrando-se com roupas simples e uma pistola presa na cintura, no cós da calça de moletom.
— Por que não me conta como foi seu encontro com Katherine, ? — o fitou nos olhos. — Melhor, por que não me explica como foram essas últimas semanas de você sendo o ‘x9’ da gangue outra vez? Aproveite para arrumar um bom argumento, algo que me convença a não matá-lo agora.
engoliu a seco. Sabia que corria aquele risco, sabia que não confiava nele 100% ainda, sabia que era seguido às vezes, porém, não quis levar nada daquilo a sério, acreditava fielmente que estava conseguir despistar os capangas de . Mas era óbvio que ela tinha alguma carta na manga e olhos por toda cidade, era tão óbvio que ele preferiu ignorar e fingir que não. Talvez, no fundo, quisesse que ela descobrisse tudo para lidar melhor consigo mesmo, pois teria uma desculpa para dar a Katherine e Andy para que saísse daquela ideia estúpida que havia tido tempos atrás, quando ainda estava preso. Ele não tinha capacidade para medir forças com , era uma guerra perdida — e ele sabia, porque já havia passado por inúmeras outras batalhas e perdido todas. era insuperável, esperta e odiava ser passada para trás e enganada — e não importava se ela tivesse de fazer isso com as pessoas para manter-se viva; tentava ser sincera ao máximo que pudesse, sem estragar seus planos e comprometer a gangue e seu dinheiro roubado.
— Você me ama — murmurou convicto. — Não tem coragem de me matar, assim como não tive de matar você.
— É claro que amo, nunca neguei isso — deu um passo à frente. — Se não fosse amor, você não estaria aqui, sob o meu teto e vivo. Teria morrido naquela noite, cinco anos atrás.
— O que quer que eu diga, ? — suspirou. — Se você realmente quisesse me matar pelo que fiz, o teria feito assim que me separei de Katherine. Não vou lhe dizer que errei em tomar as decisões que tomei, porque sei que não errei… Mas também não posso dizer que não me arrependo, porque isso foi algo que me atormentou por todo esse tempo. Eu queria te fazer pagar por perder minha vida, mas não tenho coragem para isso. Saí da cadeia pensando em deixá-la na podridão assim como eu fiquei durante cinco anos, mas, logo que pus meus olhos em você, não consegui seguir.
— Ótima forma de demonstrar seu amor por mim, … Me entregando para a polícia — riu em escárnio. — Você pretendia ao menos me informar sobre a mudança na data do transporte do dinheiro?
— Não sei, eu pretendia pensar sobre isso hoje — foi sincero. — De qualquer forma, você não deveria esperar muito de mim. Qual o seu objetivo em me confrontar desta forma ao invés de simplesmente me matar?
— Queria olhar em seus olhos e ver se está arrependido ou não — respondeu, firme. — Sabe, … — sacou a arma que estava presa na cintura, destravando-a. — Eu tentei consertar as coisas, fui sincera, lhe expliquei o que aconteceu… E mesmo assim, chegamos aqui, a este ponto. Sei que não tem como eu voltar no tempo e fazer as coisas serem diferentes, mas eu tentei mudar tudo por você. Tentei fazer com que isso desse certo até ter condição e coragem o suficiente para chutar a bunda de todas essas pessoas que me cercam e nunca me acrescentaram em nada — engoliu a seco, erguendo a pistola diante de seu próprio rosto, fitando-a com atenção. — Você sabe, cresci sob os cuidados de um pai abusivo e manipulador, cuja a única vida que me mostrou foi essa que vivo. Quando te conheci, vi que as coisas poderiam ser diferentes e que as pessoas não eram tão más quanto meu pai costumava dizer. Descobri que existiam policiais bons e honestos, você sendo um deles. Mas não consegui sair daqui para correr para os seus braços como me sugeriu um dia antes de eu desgraçar sua vida. Não consegui porque sabia que tudo já estava planejado e você seria morto — deixou uma única lágrima escorrer. — Então decidi que iria interferir para você ter a chance de viver. Não era minha intenção fazer com que você fosse preso, mas não cheguei a tempo de salvá-lo, então deixei parecendo que havia armado para você. Soube que meu pai tentou mandar te matar dentro do presídio, mas eu conhecia muita gente lá dentro e pedi para que não fizessem isso. Foi assim que você sobreviveu. Mesmo contra a vontade deles, eles me deviam favores grandes, então cobrei a dívida pedindo para que deixassem-no vivo. E aqui estamos. Não tenho o direito de estar chateada com você e sei disso. Mas é inevitável. A traição é imperdoável. Você não me perdoou completamente, e eu também não o perdoarei.
engoliu a seco outra vez e ergueu o queixo, recusando-se a abaixar a cabeça para . Dentro de si havia um emaranhado de sentimentos, tudo tão confuso que ele sequer sabia o que pensar. À sua frente, com lágrimas nos olhos, lhe apontava a pistola com pesar e as mãos, pela primeira vez, trêmulas. Ela não queria fazer aquilo, assim como ele, no fundo, também não queria entregá-la — por isso havia levado cerca de um mês inteiro para abrir a boca sobre os assaltos planejados. Sabia que devia aquilo à sociedade e à Katherine, quem o apoiara desde o início. Porém, descobriu que havia sido corrompido também, que não era tão honesto assim, e não queria fazer o que era correto perante a sociedade — queria proteger , mesmo que de um modo errado, como ela havia feito consigo. Era um dilema interno indescritível; seu coração doía quando pensava na possibilidade de ver a mulher de sua vida sendo presa ou morta, mas sabia que aquela visão faria-se necessária em algum momento, assim como a situação que se encontravam agora.
Ambos estavam confusos e amedrontados; qualquer que fosse a decisão, as coisas iriam piorar. Caso o matasse ali, sua cabeça estaria a prêmio diante de todo o país; a polícia não hesitaria em fazer acordos visando encontrá-la e prendê-la — quiçá matá-la. Caso não o matasse, sua própria gangue viria contra ela e tentariam tirá-la de seu império, derrubando-a como uma traidora e fraca, que não tinha colhões para matar um simples homem que a havia traído.
— Se for me matar, o faça agora, — murmurou, sabendo que aquela frase soaria familiar. — Agora, se não tiver coragem… Beije-me.
travou ao ouvir a última fala de . Seu coração estava acelerado, os olhos jaziam marejados e o corpo fervia em ansiedade e medo.
— O quê? — murmurou confusa; não entendia o porquê daquela mudança repentina; ela só queria desabafar e explicar-lhe como as coisas funcionavam em sua mente. Estava disposta a não matá-lo, realmente, e aceitar perder seu reinado de uma década. Sabia que só estava ali por causa do pai e, a portas fechadas, não existia um cenário onde ela tivesse uma vida comum e pacata. Não mais.
— Eu disse — Steven deu alguns passos à frente, aproximando-se de — que se não tiver coragem para me matar, é para me beijar. Não me importo com o que aconteceu cinco anos atrás, não agora. Também não me importo o que eu fiz nos últimos dias, também não importa se você me vigiou por medo de ser traída, podemos ver agora que tinha razão em desconfiar de mim, eu jamais teria voltado tão rápido para você se não estivesse me enganando com uma falsa vingança. Só que agora, olhando para você, tendo-a tão perto, nada disso importa, ao menos não esta noite, que sabemos como tudo realmente aconteceu. Acertamos as contas, . Então, se não for me matar, beije-me — repetiu encarando-a nos olhos, sem medo, sem barreiras, sem hesitação.
abriu e fechou a boca um punhado de vezes, confusa. Sua respiração estava ofegante e falha, denunciando seu nervosismo. , por outro lado, aguardava pacientemente, olhando-a nos olhos e mais próximo do que antes. Devagar, levou as mãos para a pistola que ainda era apontada para seu rosto. Segurou-a devagar e deixou-a pressionada contra sua testa. Naquele momento, pôde notar o olhar de tremer e lacrimejar. Aquilo foi o suficiente para perceber que ela havia tomado uma decisão — e foi impossível não sorrir, mesmo que o sorriso fosse um tanto quanto triste.
— Eu nunca lhe disse isso clara e abertamente, , mas… Eu te amo.
Aquilo foi o suficiente para deixar que as lágrimas que segurava bravamente rolassem por suas bochechas. Sabendo que aquilo era um claro sinal positivo, manteve as mãos ao redor da pistola e abaixou-a lentamente, mostrando para que não faria nada contra ela, que quem estava no poder era ela e poderia desistir e atirar quando quisesse — ele estava à mercê dela, como sempre fora; tão entregue que não tinha mais volta.
A pistola foi de encontro ao chão, e eles de encontro um ao outro. As bocas se colaram com vontade e volúpia, mostrando o quão necessitados estavam — desejavam-se tanto que não sabiam como lidar com aquilo, o turbilhão de emoções, sensações e sentimentos; pertenciam-se mesmo que tentassem negar.
Não demorou muito para puxarem as poucas peças de roupas que vestiam, jogando-as no chão da sala sem se importarem com nada. Os corpos estavam unidos sobre o sofá; as peles quentes se tocando, se completando.
As lágrimas ainda caíam lentamente dos olhos de num misto de emoção e prazer, fazendo-a ir do céu ao inferno conforme a boca de passeava por seu corpo livremente, mostrando-a que ainda a conhecia como a palma de sua mão — sabia onde apertar, onde tocar, onde acariciar, onde beijar; tinha todo o mapa de seu corpo e fazia bom uso deste.
não estava tão diferente; sentia-se à beira do deleite, aproveitando a quentura do corpo sob o seu, o cheiro, a maciez; a profundidade. gostava de sentir se contorcendo em seus braços, gostava de ver as expressões que ela fazia ao gemer seu nome por senti-lo ir fundo; gostava de ouvi-la implorando por mais, gostava se senti-la rebolar em busca de um contato maior ao mesmo tempo em que apertava as pernas ao redor de seu quadril veloz, que ia para frente e para trás com o único pensamento de satisfazê-la. Sentiam-se tão completos quando estavam juntos, que esqueciam de toda a merda e podridão que os cercavam.
Não importava a polícia sabendo daquela relação conturbada e repleta de altos e baixos, não importava as câmeras instaladas ao redor de onde morava, não importava as escutas implantadas por em cada cômodo daquela casa, não importava se Katherine e Andy estavam escutando tudo o que acontecia, não importava se, àquela altura, eles já soubessem em que lado estava; tudo o que importava eram os dois sobre o sofá, os gemidos altos e os corpos suados — o resto lidariam depois.
acordou algumas horas mais tarde, por volta das seis da manhã. Suas costas doíam devido a posição em que dormira, tendo grande parte do corpo de sobre o seu. Através da janela, pôde enxergar o céu ainda um tanto quanto escuro, indicando que o clima estaria mais frio do que o dia anterior.
Suspirou, cansado, lembrando-se da noite anterior e o quão conturbada fora. A pistola de ainda estava jogada no chão, alguns metros à frente, lembrando-o que ela deveria ter sido usada para pôr um buraco em sua testa. Decidindo que não era hora de ter aquela avalanche de pensamentos desnorteados tão cedo, levantou-se com cuidado, desvencilhando-se de com carinho. Era um idiota apaixonado e não tinha como negar aquilo — e estava muitíssimo encrencado também.
não fez questão de se vestir para ir até à cozinha, apenas seguiu até o outro cômodo ainda nu, a fim de beber um pouco de água. Suspirou outra vez, sentindo-se incomodado e vigiado. É claro que se lembrava das escutas escondidas pela casa inteira, era a intenção vigiar 24 horas por dia, e ainda assim não perceberam que ela estava de olho neles também. Porém, agora, depois de toda a reviravolta da noite anterior, sabia que seria vigiado também — ou acusado de alguma coisa. Mas, por sorte, tinha uma carta na manga e pretendia usá-la logo que o dia clareasse de uma vez. Sua intenção era ligar para Katherine e explicar-lhe que fizera e falara todas aquelas coisas a fim de ludibriar mais uma vez e deixá-la entregue, para dar o bote depois, mostrando-se ao lado da polícia. Isso o faria ganhar tempo para montar algo mais inteligente e sair da cidade com ela, se necessário.
Entretanto, sabia que não era tão fácil. Ainda sentia-se um tanto quanto ressentido e sensível, mesmo que tivessem colocado os pingos nos ‘is’. Ainda tinham muito o que conversar e esclarecer — não viveriam em um mar de rosas da noite para o dia, após uma transa intensa, não era assim que as coisas funcionavam.
Já de volta à sala, se preparava para pegar no colo e levá-la para o quarto, a fim de dormir mais confortavelmente, mas foi interrompido pelo leve vibrar de seu celular em algum lugar da sala. O barulho não era nada alto, mas o silêncio do local o fez ouvir e seguir o som leve até encontrá-lo. Era Katherine — e, neste momento, soube que não tinha mais volta.
— Você nos traiu — Katherine afirmou do outro lado da linha, mostrando-se irritada.
— O quê? Não! — apressou-se em negar, tentando soar convincente. — Deixe-me explicar, Kate.
— Explicar o que? Pelo amor de deus, ! — A mulher exclamou. — Nós lhe demos outra chance e você a jogou fora, preferindo viver do lado errado! Não há explicação para isso. Dizer que foi uma jogada extra, a cartada final, não vai livrar sua barra. Está claro para nós que você escolheu ficar ao lado da novamente, mesmo depois de tudo que ela te fez. Você teve a chance de mudar de vida e mostrar que os anos na cadeia não foram em vão, você pôde finalmente fazer justiça por si mesmo e por toda sua família, mas preferiu ficar com a bandida da cidade. Não há mais nada que eu possa fazer.
tentou argumentar, mas a ligação foi encerrada sem aviso prévio. Em um movimento automático, seguiu até uma das janelas que era estrategicamente colocada para que parte da rua pudesse ser vista, mesmo que de longe pela casa estar nos fundos. As cores azul e vermelha brilhavam não muito longe dali e os sons das sirenes já eram capazes de serem escutados; entrou em pânico ao perceber o que estava acontecendo. Correu até suas roupas, vestindo-as de qualquer jeito e, sem seguida, correu até às escutas da sala, arrancando-as de seus lugares e quebrando-as com maestria. Em seguida, voltou-se para , que se mexia e balbuciava coisas sem nexo ao perceber os barulhos e a movimentação ao seu redor.
— Acorde, , você precisa ir — murmurou, jogando as roupas sobre a mulher. — Vamos, !
— O que está acontecendo? — perguntou, aceitando as peças de roupas que eram jogadas sobre ela.
— A polícia está vindo, eles descobriram tudo — explicou rapidamente. — Não acreditam em mim nem quando digo que estava tentando te enganar na noite passada, você precisa ir.
— Você estava?
— O que?
— Enganando-me na noite passada.
— É claro que não! Agora, por favor, vista-se e vá embora, vou dizer que não consegui te segurar, que você me ameaçou e me bateu.
— Não quero estragar sua vida outra vez, , deixe que me peguem.
— Não! Você não pode ser presa, sabe o caos que tudo isso virará. Sem contar que você não terá proteção alguma na penitenciária — a encarou nos olhos, preocupado. — Apenas fuja, sei que você tem uma saída escondida por aqui. Evite falar nos outros cômodos, têm escutas espalhadas por toda parte.
— Eu não posso ir sem você — murmurou, segurando-o pelo rosto com firmeza. — Venha comigo. Podemos sair da cidade por algumas semanas.
— Não, eu não posso fugir — soltou-se das mãos da mulher, deixando ambas as palmas com carinho. — Está tudo bem, eu vou manter a versão de que tentei te enganar e você me agrediu para fugir.
— Isso não está certo…
Do lado de fora, os sons das sirenes se misturaram aos pneus deslizando pelo asfalto e resquícios de neve, mostrando que a polícia já estava prestes a invadir a pequena vila.
— Vá, agora! — pediu uma última vez. — Eles vão invadir. Você precisa correr.
assentiu, ainda aflita e confusa. Pegou sua arma no chão e, sem que esperasse, acertou-o no rosto e, em seguida, chutou-lhe entre as pernas, fazendo-o gemer em agonia — mesmo que ela não tivesse acertado-o com tanta força.
— Eles precisam acreditar que eu te ataquei — sussurrou com pesar e juntou seus lábios uma última vez, acolhendo os murmúrios de dor de em sua própria boca. — Desculpe-me por tudo, . Minha intenção nunca foi te fazer sofrer… Eu te amo.
— Apenas… Vá — murmurou, controlando a respiração.
Com lágrimas nos olhos, lhe deu as costas, correndo para os fundos da casa onde tinha uma saída subterrânea e que poderia ficar por alguns dias até que a poeira abaixasse.
Olhando-a de longe e sentindo o coração apertar, deixou que se fosse. Ainda era fraco demais para permití-la ser enclausurada — era fraco demais para lidar com uma vida sem ela. Não havia nada para fazer a não ser aquilo; qualquer decisão contrária àquela, iria deixá-lo afogado em um mar de remorso e desespero, mesmo sabendo que, no fundo, talvez merecesse passar pelo que ele havia passado — a sede de vingança ainda coçava em seu interior, mas não conseguia fazê-la ser maior do que seu amor.
No exato momento em que se embrenhou por entre os corredores, a porta da sala veio à baixo. permaneceu parado, deitado no chão, tentando dar mais drama para sua encenação fajuta. Não demorou para enxergar a imagem irritadiça de Katherine e Andy atrás dos policiais que já invadiam a casa, prontos para averiguar cada mínimo espaço da casa.
— Onde ela está? — Andy perguntou furioso.
— Não sei, eu juro — murmurou, pondo-se de pé devagar. — Ela me bateu e saiu correndo, não faço ideia de para onde foi.
— Não seja idiota, , conte-nos onde ela está! — foi a vez de Katherine falar. — Isso não faz o menor sentido… Você ajudá-la depois de tudo. Escondê-la. Nos fazer perder o sinal… Ou acha que não percebemos a falha das escutas de repente esta manhã?
— Eu juro que não fiz nada — foi firme, encarando-os nos olhos. — Eu não sei o que aconteceu, ela me acertou com uma arma, me deu uma joelhada que quase vi estrelas e então fugiu! Não faço ideia de onde ela está!
— Algeme-o — Andy pediu para um dos policiais. não tentou rebater, apenas deixou-se levar; não temia mais aquela situação. Voltar para a penitenciária estadual não lhe assustava.
A algumas poucas quadras dali, embaixo do próprio terreno, permitiu-se chorar copiosamente pela primeira vez na vida. Era difícil estar naquela situação, sempre foi. Contudo, tinha seu pai e seu sobrenome para proteger-se de qualquer coisa que fosse, sabia que conseguiria tirar de letra qualquer situação e passar por cima de qualquer pessoa. Porém, estar ali, escondida em um túnel construído há mais de dez anos pelo próprio pai, sabendo que havia sido deixado para trás e estava levando a culpa por algo que não fez novamente a perturbava de uma forma jamais vista e sentida.
respirou fundo e ajeitou os cabelos curtos sob a touca vermelha. Sentou-se no chão e relaxou por alguns minutos, acalmando-se da melhor forma possível. Precisava raciocinar e agir de maneira coerente e correta. Sabia que não podia ser acusado erroneamente outra vez, precisava ajudá-lo, pois era óbvio que ninguém acreditaria em sua versão mal contada dos fatos — era óbvio que ele estava apaixonado e fizera tudo propositalmente; sequer havia tentado enganá-la nas últimas horas. Sabia, também, que se continuasse ali, teria de pôr um ponto final em tudo — em , na gangue, nos planos futuros, em tudo. Estava claro que não teria disposição para matar como seus companheiros de gangue cobrariam, e não teria como viver sob o pretexto de ser quem era para comandar aquelas pessoas — poderiam matá-la de repente, em um dia aleatório, apenas para “destroná-la” e finalmente encerrar os anos de império dos . Ir para a cadeia, no entanto, também não era uma boa ideia. Tinha muitos inimigos e inimigas, ficar em um presídio sem nenhuma proteção era arriscado. Teria de cobrar muitos favores para conseguir manter-se viva no primeiro ano de custódia; depois, teria de gastar muitos dólares para comprar carcereiras e calar companheiras de cela — não tinha curso superior, ficaria entre todas as outras, sendo apenas mais um número para a estatística estadunidense.
Ainda assim, lhe parecia mais agradável viver em meio às ratazanas e baratas da solitária — que seria seu lugar seguro dentro de uma prisão estadual — do que viver sabendo que teria de encarar mais uma pena por sua causa. Não aguentaria tê-lo longe por mais cinco ou dez anos. Ele ainda estava em condicional, não podia ser preso, sua vida acabaria de vez. E não havia ex-policial no mundo que aguentasse duas visitas à cadeia; poucos eram aqueles que sobreviviam a primeira ida. ainda tinha salvação; e era ela, , a traficante mais procurada da cidade. Não havia outro jeito.
Entregar-se-ia para salvar o amor de sua vida.
se levantou determinada, e refez todo o caminho subterrâneo, voltando para sua casa, de onde não deveria ter saído. A volta pareceu ser mais rápida, e ela agradeceu por isso. Ao perceber que o burburinho continuava, respirou fundo e subiu a escada disposta estrategicamente no canto do quintal. O local estava repleto de policiais, todos muito ocupados revirando sua casa por inteiro.
saiu das sombras, chegando ao topo da escada. Arrancou a touca da cabeça e jogou-a para o lado, tentando fazer movimentos sutis para não assustar ninguém. Sua pistola também foi jogada para o lado, deixando-a à mercê daqueles patrulheiros, que poderiam atirar nela no momento que quisessem. Devagar, caminhou até ficar sob a luz branca e forte que tomava conta do quintal. Ergueu as mãos até à cabeça e manteve-se assim até ser notada.
A comoção foi instantânea.
Do lado de fora, pôde ouvir através dos rádios dos outros policiais as vozes assustadas e gritando que haviam encontrado . ‘Como assim?’ — perguntou-se. Àquela altura, deveria estar longe.
— Parece que de nada adiantou sua cobertura, — o policial que o vigiava dentro da viatura murmurou. — Sua namoradinha finalmente foi pega e vai pagar por todo o caos que causou nesta cidade.
quis socá-lo, quis gritar, quis rebater, mas contentou-se em manter-se em silêncio — não podia se complicar ainda mais, precisava manter o controle e ficar calmo. Contudo, ao notar vários policiais saindo da casa às pressas e acionando ainda mais segurança, alarmou-se mais, encostando o rosto no vidro da viatura para enxergar melhor o que estava acontecendo. Atrás de todas aquelas pessoas, vinha algemada, tropeçando nos próprios pés, e presa entre as mãos de Katherine, que a puxava sem cuidado algum. Seus olhares se encontraram em questão de segundos e sorriu, sentindo-se verdadeiramente satisfeita em ver bem. Ele sorriu de volta, mas de forma triste.
Ainda assim, quis correr atrás dela e implorar para que não fizesse aquilo, quis acolhê-la em seus braços e dizer que a amava demais para vê-la passar por aquilo. No entanto, sequer tivera tempo — ela já estava sendo levada para longe.
‘Não precisava’ — moveu os lábios para ela, sussurrando baixinho a frase, esperando que ela entendesse. ‘Eu vou voltar’ ela respondeu, mesmo sem ter entendido bem o que havia dito.
ainda tinha o sorriso debochado e zombeteiro no canto de seus lábios, e seu olhar transbordava amor em sua direção. Naquele momento, sentiu seu coração ser arrancado e algemado junto à , sendo levado com ela. Ele percebeu, ali, que não havia mais volta, não tinha mais o que fazer. Suas mentiras naquela noite foram em vão. Porém, também fora capaz de notar, mesmo que através de um olhar embaçado por de trás do vidro de um carro, que havia feito aquilo por ambos; sobretudo por ele. Ela precisava se redimir e aceitar seu destino. Precisava daquela redenção e lidar consigo mesma; rever seus pecados, aceitá-los e procurar evoluir. Queria perdoar-se por tudo que havia feito nos últimos anos sob as sombras das manipulações de um pai abusivo. Ela precisava ver-se livre de seus próprios fantasmas. Precisava crescer.
‘Eu vou voltar’ repetiu, determinada, ao longe. Era uma promessa, percebeu. Ela voltaria, ele sabia que sim. não costumava descumprir promessas.
ainda a encarava quando a viatura deu partida. Viu seu olhar intenso e sorriso forte uma última vez... E então ela desapareceu na noite, através da neve — e embora ambos os corações estivessem dilacerados, não havia o que fazer.
Precisavam aceitar.
Amar também era saber o momento de abrir mão e deixar que a outra pessoa fosse embora.
Mas, voltaria.
Next time you bleed, right about this time tomorrow
Next time you steal, better ask before you borrow
This label “thief”, find a better title suited for you
This tidal wave, is coming down upon you.
abriu os olhos assustado e fitou o teto branco, ofegante — mais uma noite repleta de pesadelos. As cenas de seus sonhos se misturavam de maneira estranha, deixando-o agoniado durante todo o tempo. Ora sonhava com o momento em que fora preso dez anos atrás, ora com o último olhar e a promessa que recebera de cinco anos antes — o que criava um paradoxo em sua mente, pois, na mesma proporção que queria odiar por tê-lo feito passar pelo que passara, queria que ela voltasse para seus braços e amasse-o tanto quanto ele ainda a amava; ficava perdido em seus próprios pensamentos sempre que se lembrava daquela mulher. Não que ela tivesse sido a única — não havia sido —, desde que saíra da casa de Ramon, há cerca de dois anos, havia tido vários encontros legais e até mesmo chegou a ter um namoro que durou o último ano inteiro. Mas, ainda assim, continuava a assombrar sua mente, a ponto de fazê-lo ir visitá-la na prisão uma única vez — foi o que conseguiu às escondidas com um conhecido e o que ela aceitou, logo no começo da pena.
O julgamento de havia sido rápido e certeiro. Ela fora condenada, como já era esperado, a tantos anos de confinamento que sequer conseguia se lembrar. Corajosa como era, assumiu todos os seus erros e disse para que todos pudessem ouvir que ela o havia coagido quando ele estava infiltrado e era toda sua culpa os cinco anos que ficara recluso. Dissera, também, que na noite em que foi presa, ele não havia feito nada para ajudá-la, ela que havia arquitetado tudo sozinha e o agredido. A justiça fora obrigada a acatar sua confissão; não tinham como ir contra.
Depois do julgamento, logo nos primeiros meses, conseguiu visitá-la. Conversaram por um tempo e ele se dispôs a ajudá-la no que quer que precisasse. Logo, acabou por “herdar” suas economias e certo poder pela cidade, já que as pessoas sabiam que ainda comandava a gangue mesmo estando presa, através de e Ralph — que, no fim, teve de aceitar a lidar com o ex-policial por conta da mulher que dependia de ambos para manter as coisas funcionando e ela tivesse dinheiro o suficiente para não morrer, já que tinha um longo caminho pela frente.
não era um bandido — ao menos, não assumido. Ainda era informante de Katherine, já que ela aceitou a confissão de e o tirou da investigação, protegendo seu nome. Não pediu desculpas por tudo o que fez e disse, porque sabia que estava certa mesmo que o amigo não assumisse. O acordo entre eles era claro: sem homicídios vindo da gangue de — o tráfico eles jamais conseguiriam controlar e podiam fingir-se de cegos quanto a isso desde que algumas apreensões dessem certo de vez em quando, por mais errado que fosse. A polícia era corrupta, afinal, principalmente se fosse para manter a paz reinando em Chicago em época de eleição — e deveria entregar qualquer um que entrasse no caminho da polícia. Ele entendia, desde sempre, que era necessário ter uma ponte entre a polícia e a bandidagem local. Logo ele, , ex-policial e presidiário, era essa ponte. Fazia serviços para ambos os lados e, com sorte, recebia notícias de de mês em mês.
No entanto, no último ano, não havia recebido nada. estava em total silêncio, quase não saía de sua cela e se recusava a receber visitas. Era o quinto ano de pena ainda, e ela já parecia estar exausta daquilo tudo — apenas aguardava a notícia triste chegar; dormia e acordava se preparando para o momento em que alguém batesse à sua porta informando que perdera a mulher de sua vida, por mais que fosse ruim pensar dessa forma, era inevitável dada as condições do momento. Não queria perdê-la, mas o pensamento estava ali.
Minutos mais tarde, quando ouviu sua campainha tocar diversas vezes seguidas, pensou que esse momento havia chegado. Com o coração acelerado e as mãos suando, seguiu até a porta. Respirou fundo um par de vezes e abriu a porta de supetão. Contudo, o que encontrou do outro lado, o assustou e surpreendeu mais do que uma notícia ruim. Seu coração bateu na garganta, a boca ficou seca e os olhos escureceram — parecia estar entrando em choque. Não conseguia acreditar no que via.
Com os cabelos agora longos e pintados de loiro, a boca em um tom vibrante de vermelho, em toda sua glória, estava ela — a mulher que tomava conta de seus pensamentos desde a primeira vez em que lhe pusera os olhos, há mais de dez anos — , cumprindo a última promessa que havia feito.
— Ei, , voltei!
Fim.
Nota da autora: Oi! Espero que tenham gostado dessa fanfic tanto quanto eu — ela é um dos meus xodós atualmente ahhaha. Não esqueçam de comentar, isso é muitíssimo importante pra nós que escrevemos, é sempre bom saber o que vocês acham. Até a próxima!
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