Capítulo Único
31 de Outubro de 2016
— null? — null cutucou as costas do marido que estava apagado na cama.
— Hm. — null resmungou, sem acordar de fato.
— null, acorda, ô caralho! Sua filha tá nascendo! — null falou mais alto, dessa vez acordando um null completamente desesperado.
— É o que? — Ele já pulou da cama acendendo a luz olhando assustado para a esposa. — A bolsa para o hospital está no armário, as chaves do carro estão na porta, do caminho eu ligo para a null e…
— CALA A BOCA E VAMOS LOGO, IDIOTA!
null tinha certeza que teria levado alguma multa de trânsito. Eram cinco horas da manhã do Dia das Bruxas. Era claro que Manu escolheria nascer justo naquele dia. Para muitos, aquele era um dia supersticioso, mas para ele e null, aquele era um dia importante para suas vidas.
E daquele ano em diante, também seria o aniversário de uma princesinha que estava chegando para mudar toda a vida da família null.
Fevereiro, 1998
Era uma manhã ensolarada e null se perguntava pe as aulas teriam que voltar. Ele e sua irmã gêmea, null, estavam indo começar os estudos em uma escola nova. Ele sabia que a partir daquele ano, não seria apenas colorir e escrever em cima das letras tracejadas. Teriam provas, diversas matérias e vários novos coleguinhas de sala.
Mas ele também sabia que, com 5 anos, seus pais o deixariam brincar na rua, ir para casa dos amiguinhos, ser “gente grande”. null não via a hora de poder andar de bicicleta na rua.
Ele sempre tinha que ficar com a null, mas a irmã não levava jeito nenhum para andar naquele veículo de duas rodas. E, para completar, ele não podia tirar sarro dela por ter medo de um brinquedo tão divertido.
Queria ter outras crianças com quem brincar. Talvez, naquele dia, ele faria amiguinhos.
Assim que saíram de casa, sendo levado a pé com a babá para a escola, ele viu uma menininha de cabelos pretos amarrados em chuquinhas e olhos puxados também com uma mochila nas costas e o uniforme azul marinho da escola.
— null, ela deve ser nossa colega.
— Vamos falar com ela, Gu!
Os irmãos saíram correndo deixando a babá atordoada e gritando para eles irem devagar. Não era fácil cuidar de gêmeos, mas todos que cercavam os null sabiam que os irmãos eram ativos, mas extremamente obedientes.
Ao se aproximarem da menina, null, como sempre, ficou com vergonha de cumprimentar. null revirou os olhos e tomou a iniciativa.
— Oi, eu sou o null! Você também está começando a escola nova? — Eles ainda não tinham aprendido o nome daquela que seria sua segunda casa pelos próximos 12 anos, então simplesmente a chamavam de Escola Nova.
— Oi, null! Eu sou a null. É meu primeiro dia também.
— Que bom. Esta aqui é minha irmã, null.
— Oi. — a menina de cabelos quase ruivos falou timidamente. — Os seus olhos são diferentes…
— É que meu pai tem ascendência coreana.
— Coreana? Onde fica isso? — null instigou continuando a andar ao lado de Eduarda quando null ia um pouco mais atrás com as duas babás que já conversavam sobre os ônibus para aquele bairro.
— Hm, não sei. A gente pode perguntar para a professora! — Eduarda logo exclamou.
— Boa ideia. — null ficou calado por alguns segundos antes de continuar. — null é muito grande. Posso te chamar de Maria?
— Iuh, não! Odeio Maria. Mamãe me chama de Maria quando é para brigar comigo.
— Então vai ser null. Seu novo nome será null. — A menina de olhos puxados sorriu para o menino loiro ao seu lado.
De início, null não tinha gostado muito da menina nova. Ela teria que dividir a atenção do irmão com outra criança e ela não queria isso. Talvez essa coisa de ir para a escola não fosse tão legal assim.
Mas, em um sábado de manhã, várias crianças do bairro estavam brincando na rua e null foi comprar um sorvete. Ela não tinha pegado duas colheradas quando null pediu o sorvete.
— Não. Compra o seu.
— Mas eu quero esse! — null roubou o sorvete de null que, como sempre ia atrás do irmão para defendê-la, começou a chorar por null.
Ele estava brincando de gangorra com outros meninos quando a irmã chegou do lado.
— Aquela menina roubou meu sorvete! — falou cutucando o garoto.
— Que? null jamais faria isso! Vou falar com ela. — null se desculpou com o amiguinho e foi atrás de null que estava sentada na calçada da sua própria casa.
null sentou ao seu lado e começou a conversar com ela, mas, ao contrário do que null queria, ele não brigou com a menina.
— Este sorvete está bom? — null apontou para o potinho nas mãos com unhas rosas da menina.
— Está sim. Você aceita?
null pegou uma colherzinha e se serviu, dividindo o sorvete de flocos com a menina de chuquinha no cabelo. null parou de chorar quando viu que o irmão estava se tornando amiguinho da outra. Ela então se sentou do lado de null, e pediu uma colherada do sorvete.
Naquele dia, os três começaram uma amizade que iria durar muitos anos. null demoraria algum tempo antes de se aproximar de null, mas quando a idade chegasse, sem dúvidas elas seriam melhores amigas.
Mas null sempre esteve ali, desde aquele primeiro dia. null e null eram inseparáveis a ponto da professora precisar chamar atenção dos dois desde o dia 1. Às vezes, null tinha ciúmes de dividir a atenção do irmão com a garota nova, mas aquilo também iria passar quando ela visse que null e null tinham uma ligação que ia muito além dessa vida.
Os dois pareciam ter nascidos um para o outro.
Outubro, 2008
— null, abaixa essa música! Você vai ficar surda assim! — null escutou a mãe brigar com a irmã que havia entrado na modinha emo e no momento tinha “Razões e Emoções” do NxZero tocando a toda altura.
— QUE SACO, MÃE! — null reclamou, abaixando o volume contra a sua vontade.
null já estava acostumado com a barulheira da sua casa. Sempre tinha alguém gritando, reclamando, pedindo um favor e muitas das vezes ele só queria ficar sozinho jogando ragnarok ou estudando. Mas tinha dias que era impossível e ele fugia para casa da null sem contar para ninguém.
Lá, as coisas eram extremamente silenciosas e em véspera de semana de provas, era a melhor coisa que ele podia fazer. Se ele era bom em biologia, null arrasava em matemática. E naquele sábado, ela ensinava para ele como resolver equação de segundo grau e tudo que null pensava era que o X era muito dramático por sempre terem que achá-lo. Ele que se achasse sozinho.
— null, presta atenção, é muito fácil. — null apontou para o papel em sua frente, já todo riscado e amassado depois de tanto lápis e borracha.
— Atenção eu tô prestando, mas nada disso faz sentido.
— Claro que faz, null! — null começou a ficar irritada com a falta de capacidade do amigo.
— Não faz não.
— Faz sim!
— Vamos concordar em discordar? — null resolveu o impasse. Ele não gostava de brigar com null, se sentia mal até com discussões como essa.
A garota sorriu e continuou estudando, deixando null sozinho com a conta. Ultimamente null estava tendo muita dificuldade de se concentrar ao lado da garota e ele não sabia explicar o porquê. Sentia uma sensação esquisita na boca do estômago toda vez que ela encostava nele, o que acontecia com uma grande frequência já que null adorava apoiar nele, seja deitando em seu ombro quando estava entediada ou andando de braços dados pelo corredor da escola.
Quando já era umas quatro da tarde, a mãe de null apareceu na sala chamando os dois para lanchar, afinal, eles estavam em cima dos livros desde depois do almoço.
— Como está a null, null? Ela nunca mais veio aqui em casa. — Amelia null perguntou.
— Ela está bem. Eu não consigo estudar junto dela e suas músicas a toda altura. — null respondeu antes de colocar um pedaço da rosca na boca.
— Que bom. Fala com ela que mandei um beijo e que estou com saudades. — null revirou os olhos com o comentário da mãe. Isso era tão “mãe”.
— Pode deixar.
Amelia saiu da cozinha deixando os dois sozinhos. null se serviu de mais café, estava de fato cansada e mal tinham começado. Ela nunca conseguiu entender porque o colégio tinha que fazer uma semana inteira de provas. Era cansativo demais para dar conta de todo o conteúdo. Seus professores diziam que eles deveriam estudar todos os dias, “matéria dada, matéria estudada”, mas todo mundo sabia que essa não era a realidade.
— Um real pelo seu pensamento. — null falou a frase que os dois sempre brincavam. null era uma pessoa muito quieta e, quando eles tinham uns 8 anos, null começou a falar que cada pensamento de null deveria ser muito caro, pois ela sempre guardava a sete chaves.
null deu uma pequena risada antes da falar.
— Nada. Estava só tentando me motivar a continuar estudando pensando que pelo menos teremos o Halloween no sábado.
— Verdade! Nem sei do que vou vestido ainda.
— Também não. — null lambeu a colher que tinha acabado de usar para mexer o café. — null tinha comentado que queria ir de Hayley do Paramore.
— Não sei de onde ela tira essas ideias. — null deu de ombros.
— Vício o nome. Para ser sincera eu estava pensando em ir de Bella, de Crepúsculo.
— Fala sério, null.
— É sério! É fácil achar roupa.
null balançou a cabeça abaixando o olhar para seu prato. null observou enquanto o cabelo loiro do garoto mexia com seu movimento. null não era o único que começava a sentir coisas diferentes quando os dois estavam juntos.
null não gostava de admitir, mas ela estava começando a se apaixonar por null. Ou talvez, ela sempre tenha o amado. null era o único que ela sentia que podia ser ela mesma, ele era seu confidente e ela contava mais coisas da sua vida para ele do que todos os seus medos, problemas e desejos. A única coisa que os dois não conversavam, era a vida amorosa um do outro.
Ela sabia que null tinha beijado uma menina no ano anterior, mas havia sido apenas isso: um beijo. null nunca havia comentado estar interessado em alguém e null também não poderia conversar sobre isso com null. Sem dúvidas a menina contaria para o irmão.
— Está escurecendo. Melhor eu ir embora antes que minha mãe venha aqui. — null fechou os cadernos, não querendo de verdade voltar para o inferno que se tornara sua casa.
— Tudo bem. A gente se vê amanhã?
— Claro! Acho que devo ir ao clube de manhã, mas a tarde continuamos os estudos. — null se levantou colocando a mochila nas costas. — Aliás, você não quer ir com a gente? Com certeza conseguimos um convite.
null arregalou os olhos. Quando eram crianças ela ia direto no clube com os null, mas já fazia alguns anos que não ia junto.
— Preciso pedir para minha mãe, mas acredito que possa sim. — Ela se levantou colocando as mãos no bolso de trás do short jeans e já andando para a porta com null ao seu lado.
— Ótimo. Me manda um SMS confirmando. — null deixou um beijo no rosto da garota antes de se virar e ir andando para sua casa, na esquina daquele mesmo quarteirão.
null ficou parada sem reação no portão ainda aberto. Ela observou até que null acenasse antes de entrar em sua casa e ela mal conseguiu acenar de volta. Com certeza estava vermelha. null nunca tinha feito isso antes e ela não tinha ideia do porque aquilo tinha mudado agora.
— Manhêee! — null saiu gritando casa adentro depois de fechar o portão. Ela precisava ir para o clube no dia seguinte.
…
Domingo amanheceu como todo domingo deveria ser: quente e sol. null tinha pulado cedo da cama. Estava animada a voltar ao clube, tomar um sol, dar um pulo na piscina e, claro, ver null. Ela teve que esperar no quarto sem fazer barulho até que os pais levantassem e o café da manhã estivesse na mesa. Geralmente ela acordava quando os pais já estavam terminando de comer, este era o tanto que ela estava ansiosa.
Depois que null foi embora na noite anterior, e a mãe havia autorizado a garota a sair com os amigos, null abriu o computador e chamou null no MSN. Naquele dia, ela escutava The Meine — Can’t Stop Won’t Stop o que significava que ela estava em paz. The Maine era uma das bandas favoritas de null e null havia aprendido a gostar, talvez porque fosse mais melódica do que outras por ai.
null: Babiiiiii!!! Adivinha quem vai para o clube amanhã???
null demorou um pouco a responder, mas quando viu que era null abriu a janela.
null: EIII!! QUEEMMM??? Meu irmão tá enchendo o saco para eu ir mas tô de saco cheio. Não sei como você o aguenta.
null: Larga de ser chata, null! Seu irmão é um amor de pessoa.
null: Você fala isso só porque tá gostando dele.
null: O QUE? DE ONDE VOCÊ TIROU ISSO? Tá louca! Não tô não. Gosto do Marcelo.
Marcelo era um garoto do terceiro ano que todas as meninas babavam: cabelo com franja, sorriso perfeito e extremamente descolado. Ele já tinha ido para a Europa várias vezes, pegava as meninas mais bonitas do colégio, estava em todas as festas. Enfim, se você queria fingir para sua melhor amiga que não estava a fim do irmão gêmeo dela, era do Marcelo quem você falava que gostava.
null: aham. Ta bom. Enfim! Quem vai?
null: EU É CLARO! Por qual outro motivo eu estaria te mandando mensagem?
null: EBAAA!!! Me animou um pouco agora, porque estava com zero ânimo de ficar sozinha vendo meu irmão com os amigos e o resto das meninas do colégio dando em cima dele.
null não iria admitir, mas ler aquilo a machucou um pouco. Ela queria pensar que aquele beijo no rosto tinha algum significado, mas ao mesmo tempo, não queria se iludir.
null: Então até amanhã. Já vou dormir.
null: Espera! Tenho uma coisa para te mostrar. Mysongsmylive.blogspot.com.br
null: O que é isso?
null: Meu blog! Lembra que te contei que estava querendo começar a escrever sobre música?
null: AAAA ADOREEEII!! Ansiosa para ler, mas só uma coisa: não deveria ser “life”?
null: Naaao! Não é live de vida, é live de ao vivo. Minhas músicas meu ao vivo!
null: você é um gênio às vezes. Não se esqueça de mim quando estiver na MTV!
null: hahaha Meu sonho! Até amanhã, garota! Vê se não sonha demais com meu irmão sem camisa, amanhã você vai ver ao vivo.
null desligou o computador com tudo aquilo na cabeça. Será que null estava apenas brincando ou ela sabia do seu interesse por null?
null por sua vez, resolveu entrar no quarto da null justamente quando ela estava com a conversa de null aberta.
— Oh caralho! Bate na porta mais não? — null virou a cadeira de rodinhas para a porta numa tentativa falha de tampar o computador.
— Eu bati, você que não ouviu. null vai com a gente para o clube, espero que você não dê para trás. — null falou lendo sem querer parte da conversa, e justamente a parte em que null dizia que estava gostando do Marcelo… Tinha que ser justamente daquele babaca? — Enfim, esteja pronta às 09:00.
null fechou a porta do quarto da irmã com o coração na mão. Ele sabia que não deveria ter lido a conversa, era castigo, só pode. Karma talvez. Mas agora ele já tinha convidado a menina, era melhor se segurar e deixar que eles continuassem pelo menos amigos…
— Bom dia, flor do dia! — null falou assim que null entrou no carro vestindo uma camiseta branca solta em seu corpo e um short amarelo.
— Ai que brega, null! — null reclamou.
— Vocês não vão brigar na frente da null, não é? — A mãe dos gêmeos repreendeu enquanto null revirou os olhos e null apenas sorriu para null que respondeu um bom dia para todos no carro.
O trajeto até o clube durava vinte minutos dos quais null foi reclamando da seleção musical do pai e, depois de tanto perturbar, mudaram para The Maine, o que deveria ser o novo vício musical da garota. null ficou quieta o tempo inteiro. Ela sempre ficava tímida quando estava com a família do null, nem parecia que ela tinha crescido com eles. null às vezes queria perguntar para null porque ela era assim, mas ele tinha medo da resposta.
Assim que pegaram o convite de null, os três adolescentes entraram correndo no clube. Os pais dos gêmeos pediram para eles se encontrarem na porta às 13 horas e que iriam almoçar na casa da avó. null estava convidada, mas disse que precisava ir embora estudar.
null reclamou que ela estudava demais e sua mãe disse que ela deveria aprender mais com a amiga, o que deixou a menina ainda mais irritada. Ela odiava que a comparasse tanto com a amiga e nunca valorizassem as coisas que null fazia.
null apenas observava de longe aquela relação. Ele sabia que as coisas não eram assim e que os pais dariam mais atenção para a null se ela apenas deixasse, mas a menina parecia viver em no próprio casulo com o fone de ouvido ligado no volume máximo apesar de todos insistirem que ela ficaria surda cedo.
E, falando nele, null tirou da mochila o fone e ouvido e o mp3, colocando um dos fones no ouvido esquerdo andando mais lentamente do que null e null.
— Então, o que você quer fazer? — null perguntou para null ao seu lado.
— Confesso que estou louca para cair n’água.
— Piscina principal? — null apontou para a placa apontando para onde ficava o lugar.
— Vamos! — null olhou para trás chamando atenção de null. — Você vai com a gente?
— Vou! Mas não vou entrar na água. Posso ficar ouvindo musica e lendo na beirada?
— Claro! — null e null disseram juntos porque aquela resposta seria o mais amigável que teriam de null.
A manhã foi passando e os amigos de null chegaram, chamando-o para jogar futebol. As meninas resolveram ir assistir e se instalaram em uma sombra na arquibancada. Os meninos separaram-se em 2 times, 4 jogadores de um lado e 7 do outro. null não era muito bom em jogar futebol, mas ele pelo menos tentava.
null ficou calada durante todo o jogo, apenas observando o garoto correr sem camisa de um lado para o outro no campo improvisado. Quando null fez um gol, null e null comemoraram. Por algum motivo, null havia tirado a carranca do rosto e tentando se divertir um pouco. null nunca conseguiria entender o humor bipolar de null, e apenas em alguns anos que ela enfim aprenderia que o problema da amiga nem sempre era com os outros e sim, com ela mesma. Mas, naquele dia, nenhuma das duas tinha maturidade para entender aquilo.
— Vai, null! — null gritou motivando o irmão que olhou para a arquibancada, sorrindo ao ver as duas mulheres que ele mais gostava rindo e brincando juntas. Ele gostava quando null estava bem, e gostava mais ainda quando ela estava bem perto de null.
O time de null ganhou o jogo por 6 a 4. Ele ia em direção a null e null para comemorar e chamá-las para um último banho de piscina antes de irem embora, quando um grupo de meninas do colégio se aproximaram.
null não conseguiu escutar o que eles conversavam, mas se sentiu extremamente desconfortável da forma como uma delas tocava e olhava para null. Ela quis descer e tirar satisfação com a menina, mas não tinha motivos para aquilo.
Odiava ter ciúmes de quem ela não deveria ter. E odiava mais ainda que não podia conversar com isso com a null. Ou será que podia?
— O que foi, null? — null perguntou, percebendo a expressão nada feliz da amiga.
— Nada. — ela disse entre os dentes, tentando esconder o sentimento que estava escrito na sua testa: “Estou apaixonada pelo meu melhor amigo”.
— Ei, vamos embora. — null levantou esticando a mão para a amiga. — Você não precisa ficar mal vendo essas oferecidas pra cima do meu irmão e eu não preciso aturar essa babaquice.
null seguiu null até a piscina principal. Nenhuma das duas quis conversar sobre a cena que viram até chegarem à barraca que null estava antes.
— Você sabe que não precisa fingir para mim, não é? — null olhou assustada pela fala da null. Aquela era a primeira vez, de muitas, que as duas conversariam sobre garotos.
— Fingir?
— Você é completamente apaixonada pelo null. Já percebi seus olhares antes. Mas não se preocupe, não falei nada para ele e nem vou falar. Isso é problema de vocês resolverem e, se quer minha opinião, ele é louco com você também. Mas você sabe, homem é meio lerdo. — null sorriu para a amiga que finalmente relaxou.
As duas deixaram as roupas na cadeira de praia e pediram para um casal de velhinhos olharem para elas. Não que tivesse algo de importante ali, a única coisa de valor era o mp3 da null.
Depois de darem um mergulho e nadarem até uma parte mais deserta da piscina, null resolveu finalmente se abrir.
— Eu nem sei explicar quando isso começou, talvez desde aquele dia do sorvete. Eu me sinto diferente ao lado do seu irmão, e é estranho admitir para você, mas eu gosto dele. Só fico com medo porque, bem, eu nunca beijei, sabe? — null fez uma careta como se aquela fosse a coisa mais importante da sua vida.
null riu.
— Não se preocupe, ele também não.
— Mas não tem aquela menina que ele beijou ano passado?
— Quem? A Letícia? Mentira pura. — null estava querendo dar gargalhadas dessa história. — O null inventou aquilo em uma roda de verdade ou consequência naquela festa na casa do Marcelo. null é louco por você desde que eu me entendo como gente. Sei disso porque você sempre foi a única que me fez sentir ciúmes por causa dele quando crescíamos. — null molhou o cabelo antes de continuar. — O null é lerdo pra caramba, null, mas eu realmente acho que vocês vão ficar juntos. Torço por isso na verdade. Prefiro mil vezes ter você como cunhada do que alguma dessas loucas por aí.
null riu, já ficando um pouco mais calma. Ela ainda estava perdida, mas talvez ela não estivesse perdida sozinha. Era normal ter quinze anos e não ter ideia do que estava fazendo da vida, o estranho seria se ela soubesse.
— E você, null? Já beijou alguém?
— Não. Para falar a verdade, ninguém me chamou atenção ainda. Talvez se o Gee chegasse para mim e pedisse para dar uns beijos eu aceitava, mas, por enquanto, vou ficar apenas lendo sobre isso. — null riu com a resposta da amiga mas conseguia compreender. Às vezes, era melhor viver no mundo de fantasias do que encarar a dura realidade.
Quando null finalmente apareceu, as meninas já tinham se arrumado e estavam prontas para irem embora. Elas discutiam sobre a prova de história que teriam na segunda-feira, da qual null não se recordava se seria sobre Terceiro Reinado ou Estado Novo. Isso que dava ter vários professores para uma mesma matéria.
— Ei, finalmente achei vocês. Para onde vocês foram depois do jogo? Depois que me livrei do bando de luluzinhas não consegui achar vocês em lugar nenhum. — null parecia preocupado.
— Estávamos tendo uma conversa de meninas, null. Você não entenderia. — null disse dando uma piscadela para a amiga e segurou o riso quando viu a mesma ficando vermelha.
— É, null, nada de importante. — null segurou no braço do rapaz como estava acostumada a fazer, tentando ignorar as faíscas que ela mesma havia provocado com o contato.
Naquele dia, null e null formaram uma aliança que duraria por anos. As duas se tornaram melhores amigas, confidentes e parceiras. Dali pra frente, elas não se veriam mais como competidoras, pelo contrário, null ajudaria null a ir atrás dos seus sonhos, mesmo quando ela resolvesse viajar para o outro lado do oceano e se mudar para a Alemanha por causa de um jogador de futebol. Enquanto isso, null faria com que null fosse menos tímida, mostrando para a amiga que não tinha problema em expor a sua opinião, e ela aprenderia isso tão bem que dentro de poucos anos seria difícil segurar a boca da garota.
De fato, elas não tinham muita coisa em comum. null era apaixonada por futebol e poucos meses depois ela tornaria torcedora de um time da Alemanha chamado Borussia Dormund. null era fã de música, e ela não fazia ideia de como este vício transformaria sua vida dentro de poucos anos. O fato era que ambas já começavam a trilhar um caminho juntas ali naquele clube.
Muitas vezes, os momentos mais simples são os mais importantes das nossas vidas. Às vezes, uma simples parceria se torna uma amizade para vida toda. null e null eram famílias, e assim elas continuariam sendo por toda a vida.
Halloween, outubro de 2008
— null, isso é apenas uma festa de Halloween do inglês! Vocês não está indo casar! — null batia na porta de null apressando o irmão para irem logo.
A festa começaria às 22 horas e iria apenas até 1 da manhã. Era muito pouco tempo para aproveitar. null não era muito de ir para festas, interagir com outras pessoas de sua idade, mas a festa de Halloween promovida pela escola de inglês que eles estudavam era famosa na cidade.
Ela tinha vestido uma roupa simples, apenas uma camiseta preta e uma calça jeans escura. Dizia que estava velha demais para se fantasiar enquanto null já estava trancado no quarto há horas se arrumando.
A verdade, era que ele tinha conversado com null na noite anterior e a menina tinha resolvido se vestir de Morticia da Família Adams. Era apenas um vestido preto e uma peruca, mas a ideia desestruturara toda a ideia de null de se vestir de Edward Cullen. Sim, ele pagaria esse mico por null, mas aparentemente havia sido apenas uma brincadeira ir de Bella.
Agora, ele olhava para sua cama todo aquele pó branco e glitter que tinha comprado e não tinha ideia do que fazer de fantasia. Depois de escutar a irmã bater na porta, ele teve que dar o braço a torcer e pedir ajuda, mesmo que soubesse que seria zoado pelo resto da vida por aquele dia.
— null, você pode vir aqui? — null colocou o rosto para fora do quarto chamando atenção da irmã.
— O que foi?
— Acho que preciso de uma ajuda com minha fantasia. É meio que uma emergência.
Assim que null entrou no quarto de null, o menino precisou contar toda a história para ela. A brincadeira de null, a ideia que ele teve de ir com uma fantasia combinando de surpresa e que tudo tinha ido por água abaixo na noite anterior. null precisou segurar o riso muitas vezes. A vontade era de contar para o irmão que ele estava sendo um otário, pois null já gostava dele exatamente como ele era.
Mas ela tinha prometido segredo para a amiga e nenhum laço de gêmeos a faria quebrar isso. Precisavam resolver este problema rápido, pois nenhum dos dois queriam perder tempo com a festa.
— null, você deveria ir de Edward da mesma forma.
— Não vou fazer papel de bobo, null. Todos os nossos amigos estarão lá.
— E se você pegasse alguma roupa do papai? Vai vestido de vampiro chique que chupa sangue ao invés do que brilha no escuro.
— Não quero ir de vampiro. — null cruzou os braços teimoso com a ideia.
— Então vai de índio! Bem fácil essa fantasia também. É só tirar a roupa.
— Engraçadinha. — ele respirou fundo antes de continuar. — É sério. Preciso de ajuda.
null abriu o armário do irmão, tentando criar qualquer coisa com o que estivesse ali. Se null tivesse lhe pedido ajuda mais cedo, tinha até dado tempo de ir o shopping providenciar alguma coisa. No fundo de uma gaveta, null achou algo que poderia ser interessante.
— null, não sei se você vai gostar, mas se seu objetivo é impressionar a null, eu tive uma ideia.
Ao entrar na festa, null estava admirada com toda a decoração. Tinha um túnel secreto antes do salão e ela realmente tinha assustado com os professores fantasiados e luzes fazendo efeitos de sombra. Estava tudo fantástico!
Assim que entrou, ela não demorou para avistar null e null pegando refrigerante no bar. null estava vestida dela mesma, e null não se assustou nem um pouco com aquilo, mas quando reparou em null, teve que segurar para não rir.
— Do que eu devo a honra de ter Chuck Bass na minha frente? — Ela sorriu para o pano colorido enrolado no pescoço do rapaz.
— Tudo bem, Dona Morticia? Seu cabelo está lindo hoje. — null não aguentou segurar o riso e começou a gargalhar do falso sotaque que null se forçava a fazer além da piada sem graça do seu elogio ter sido a uma peruca.
— Genial essa fantasia, null! Confesso que achei que você fosse vir de Edward Cullen mesmo odiando essa história. — foi a vez de null segurar o riso do comentário de null e acabou ganhando uma cotovelada de null quando não conseguiu. — Espera, você ia mesmo vir de Edward? — null falou rindo junto com a amiga.
— Você ficou falando tanto de Crepúsculo na minha orelha que foi a única ideia que eu tive, tá? — ele se fingiu de ofendido.
— Perdoa meu irmão. null não tem criatividade.
As meninas continuaram rindo até que o mesmo grupo de meninas que foram atrás de null no clube se aproximaram, dessa vez sem se importar que o rapaz já estava acompanhado.
— Oi, null, adorei a fantasia. — a loira, claramente líder do grupo, que vestia uma fantasia curta demais para uma festa de adolescentes, tentou começar a provocação.
— Oi, Leticia. Obrigado.
— Você gostaria de dançar com a gente? — a menina ainda insistiu.
— Olha, eu vou passar. Vim para ficar com meus amigos e não sou muito a fim de pista de dança. — Ele segurou a mão de null, deixando a outra extremamente irritada.
O grupinho foi embora sem sequer se despedir e null deu um jeito de sumir de vista quando percebeu que seria a vela ali.
— null… O que foi isso?
— Nada… Só não estava a fim de aturar essas meninas agora. — ele segurou as duas mãos de null, ainda tímido sem saber o que fazer. — Então, você quer dançar? Tomar alguma coisa?
— A gente não pode só ficar aqui? — ela perguntou, também sem saber o que fazer.
— Claro.
Talvez pela necessidade de não ficar parados, os dois começaram a balançar o corpo no som do funk batidão que tocava há poucos metros de distância. Nenhum dos dois queriam falar algo, mas eles também não tomavam nenhuma atitude.
Uma senhora, vestida de bruxa, esbarrou neles ao tentar chegar ao bar, mas ao invés de pedir desculpas, ela falou algo que nenhum dos dois entendeu.
— Ah, achei vocês! Fazia tempo que vocês não se encontravam, não é? Umas duas vidas talvez. Mas almas gêmeas são assim mesmo, uma hora se encontram, outra se desencontra, mas o que importa é que vocês estão aqui, juntos, agora. Espero que não demorem para perceber que nasceram para amar um ao outro.
E da mesma forma que ela apareceu, ela desapareceu. null olhou para null, não sabia o que fazer, mas sentia que realmente conhecia null de outras vidas. A forma como ele a entendia, como eles tinham se dado bem desde o primeiro dia. Era como se ele pudesse ler todos os seus pensamentos sem que ela precisasse falar qualquer coisa.
null colocou uma das mãos da cintura de null, e a outra ele acariciou sua bochecha.
— null…
— Não fala nada.
De alguma forma null encontrou toda a coragem que ela não tinha para enfrentar seus medos e inseguranças. Ela passou os braços pelo pescoço de null no momento em que juntou seus lábios em um beijo simples, tímido, mas cheio de significado. Aquele era o primeiro beijo dela. O primeiro dele. O primeiro de vários deles. Ou talvez, aquele fosse o milionésimo beijo que suas almas se reencontravam.
Naquele momento que seus lábios se tocaram, parecia que todos os planetas tinham se alinhado. As estrelas brilhavam mais forte, apenas afirmando o que já estava escrito desde o momento em que eles tinham nascido: era o destino de null e null ficarem juntos.
Muitos iriam dizer que eles eram novos demais para entender de amor, ou que aquilo uma hora chegaria ao fim. Outros diriam que era apenas coisa de adolescente, passageira e intensa como toda paixão jovem é. Mas no fundo, os dois levariam a sério a fala daquela bruxa que não conseguiram achar depois para agradecerem: eles eram almas gêmeas. Eles tinham nascido um para o outro.
Aquele era apenas o início de uma jornada. E quem diria que, exatamente 8 anos depois daquele beijo, null estaria dando a luz a uma menininha. Uma criança fruto daquele amor que, assim como seus pais, teria a chance de crescer, amadurecer e viver diversas aventuras.
Manuela chegara naquele 31 de outubro de 2016 e mudaria completamente a vida de null e null, porque agora, não seriam apenas os dois. Agora, eles começariam uma nova aventura.
Continua...
Nota da autora: Desde que escrevi a última palavra de Home eu tinha vontade de contar um pouco como esses personagens se conheceram, como foi a infância adolescencia, como o site tão importante em Home surgiu e mostrar como eles cresceram ao longo dos anos. Voltar para 2008 foi desafiador e ao mesmo tempo nostálgico. Espero que vocês tenham gostado dessa brincadeira! Qualquer coisa, só me chamar na ask @criativoativo ou no tt @ichbin_yulia.
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.