Capítulo Único
Los Angeles, Califórnia
Enquanto mastigava, pensava na sorte que tinha de tê-la e no dia em que se conheceram. Chovia torrencialmente, suas mãos estavam suadas enquanto seguravam o volante e não conseguia enxergar muito depois do para-brisa por conta da diferença de temperatura entre os ambientes interno e externo. Ele sabia bem disso.
Engoliu seco e sentiu seu coração bater forte quando o carro bateu com o da frente. Não foi uma batida forte, mas ele teria que lidar com as consequências. No instante em que abriu a porta e saiu debaixo daquela chuva, seus olhos encontraram a mulher no carro à frente que fazia o mesmo e ele se apaixonou. Foi questão de segundos para que ele tivesse certeza.
— Uma delícia, não acha? — riu, ao olhá-la.
Ela estava tão linda. Mais bonita do que o normal quando acordava pelas manhãs com os cabelos bagunçados e as bochechas coradas. As sardas eram evidentes e uma das coisas que ele mais gostava era de passar o dedo indicador pelo rosto dela, a tocando nas sardas, como se tocasse as estrelas.
— Você está uma delícia. — seu tom de voz foi malicioso, fazendo com que ele se arrepiasse. Vendo que conseguiu o que queria, a mulher sorriu enquanto mordia seu próprio lábio inferior.
Imaginou o que fariam quando chegassem em casa, em como se enroscariam na entrada do apartamento e se beijariam ardentemente até o quarto. O corpo dele se arrepiou, no entanto, algo tomou a sua atenção. Um objeto. A caixinha dentro do seu bolso estava começando a pesar.
Pegou a taça de vinho, tomou um gole e sentiu o líquido queimar em sua garganta e tentou organizar os seus pensamentos, no meio de batidas frenéticas do seu coração, em como faria aquilo.
— Amor, eu queria...
Algo vibrou em seu bolso, o assustando levemente. Franziu o cenho de forma espontânea, deixou a taça em cima da mesa e pigarreou.
— Desculpa, eu... — notou na respiração da mulher a sua frente que estava um pouco impaciente e compreendeu, afinal, seu telefone tocar em momentos impróprios era corriqueiro.
No entanto, o número que constava na tela do aparelho chamou a sua atenção, ele engoliu seco e a olhou.
— Vai demorar um segundo, eu prometo!
Passou o dedo pela tela do celular e o levou até a orelha.
— Sr. Cooper? Ian Cooper?
— Sim, sou eu.
— Sua viagem para estudos científicos em relação ao aquecimento global para a Groelândia foi aceita. O senhor protocolou o pedido, não foi? Há semanas?
A caixinha continuava pesada em seu bolso e ele olhou para a mulher a sua frente depois de ouvir aquela pergunta. Ela estava deslumbrante, seus cabelos escuros jogados para a frente, caindo em seu colo, indo até os seus seios.
— Senhor Cooper?
— Est-Estou aqui! — fechou os olhos momentaneamente e suspirou. — Sim, eu fiz o pedido para essa viagem, mas não achei que fosse possível. O chefe do meu departamento disse que poderia levar meses para que ela fosse aceita ou não.
— A universidade precisa que pesquisadores como o senhor se desloquem e façam o seu trabalho in loco.
Seu coração bateu tão forte em seu peito que achou que passaria mal. Em outro momento, seria a viagem perfeita, porém agora? No dia em que ele estava pronto para pedir a mulher da sua vida em casamento ele teria que viajar a trabalho por meses?
Todavia, ele sabia. Ciência era assim. Era pesquisa. Era curiosidade. Era descobrir o que estava acontecendo. Concordou com a cabeça ainda na ligação, mesmo que a pessoa não pudesse vê-lo.
— Entendo.
Notou que a mulher tinha os olhos presos nele, sentia o seu rosto queimar. Talvez fosse pelo fato de que ingeriu um pouco de vinho? Talvez.
— Podemos marcar?
Passou a língua pelo lábio superior e a próxima pergunta que faria decidiria muita coisa.
— Quando será essa viagem? — indagou sem olhá-la.
— Amanhã à noite.
Colocou os olhos nela novamente e sentiu seu peito doer. Respirou fundo tentando se acalmar e voltou a alcançar a taça, bebeu um gole e concordou com a ligação, a encerrando logo depois.
— Ian...
Tirou a caixinha do bolso tão velozmente que mal teve tempo de acompanhar os seus próprios movimentos, a deixou ao lado da taça e lambeu os lábios, olhando para a caixinha preta e para a mulher a sua frente vestindo a mesma cor de um vestido belíssimo que moldava as suas curvas.
— Casa comigo?
A fitou. Os olhos dela se encontravam arregalados e se enchendo de lágrimas ao passo que os segundos passavam. Mordeu seu lábio inferior e levou uma das suas mãos até a dela, que estava sobre a mesa e a acariciou de forma lenta.
— Eu te amo. Eu te amo demais. Você é a minha maior felicidade.
— E a sua pesquisa?
Não soube o que responder assim que ouviu a pergunta, abriu a boca, mas fechou logo depois. Negou levemente e afastou devagar a sua mão da dela.
— Eu preciso fazer isso. É o meu trabalho. Você sabe disso. — sua voz saiu tremida e ele pensou em alcançar a taça de vinho novamente.
Ouviu uma risada fraca saindo entre os lábios dela.
— Ames! — ele praticamente implorou.
— Vai ser sempre assim, não vai? O seu trabalho em primeiro lugar. A sua ciência. As suas pesquisas. Eu não posso competir com isso, Ian. Não posso.
— Espera!
Foi para levar a sua mão até a dela, no entanto, a mulher já havia se colocado em pé e não conseguiu tocá-la. Seu peito doeu, tentou respirar fundo. Percebeu que ela possuía lagrimas nos olhos e ele se encontrava do mesmo jeito.
— Espera! Espera, por favor. Espera! — Ian estava com o tom de voz fino, sua garganta chegou a doer.
— Sinto muito.
Acompanhou com o olhar ela pegar a pequena bolsa em cima da mesa e dar uma última olhada nele, uma lágrima escorreu por sua bochecha, mas não a limpou. Observou a mulher sumir entre outras mesas e garçons que iam para lá e para cá pelo restaurante servindo os clientes, até que seu olhar caiu na caixinha sobre a mesa.
— Ciência, que ótimo.
Nuuk, Groelândia
— De Los Angeles. — Ian respondia ao se sentar em frente de um dos computadores do centro de pesquisa onde estava trabalhando há quase duas semanas.
— E lá é bem calor? — o rapaz de óculos ao seu lado parecia curioso e ele riu, concordando com a cabeça.
Pegou seu copo de café, deu uma soprada de leve e riu.
— Até no inverno é quente, mas eu gosto. — deu de ombros.
— Vai ser difícil se acostumar aqui, então. — o olhou.
— Gosto de frio também.
Desde que chegou, Ian tentava se acostumar com a cidade, o que estava acontecendo gradualmente, sabia que não seria da noite para o dia. Já havia se acostumado bem com a sua pequena casa vermelha, os chãos que rangiam e as paredes mais grossas, o Sol que não aparecia, e, por estar rodeado por montanhas e lagos, era um lugar belíssimo.
Nas idas ao mercadinho próximo de onde morava, seu coração doía ao se lembrar de Amanda. Não estava totalmente curado da dor que havia passado há dias, mas entendia que se mudar e aquele ambiente novo lhe fariam bem. Era com ela que fazia as compras, que possuíam os seus momentos de casal depois de um dia cheio no trabalho.
Chegou em casa um pouco mais tarde, fez hora extra, pois não tinha muito o que fazer em casa. Comprou uma lasanha no caminho, e ao colocá-la no micro-ondas olhou a Alexa em cima do balcão da cozinha.
Pediu para que tocasse uma música animada qualquer. Movimentou seu corpo de um lado para o outro no cômodo, sentindo seus pés se movimentarem no chão e sorriu com isso, pela primeira vez em semanas se sentiu verdadeiramente feliz. Desde criança queria ser cientista. Desde criança falava para os seus pais que queria ajudar a mudar o mundo.
E aquele era o seu presente. Literalmente o seu presente.
Comeu a lasanha enquanto assistia a um programa qualquer na TV, logo pegando no sono, depois de fazer as suas higienes pessoais. Seu sono em Nuuk era muito melhor do que em Los Angeles, talvez pelo cansaço do trabalho. Talvez por ter finalmente se acostumado em estar morando em outro país e muito longe de casa.
Os dias passavam e eram os mesmos, mas ele não reclamava. Fazia o seu trabalho pela manhã e à tarde, comia na empresa – até que a comida era comível – e depois voltava a se sentar em frente ao computador e ficava o dia todo mexendo com números e dados.
Parece entediante para a maioria das pessoas, mas não para Ian. Era como se ele estivesse ajudando a construir um mundo melhor para as futuras gerações.
— O que você acha? — um dos seus amigos do trabalho indagou, assim que subiram algumas escadas e chegaram ao topo do prédio.
A cidade estava tomada pela neve, o frio entrava por suas narinas e a sensação que ele tinha era que o interior do seu corpo congelaria. Manteve uma das mãos dentro do bolso do agasalho e na outra segurava um copo de café fumegante.
— A respeito de quê? — Ian o olhou, não havia prestado atenção em nada.
Bebeu um gole do líquido enquanto o amigo ria fraco. Se aproximou com ele do parapeito e viu a cidade tomada pela neve, pelo branco. As montanhas ao horizonte se encontravam da mesma forma e o gelo predominava por cima da água do lago.
— Ir ao Cat´s mais tarde.
Cat´s era um pub que eles frequentavam às vezes. Dois meses haviam se passado desde Ian pisou naquela cidade, dois meses desde o que aconteceu naquele restaurante com Amanda, dois longos meses.
Suas idas ao Cat´s não eram tão corriqueiras, tendo em vista que ele chegava exausto do trabalho e sempre estava frio para sair, no entanto, considerou o convite do amigo e decidiu aceitar sair com eles naquela noite fria de sexta-feira.
— Estarei lá. Às 20h, certo? — sorriu ao olhá-lo.
Seus cabelos escuros bagunçaram um pouco por conta de um vento mais forte. Viu o rapaz ao seu lado sorrir animadamente e balançar a cabeça do mesmo jeito. Bebeu mais do café, como se apenas isso fosse o suficiente para aquecê-lo naquele dia.
Era 19h55 quando saiu do carro que o deixou em frente ao pub, agradeceu ao motorista e pagou a corrida com dinheiro, às vezes achava que ele era o único ser no mundo que ainda tinha dinheiro na carteira. Entrou pela porta e imediatamente sentiu o ambiente mais quente, e agradeceu mentalmente por isso.
O pub era comum, com mesas espalhadas pelo local, TVs pelas paredes passando algum jogo de futebol que acontecia ao redor do mundo e uma bancada com banquetas de um lado e do outro o barman e suas bebidas postas atrás em prateleiras.
Deu uma olhada pelo local, não vendo ninguém que conhecia, e se aproximou da bancada, já se sentando, e como de costume, o barman se aproximou, sorriu para ele e passou um pano por ali, era como um filme.
— Vou ser ridículo e pedir apenas uma Coca-Cola, por favor. — riu fraco. — Por enquanto. — acrescentou.
O barman também riu, concordou com a cabeça e se virou. Ian apoiou o queixo em uma das mãos e focou sua visão na televisão mais próxima de si, viu times jogando: um de vermelho e o outro de azul, e não fazia ideia de quem eram.
— Em plena sexta-feira uma Coca-Cola apenas? — ouviu uma voz atrás de si e virou, curioso.
Ela trabalhava em outro departamento na empresa, se viram poucas vezes, uma delas no elevador, e ele teve vontade, porém não coragem, de chamá-la para sair.
A mulher usava um vestido vermelho, seus cabelos ruivos estavam soltos e jogados para frente, de uma forma bagunçada, cheiravam bem, ele não conseguiu distinguir o que era, mas lhe agradava.
— Por enquanto. — depois de um tempo, respondeu à pergunta dela com um sorriso nos lábios. — Por favor. — indicou a cadeira ao seu lado e não conseguiu tirar o sorriso dos lábios.
— Uma água, por favor. — a mulher ergueu uma das mãos e falou mais alto com o barman, foi a vez de Ian rir.
— E você falando da minha Coca-Cola.
— Por enquanto. — se virou, dando uma piscadela.
O rapaz riu, sentindo seu coração bater mais forte e suas bochechas corarem.
— Como está a área de climatologia? — perguntou interessado assim que suas bebidas chegaram.
— Teremos uma reunião com vocês em breve. Precisamos que analisem alguns dados a respeito das geleiras que estão entrando em processo de derretimento e...
Quando ela se virou e o olhou, notou que os olhos dele brilhavam e não conseguiu não sorrir por isso, e assim que ela sorriu, ele correspondeu ao sorriso dela no mesmo instante.
Ian só conseguia pensar que por mais que fossem apenas conhecidos, era alguém que respeitaria o seu emprego, que entenderia as dificuldades do seu trabalho e que poderia ser alguém para conversar nas noites de sexta-feira e falar a respeito do trabalho mesmo dentro de um pub.
— Vamos pedir algo alcoólico. — ele ergueu uma das mãos para o barman.
— Ah, Ian, se eu não te conhecesse... — a mulher soltou uma risada.