Capítulo Um
Sentada no banheiro, encarando o teste de gravidez em cima da pia, eu estava uma pilha de nervos. No quarto do hotel, esperando por , eu pensava em todos os cenários para resolver a furada em que eu tinha me metido. Era óbvio que eu o amava, mas eu não sabia o quão recíproco era o seu sentimento, e isso só aumentava meu nervosismo e insegurança.
— ? — Ouvi sua voz me chamando. — O show de hoje foi insano. Com certeza a gente vai fechar outra turnê.
Ótimo. Não podia ser pior. Olhei o teste. Positivo. O choque que me invadiu era impossível de mensurar em palavras. Ouvi batidas na porta.
— ? Você ta aí dentro?
Enrolei o teste num pedaço de papel, joguei fora e me apressei a me recompor e sair. Ele ia entender, ele tinha que entender.
— Aham, já tô saindo.
— Tudo bem? — ele perguntou baixo. A resposta era não.
— Sim — falei, abrindo a porta e indo me sentar na ponta da cama. — Como foi seu show?
A boca dele estava se mexendo, mas eu não ouvia nenhum som. Ele estava claramente empolgado, a ponto de não perceber que uma pessoa tagarela como eu não estava falando nada. Era a hora certa para eu contar? Existe hora certa? A gente devia saber quando é, eu definitivamente não sabia, mas acreditava que daríamos um jeito.
— ... E aí o nosso empresário começou a falar sobre uma turnê mundial, acho que já está quase tudo resolvido — ele disse e nessa hora eu levantei a cabeça tão rápido que deu para ouvir o estalo do meu pescoço. — Tudo dando certo, do jeito que a gente tinha planejado.
— Mundial?
— Não é incrível? — Eu podia ser a pior pessoa do mundo, mas o entusiasmo dele estava me matando por dentro. O jeito que ele andava de um lado para o outro, gesticulando tanto com as mãos, estava me deixando tonta.
— Incrível — falei sem pensar.
— , eu sei que conversamos sobre não oficializar nada, mas eu queria que você fosse comigo — ele disse, se sentando ao meu lado na cama.
Sim, vamos sim. Eu, você, shows lotados tarde da noite, pós festas infestadas de gente bêbada e drogas, e o nosso bebê. Nessa hora, eu quase ri. Sem contar que ele tinha tocado no ponto chave de toda a situação. Não oficializamos nada. O que a gente era um para o outro? Com certeza não amigos com benefícios, mas também não éramos namorados, como seríamos família?
— Ir com você? — eu disse, esperando que ele não notasse a pontinha de sarcasmo na minha voz.
— Claro! Eu e você pelo mundo. — Ele abriu os braços, sorrindo. — É tudo que eu preciso agora. O meu sonho de uma turnê mundial e com a pessoa que eu mais amo do meu lado.
Ele nunca tinha dito que me amava. E eu nunca pensei em como um bebê atrapalharia os planos dele. Eu nunca pensei em um bebê, eu sou 100% paranoica com isso. Meu maior medo era engravidar na adolescência e eu tinha 25 anos. Afinal, o que ele queria mais? Eu não via como pedir para ele colocar as duas coisas que ele mais “amava” em uma balança. Eu não sabia nem se ele tinha falado sério ou da boca pra fora.
— Seu sonho — pensei alto — Claro.
— O que tem de errado com você? Parece um papagaio, tudo que eu falo você repete. — Ele riu.
Eu juro que ia contar para ele. Eu queria contar, mas uma voz no fundo da minha cabeça me pediu para esperar e repensar. Ele simplesmente não teria tempo para viver a paternidade sendo baixista de uma banda que havia acabado de alcançar o auge internacional, com todos os compromissos, ensaios, entrevistas, todas as viagens. Eu era egoísta o suficiente para fazê-lo desistir do sonho por mim, era uma obrigação de nós dois, mas se tinha uma coisa que eu era mais do que egoísta, era insegura. Sabe aquela frase “O Não você já tem, agora é só correr atrás do sim”? Eu daria uma coça em quem inventou isso. Eu não tenho um não e muito menos um sim. Eu não tenho como saber se eu não falar, mas se eu falasse, eu não iria querer um não. E com essa conclusão, eu decidi pelo silêncio.
— Am... Nada. Eu só tô um pouco indisposta. — Não era totalmente mentira. — Acho que eu vou dormir — completei, me ajeitando na cama.
— Tem certeza, meu bem? — ele disse, se sentando atrás de mim e me abraçando. — Eu acabei de chegar.
— Desculpa — pedi, já tendo em mente que o perdão que eu queria seria por atitudes que eu ainda pensava em tomar. — Eu estou mesmo muito cansada.
— Tudo bem. Eu vou só tomar um banho e já me deito com você, hm? — Assenti enquanto ele beijava minha testa. — Já volto.
Ele era sempre muito carinhoso comigo, e, na mesma linha tênue, nós brigávamos o tempo inteiro. Eram sempre brigas bobas causadas por motivos mais bobos ainda, porque éramos extremos opostos. Eu era o dia e ele era a noite, e naquela noite eu não dormi mais.
Capítulo Dois
Parada na frente do estádio onde seria o show e segurando a minha filha nos braços, eu me sentia a pessoa mais estúpida da face da terra. Era óbvio que ele não ia me receber bem, não depois de tudo o que aconteceu, mas eu devia a verdade a ele e, acima de tudo, devia um pai para minha filha.
— Okay, — eu falei. — Vamos conhecer o papai.
Com um suspiro conformado, fiz meu caminho para dentro do estádio. Não havia chegado com antecedência com medo de que algum imprevisto me fizesse encontrar com antes do show. Eu queria saber como ele estava, o que tinha mudado nele, se pelo menos era o mesmo olhar do homem que eu conhecia.
Depois da nossa última conversa quatro anos atrás, eu passei a noite em claro pensando em como eu o amava, no porquê o amava. Eu sempre achei inaceitável mentiras, principalmente relacionadas a assuntos sérios, mas eu realmente queria trazer isso para vida dele naquele momento?
Absorta em meus pensamentos, mal perceberia a música começando se não fosse pelos pulos de alegria de . Ela era apaixonada pela banda, o que eu achava muito estranho pra uma criança de três anos, mas gosto não se discute, e além do mais, estava no sangue dela.
A música de abertura era um cover de The ballad of me and my brain, e, ao perceber, não pude evitar um sorriso pela coincidência. The 1975 era uma das minhas bandas preferidas e sabia disso. Ouvindo os primeiros acordes, eu desejei que a escolha da banda fosse uma homenagem para mim.
Isn't that so sad?
And what a shame you've lost a brain
That you never had
No primeiro verso, eu já me encontrava chorando, as palavras poderiam facilmente se encaixar no diálogo futuro que nós dois teríamos. Eu tentaria culpar alguma outra coisa pela minha ida? Porque, de repente, alternando o olhar entre ele e , o motivo de eu ter ido embora me parecia completamente sem sentido.
I must have left it on a train or lost in a bar
It's likely in a Sainsbury's
Flirting with the girls and waiting for me
Será que ele tinha procurado por mim? Digo, depois do choque inicial, porque é claro que ele me ligou e me mandou mensagens em todas as redes sociais, mas eu nunca me escondi, eu só o evitei. Ainda morava na mesma cidade em que eu cresci, de onde ele sabia que eu era. E ia ao mesmo mercado toda semana, ao mesmo shopping e ao mesmo serviço. Será que ele pensou que eu tinha seguido em frente com outra pessoa?
Asked if anybody's seen my brain
Your brain was last seen going for a run
Quando eu contei para minhas duas únicas amigas sobre a minha decisão de ter o bebê sozinha e não contar para ele, eu esperava o julgamento, os conselhos contrários às minhas atitudes. Mas eles não vieram. Eu precisava de alguém para me dizer que eu não estava louca, que ir embora era a melhor coisa a se fazer.
'Cause she adores you, but I think you're shit
I've gotta look for my brain for a bit!
— Mamãe! Mamãe! — falou, colocando as duas mãos em meu rosto para virá-lo em direção ao palco. — Olha! Eu sei o nome de todo eles! Aquele é o Tom, e o Blake, o Aaron, e aquele — disse, apontando — é o meu preferido! O , mamãe!
Well, what do you expect when you've got no mind
! I searched all day, it drove me insane
Where would I be if I was my brain?
Subitamente, pensei se era uma boa ideia estar ali. Era realmente um bom momento para um assunto desse? Me perguntei se não era melhor ter escolhido um dia em que ele não estaria morto de cansaço e com a cabeça cheia depois do show. Ele saberia que ela é dele? se parecia muito comigo, mas as semelhanças terminavam na aparência.
But can't find a single trace of my brain
Oops I Did It Again started playing
Forget my brain, remember my name
— Você é mesmo muito esperta, meu amor! — falei, fazendo cócegas em sua barriga. Olhando para seu rosto, lembrei do dia em que ela nasceu.
Eu estava deitada com ao meu lado enquanto Annie e Clara enchiam o quarto com mil baboseiras na cor rosa. Meus pais haviam voltado para a Coréia um ano antes e chegariam apenas no outro dia, já que a neném decidiu vir mais cedo. Quando a enfermeira de plantão entrou no quarto para checar , as meninas pararam com a decoração e sossegaram na cadeira ao lado.
— Sua bebê é linda — a enfermeira disse, sorrindo para mim.
— Obrigada! Ela é. — Sorri de volta.
— , você está muito bem — disse, a colocando de volta ao bercinho da maternidade. — Você é a cara da sua mamãe, sabia? Seu papai vai morrer de ciúmes.
Mal sabia ela que o pai não teria oportunidade de sentir ciúmes dela. Apesar de querer que ele estivesse comigo, eu sempre pensei que entre A ou B, ele escolheria não fazer parte da vida dela ou que eu estava fazendo o melhor para ele deixando de contar a verdade, não dando a opção dele escolher. Aquela foi a primeira vez que me senti realmente culpada por privar de estar presente nesses momentos.
Capítulo Três
O show estava chegando ao fim quando os olhos de me encontraram. A expressão de pura surpresa no seu rosto me fez acreditar que o fim da noite não seria um desastre total, pelo menos ele não parecia estar com raiva. Então, quando seus olhos se estreitaram em confusão, percebi o seu olhar em .
— Ele tá olhando para mim, mamãe! O tá olhando para mim! — dizia, acenando com as mãos enquanto dava pulinhos. — Oi, ! Oi!
O aceno de mão que devolveu seria cômico se não fosse trágico. Óbvio que pela distância ele não a escutava, mas ele sabia que ela era minha e sabia que estava falando com ele. Abaixando-se atrás de um dos seguranças que estava na frente do palco, ele sussurrou alguma coisa olhando na minha direção enquanto os outros integrantes se despediam do público. Bem, isso seria fácil, realmente estava me perguntando se ia mesmo conseguir falar com ele. Confesso que não comprei ingressos para o backstage para poder culpar o destino caso não conseguisse cumprir o objetivo de ter vindo até aqui. Pelo visto, o destino ansiava pela reunião, pois eu já via o segurança vindo em nossa direção enquanto as pessoas começavam a dispersar. Era agora.
— Senhorita ? — o segurança perguntou. Assenti. — Poderia me acompanhar?
— Ahn... Claro — respondi nervosa.
— O que a gente fez de errado mamãe? — Ouvi a voz aguda de e ri de sua pergunta inocente.
— Nada, mocinha — o segurança respondeu por mim. — É só a banda que quer muito te conhecer.
(...)
Depois de ficar quase meia hora do lado de fora do camarim, eu vi a porta ser aberta. Era Blake, com seu sorriso simpático de covinhas.
— ! Quanto tempo faz que eu não te vejo, hein? — ele disse, me puxando para entrar. — E quem é essa garotinha?
— O nome dela é . — Imediatamente, me virei em direção ao dono da voz. Era como um ímã. Me lembrei como gostava que somente ele me chamasse pelo apelido. assistia à cena um tanto quanto fascinada.
— Você conhece a minha banda, mamãe? — ela perguntou, sussurrando alto, com as mãos em concha como se contasse um segredo. Os meninos riram, até o esboçou um pequeno sorriso na cara que estava tão séria.
— Mamãe? — Blake me olhou com uma sobrancelha levantada quando sorri amarelo para ele.
— A sua banda, é? — Aaron se agachou na sua frente, mudando de assunto enquanto eu a colocava no chão.
— Ah! Não é minha mesmo, mas é a minha preferida. Eu sou a — ela respondeu sapeca, me arrancando um sorriso. Olhei para sentado num sofá no fundo do cômodo, ele olhava para ela sem expressão, eu não via resquícios de raiva. Ainda.
— Você não acha que é muito nova para gostar de rock? — Tom se agachou ao lado de Aaron. — Quantos anos você tem? Um? — disse brincando.
— Claro que não, tio — ela disse, batendo a mão na testa. — Eu já tenho três, assim ó. — Ela levantou a mão, fazendo o número 3.
— Três? — O arrepio que percorria meu corpo quando eu ouvia a voz de era surreal. Como era possível tal reação depois de tanto tempo? Quando amamos mesmo uma pessoa é impossível esquecê-la mesmo que de alguma maneira ela nos faça mal? Com a minha reação involuntária, eu tinha a minha resposta.
— Quase quatro — eu respondi, esperando que ele entendesse e eu não tivesse que confessar em voz alta que fugi carregando a filha dele sem nem deixar um bilhete para trás.
— Uau, como você é pequena, hein. Achei que tinha um aninho só. — Tom brincou, tentando amenizar a torta de climão.
— Já sei! — Blake falou para . — Por que não vamos até ali onde estão os instrumentos para você aprender a tocar? — ele perguntou, olhando de mim para .
— Eu posso, mamãe? — se virou para mim, juntando as mãos e piscando os olhinhos. — Eu prometo que não vou quebrar nada.
— Claro — respondi em vão, porque ela já estava do outro lado da sala, sentada no banco da bateria.
Percebendo que eu estava parada igual uma idiota em frente à porta desde que havia chegado, desviei meu olhar de e o voltei para onde estava . Meu rosto esquentou e um calafrio me subiu dos pés à cabeça ao constatar que ele estava sentado inclinado para frente, cotovelos nas pernas e as mãos fechadas em punhos embaixo do queixo. Logo acima seus olhos estavam vidrados em mim e as sobrancelhas levemente franzidas. Quase que imperceptível, sua cabeça fez um leve movimento, indicando para me sentar ao seu lado. Andando até ele, um leve tremor de nervosismo me percorreu, era o mais próximo que tínhamos estado em anos.
Me sentei ao seu lado, cruzando um pé atrás do outro e colocando as mãos sobre o colo. Uma palavra? Desconforto. Eu não sabia como me comportar. Cada movimento que eu fazia parecia desajeitado e passando em câmera lenta sob seu olhar. De repente, ele recostou no sofá, olhando para .
— Ela é minha? — Simples. Sem rodeios.
Me recostei, imitando sua ação anterior, dando a ele apenas um aceno afirmativo em silêncio, e em silêncio nós permanecemos até eles decidirem ir embora.
— Ele tá olhando para mim, mamãe! O tá olhando para mim! — dizia, acenando com as mãos enquanto dava pulinhos. — Oi, ! Oi!
O aceno de mão que devolveu seria cômico se não fosse trágico. Óbvio que pela distância ele não a escutava, mas ele sabia que ela era minha e sabia que estava falando com ele. Abaixando-se atrás de um dos seguranças que estava na frente do palco, ele sussurrou alguma coisa olhando na minha direção enquanto os outros integrantes se despediam do público. Bem, isso seria fácil, realmente estava me perguntando se ia mesmo conseguir falar com ele. Confesso que não comprei ingressos para o backstage para poder culpar o destino caso não conseguisse cumprir o objetivo de ter vindo até aqui. Pelo visto, o destino ansiava pela reunião, pois eu já via o segurança vindo em nossa direção enquanto as pessoas começavam a dispersar. Era agora.
— Senhorita ? — o segurança perguntou. Assenti. — Poderia me acompanhar?
— Ahn... Claro — respondi nervosa.
— O que a gente fez de errado mamãe? — Ouvi a voz aguda de e ri de sua pergunta inocente.
— Nada, mocinha — o segurança respondeu por mim. — É só a banda que quer muito te conhecer.
Depois de ficar quase meia hora do lado de fora do camarim, eu vi a porta ser aberta. Era Blake, com seu sorriso simpático de covinhas.
— ! Quanto tempo faz que eu não te vejo, hein? — ele disse, me puxando para entrar. — E quem é essa garotinha?
— O nome dela é . — Imediatamente, me virei em direção ao dono da voz. Era como um ímã. Me lembrei como gostava que somente ele me chamasse pelo apelido. assistia à cena um tanto quanto fascinada.
— Você conhece a minha banda, mamãe? — ela perguntou, sussurrando alto, com as mãos em concha como se contasse um segredo. Os meninos riram, até o esboçou um pequeno sorriso na cara que estava tão séria.
— Mamãe? — Blake me olhou com uma sobrancelha levantada quando sorri amarelo para ele.
— A sua banda, é? — Aaron se agachou na sua frente, mudando de assunto enquanto eu a colocava no chão.
— Ah! Não é minha mesmo, mas é a minha preferida. Eu sou a — ela respondeu sapeca, me arrancando um sorriso. Olhei para sentado num sofá no fundo do cômodo, ele olhava para ela sem expressão, eu não via resquícios de raiva. Ainda.
— Você não acha que é muito nova para gostar de rock? — Tom se agachou ao lado de Aaron. — Quantos anos você tem? Um? — disse brincando.
— Claro que não, tio — ela disse, batendo a mão na testa. — Eu já tenho três, assim ó. — Ela levantou a mão, fazendo o número 3.
— Três? — O arrepio que percorria meu corpo quando eu ouvia a voz de era surreal. Como era possível tal reação depois de tanto tempo? Quando amamos mesmo uma pessoa é impossível esquecê-la mesmo que de alguma maneira ela nos faça mal? Com a minha reação involuntária, eu tinha a minha resposta.
— Quase quatro — eu respondi, esperando que ele entendesse e eu não tivesse que confessar em voz alta que fugi carregando a filha dele sem nem deixar um bilhete para trás.
— Uau, como você é pequena, hein. Achei que tinha um aninho só. — Tom brincou, tentando amenizar a torta de climão.
— Já sei! — Blake falou para . — Por que não vamos até ali onde estão os instrumentos para você aprender a tocar? — ele perguntou, olhando de mim para .
— Eu posso, mamãe? — se virou para mim, juntando as mãos e piscando os olhinhos. — Eu prometo que não vou quebrar nada.
— Claro — respondi em vão, porque ela já estava do outro lado da sala, sentada no banco da bateria.
Percebendo que eu estava parada igual uma idiota em frente à porta desde que havia chegado, desviei meu olhar de e o voltei para onde estava . Meu rosto esquentou e um calafrio me subiu dos pés à cabeça ao constatar que ele estava sentado inclinado para frente, cotovelos nas pernas e as mãos fechadas em punhos embaixo do queixo. Logo acima seus olhos estavam vidrados em mim e as sobrancelhas levemente franzidas. Quase que imperceptível, sua cabeça fez um leve movimento, indicando para me sentar ao seu lado. Andando até ele, um leve tremor de nervosismo me percorreu, era o mais próximo que tínhamos estado em anos.
Me sentei ao seu lado, cruzando um pé atrás do outro e colocando as mãos sobre o colo. Uma palavra? Desconforto. Eu não sabia como me comportar. Cada movimento que eu fazia parecia desajeitado e passando em câmera lenta sob seu olhar. De repente, ele recostou no sofá, olhando para .
— Ela é minha? — Simples. Sem rodeios.
Me recostei, imitando sua ação anterior, dando a ele apenas um aceno afirmativo em silêncio, e em silêncio nós permanecemos até eles decidirem ir embora.
Capítulo Quatro
Quando veio correndo em nossa direção, chegou para frente como se fosse um instinto.
— Mamãe, eu já disse tchau aos titios, eles vão embora — ela disse, fazendo beicinho.
— Como vocês vão para casa? — perguntou a ela, segurando a sua mãozinha. Meu coração deu um pulo.
— De metrô — ela disse como se fosse óbvio. — É um trem bem grandão que anda debaixo da terra.
— Ah! Então vocês moram perto daqui? — ele disse, enquanto sorria para ela. — Você ia gostar se eu te levasse para casa?
— Ah, desculpa, titio — ela disse com a expressão cabisbaixa. — Nós ainda não vamos para casa. Mamãe disse que hoje eu ia conhecer o meu papai. Mas você pode me levar pra casa outro dia, né?
O jeito que todas as cabeças se viraram para ela me fez achar graça, apesar de surpreendida pela fala. já sabia que era pai dela e, ou estava lidando com o choque no silêncio da sua mente, ou ele estava no maior ato de negação da história. E os meninos já suspeitavam, eles não são bobos. Acredito que o que captou a atenção de todos foi a maneira como ela falou. era uma criança muito esperta e, pelo visto, com uma memória muito boa.
— Eu acho que o tio — disse, me olhando de lado e engolindo a seco — pode te ajudar com isso. Primeiro eu levo vocês para casa, ok?
— Tudo bem! — disse feliz e, para o espanto coletivo, ela pulou no pescoço de e o abraçou. — Muito obrigada, tio — ela disse e deu um beijo em seu rosto enquanto ele a abraçava de volta.
O tanto de sentimento que me invadiu na hora me paralisou por um momento. O primeiro abraço de pai e filha. Eu sabia que estava errada em esconder que ele tinha uma filha, mas olhando para os dois eu pensava em como estava errada em relação à dimensão do meu erro.
(...)
Quando o carro estacionou na porta da minha casa, eu fiquei em dúvida se ele precisava de um pedido formal ou se já tinha entendido que eu queria que ele entrasse para conversar, mas, ao olhar para o lado, vi que ele já havia saído do carro e tirava da cadeirinha. Ela havia dormido no caminho, o que era estranho, pois quando estava ansiosa era só Deus na causa.
— Não sabia que você tinha uma cadeirinha — disse, jogando conversa fora para aliviar a tensão.
— Eu não tenho. — Olhei para ele, esperando pelo resto da explicação, mas ela não veio.
— Ah. — Desviei os olhos de seu corpo parado ao lado do carro, segurando minha filha no colo. Nossa filha.
— Você vai ficar aí parada? — Ele levantou uma sobrancelha.
— Ah, é. Ok — disse, me apressando para a porta com ele me seguindo. — Calma aí. — Estava tão nervosa que derrubei minha bolsa e tudo que estava nela caiu espalhado pelo chão. — Desculpa, desculpa. Pronto — disse, depois de juntar tudo, abrindo a porta e dando passagem para que ele entrasse.
— Desculpa pelo quê? — Ele parou na minha frente, olhando em meus olhos, tão perto que a única coisa que nos separava era .
— Entra, — o chamei pelo nome que ele detestava. — Vamos conversar.
Assim que fechei a porta, me virei, indicando o caminho para o quarto de . Ele entrou, olhando em volta, parando os olhos na direção da cama e andou até lá, deitou em sua cama, a cobrindo com a manta e deixando um beijo suave em seu cabelo. Em seguida, deu meia volta e andou na minha direção.
Poucas coisas que aconteceram na minha vida me deixaram chocada. Mesmo que nunca tenha sido um morango ao leite, eu sempre tinha noção do que estava por vir e o que fazer em relação a isso. Ainda assim, quando me abraçou, eu não pude evitar os segundos que passei imóvel e sem reação antes de cautelosamente retribuir.
— O que aconteceu com você, ? Por que não me contou? Você sumiu, desapareceu no meio da noite sem deixar nada...
Sua voz era tão suave que me fez sentir mil vezes pior do que se ele estivesse gritando comigo e quebrando coisas na parede.
— Você não tá bravo? — perguntei com o rosto enfiado em seu pescoço como uma criança. Era inexplicável como a sensação ainda era familiar depois de tanto tempo.
— É claro que eu estou, . — Ele me afastou, me segurando pelos ombros. — Você sumiu do nada por quatro anos, pra voltar do nada, depois de eu ter sofrido tanto tentando te esquecer, e de quebra eu descubro que você me escondeu uma filha? Bravo é eufemismo, eu tô muito puto. Como que você faz uma coisa dessas?
Minha falta de palavras diante da sua indignação deve ter despertado a raiva que eu estava esperando por tanto tempo, porque ele me soltou e passou apressado pela porta do quarto, em direção à sala.
— Desculpa. — É. Era tudo que eu tinha pensado em responder ao mesmo tempo que fazia o caminho atrás dele.
— DESCULPA, ? — ele gritou. Finalmente. — É só isso que você tem pra me dizer? Por que você fez isso?
— Eu descobri naquele dia. — Respirei fundo. — No dia que eu fui embora. Você tava tão feliz e dizendo que nada ia te atrapalhar, que era o seu sonho e não sei o que mais...
— Que eu te amava — ele me interrompeu. — Era esse o mais. Não foi suficiente pra você? O que você achou que eu ia fazer, te jogar na rua? Esse tipo de pessoa que você pensava que eu era? Por que você estava comigo então?
— Não... Eu não... — A quantidade de perguntas que ele fazia em tom baixo e acusatório, sem nem respirar direito, estava me deixando tonta.
— Você não o quê?
— Eu não queria estragar a sua vida.
— Estragar? — ele perguntou indignado. — Sabe o quanto eu corri atrás até o dia que fui obrigado a sair em turnê? Sabe quanto tempo demorou até eu me convencer que você não queria que eu te procurasse?
— E por que não procurou? Eu estava no mesmo lugar de sempre.
— Por favor, — ele ofegou. — Eu fui à sua casa, você nunca estava lá. Pra mim, você não queria mais saber da gente, foi tão repentino. Como eu imaginaria que você estava grávida?
— Me desculpa, — eu disse, colocando o rosto entre as mãos. — Eu não sei mais o que te dizer. O meu motivo foi idiota e eu não achava que estava certa em te privar. Eu era tão nova, tão machucada, não ia aguentar que a minha filha passasse pelo mesmo que eu. Na minha cabeça, eu estava te ajudando, eu estava ME ajudando. Eu sei que não tem justificativa...
Inesperado, como tudo naquela noite, seus lábios se chocaram contra os meus. A eletricidade entre nossos corpos era palpável e a minha mente não assimilava mais nada que não fosse ligado àquela ação. Suas mãos estavam eu meu rosto, as minhas seguraram a barra de sua jaqueta. Era um beijo calmo, de saudade, e eu não me lembro de alguma vez ter sido tão bom. Quando ele me soltou e se sentou no sofá, o rosto virado para o chão, a preocupação de uma possível despedida me atingiu. Sentei-me ao seu lado e o encarei, esperando qualquer reação que fosse.
— O que foi isso?
— Você estragou a minha vida quando foi embora. — O olhar que ele me deu transmitiu uma dor imensa. — Não dava pra perceber como eu era louco por você? Não dá pra perceber agora?
— Você...? — deixei a pergunta no ar, com medo de ter entendido coisas que não existiam.
— Ainda te amo? Você tem dúvida? — Ele colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. — Alguém reagiria tão bem a uma notícia dessas sem amar a outra pessoa? — Ele riu sem humor.
— Você vai me perdoar algum dia, ? — disse, encostando a cabeça em seu ombro.
— Você vai me dar a chance de te reconhecer, ? De conhecer a ? — Ele encostou sua cabeça na minha. — Vai nos dar a chance de um dia sermos uma família?
E, de alguma maneira, na segurança do seu pedido, eu sabia que tudo ia ficar bem.
— Mamãe, eu já disse tchau aos titios, eles vão embora — ela disse, fazendo beicinho.
— Como vocês vão para casa? — perguntou a ela, segurando a sua mãozinha. Meu coração deu um pulo.
— De metrô — ela disse como se fosse óbvio. — É um trem bem grandão que anda debaixo da terra.
— Ah! Então vocês moram perto daqui? — ele disse, enquanto sorria para ela. — Você ia gostar se eu te levasse para casa?
— Ah, desculpa, titio — ela disse com a expressão cabisbaixa. — Nós ainda não vamos para casa. Mamãe disse que hoje eu ia conhecer o meu papai. Mas você pode me levar pra casa outro dia, né?
O jeito que todas as cabeças se viraram para ela me fez achar graça, apesar de surpreendida pela fala. já sabia que era pai dela e, ou estava lidando com o choque no silêncio da sua mente, ou ele estava no maior ato de negação da história. E os meninos já suspeitavam, eles não são bobos. Acredito que o que captou a atenção de todos foi a maneira como ela falou. era uma criança muito esperta e, pelo visto, com uma memória muito boa.
— Eu acho que o tio — disse, me olhando de lado e engolindo a seco — pode te ajudar com isso. Primeiro eu levo vocês para casa, ok?
— Tudo bem! — disse feliz e, para o espanto coletivo, ela pulou no pescoço de e o abraçou. — Muito obrigada, tio — ela disse e deu um beijo em seu rosto enquanto ele a abraçava de volta.
O tanto de sentimento que me invadiu na hora me paralisou por um momento. O primeiro abraço de pai e filha. Eu sabia que estava errada em esconder que ele tinha uma filha, mas olhando para os dois eu pensava em como estava errada em relação à dimensão do meu erro.
Quando o carro estacionou na porta da minha casa, eu fiquei em dúvida se ele precisava de um pedido formal ou se já tinha entendido que eu queria que ele entrasse para conversar, mas, ao olhar para o lado, vi que ele já havia saído do carro e tirava da cadeirinha. Ela havia dormido no caminho, o que era estranho, pois quando estava ansiosa era só Deus na causa.
— Não sabia que você tinha uma cadeirinha — disse, jogando conversa fora para aliviar a tensão.
— Eu não tenho. — Olhei para ele, esperando pelo resto da explicação, mas ela não veio.
— Ah. — Desviei os olhos de seu corpo parado ao lado do carro, segurando minha filha no colo. Nossa filha.
— Você vai ficar aí parada? — Ele levantou uma sobrancelha.
— Ah, é. Ok — disse, me apressando para a porta com ele me seguindo. — Calma aí. — Estava tão nervosa que derrubei minha bolsa e tudo que estava nela caiu espalhado pelo chão. — Desculpa, desculpa. Pronto — disse, depois de juntar tudo, abrindo a porta e dando passagem para que ele entrasse.
— Desculpa pelo quê? — Ele parou na minha frente, olhando em meus olhos, tão perto que a única coisa que nos separava era .
— Entra, — o chamei pelo nome que ele detestava. — Vamos conversar.
Assim que fechei a porta, me virei, indicando o caminho para o quarto de . Ele entrou, olhando em volta, parando os olhos na direção da cama e andou até lá, deitou em sua cama, a cobrindo com a manta e deixando um beijo suave em seu cabelo. Em seguida, deu meia volta e andou na minha direção.
Poucas coisas que aconteceram na minha vida me deixaram chocada. Mesmo que nunca tenha sido um morango ao leite, eu sempre tinha noção do que estava por vir e o que fazer em relação a isso. Ainda assim, quando me abraçou, eu não pude evitar os segundos que passei imóvel e sem reação antes de cautelosamente retribuir.
— O que aconteceu com você, ? Por que não me contou? Você sumiu, desapareceu no meio da noite sem deixar nada...
Sua voz era tão suave que me fez sentir mil vezes pior do que se ele estivesse gritando comigo e quebrando coisas na parede.
— Você não tá bravo? — perguntei com o rosto enfiado em seu pescoço como uma criança. Era inexplicável como a sensação ainda era familiar depois de tanto tempo.
— É claro que eu estou, . — Ele me afastou, me segurando pelos ombros. — Você sumiu do nada por quatro anos, pra voltar do nada, depois de eu ter sofrido tanto tentando te esquecer, e de quebra eu descubro que você me escondeu uma filha? Bravo é eufemismo, eu tô muito puto. Como que você faz uma coisa dessas?
Minha falta de palavras diante da sua indignação deve ter despertado a raiva que eu estava esperando por tanto tempo, porque ele me soltou e passou apressado pela porta do quarto, em direção à sala.
— Desculpa. — É. Era tudo que eu tinha pensado em responder ao mesmo tempo que fazia o caminho atrás dele.
— DESCULPA, ? — ele gritou. Finalmente. — É só isso que você tem pra me dizer? Por que você fez isso?
— Eu descobri naquele dia. — Respirei fundo. — No dia que eu fui embora. Você tava tão feliz e dizendo que nada ia te atrapalhar, que era o seu sonho e não sei o que mais...
— Que eu te amava — ele me interrompeu. — Era esse o mais. Não foi suficiente pra você? O que você achou que eu ia fazer, te jogar na rua? Esse tipo de pessoa que você pensava que eu era? Por que você estava comigo então?
— Não... Eu não... — A quantidade de perguntas que ele fazia em tom baixo e acusatório, sem nem respirar direito, estava me deixando tonta.
— Você não o quê?
— Eu não queria estragar a sua vida.
— Estragar? — ele perguntou indignado. — Sabe o quanto eu corri atrás até o dia que fui obrigado a sair em turnê? Sabe quanto tempo demorou até eu me convencer que você não queria que eu te procurasse?
— E por que não procurou? Eu estava no mesmo lugar de sempre.
— Por favor, — ele ofegou. — Eu fui à sua casa, você nunca estava lá. Pra mim, você não queria mais saber da gente, foi tão repentino. Como eu imaginaria que você estava grávida?
— Me desculpa, — eu disse, colocando o rosto entre as mãos. — Eu não sei mais o que te dizer. O meu motivo foi idiota e eu não achava que estava certa em te privar. Eu era tão nova, tão machucada, não ia aguentar que a minha filha passasse pelo mesmo que eu. Na minha cabeça, eu estava te ajudando, eu estava ME ajudando. Eu sei que não tem justificativa...
Inesperado, como tudo naquela noite, seus lábios se chocaram contra os meus. A eletricidade entre nossos corpos era palpável e a minha mente não assimilava mais nada que não fosse ligado àquela ação. Suas mãos estavam eu meu rosto, as minhas seguraram a barra de sua jaqueta. Era um beijo calmo, de saudade, e eu não me lembro de alguma vez ter sido tão bom. Quando ele me soltou e se sentou no sofá, o rosto virado para o chão, a preocupação de uma possível despedida me atingiu. Sentei-me ao seu lado e o encarei, esperando qualquer reação que fosse.
— O que foi isso?
— Você estragou a minha vida quando foi embora. — O olhar que ele me deu transmitiu uma dor imensa. — Não dava pra perceber como eu era louco por você? Não dá pra perceber agora?
— Você...? — deixei a pergunta no ar, com medo de ter entendido coisas que não existiam.
— Ainda te amo? Você tem dúvida? — Ele colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. — Alguém reagiria tão bem a uma notícia dessas sem amar a outra pessoa? — Ele riu sem humor.
— Você vai me perdoar algum dia, ? — disse, encostando a cabeça em seu ombro.
— Você vai me dar a chance de te reconhecer, ? De conhecer a ? — Ele encostou sua cabeça na minha. — Vai nos dar a chance de um dia sermos uma família?
E, de alguma maneira, na segurança do seu pedido, eu sabia que tudo ia ficar bem.
FIM
Nota da autora: Sem nota.
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