Capítulo único
Passamos mais algumas horas conversando, até eu estar cansada o suficiente para apenas tomar um banho e deitar. Caí em um sono diferente do que eu tive na noite anterior, foi calmo e gostoso ao lado de minha mãe.
Acordei sobressaltada na cama com os fragmentos do sonho-lembrança rondando minha mente, e olhei para minha mãe, que lia calmamente um livro apenas com a luz de um abajur.
– Tudo bem, querida? Teve um pesadelo? – Ela perguntou desviando seu olhar para mim.
– Foi uma lembrança, da minha viagem com . – Expliquei, limpando uma pequena camada de suor de meu rosto.
– Vai ficar tudo bem , você tem que acreditar nisso. – Ela me disse e eu bufei.
– Eu sei mãe, eu sei, mas eu não consigo ficar calma e pensar positivo depois de tudo aquilo. Só de pensar no tanto de coisas que ele não sabe eu já começo a surtar. – Disse, me sentando na cama. – Eu senti tanto a falta dele naqueles dias, e depois que eu melhorei, consegui seguir com a minha vida, ele volta e eu não sei, parece que o tormento daqueles dias voltaram com ele. – Ela suspirou e assentiu.
– Algum dia isso ia acontecer, então é melhor você se preparar para ser forte quando o momento chegar. – Minha mãe disse e passou a mão pelo meu cabelo.
– E se eu não conseguir ser forte o suficiente e der pra trás na hora? – Perguntei repleta de insegurança.
– Vai ser difícil, mas você sabe que ele merece saber para vocês poderem se acertar e você é forte minha filha, vai conseguir. – Eu assenti e ela me abraçou de lado, me fazendo deitar em seu ombro.
No dia seguinte todos nós nos levantamos cedo e tomamos café juntos, porém eu não demorei a pegar a estrada de volta para casa. Durante a viagem de volta, minha cabeça não conseguia parar de repassar minhas conversas com a minha mãe no dia anterior, a medida que meu celular assim que encontrou um mínimo sinal de civilização começou a vibrar dentro da bolsa sendo entupido de mensagens que de longe eu reconhecia serem de Meg, Cait e Eva.
Assim que abri a porta de casa ouvi passos virem rapidamente em direção à sala.
– ! Onde diabos você se enfiou? Quer nos matar de preocupação? – Meg gritou comigo assim que vislumbrou minha figura trancar a porta.
– Desculpa general, eu estava com os meus pais. – Disse sorrindo para ela e Cait, que saia do corredor com uma cara amassada e olheiras suaves.
– Bom dia gente, , a Megan faltou surtar durante a noite, por favor, não faça mais isso. – Ela disse bocejando em seguida e eu ri.
– Desculpa gente, mas eu realmente precisava ficar com a minha família. – Disse, me jogando no sofá.
– E como eles estão? Seu pai? – Meg perguntou se jogando ao meu lado.
– Estão bem, meu pai ainda está melhorando aos poucos. – Disse, deitando minha cabeça no encosto do sofá – Notícias de Eva?
– Hm. Ela quer falar com você. - Meg disse e levantou-se, indo para a cozinha em seguida.
Suspirei e olhei a hora no relógio digital em cima da nossa estante pensando se ligava logo para Eva ou deixava para ligar depois. Optei por ligar mais tarde e fui deixar minha mochila no quarto e tomar um banho. Não precisei realmente esperar para ligar para Eva, alguns minutos após a minha saída do banheiro, meu celular gritou em cima da cama com o nome dela brilhando na tela.
– Meg me contou que você foi à casa dos seus pais. Como foi lá?
– Bom dia pra você também Eva, como vai? – Cumprimentei ironicamente terminando de calçar minhas meias. – Foi tudo bem, meu pai está melhorando e bem... Minha mãe está super feliz por você e Ray.
– Bom dia, eu vou bem. Posso saber o motivo da sua visita repentina? – Ela perguntou apesar de já saber o motivo.
– Você sabe. Minha mãe me abriu os olhos de vez, vou conversar com , acertar as coisas. Mas independentemente do que aconteça, eu vou estar lá no altar com vocês e desculpa por todo o meu drama. – Pedi meio incerta e ela riu.
– Eu amo a tia Sarah! – Ela quase gritou em meu ouvido. – Tá tudo bem, a gente te entende e de qualquer forma sabíamos que você não nos deixaria na mão. – Eu por um momento me senti mais tranquila.
– Tudo bem, você por algum acaso está ocupada agora?
– Sobre o que você quer falar? – Ela perguntou rindo e eu não consegui acompanhá-la.
– Minha mãe me disse algumas coisas que não saem da minha cabeça, e como você já deve imaginar eu não sei o que fazer. De novo. – Ri sem graça.
– Ok, espere um momento que a Doutora Miller já irá lhe atender. – Eva fez uma voz afetada e riu assim como eu. – E aí, o que está incomodando essa sua cabecinha? – Ela perguntou alguns segundos depois.
– Estou tomando coragem pra falar com . Explicar o que aconteceu pedir desculpas. Mas não tenho certeza se quero ou consigo, quer dizer, só pensar em olhar pra ele já me deixa nervosa. – Eva deixou uma risadinha escapar.
– Se você acha que isso é o melhor a se fazer, então faça. Eu estou do seu lado no que você decidir. – Eu sorri.
– Não sei realmente, eu já aceitei ser sua madrinha e ele também, será que precisamos mesmo reviver essas coisas?
– Eu acho que ele merece saber o que aconteceu antes e depois de todo aquele drama e desculpas , com certeza ele merece isso. – Ela disse séria e eu suspirei assentindo.
– Que droga de vida complicada. – Eu resmunguei antes de enfiar meu rosto no travesseiro e ela riu. – Como eu faço pra falar com ele? – Perguntei levantando de supetão.
– A gente pode marcar um jantar. – Eva sugeriu e eu neguei prontamente.
– Não, nós temos que resolver isso sozinhos. – Eu disse com uma certeza que não poderia estar em mim.
– Tudo bem, mas você pretende fazer isso quando e como? – Ela perguntou e eu bufei.
– Eu não sei! Não faço ideia nem do que eu estou fazendo. – Disse exasperada e ela suspirou.
– Tudo bem , primeiro se acalma. – Ela disse eu tive vontade de rir de seu tom de voz.
– Quero fazer isso o mais rápido possível. – Disse convicta. – Pode ser no parque, não é?
– Pra você sair correndo? – Eva disse retórica e eu revirei os olhos. – Eu te conheço e as chances de isso acontecer são enormes. Faz no seu apartamento. – Fiz careta e bufei. – Qual é , ele não vai te atacar nem nada. – Eu tinha que concordar, mas a ideia ainda me deixava desconfortável.
– Na falta de ideia melhor vai ter que ser aqui mesmo... – Resmunguei contrariada e ela sorriu.
– Vou ligar pro Ray agora.
– Pra que? – Me apressei em dizer.
– Desde que chegou eles não se desgrudam, daí ele já deixa o garoto avisado. – Ela disse como se fosse óbvio e eu dei de ombros, resignada e desliguei em seguida.
– Eu particularmente não sei quem eu vou colocar no lugar dela caso ela não aceite mesmo. Quer dizer, é claro que ela tem que aceitar, mas por via das dúvidas é sempre bom ter um plano B, que poderia ser até a Mackenzie. – Ray disse enquanto nós andávamos pela orla da praia e não pude conter a careta que fiz.
– Vai dar tudo certo, a gente conhece ela, a não vai deixar vocês na mão. – Eu disse bebendo mais um gole d’água.
– Eu não teria tanta certeza, deve estar sendo muito difícil pra ela sabe depois de tudo o que aconteceu entre vocês, com ela e o... - Ray se auto interrompeu cultivando suavemente minha curiosidade.
– Ela e o pai dela? – Eu completei o que Ray diria.
– É, o pai dela. Ele ficou uma fera e ela passou por muitas coisas com ele depois daquilo tudo. – Ele pareceu relaxar uma tensão repentina em seus ombros.
– Eu posso imaginar... – Comentei e Ray riu fraco com desgosto.
– Ah meu caro, não imagina mesmo, eu não desejo o que a passou nem para o meu pior inimigo, mas de qualquer forma, ela é forte, vai aguentar passar por essa também. – Eu quis dizer que pra mim também não havia sido fácil, mesmo porque havia sido uma desgraça atrás da outra, mas deixei Ray continuar a falar sobre o sofrimento de durante a minha ausência.
Ray trocou de assunto alguns minutos mais tarde, mas ainda assim eu não conseguia manter minha atenção focada no que ele dizia até seu telefone gritar e a foto de Eva aparecer no visor.
– Um minuto. – Ele pediu e se afastou um pouco para atender a ligação com um sorriso bobo na cara.
Por um momento eu invejei Ray e Eva. Eles eram jovens e saudáveis, estavam bem vivendo juntos, iam se casar, formar uma família, estavam se estabilizando profissionalmente e provavelmente seriam felizes juntos pelo resto da vida.
– Acho que temos salvação! – Meu amigo exclamou animado, quase pulando. – aceitou ser a madrinha! Mas, hm... Ela disse que quer falar com você antes de qualquer coisa.
– Ray, se controla você está parecendo uma garotinha de 15 anos animada. – Comentei rindo e ele me deu um tapa na nuca. – Ela quer falar sobre o que e que dia?
– Eu não sei data e nem do que se trata, mas tenho o direito de ficar feliz com os meus dois melhores amigos estando juntos no altar comigo e o amor da minha vida. – Não consegui evitar outra careta enquanto Ray ria alto de mim e o do que dissera há segundos atrás.
– Eu realmente perdi muitas coisas... – Murmurei enquanto voltávamos a caminhar.
– Você não imagina o tanto. – Ele me respondeu e logo entrou em um ritmo suave de corrida.
Algumas horas depois eu já estava em casa arrumando algumas coisas para o dia seguinte no meu novo trabalho quando ouvi meu celular apitar.
“Espero que você esteja disponível na quinta à noite, às 7 na minha casa (endereço no anexo) para conversarmos”.
Ps: É a .”.
Eu quase ri do final da mensagem e não demorei muito a respondê-la.
“Ok, posso saber do que se trata?”
Alguns segundos meu celular apitou novamente.
“Nós e o casamento dos nossos amigos.”
“Ok”
Por um estranho momento eu tive a sensação estranha em relação ao “jantar”, mas resolvi ignorar para continuar minha tarefa ainda com a curiosidade sobre como seria minha conversa com rodando minha cabeça.
Eu não sabia dizer se agradecia o fato de que aqueles foram os 3 dias mais demorados da minha vida, ou se tinha raiva porque eu ficava mais ansiosa para sentar e resolver aquela parte da minha vida de uma vez, mesmo sem saber o que dizer ou como agir com ele.
No entanto, eu não podia negar que quando o interfone tocou 20 minutos antes do esperado eu senti meu coração parar enquanto ficava parada olhando para o aparelho.
– ? – Perguntei estralando os dedos.
– É eu cheguei um pouco mais cedo, algum problema? – Ele perguntou parecendo um pouco agitado.
– Não, eu já vou aí abrir, espere um minuto. – Disse e coloquei o telefone no gancho saindo do apartamento e descendo as escadas com pressa.
– Conseguiu chegar aqui com facilidade? Algumas pessoas se perdem. – Perguntei e comentei abrindo a porta.
– Sim, não é muito longe de onde eu estou morando com meus pais. – Ele respondeu quando eu consegui tirar a minha chave da fechadura e abrir o portão. E então ficamos os dois nos olhando sem saber o que fazer até eu dar passagem para ele.
– Tudo bem com você? – Perguntei fechando a porta e seguindo para o meu prédio.
– Sim, e com você? – Ele perguntou me seguindo escadaria a cima.
– Também. – Disse mexendo inquietantemente minhas mãos enquanto subíamos os lances de escada com uma lerdeza impressionante.
– Por que você está nervosa? – Ele perguntou olhando para elas.
– Não estou nervosa. – Respondi rindo de nervoso.
– Você não me engana , sobre o que nós vamos conversar? – Ele perguntou entrando no meu apartamento.
– Sobre nós e o nosso papel no casamento de Ray, eu te falei isso por mensagem. – Disse ainda torcendo meus dedos enquanto ele me olhava franzindo o cenho.
– E precisava ser aqui e sozinhos? – Ele perguntou parando na porta da cozinha.
– Isso te incomoda? – Rebati cerrando os olhos.
– Não, eu só estranhei porque digamos que você não me aceitou muito bem aquele dia. – Ele comentou analisando o cômodo.
– Ah sim, sobre aquele dia, me desculpe mesmo, eu não estava preparada para aquele susto. – Eu disse sem graça e enchendo um como com água. – Aceita? – Ofereci e ele negou com um aceno.
– Tudo bem, eu também não reagi da melhor forma quando eles me invitaram. Minha mãe precisou conversar muito comigo sobre isso. – Ele disse e eu assenti inconscientemente me lembrando de que minha mãe havia feito o mesmo.
– Minha mãe também, quer dizer, é exatamente por isso que estamos aqui agora. – Eu disse e ele riu baixinho.
– Para falar sobre o que as nossas mães disseram? – Ele perguntou tirando as mãos do bolso da calça e cruzando os braços.
– Também. Minha mãe me disse para sentar com você para nos acertarmos de vez. – Eu disse um pouco rápido sentindo meu coração acelerar aos poucos.
– Nos acertarmos de vez? – Ele perguntou franzindo o cenho. – Não temos nada para acertar. – E dessa vez eu que o fiz.
– Bem eu acho que temos algumas coisas mal esclarecidas sobre o nosso passado. – Eu suspirei. – Mas o que você acha de jantarmos primeiro? – Perguntei torcendo para ele aceitar.
– Tudo bem. O que você fez de bom? – Ele perguntou se sentando à mesa que já estava pronta. – Aliás, me desculpe eu não sabia o que trazer e acabei não trazendo nada. – Ele disse com as bochechas coradas e eu quase ri.
– Tudo bem, eu fiz peixe com alguns molhos novos que a Eva criou e eu não sei pronunciar o nome. – Eu disse e ele riu.
– Me parece muito bom. – Ele disse enquanto eu lhe entregava um prato.
– Tomara que esteja mesmo.
Nós nos servimos e conversamos um pouco, o que diminuiu de certa forma o clima desconfortável que eu sentia desde que ele havia chegado. insistiu em me ajudar a lavar a louça e enquanto realizávamos essa tarefa o silêncio voltou a se instalar sobre nós.
– Você precisa mesmo falar sobre aquilo? – Ele perguntou de repente me fazendo suspirar.
– Sim, você nunca quis saber o que aconteceu aquele dia? – Perguntei e ele riu desgostoso.
– Com certeza essa é a maior dúvida da minha vida, mas eu não sei se estou pronto para saber. Quer dizer, não sei se o que me espera é mais doloroso ou mais aliviante. – Ele respondeu e eu não consegui conter um suspiro.
– Eu só vou contar se você quiser saber. – Eu disse me virando para ele que suspirou negando com um aceno.
– Você se arrepende? – Ele perguntou e eu ri descrente.
– Eu nunca quis fazer aquilo. – Respondi e ele assentiu.
– Pode continuar. – disse e eu suspirei o levando para a sala.
– Naquele dia de manhã minha mãe havia me ligado, ela havia conseguido nosso número com Eva porque Nana tinha achado uns testes de gravidez nas minhas coisas. – Disse olhando para qualquer canto da sala que não fosse ele.
– Testes de gravidez? – Ele perguntou e eu vi seus olhos arregalarem.
– Sim, todos usados e positivos. Minha mãe descobriu que eu estava grávida e foi falar com Eva que ainda não sabia e logo deu o número de onde estávamos. Minha mãe ligou do celular de Eva e eu atendi, eu queria ter desligado, mas ela já chegou falando sobre aquilo e eu não consegui fazer nada a não ser escutar ela dizer que não teríamos como nos cuidar e cuidar do bebê, ela fez muita pressão psicológica e mesmo assim eu me recusei a falar onde nós estávamos. Acabou que ela conseguiu achar o hotel e foi atrás de mim com meu pai. Eu tentei falar com você um pouco antes daqueles loucos começarem a brigar com você e nós sairmos do hotel. Quando nós saímos eu pensei que daria tempo e tudo daria certo, mas aí eles voltaram a me ligar quando paramos no posto, lembra? – assentiu e parecia vidrado em mim. – Meu pai fez várias ameaças horríveis antes de chegar no hotel do qual nós tínhamos saído e dar dinheiro pro cara que trabalhava lá em troca do número de todos os hotéis mais próximos, da estrada ele foi ligando para todos eles até chegar no que nós tínhamos acabado de fazer registro. Meu pai me mandou várias mensagens ameaçando te colocar na cadeia, e eu fiquei aterrorizada por que sabia que ele podia já estar indo com a polícia e você sabe que ele poderia deixar acontecer coisas horríveis com você dentro da cadeia e tudo o mais. Daí aconteceu tudo aquilo e ele praticamente me espancou quando nós chegamos em casa. – Eu disse secando meus olhos.
– E o bebê? Você teve o bebê? – Ele perguntou com os olhos vermelhos e a respiração descoordenada.
– Eu o perdi no dia seguinte, depois que eu discuti com ele. E aí tudo desandou quando você sumiu do mapa e eu entrei em algo semelhante à depressão. – Ele baixou a cabeça e eu vi seu corpo convulsionar por alguns instantes. – Me perdoa por não ter te falado isso antes, mas eu não sabia o que fazer. Eu sabia que você ia querer parar pra brigar com meu pai e não podia correr o risco de deixar ele fazer qualquer coisa que te prejudicasse depois, principalmente deixar que ele cumprisse as ameaças dele. Me perdoa . – Eu pedi deixando as lágrimas saírem e ele levantou do sofá passando as mãos pelo rosto.
– Não era pra ter acontecido assim. Por que você não me falou do bebê? Por que você nunca falou disso? Era pra ter sido diferente! – passava as mãos pelos cabelos e eu não podia fazer nada.
– Eu também não sabia como chegar e falar isso pra você, a gente era jovem e estava fugindo e toda vez que eu pensava em falar algo acontecia, ou a gente brigava ou nós estávamos ocupados procurando estádia e tudo o mais. – Eu disse e ele se sentou de novo.
– Me perdoa por não ter estado ao seu lado, desculpa. – A voz dele soava amargurada e eu me virei para ele.
– Tá tudo bem agora, já passou. – Eu disse colocando uma mão sobre o ombro dele, que a segurou com força. – Agora a gente pode deixar isso de lado não é? – Pedi querendo somente que aquele momento acabasse de vez e ele negou.
– Era pra ter sido tudo diferente. – Ele repetia baixinho e eu o abracei.
– Era, mas já foi. Temos que nos concentrar em Eva e Ray agora. – Eu disse e dessa vez ele assentiu positivamente limpando o rosto.
– Eu não sei se te agradeço ou se me jogo da janela. Eu nunca pude imaginar que você passou por tanta coisa, me perdoa . – Ele disse tentando fazer graça mesmo com suas lágrimas descendo.
– Não tenho nada para perdoar , já passou e agora nós podemos seguir em frente. Me desculpa por jogar isso tudo em você. – Eu pedi e ele acariciou minha mão.
– Eu precisava saber, eu quis isso. – Ele disse e eu respirei fundo.
– Obrigada por escutar, isso foi muito importante pra mim. – Eu disse e ele assentiu encostando seu rosto em meu ombro até se acalmar.
– Vai ficar tudo bem com a gente agora? – Ele perguntou depois de um tempo.
– Está tudo bem. – Respondi e ele se afastou um pouco de mim, soltando-se do abraço.
– E como nós ficamos? – Perguntou limpando o resto de lágrimas de seu rosto.
– Vamos deixar o tempo decidir isso. – Eu disse e ele assentiu.
– Acho que aceito aquele copo d’água agora. – Ele pediu e eu levantei para buscar um para ele e um para mim.
Ficamos algum tempo em silêncio e logo se despediu. Assim que ele foi embora eu liguei para minha mãe e nós conversamos durante um longo tempo. Eu não sabia o que iria acontecer daquele dia em diante, mas me sentia mais leve por saber que não haveria mais nenhum tipo de ressentimento entre e eu. Só queria que isso durasse.
*
No dia seguinte eu acordei com meu celular gritando em algum canto do quarto e amaldiçoei três mil vezes a pessoa. Bufei ao ver o nome e foto de Eva brilhar na tela de meu celular, atendendo-a.
– Bom dia xuxu! Como foi sua noite? – Perguntou e eu bufei.
– Foi melhor do que eu esperava. – Disse me levantando devagar.
– Vocês conversaram sobre tudo? Você não surtou e nem nada?
– Por incrível que pareça, não. Nós jantamos e aí depois falamos sobre tudo. Foi difícil, mas acho que estamos bem. – Eu a ouvi comemorar longe do telefone.
– Isso é ótimo! – Ela disse empolgada.
– Por que? – Perguntei desperta instantaneamente.
– Porque nós 7 vamos sair hoje. E nem pense em dar desculpas. – Ela disse assim que eu abri a boca.
– Ok, mas nós 7 quem? Eu não prometo nada, nós vamos fazer a entrevista com os cozinheiros hoje e não sei se vou estar no pique depois.
– Eu, Ray, você, , Meg, Garret e Cait. Sobre a entrevista, relaxa, pelo menos não seremos nós no lugar deles hoje. – Ela disse e eu assenti sorrindo.
– Tudo bem, mais alguma coisa?
– Só isso mesmo. Até daqui a pouco! – Ela cantarolou antes de desligar.
Levantei da cama e fui tomar um banho para começar o dia.
Durante a tarde Eva e eu entrevistamos algumas pessoas para trabalhar na cozinha conosco, foi bem produtivo. De onde estávamos Eva me arrastou para um barzinho qualquer onde encontraríamos os outros.
– Olha elas aí. Estávamos falando justamente do atraso de vocês. – Ray disse assim que nos viu atravessando a soleira do bar que se enchia aos poucos.
– Desculpa gente, demoramos um pouco mais do que o esperado, mas chegou um atrasado de última hora e nós acabamos por entrevista-lo correndo. – Eva disse beijando o noivo e eu cumprimentava Meg, Cait e Garret na mesa com beijinhos no rosto. – Cadê o ? – Ela perguntou enquanto nos sentávamos.
– Foi ao banheiro, mas por falar nele acho que ele se perdeu no caminho. – Ray brincou procurando o amigo com os olhos.
– Eu acho que ele se perdeu nos peitos daquela morena ali na ponta do bar. – Cait comentou apontando com os olhos para um canto qualquer atrás de mim e todos ficaram quietos na mesa e olhando daquele lugar para mim.
– O que foi? – Perguntei franzindo o cenho.
– Nada. – Eles responderam juntos quase me fazendo rir.
Logo chegou à mesa e nossos amigos começaram a pedir suas bebidas. Ele apenas acenou para mim e eu correspondi com um sorriso cordial sem muito contato visual.
Não muito tempo depois, todos eles com uma boa quantidade de álcool no corpo, resolveram ir para a pequena pista de dança deixando apenas , eu e Cait na mesa. A última também não demorou muito a ser fisgada por um loiro qualquer.
– Você está bem? – Ouvi a voz de perguntar e me virei para ele.
– Sim, e você? – Perguntei bebendo um pouco da minha batida.
– Bem também. – me respondeu olhando nossos amigos na pista. – Quer dançar? – Ele perguntou e eu ri.
– Ainda não bebi o suficiente para isso. O tempo passou, mas a minha inabilidade para a dança não. – Disse e ele riu.
– Bom saber, porque você vai treinar o dobro para a dança do casamento. – Ele disse e concordei.
– Já pode comprar próteses para os seus pés porque dessas aulas você sai sem eles. – Nós rimos e pude ver mesmo com a pouca luz um fio de sangue escorrer do nariz de .
– Seu nariz está sangrando. – Eu disse fazendo-o levar a mão ao local imediatamente.
– Ah sim, deve ser o calor. Vou ali limpar, já volto. – Ele disse já se levantando e eu fiquei lá olhando o movimento, afinal nada mais normal no calor da Califórnia.
– O que houve com ? – Ray perguntou surgindo de repente, me dando um susto e levando um tapa em troca.
– Sua mãe não te ensinou que matar os outros do coração é feio, não? – Ralhei fazendo-o rir. – O nariz dele estava sangrando e ele foi limpar.
– Hm, até mais. – Ele disse pegando algumas batatas do meu prato e saindo logo em seguida e eu ri. Raymond era um folgado nato.
– Voltei! – bradou às minhas costas, vindo do mesmo lugar que Ray e me dando um susto assim como ele.
– O que é isso? Festival do susto? – Perguntei indignada de brincadeira enquanto ele ria.
– Desculpe. – Pediu e eu o dispensei com a mão e sorrindo.
O resto da noite foi tranquila assim como os outros 3 meses que seguiram depois daquele encontro.
e eu nos aproximamos bastante durante esse meio tempo em que nos víamos quase sempre, quando íamos ajudar com os preparativos do casamento e quando resolvíamos sair somente nós dois para conversar ou simplesmente nos ver.
Eva estava muito entusiasmada com o rumo que, segundo ela, nossa relação estava tomando. Minha mãe também estava entrando nessa onda depois de rever , lhe pedir desculpas e vir falar para mim em confidencia como ele havia se tornado um belo homem e como faríamos um belo casal.
Houve dias também em que eu encontrei os pais dele e as coisas foram tão bem quanto com minha mãe.
Finalmente depois de anos eu pude ver e sentir que minha vida estava completamente certa e caminhando bem, mesmo que alguns sentimentos ruins sobre o passado ainda perdurassem.
Durante os meses que passaram depois da minha volta à Califórnia poucas vezes eu havia me sentido tão mal quanto naquele dia. Meu peito doía e eu mal conseguia respirar levando em conta que meu nariz sangrava mais que o normal*. Para completar meus pais não estavam em casa e dentro de algumas horas seria a inauguração oficial do Nostrum o restaurante de Eva e . Sendo a última quem eu iria dar uma carona para o restaurante.
O suor frio escorria da minha testa para o pescoço enquanto eu me esforçava para chegar até o banheiro. Tomei um banho frio e melhorei um pouco da febre que começava a fazer minha cabeça doer.
não demorou muito a bater na minha porta e ainda não pronta.
– Meu Deus , você está péssimo, o que você tem? – Ela perguntou soltando suas coisas no chão e me apoiando assim que eu encostei minha cabeça na porta.
– Deve ser uma virose qualquer, tá tudo bem. – Eu disse e ela quase riu.
– Você só pode estar brincando, nós ainda temos algumas horas, eu vou te levar pro hospital. Só coloca uma roupa. – disse fechando a porta e pegando suas coisas no chão para me levar ao quarto.
– Hospital? Isso é exagero ! – Eu disse e ela bufou.
– Mesmo se for só uma virose, não quero você contaminando meus clientes. – A morena brincou pegando uma blusa branca qualquer no meu guarda roupa e entregando-a para mim.
– Eu tinha realmente esquecido como você era chata com essas coisas. – Ela revirou os olhos.
– Sou chata sim, vamos. – disse me apoiando novamente.
– Eu consigo andar. – Resmunguei e ela riu.
– Aham, estou vendo. – Dessa vez eu revirei meu olhos, tossindo em seguida. – Você está tossindo sangue! Com certeza eu estou exagerando. – Ela disse alarmada apressando um pouco seus passos.
– Não deve ser nada demais. – Eu disse enquanto ela me colocava no banco do passageiro de seu carro.
– Você quer fazer o favor de calar essa boca? Olha o seu estado, ! – Ela disse e nem me dei ao trabalho de olhá-la.
dirigiu com pressa até a clínica mais próxima e nós não falamos nada durante o caminho. Minha dor no peito não havia diminuído e por vezes eu sentia a falta de ar aumentar.
Assim que demos entrada ela não demorou a preencher uma ficha pra mim e um médico geral chegar para me examinar, eu pedi para entrar sozinho e não reclamou apesar de eu ter sentido um pequeno tom de mágoa em sua voz.
– Ok meu rapaz, o que você está sentindo? – O senhor me perguntou enquanto eu me deitava em sua maca no consultório.
– Aperto e dor no peito, falta de ar, meu nariz sangrou algumas vezes e minhas tosses estão expelindo sangue. – Eu disse e ele assentiu passando seu estetoscópio sobre meu toráx.
– Eu tenho a impressão de que o senhor tem alguma noção do que o senhor tem, estou errado? – Ele perguntou e eu assenti.
– Eu gostaria de falar com um pneumologista. – Eu disse ele assentiu.
– Vou chamar meu colega, só um segundo. – Ele disse e saiu me deixando sozinho na sala por alguns instantes antes de uma pequena morena entrar na sala.
– E aí, o que você tem? – perguntou parando ao meu lado. – Já liguei para Eva dizendo que talvez nós iremos nos atrasar um pouco e ela pensou coisas improváveis no seu atual estado. – Ela riu e eu tentei acompanhá-la sentindo meu pulmão reclamar por isso.
– O que ela pensou? – Perguntei com a voz um pouco falha.
– Que nós estávamos... Você sabe... – Ela disse e eu arqueei uma sobrancelha.
– Realmente improvável no meu estado. – Eu disse e ela riu e logo a porta foi aberta por um outro homem.
– Senhor , é você? – O cara que parecia bem mais novo do que o outro médico perguntou adentrando a sala.
– É ele sim, e o senhor seria? – respondeu e perguntou por mim.
– O pneumologista que ele solicitou. – Ele disse adentrando de vez a sala e ela me olhou com o cenho franzido.
– , será que você poderia nos dar privacidade por um momento? – Pedi e ela assentiu de novo tentando não deixar transparecer sua indignação.
– Claro, se precisar, me chame. – Eu assenti e ela saiu.
– Certo, o que o senhor deseja, senhor ? – O médico perguntou tomando o lugar de .
– Pode me chamar de , acho que nós vamos nos ver bastante daqui para frente Dr. Marshall. – Li seu nome no crachá e ele fez uma cara de confusão. – Acho que preciso de um raio X pulmonar.
Eu estaria mentindo se dissesse que não fiquei possessa quando me pediu para sair da sala, mas isso não durou muito tempo depois que vi o levarem em uma cadeira de rodas para algum lugar. Não hesitei em correr até o médico que o estava atendendo.
– O que houve? Para onde estão o levando? – Perguntei assim que o alcancei, fazendo-o se virar para mim.
– Está tudo bem, ele só vai fazer alguns exames. – Ele disse calmo.
– Exames de que? Para que? – Perguntei vendo-o olhar para algo na prancheta que carregava.
– Só para ver se está tudo bem e isso não passa de uma virose. – Ele disse e eu assenti.
– Obrigada.
– Disponha.
Ele saiu e eu voltei para onde eu estava sentada. não tardou a aparecer e parecia bem melhor.
– Eu disse que não era nada. – Ele disse assim que uma enfermeira o deixou em minha frente e saiu sorrindo e acenando para ele que retribuiu sorrindo.
– Se fosse eu também morreria sem saber. – Eu disse e ele bufou.
– Não gosto que me vejam doente. – Ele disse e eu ri.
– Seu eu já te vi pelado, doente não deveria ser nada. – Eu disse e ele riu, bagunçando meus cabelos.
Logo estávamos na casa dele novamente nos arrumando em tempo recorde para chegar antes da abertura do Nostrum. E conseguimos, mesmo que tenha parado em uma floricultura no meio do caminho.
– , graças a deus. Eu já estava pensando em abrir sem vocês chegarem! – Eva disse assim que me viu sair praticamente pulando do carro.
– Eu sei, desculpa. Nós corremos para chegar até aqui e o maravilhoso ali ainda insistiu em passar na floricultura para te comprar flores. – Eu disse me postando ao seu lado enquanto ela retribuía o aceno de que havia ido se juntar ao resto dos nossos amigos em alguma das mesas.
– Ele está maravilhoso! – Ela comentou e eu ri.
– Eu sei. – Disse enquanto ela me guiava para o centro do restaurante para fazermos nosso pequeno discurso.
A noite foi ótima depois do nosso pronunciamento, pudemos sentar e nos divertir em alguns momentos da noite, mas ainda trabalhamos um pouco.
Depois daquele dia a nossa vida se tornou ainda mais corrida com os preparativos do casamento que se aproximava cada vez mais rápido, mas no final todo o trabalho foi recompensado com o ganho da nossa primeira estrela por um renomado crítico gastronômico. A festa foi grande quando e Ray ligaram poucas horas depois dos primeiros raios de sol daquele domingo, nascerem para falarem da crítica que estava na capa do jornal da banca em que eles passavam em frente durante as corridas na praia. Para comemorar fizemos um grande almoço no condomínio de Eva com a maior parte da nossa equipe e nossos amigos.
Desde a inauguração do Nostrum a minha vida voltou a mudar completamente com novos horários e mais droga sendo colocada em meu corpo, mas desde então eu tinha começado a dar ainda mais valor às coisas da minha vida e a apreciar o que eu tinha nela.
Quando se está enfrentando uma doença fatal pela primeira vez a vida começa a ter um brilho maior e o mundo parece mais bonito mesmo com toda a sua imundice. Quando se enfrenta essa mesma doença pela segunda vez o mundo parece ganhar ainda mais cor e as pessoas que estão nele parecem ter um esplendor quase divino.
Era assim que eu estava me sentindo em relação aos meus amigos nos últimos meses. Todos estavam ganhando mais espaço em minha vida e coração a cada dia, mesmo os que eu mal havia conhecido.
O valor as pequenas coisas é uma das várias pequenas dádivas que uma doença fatal pode te trazer, pensar que pode não haver um amanhã faz o seu hoje ser especial, mas pensar que pode não ter aquele alguém no seu amanhã faz todas as suas memórias do hoje serem especiais.
Pensar sobre e eu nos últimos meses me trouxe essa reflexão. Eu não esperava que pudéssemos ficar tão próximos em tão pouco tempo mesmo depois de toda a nossa história. E nem que eu pudesse me apaixonar de novo por ela. Não que em algum momento da minha vida eu tenha deixado de amá-la, mas é claro que de formas diferentes ao longo dos anos.
Agora com ela tão próxima de mim eu não poderia evitar cair em seus encantos novamente. Principalmente com ela caindo em cima de mim de 5 em 5 minutos enquanto nós tentamos fazer o passo que nos foi ensinado há pouco.
– Olha, pra mim já deu. – Ela disse se sentando emburrada no chão.
– Você só tentou algumas vezes . – Ray disse rindo ao seu lado.
– Mas vocês sabem que eu não levo jeito para dança. Sinceramente não entendo essa palhaçada de valsa para as madrinhas, a gente só está lá pra testemunhar a união de vocês, não para valsar. – Ela disse e todos nós rimos.
– Acontece meu bem, que se eu vou fazer, quero todas as minhas melhores amigas comigo pra isso. – Eva disse colocando uma mão no ombro dela.
– Vamos só mais uma vez . – Eu pedi estendendo a mão para ela que fez careta e a pegou.
Nós começamos a coreografia do começo e na hora do pequeno salto fechou os olhos e pulou em mim, nós quase caímos no chão e ela riu vendo que tinha conseguido, me fazendo sorrir enquanto a descia devagar deixando nossos rostos muito próximos e a respiração descompassada. Ficamos naquela posição alguns instantes até Ray nos chamar.
– Parabéns casal, mas nada de se comer em público, por favor. – Ele brincou e se afastou rindo.
– Cala boca Raymond. – Ralhou e riu batendo palmas. – A gente conseguiu! – Me abraçou em seguida e dessa vez eu desequilibrei caindo de bunda no chão arrancando risadas de todos nós.
– Calma , assim você quebra o homem. – Cait brincou do outro lado do salão recebendo uma língua de volta.
– Mais uma vez. – Os professores que estavam nos passando o passo falaram ao mesmo tempo chamando a atenção de todos nós.
Aquela cena se repetiu várias vezes durante os meses de ensaio para a valsa do casamento.
A cada dia eu parecia conseguir ver mais claramente a beleza de , o brilho que ela carregava durante sua adolescência e aquilo me fascinava de uma forma estarrecedora.
Estava cada vez mais difícil conter e esconder a minha vontade de ficar pra valer com .
– E aí, quando você vai falar com ela? – Ray perguntou enquanto andávamos pela orla da praia.
– O que? – Perguntei confuso com o assunto repentino.
– Quando você vai falar com a . – Ele disse como se fosse óbvio e eu revirei os olhos.
– Falar o que? – Perguntei retoricamente e ele riu.
– Não se faça de desentendido . – Ele disse e eu bufei resignado.
– Não vou, nós somos só amigos. – Eu disse e o vi imitar meu gesto.
– Ata , ata. Cara é claro que ela está na sua também. Vocês estão destinados ao infinito, lembra? – Ele perguntou e eu senti um arrepio correr minha coluna ao lembrar daquelas palavras.
– Você ainda se lembra disso. – Eu constatei e ele assentiu.
– Claro, como eu poderia esquecer. Inclusive lembro que você nunca nos contou o que ela te disse em particular. – Ray insinuou e eu ri.
– Já faz tanto tempo que eu nem me lembro mais... – Menti na cara dura para meu amigo que deu de ombros.
– Enfim... Você não vai nem tentar? – Ele perguntou e eu dei de ombros também.
– Não sei. Mas por enquanto vamos queimar essa sua gordura aí pra você poder entrar naquele terno. – Eu brinquei começando um ritmo leve de corrida.
– Olha quem fala, se continuar a emagrecer desse jeito é capaz do terno cair quando você o vestir. – Ele disse começando a me acompanhar.
Faltando apenas um mês para o casamento todos os envolvidos não poderiam estar mais nervosos. A minha frequência de saídas com e nossos outros amigos também tinham diminuído, o que de fato não foi de todo o mal já que nos últimos tempos e com as brincadeiras de sempre dos meus amigos (principalmente as de Raymond, vale ressaltar), talvez eu estivesse voltando a gostar de de uma forma diferente, o que estava completamente fora do meu planejamento, afinal qual seria a minha reação se eu não fosse correspondida ou ainda pior, se isso o fizesse se afastar de mim de novo. Depois de 8 anos vivendo com sua ausência, não sei se suportaria perdê-lo de novo por algo tão pequeno.
– Alô, alô, terra chamando ! – Cait estava à minha frente estalando seus dedos finos em frente ao meu rosto.
– O que foi? – Perguntei arrumando minha postura na cadeira.
– O que estava passando nessa sua cabecinha de vento? Eu estou te chamando há horas! – Ela disse e eu ri de seu exagero. – Já estamos prontas, vamos?
– Meu deus, só a Eva para querer deixar isso por último. – Reclamei fazendo Cait e Meg concordarem enquanto saíamos de casa.
– Pelo menos é legal ver e escolher os vestidos. – Meg comentou trancando a porta de nosso apartamento.
– Eu particularmente prefiro escolher o bolo. – Cait disse e eu concordei rindo enquanto Meg revirava os olhos.
– Depois reclamam que estão gordas. – A morena comentou e Cait e eu rimos ainda mais.
– Meu bem, nossas gordurinhas são os nossos sex appeal. – Cait respondeu enquanto pegava uma gordurinha quase inexistente em sua barriga e dessa vez até Meg riu conosco. A escolha e prova dos vestidos sem sombra de dúvidas foi a melhor e mais cansativa parte. Os vestidos das madrinhas não seriam iguais, o que certamente evitou mais confusões.
O dia foi regado a entradas e saídas nas mais diversas lojas de roupas de festa e paradas para comer, e ao final dele estávamos mortas de tanto provar roupas de loja em loja e não ter escolhido nenhum.
– Ok, eu declaro esse dia encerrado. – Eva disse enquanto nos sentávamos com nossos milk shakes nas mãos. – Eu nunca pensei que escolher um vestido de noiva daria tanto trabalho.
Eu ri e concordei, apesar de não termos comprado nenhum vestido, Eva não havia gostado de nenhum dos que havia visto. Não demoramos muito para voltar pra casa para receber o merecido descanso dos justos.
No dia seguinte pelo menos pudemos achar todos os vestidos pela manhã e aproveitar o resto do sábado em casa fazendo nada.
No grande dia os ânimos do noivo estavam mais a flor da pele do que nunca e eu realmente pensei se no dia do meu casamento eu ficaria assim, caso eu tivesse tempo de ter um, claro.
Ray já havia acordado completamente eufórico por conta de um sonho que eu ainda não havia conseguido compreender e desde então não conseguia ficar parado um segundo sequer. No caso, vale ressaltar que foi um sacrifício conseguir faze-lo se acalmar e respirar fundo. Conseguimos nos arrumar no prazo certo e chegamos cedo à igreja o que pra mim foi um erro terrível, pois Ray perguntava se Eva já estava chegando a cada 5 minutos o que estava me dando nos nervos. Decidi ligar para , como andavam as coisas por lá.
– Oi! – Ela disse um tanto eufórica.
– Oi, como estão às coisas por aí? O Raymond está pirando e é capaz de enfartar agora mesmo. – Eu disse e ela riu.
– Aqui não está muito diferente, Eva está reclamando do vestido, do salto, da demora que está para fazer a maquiagem e tudo o que você puder imaginar. – Essa foi a minha vez de rir enquanto ela bufava.
– Eu não vejo a hora de estarmos no altar. – Eu disse e ela ficou muda por alguns segundos.
– Estarmos no altar? – Pergunto com a voz estranha.
– É, assim eles param de surtar. Ou pelo menos surtam em outro lugar longe da gente. – Eu disse e ela riu.
– É verdade, mal posso esperar pra isso acontecer logo, mas agora eu tenho que desligar, até daqui a pouco. Beijos.
– Ok, te vejo no altar. Beijos. – Pude ouvi-la rir outra vez.
– Eu não serei eu de branco. – Disse e desligou, me deixando rir sozinho.
– Que bonitinho os dois pombinhos falando mal de mim e da minha noiva no meu casamento! – Ray disse apoiando um braço no meu ombro.
– Claro ninguém consegue aguentar vocês dois malucos sozinhos. Mas vai dar tudo certo, a Eva já deve estar quase pronta, relaxa. – Eu disse dando tapinhas nos ombros de Ray.
– Valeu cara, eu não sei o que seria de mim sem você. – Ray disse olhando nos meus olhos e eu sorri para tentar não fraquejar em sua frente.
– Eu sei. – Disse franco e ele riu me dando um tapa na nuca.
– Babaca. – Ele disse e seguimos para o altar.
40 minutos e alguns surtos depois Meg e Cait atravessaram todo o caminho até o altar e se posicionaram ao lado de seus respectivos companheiros, não demorou muito a aparecer e eu podia jurar que o mundo tinha parado para focar nela e na beleza que ela esbanjava enquanto caminhava até mim.
– Fecha a boca porque a baba já está escorrendo. – Ray tentou brincar comigo, mas eu só conseguia prestava atenção no ser que caminhava em nossa direção sorridente e acenando para um e outro convidado.
– Olha se não é o melhor amigo noivo mais lindo da história! – disse apertando as bochechas de Ray.
– Falou a que está brilhando como um raio de sol. – Ele disse sem poder estar mais certo.
– Eu sei. – Ela brincou e logo eles riram enquanto eu permanecia ali parado observando a beleza dela. – Ela já vai entrar, pro seu lugar agora Raymond! – Ela disse olhando seu celular e subindo majestosamente os 4 degraus para ficar ao meu lado no altar.
– Sim senhor! – Ray bateu continência e levou um tapa.
– Se você fizer algo errado com ela eu te mato Carter. – Pude ouvi-la dizer enquanto abraçava Ray que assentiu e prometeu não fazê-lo.
– Você está muito bonito Senhor . – Ela disse perto do meu ouvido e sorriu para mim.
– Você está deslumbrante senhorita . – Eu respondi e ela riu.
– Espere até ver a noiva. – sussurrou pouco antes da música ambiente parar de tocar e uma mais calma entrar no lugar, anunciando a noiva.
– Nem o brilho da jóia mais preciosa se compara com seu esplendor hoje . – Eu sussurrei em seu ouvido e ela sorriu da forma mais linda que eu já havia visto, me fazendo desejar vê-lo todos os dias.
Logo nos viramos para frente e acompanhamos a chegada de Eva até Ray e durante toda a cerimônia eu me vi no lugar dos meus amigos, enquanto estava com os dedos entrelaçados ao de e por vezes sua cabeça descansava em meu ombro. Na troca de votos eu me segurei para não rir alto quando pegou meu lenço de bolso emprestado para secar suas lágrimas e eu não pude evitar abraça-la, que aparentemente recebeu o carinho de bom grado já que não nos deixou trocar de posição até o fim da cerimônia, quando ela foi falar com seus pais e depois voltou para mim, para podermos ir para a festa no meu carro.
Não demoramos muito a chegar ao salão de festas onde já estava tudo pronto quando chegamos. Após todos os convidados chegarem, nós fomos nos posicionar na pista de dança junto com o casal. E não demorou muito para nós fazermos a nossa apresentação, e assim que terminamos o passo de dificuldade nível hard, novamente eu senti vontade de beijar , porém diferente das outras vezes, dessa vez a vontade não passou durante a festa, muito pelo ao contrário, só aumentou enquanto eu a assistia dançar com suas amigas, algumas vezes de forma aleatória e louca, outras de forma lenta e sensual.
– Eu, Eva Miller Carter, estou te dando carta branca para ir até ela e pegá-la de jeito. – Eva disse com seriedade parando ao meu lado de repente, me fazendo sobressaltar no banco.
– E o que exatamente significa eu ter a sua carta branca? – Perguntei fazendo-a gargalhar.
– Que se você quiser investir nela, será totalmente correspondido. Mas corre, porque se não o Jason rouba dela de você rapidinho. – Ela disse apontando discretamente para o homem que caminhava sorrateiramente na direção de , Meg e Cait enquanto a noiva saia de fininho de perto de mim.
Resolvi tomar uma atitude rápida e levantei do banco sentindo uma vertigem me atingir por conta das luzes multicoloridas. Me aproximei de assim que o tal Jason chegou perto dela o suficiente para se fazer audível em meio a música.
– Oi meu amor. – Disse alto passando os braços pela cintura dela que me olhou estranho, mas logo riu.
– O quanto você já bebeu ? – Ela perguntou passando os braços pelos meus ombros.
– Quase nada, eu só vim de salvar de uma furada. – Eu sussurrei vendo o loiro dar meia volta.
– A furada Jason? Muito obrigada. – Ela disse no mesmo tom me fazendo arrepiar enquanto tentava seguir o movimento de seu corpo.
Nós dançamos um pouco e eu já não estava mais aguentando ficar no meio de tantas pessoas com um grau de agitação tão alto, apesar disso não ter durado muito mais quando uma música lenta começou a tocar e eu aproximei meu corpo do de nos deixando quase grudados.
– Eva me deu a carta branca dela. – Falei baixo e ela riu.
– Carta branca de que? – Perguntou com a voz um pouco rouca e olhando para mim.
– Ela disse que se eu investisse, seria correspondido. – Ela pareceu compreender o que eu havia dito e deitou o rosto no meu ombro.
– E você vai investir? – Ela perguntou baixo no pé do meu ouvido.
– Pra falar a verdade, estou com vontade de te beijar há horas. – Respondi suspirando e ela levantou a cabeça ficando cara a cara comigo.
– Isso é ótimo, porque eu também quero te beijar há horas. – Ela disse aproximando seu rosto do meu, e por algum motivo eu sorri segundos antes de encostar meus lábios nos dela e meu coração disparar por conta de um emaranhado de emoções.
Nossas línguas brincavam como se 8 anos ainda não tivessem passado e eu estava mais do que feliz com tudo o que estava acontecendo e quase não acreditando que aquele contato era real. Nos separamos intercalando alguns selinhos e ficamos por um tempo na pista apenas aproveitando nossa companhia antes de Eva e Ray partirem para lua-de-mel e eu me oferecer para levar em casa.
– Você, por algum acaso não gostaria de subir? – Ela perguntou um pouco corada e eu sorri quando chegamos na porta de seu prédio.
– Eu adoraria. – Disse e ela sorriu saindo do carro e me esperou fazer o mesmo.
Nós subimos e ficamos algum tempo saboreando um vinho qualquer que abriu, conversamos um pouco sobre a festa e as pessoas que eu tinha reencontrado lá. E ficamos assim até a tensão entre nós falar mais alto e nós cedermos ao que ambos queriam que acontecesse.
e eu nos amamos profundamente naquela noite e eu senti que não havia nada mais certo na minha vida do que nós dois juntos, como nos havia sido dito, nós estávamos destinados ao infinito e não havia nada mais certo que isso.
No dia seguinte acordei sentindo o sol contra a minha pele e não pude evitar sorrir quando senti o pequeno corpo de me abraçar, afundando o rosto em meu pescoço.
– Bom dia. – Saudei assim que a vi abrir um dos olhos.
– Que horas são? – Ela perguntou e eu dei de ombros.
– Não sei, mas eu preciso ir. – Eu disse e a vi fazer uma careta muito amável.
– Por que? – Perguntou manhosa.
– Tenho trabalhos para fazer. – Eu respondi calmamente acariciando seu rosto.
– Você está trocando a minha cama maravilhosa por trabalho ? – perguntou abrindo os dois olhos.
– Não meu amor, estou sendo obrigado à isso. – Eu disse ela bufou.
– Aqui tem um computador, você pode usar ele para não ir embora. – Ela falou manhosa e eu ri.
– Eu preciso trocar de roupa e não quero que você fique aqui só me olhando trabalhar. – Eu disse ainda sorrindo para a criança incorporada no corpo de . Ela bufou.
– Eu adoraria te ver trabalhar, e você pode tomar banho aqui. Sobre as roupas, eu não me importaria de te ver trabalhando de cueca, ou até mesmo nu. – Ela disse sorrindo maliciosa e eu gargalhei.
– Você não existe . – Eu disse selando nossos lábios. – Mas eu preciso mesmo ir. – Disse e ela assentiu contrariada.
– Você pelo menos toma café comigo? – Ela pediu e eu assenti, vendo um sorrisinho se abrir no rosto dela.
Depois da noite da festa de casamento de Eva, e eu entramos num consenso de que não estávamos namorando, mas também não estávamos apenas ficando, o que de início me deixou meio confusa. Alguns dias depois da volta dos nossos amigos da lua-de-mel eu havia começado a perceber coisas diferentes em , o que eu não sabia se podia perguntar por mais que eu estivesse um pouco assustada com as repetidas crises de tosse as vezes um sangramento nasal aleatório que ele sempre dizia ser por conta do calor, além da aparente perda de peso. Com o passar de mais tempo eu também havia notado repetidos e repentinos sumiços de durante as semanas. Ele faltava em algumas saídas nossas, em alguns dias parecia estar bem e em outros uma virose ou gripe repentina acabava com ele. Eu certamente estava ficando paranoica como Eva havia me dito, mas algo dentro de mim parecia insistir em me dizer que havia algo errado com ele. E então ele pareceu começar a me evitar, de repente não atendia meus telefonemas e não respondia minhas mensagens, passou dias me ignorando até eu decidir ir até a casa dele para tirar a história a limpo.
Bati em sua porta várias vezes até ele abrir e sua expressão ficar dura.
– Oi. – Ele disse parado no vão da porta.
– Oi, tem como me deixar entrar? Eu quero conversar com você. – Pedi e ele ruborizou rindo sem graça.
– Ah sim, desculpa. – Ele disse me dando passagem e logo nos sentamos no sofá.
– Então, o que te traz até aqui? – Ele disse sem olhar para mim enquanto eu olhava.
– Eu vim ver se você estava vivo, não é? Você sumiu, não nos atende e nem responde mensagens. – Eu disse e ele suspirou.
– Eu... Desculpa, eu estive muito ocupado esse último mês e mais ainda nessas últimas semanas, por causa do trabalho, você sabe... – Ele disse coçando o nariz.
– Por que você está mentindo? – Perguntei semicerrando os olhos.
– Não estou mentindo. – Ele disse e eu assenti.
– Certo, vamos fingir que eu acredito, o que aconteceu com você ? Você está pálido, parece doente e eu não sei, parece estranho.
– Eu tô normal , tá tudo bem. – Ele disse com um sorriso amarelo e eu bufei.
– Será que dá pra você parar de pensar que eu sou idiota e não te conheço? – Perguntei exasperada e ele finalmente me olhou nos olhos suspirando.
– Desculpa.
– Eu não quero desculpas , por favor, só me diga a verdade. Se você não quiser mais nada comigo é só falar, não precisa se afastar de todo mundo e nos ignorar. – Eu disse ele riu alto.
– Como assim se eu não quiser mais nada com você? Do que você tá falando? – Ele perguntou se arrumando no sofá para olhar para mim.
– É, eu sei que não estamos namorando e nem nada, mas se você estiver cansado, ou tiver percebido que não quer mais nada comigo, não desconta isso nos nossos amigos. – Eu disse ele riu alto.
– Você tá um pouco maluca. – Ele disse ainda rindo um pouco. – De onde você tira essas coisas?
– Você sumiu e não disse nada, eu imaginei centenas de coisas! – Eu disse ele riu ainda mais. – Para de rir babaca. – Eu ri um pouco com ele que parou aos poucos negando com um aceno. – Vai me falar o que tá acontecendo agora? – ficou em silencio e desviou o olhar de mim para qualquer ponto que estivesse mais atrás. – Qual é ! É sério isso? – Perguntei indignada.
– É meio complicado de dizer e sinceramente não acho que você tenha muita coisa a ver com isso. – Ele disse suspirando e eu o olhei ainda mais indignada.
– Eu só quero saber o que está acontecendo . Eu sei que você gosta de mim, apesar de não ter parecido há pouco, assim como eu gosto de você. Mas não minta pra mim e não aja como se não houvesse nada entre nós. Me deixa fazer parte da sua vida por inteiro. – Eu supliquei pegando em sua mão, fazendo-o olhar nos meus olhos e me fazendo perceber uma pequena camada de água acumulando-se neles.
– Você realmente quer fazer parte da minha vida? – Ele perguntou voltando a olhar para baixo. – Mesmo que isso machuque você?
– Eu sempre quis , eu amo você e não importa quantas vezes isso me machuque, você sempre ameniza a minha dor. – Disse tudo o que eu queria dizer há tempos.
ficou alguns segundos encarando o chão, parecia agitado e dividido. Levei um susto quando ele soltou minha mão e se levantou de supetão indo para a escrivaninha e abrindo a gaveta com brutalidade. olhou vários papéis lá dentro e puxou um envelope com um suspiro. Ele se sentou de frente para mim e me entregou o envelope.
– O que é isso? – Perguntei olhando o símbolo de uma clínica.
– Resultados. Só abre. – Ele pediu se virando para frente.
Eu não estava entendendo muita coisa do que estava escrito ali, mas as duas últimas folhas explicaram de forma clara o que estava acontecendo.
– Você está doente. – Constatei relendo os últimos parágrafos.
– Estou com câncer no pulmão, estádio II*, por enquanto está só no pulmão, estou me tratando. – Ele disse resignado e eu me virei para olhá-lo.
– Há quanto tempo você está com isso? Quando você descobriu? – Perguntei ouvindo minha voz vacilar um pouco.
– Há alguns meses. – Ele disse ainda sem olhar para mim.
– Por que você nunca nos disse? – Perguntei, sentindo as primeiras lágrimas acumularem-se.
– Estávamos ocupados com o casamento e eu não achei que devesse estragar o clima em que estávamos com isso.
– Estragar o clima? É a sua saúde em jogo ! – Eu bufei e ele deu de ombros. – É por isso que você tem sumido? Me evitado?
– Não, eu não tenho te evitado, mas é que com o início do tratamento eu não tive tempo e nem disposição mais pra sair com vocês. Eu não quero que você pense que eu não quero ficar com você depois daquela noite, longe disso , quero passar todos os momentos possíveis ao seu lado, mas eu não sei como vou ficar depois disso. – Apontou para seus pulmões. – E você merece ter uma vida feliz ao lado de alguém saudável e que possa te fazer feliz também, não eu que estou doente e passando por vários tratamentos que acabam comigo.
– Não ! Para com isso! – Eu pedi, me levantando exasperada. – Eu amo você e é você que me faz feliz estando saudável ou não, eu vou ficar do seu lado sempre.
Ele pareceu um pouco perplexo ao ficar um tempo olhando para mim, que examinava novamente as linhas daquela folha maldita.
– É maligno provavelmente, . – Ele disse alguns segundos depois me fazendo virar para encará-lo.
– Como assim? – Perguntei retoricamente, o que não o impediu de me responder.
– Pode ser que eu me cure agora, mas talvez algum dia ele volte. – Ele disse e eu suspirei.
– Você sabe que você deveria dizer que também me ama e me beijar ao invés disso né? – Perguntei rindo de nervoso não conseguindo conter as poucas lágrimas.
– Eu quero que você saiba todas as complicações antes de aceitar ficar comigo, pra valer. – Ele disse se levantando também.
– Eu aceito tudo pra ficar com você . – Eu disse quando ele aconchegou meu rosto em suas mãos secando algumas lágrimas que caiam, seus olhos também estavam lacrimejando.
– Então agora eu posso dizer que eu te amo e te beijar . – Ele disse rindo enquanto sua primeira lágrima desceu.
encostou seus lábios delicadamente, como se qualquer movimento muito brusco pudesse acabar com aquele momento. O beijo seguiu da mesma forma. Eu queria muito poder chorar, gritar o quanto aquilo era injusto, me descabelar e desesperar, mas eu também podia imaginar o quanto aquilo devia estar sendo difícil para , ele era jovem e tinha todo um futuro pela frente em jogo. Mas eu não o deixaria de novo nem que minha própria vida dependesse disso, e eu acreditava sim que o nosso amor seria capaz de passar por tudo aquilo. Nós passaríamos por tudo aquilo juntos.
Eu não tinha certeza do que estava fazendo quando decidi deixar continuar na minha vida, mesmo sabendo que havia grandes e sérios riscos dela não durar o suficiente. Com o passar de cada dia e das drogas que eram colocadas no meu corpo, eu me sentia mais debilitado, mas sentia que eles estavam cumprindo sua função.
me acompanhou em algumas sessões de tratamento por mais que eu tivesse insistido para ela não participar. Não posso negar que fiquei extremamente tocado quando ela me deu um sermão, me prometendo nunca mais me deixar sozinho e me fazendo prometer nunca mais tentar afasta-la de mim em momento do meu tratamento. A cada dia que passava eu também tinha mais certeza de que ela era a mulher da minha vida, a minha tal alma gêmea ou metade da laranja, como preferir. Mas como nem tudo é sempre fácil, houve o dia em que nós tivemos que contar para nossos outros amigos. Eva e Ray choraram e reclamaram como crianças de como aquilo era injusto, Meg e Cait tentaram se manter firmes, mas não conseguiram se segurar na hora de me abraçar. esteve ao meu lado o tempo todo e contou praticamente tudo para cada um deles, fazendo questão de repetir exatamente o que o oncologista havia lhe dito, passando para eles sua segurança e positivismo.
Depois disso também, todos eles começaram a fazer rodízio para me acompanhar as sessões de terapia e consultas. Eu nunca me senti tão amado e acolhido, apesar de saber ficar mal em pensar em como eles ficariam quando eu partisse. E não ache que eu sou pessimista, mas grande parte da minha família de ambos os lados morreu de câncer e eu talvez não tenha a sorte de quebrar a tradição. Por mais que esteja tentando de tudo para ficar bom, o tumor mais aumentava do que regredia, mas eu não deixaria que os outros soubessem.
As coisas não pareciam tão ruins quando eu pensei que poderiam ficar parecia estar reagindo bem ao tratamento, nós saíamos às vezes, quase sempre ficávamos em minha casa, ou na dele conversando, vendo filmes e séries deitados na cama ou no sofá. Até que em um dia ensolarado ele resolveu que nós deveríamos sair para tomar vitamina C no parque e fomos fazer um piquenique. Nós comemos, rimos, e em algum momento ele sacou um violão que eu não tinha visto.
– Essa é uma composição especial que eu fiz pra você, mas que logo estará fazendo sucesso na voz de um cantor famoso. – Ele disse com um tom pomposo que me fez rir. – Se chama Edge of Desire fiz ela pensando em tudo o que nós passamos nesses anos e sei lá, nada mais justo você ouvi-la primeiro, não é? – Assenti enquanto tentava engolir um pedaço de bolo que foi maior do que eu esperava para minha boca, fazendo-o rir gostosamente.
Enquanto ele começava os primeiros acordes da música pude notar que suas bochechas estavam um pouco rosadas o que me fez rir baixinho chamando sua atenção.
– O que foi? – Ele parou de tocar olhando para mim um pouco nervoso.
– Nada, só achei engraçado você estar com vergonha. – ficou mais vermelho, me fazendo rir ainda mais beijando-o várias vezes na bochecha e nos lábios.
– Faz muito tempo que eu não canto pra você e minha voz mudou um pouco. – Ele disse enquanto voltava com os acordes suaves.
A voz de soou baixa e rouca, mas ainda incrivelmente suave, como eu me lembrava, apesar de estar um pouco mais grossa e particularmente sensual.
– Ela é linda , é uma pena que vá ser gravada por outra voz que não deve se comparar a sua. – Eu disse ele riu dando de ombros.
– Meu talento não pode ser ouvido por todos. – Eu ri alto.
– Que ego hein... – Comentei me encaixando entre suas pernas e me deitando em seu tronco.
– É claro, já pensou em quantas mulheres iriam correr atrás de mim sendo esse cantor e pessoa maravilhosa e gostosa? – começou a fazer um carinho no meu cabelo me fazendo amolecer aos poucos.
– Eu acabaria com todas elas sem precisar mover uma palha... – Comentei e ele riu.
– Claro que sim meu amor, até porque eu sou só seu e de mais ninguém. – Ele disse eu sorri me virando para beijá-lo.
Logo eu podia sentir o olhar maldoso de algumas pessoas sobre nós por conta da atual posição em que nos encontrávamos: Eu sentada praticamente no colo de descendo alguns beijos para seu pescoço.
– Acho que é melhor irmos para casa, antes que sejamos indiciados por atentado ao pudor. – Ele disse me segurando pela cintura e eu ri concordando.
Nos levantamos e arrumamos as coisas sem pressa e rindo de algumas senhoras que olhavam para nós. Fomos para o carro de mãos dadas e fomos para sua casa que estava vazia para terminarmos o que havíamos começado no parque.
– Infelizmente não tenho outra forma de dizer isso para você. – Dr. Kurt disse me dando o laudo que eu já sabia que não tardaria a vir. O meu câncer tinha começado há resistir ao tratamento e eu certamente não teria o tempo que eu gostaria. Suspirei assentindo conformado. Milagrosamente eu estava sozinho naquele dia, assim eu teria tempo de pensar em como contar isso para o pessoal.
Depois de algum tempo juntos, e eu havíamos decidido alugar um apartamento pequeno para nós dois, então há quase 2 meses nós estávamos morando juntos. Fui o caminho inteiro pensando em como contaria para ela sobre meu atual estado. O dia passou e já que eu não tinha mais um trabalho, decidi arrumar um pouco a casa para me distrair até a hora que ela chegasse do Nostrum. Ouvi a porta ser aberta e senti instantaneamente meus músculos ficarem tensos.
– ? – me chamou colocando as chaves e a bolsa em cima da mesa.
– Aqui no quarto. – Respondi marcando a página de um livro que eu estava tentando ler e tirando os óculos.
– Oi amor. – Ela chegou me dando um beijo carinhoso.
– Oi. – Disse sentindo meu coração acelerar. – precisamos conversar. – Disse sem rodeios e ela parou de tirar os sapatos desviando sua atenção para mim.
– Pode falar. – Ela disse se sentando de frente para mim com a expressão séria.
– Piorou. – Eu disse e ela ficou alguns segundos processando o que eu havia dito.
– Como assim piorou? – Ela franziu o cenho.
– Eu mudei de estágio, passou do II para o III, não tem mais jeito. – Eu pude acompanhar sua mudança de feição de perto e a última acabou comigo por dentro. conseguiu passar da incompreensão para a compreensão, e dessa para o choque e do choque para o desespero em questão de segundos.
– Não . Como assim? A gente fez tudo certo, você estava fazendo o tratamento todo certo, por que piorou? – Ela perguntou com a voz embargada e os olhos brilhando por causa das lágrimas.
– Aconteceu meu amor, não foi culpa nossa. – Eu disse enquanto a puxava para um abraço.
– Mas não é justo , não é justo! – Ela disse soluçando nos meus braços não me deixando guardar as minhas próprias lágrimas.
– Não é, mas nós vamos ficar bem, eu vou ficar bem. – Eu disse tentando convencer a nós dois, mas o silêncio choroso dela não me deixou confiar nas minhas palavras.
– Vai ficar tudo bem, não é? – Ela perguntou quando sua crise de soluço passou, os olhos e o nariz estavam vermelhos, a respiração entrecortada e a voz tão baixa e frágil que eu quase não a escutei.
– Vai, vai ficar tudo bem. – Eu lhe confirmei secando suas lágrimas. – Eu prometo. – Ela assentiu com a cara de quem voltaria a chorar e eu tentei sorrir.
– Eu ainda vou estar aqui com você, eu nunca vou deixar você. – Ela disse e eu lhe sorri terno dessa vez selando nossos lábios que estavam salgados.
– Eu também não vou te deixar, nunca durante a sua vida . – Prometi não conseguindo segurar o embargo na minha voz.
Aquela noite foi regada a choro, beijo e carinho. No dia seguinte, sábado, nós contamos para os meus pais e nossos amigos. Novamente se manteve firme enquanto a comoção geral quase não me permitia falar direito. Enquanto nós conversávamos, a minha mente não conseguia parar de pensar em formas de me fazer ser eterno no meio deles. Uma ideia brilhante me ocorreu no dia seguinte enquanto eu pesquisava no Google.
Não demorei pra aproveitar que não estava em casa e fiz uma maratona de gravação. Talvez um vídeo matasse um pouco a saudade deles de me ver vivo daqui há algum tempo. Primeiro gravei um vídeo para Ray, Eva, Meg e Cait. Depois o dos meus pais e deixei por último o de , sabendo que seria o maior e o que eu menos conseguiria controlar minha emoção. O último, no entanto, eu não consegui gravar porque a dita cuja chegou enquanto eu terminava de editar o vídeo dos meus pais. O de eu gravei no dia seguinte depois de ela ter saído para o restaurante e sem querer me gabar, mas já me gabando, foi o mais bonito. Escrevi cartas também. Eu só não esperava que aquela fosse a minha preparação para meus últimos momentos com eles.
Eu não sabia o que dizer daquele dia que havia começado tão estranho.
Estávamos chegando perto do mês do natal e eu já estava começando a preparar as coisas para arrumar a nossa casa. parecia piorar um pouco de vez em quando, mas melhorava dias depois, o que me matava de preocupação. Seu quadro se mantinha estável, por mais que decaísse de tempos em tempos. Já havia 1 ano de batalha árdua contra a doença.
Mas naquele dia em especial algo me chamou a atenção assim que eu acordei e olhei pela janela o quarto. O dia que deveria estar ensolarado estava cinza e sem graça. dormia tranquilamente ao meu lado enquanto o despertador ainda não havia tocado. Alguns pássaros começavam seu dia cantando ao longe, me fazendo parar na janela para observá-los de longe, passei longos minutos observando a calmaria que a vida parecia estar naquele dia. Voltei para cama e me deitei ao lado de , olhando longamente para seus traços, decorando cada um deles e guardando todos no fundo da minha memória.
Eu o amava demais.
Mais do que eu pudesse sequer tentar calcular ou por em palavras. fazia parte de mim, era uma das coisas mais importantes da minha vida. Se ele já não tivesse se tornado ela por inteiro.
Meu coração começou a acelerar quando ele começou a tossir forte apesar de não acordar, mas parou por alguns minutos, e voltou a dormir. Quando deitei novamente vi o pequeno filete de sangue escorrendo de seu nariz e do canto da boca.
– ! Acorda ! – Praticamente gritei pulando da cama e corri para levanta-lo. estava gelado o que aumentou ainda mais meu desespero.
– , por favor amor, acorda! – Pedi tentando faze-lo abrir os olhos. – ! – Gritei e ele abriu devagar um dos olhos.
– , eu não tô bem. – praticamente fechando os olhos de novo.
– Eu sei amor, aguenta firme, por favor, eu já vou te levar pro hospital. – Eu disse vendo-o abrir os olhos com muito esforço, saquei o telefone que estava em cima do criado mudo e disquei os números do oncologista que cuidava de , ele me disse para esperar por ele que estava vindo com uma ambulância e me passou algumas orientações para ajudar com .
Eu fiz tudo o que ele mandou, mas parecia piorar cada vez mais, a tosse que antes estava saindo seca, agora expelia o que eu podia jurar serem litros de sangue. A ambulância não demorou muito a chegar e a levarem . Eu não podia deixar o desespero tomar conta de mim, então liguei de imediato para Eva que não demorou a atender e a voar para o hospital com Ray. Logo mais tarde estavam todos por lá.
A semana foi difícil para . O tumor havia se espalhado para alguns órgãos mais próximos ao pulmão e a qualquer momento podia chegar ao coração. Eu estava péssima, não dormia há dias, mal comia e bebia. Eu ficava com os turnos da noite com no quarto. Ele não ficava acordado por muito tempo por conta dos sedativos para ele não sentir dor. Estava magro e pálido, os cabelos pareciam sem vida e sua boca não tinha mais a cor avermelhada que eu passei anos da minha vida admirando, as mãos estavam frias por mais que eu o enchesse de cobertores, cobrindo-o até o pescoço, os olhos estavam com olheiras quase piores que as minhas, roxas e fundas. Não era o que eu conhecia, mas ainda era o homem que eu amava.
No entanto, eu senti um fio de esperança em seu último dia quando ele acordou e não reclamou de dor alguma, pediu para que trouxessem seu prato e sobremesa favoritos e cantou a primeira parte de Egde of Desire para todos nós. Não parecia estar morrendo e nem se despedindo. parecia estar apenas tendo um dia diferente no hospital com todas as pessoas que o amavam. Seus pais foram embora no começo da noite, assim como nossos amigos. Meus olhos estavam vermelhos e meu rosto provavelmente muito inchados, mas não poupou elogios durante algumas boas horas antes de todos irem.
– Deita aqui comigo. – Ele pediu batendo fracamente ao seu lado na cama, arrastando fracamente seu corpo para o lado. Eu fiz o que ele pediu sentindo um nó na minha garganta apertar cada vez mais. – Eu já te disse o quanto eu fui sortudo por ter tido você na minha vida? – Ele disse com a voz embargada e eu não consegui responder com palavras por causa das lágrimas, mas fiz um aceno negativo, fazendo o rir baixinho, o máximo que conseguiu.
– Eu sou um otário mesmo, como eu nunca te disse isso? – Ele perguntou e riu mais um pouco, me fazendo rir fraco também. Estava doendo tanto. – Eu fui o cara mais sortudo de todas as galáxias por ter tido você . Eu fui o homem mais feliz da face da terra por ter sido amado por você. Eu fui o homem mais realizado de todo o mundo por ter tido a chance de conhecer e amar a pessoa maravilhosa que você é, e mesmo com todos os nossos erros e as nossas conturbações eu não me arrependo um minuto sequer de todos os momentos que nós tivemos juntos. Não vou me esquecer de nenhum, vou leva-los comigo para onde quer que eu vá. Mas quando eu for, eu quero que você viva, que tenha novos amores, filhos, case e tudo o mais. Só não se esqueça de mim. – Ele brincou em meio as lágrimas e eu já não conseguia mais respirar, a dor parecia cada vez maior e me engolia de uma forma grotesca.
– Eu nunca vou esquecer você , você é e sempre vai ser o amor da minha vida, e mesmo se eu quisesse eu não poderia esquecer quem me deu o melhor presente da minha vida. Eu sou a mulher mais sortuda, mais feliz e realizada no mundo por ter sido amada por você . E somos o infinito, não? Não vamos nos separar de forma alguma, em momento nenhum, nunca. – Eu disse ele assentiu derramando suas lágrimas em meu cabelo.
– Eu te amo muito . – Ele disse e soluçou, eu não consegui responde-lo novamente, mas tentei mostrar todo o meu amor através de um beijo. Ele sorriu se separando com selinhos de mim.
– Vou sentir muita falta de beijar você quando eu for um fantasma. – Ele disse arrancando uma risada e mais lágrimas de mim.
– Me conta uma coisa boa. – Pedi escondendo meu rosto em seu peito, ele pareceu parar para pensar por um momento.
– Em algum lugar, em algum momento da história, em qualquer lugar do universo e multiverso nós estamos felizes e saudáveis, sem traumas, sem doenças, sem perdas. Estamos felizes e casados, esperando a chegada de nosso primeiro ou segundo filho. Talvez seja um casal, um deles teria os seus olhos e o seu sorriso, um deles teria os meus olhos e cabelos. Nós os criaríamos com amor e eles nos dariam orgulho e muitos netos. Nós passaríamos a velhice numa casinha de cercado branco e morreríamos juntos em uma noite de verão. – contou sem forças para tentar esconder a voz chorosa. – Bem, eu espero partir sonhando com isso. – Ele riu e dessa vez eu não o acompanhei, apenas escondi mais meu rosto nele que apertou o abraço em volta de mim enquanto meu choro machucava a nós dois.
– Eu não quero que você vá embora , por favor. – Implorei sentindo-o soluçar em baixo de mim.
– Eu também não quero ir meu amor, mas não podemos controlar isso. – suspirou.
E assim foi o resto da noite.
Na manhã seguinte o que houve foi o barulho ensurdecedor do monitor indicando a falta de . O silencio nunca gritou tão alto e a dor foi insuportável. Meu peito parecia queimar em brasas e todo o meu corpo formigava enquanto a força saia de mim com rapidez. Os pais de chegaram minutos após o óbito. O velório foi na manhã seguinte, uma boa parte da família estava presente e até me deram os pêsames apesar dos anos em que não nos víamos. Eva e Ray também falaram comigo, assim como nossos outros amigos. Incrivelmente, cada palavra de motivação, pêsames e qualquer outra coisa do gênero dirigida a mim apenas parecia mais uma agulha sendo espetada no fundo do meu peito. Minha mãe também estava lá e nos braços dela eu não consegui parar de chorar um momento sequer. No momento do sepultamento, eu jurava ter visto meu coração ser colocado e enterrado naquela vala junto com ele. Ao contrário dos dias em que esteve internado, tirando seu último dia, os raios de sol apareceram tímidos enquanto um padre fazia um sermão sobre a vida após a morte. Alguém lá em cima devia estar feliz em receber .
Já a volta para casa foi uma tortura sem fim.
O apartamento tinha o cheiro dele, as coisas dele, o jeito dele, a alma dele estava impregnada naquele lugar. Não me dei ao trabalho de desfazer a cama, apenas deitei e abracei o travesseiro que estava com seu perfume mais forte e chorei, por vezes até clamando seu nome. E isso se repetiu no decorrer da semana, enquanto durante as duas primeiras noites em que eu tentei dormir no nosso quarto eu sonhei com ele ao meu lado, nossos momentos passando como um filme pela minha mente. Me mudei para a sala nas outras noites, até o dia de sua missa de 7° dia. Meg, Cait e Eva me fizeram dormir com elas no nosso antigo apartamento e todas dormiram ao meu lado, e presenciaram outra crise durante a noite.
Depois de mais uma semana aceitação de que eu não veria mais , pelo menos por enquanto, começou a me abater e a dor que eu achava que não pudesse piorar duplicou, triplicou, quadriplicou no decorrer das outras semanas.
A falta que ele fazia na minha vida, o vazio que ele deixou no meu peito nunca doeu tanto. As vezes quando eu chegava em casa do restaurante por puro hábito o chamava esperando ele vir me saudar com um beijo. Eu ainda podia ouvir sua voz falando normalmente comigo, me perguntando como havia sido o dia, como se nada o afetasse. Seu toque ainda era fresco na minha memória e me fazia almejar com fervor poder voltar no tempo e aproveitar todo o tempo que nós perdemos. As lagrimas pareciam não secar nunca quando sua imagem vinha me visitar, elas caiam continuamente a todo momento. Algumas semanas depois a mãe dele, Diana me fez uma visita e assim nós fomos para nossa casa decidir o que doaríamos, o que venderíamos e o que nós gostaríamos de guardar. tinha muitas roupas, muitos livros e CDs, muitas mobílias e nós conseguimos arrumar tudo em um dia, mas eu não esperava encontrar na escrivaninha de seu lado da cama cartas para mim, Eva, Ray, Cait, Meg, e para seus pais. Resolvi que não estava pronta ainda também para ler aquilo e guardei para quando a mãe de fosse embora. Depois de comer uma besteira qualquer e ver algo para me distrair, a carta dele me parecia me chamar na mesa e eu a abri com cuidado tirando de lá alguns papéis com a letra bonita e bem desenhada de .
“Oi anjo, perdão.
Me perdoa por não ter te contado antes, mas eu tive medo de que ou você ficasse comigo por pena, ou fugisse. Mas ao invés das minhas expectativas, dessa vez você ficou comigo, de todas as formas e eu te amo tanto por tudo o que você me deu nesses quase dois anos, que você não faz ideia do quanto eu sou grato por você ter agraciado a minha vida e tornado a minha experiência de vida nessa terra a melhor possível. É uma pena eu não poder ficar mais e poder ter mais doses do seu sorriso, mais beijos, mais momentos, mais infinitos, mais amor. Eu gosto dessas nossas coisas, porque elas ficarão marcadas em mim eternamente.
Definitivamente não era assim que eu queria que as coisas acabassem.
Nos anos em que nós passamos separados, eu queria fugir da minha vida e voltar para os nossos dias, a nossa vida, o nosso amor, os nossos pequenos infinitos. Inúmeras vezes pedi aos céus pra poder voltar para os seus braços, e felizmente isso aconteceu, não é? Eu realmente realizei meu sonho de ser seu de novo, e de terminar os meus dias ao seu lado, por mais poucos que fossem. Sou grato por tudo o que vivemos juntos, e espero que você também seja.
Eu te amo muito , muito mais do que qualquer pessoa no mundo possa contabilizar, mais do que a vastidão do espaço, mais do que a minha própria vida. Você foi de longe a melhor coisa que me aconteceu e eu queria muito poder ter mais, porque dói saber que pra onde eu vou, não tem você e sua risada.
Mas não vamos mais falar de coisas tristes, eu espero que você goste dos nossos top 3 melhores 8 infinitos que estão guardados em um vídeo pra você e quem mais recebeu as cartas, e que com isso você não se esqueça de mim.
Com amor, .”
A essa altura, eu soluçava enquanto tentava controlar o choro que vinha com uma dor excruciante no peito. Eu queria desesperadamente gritar por , para vê-lo chegar na porta eufórico e perguntar se eu estava bem, queria beija– lo e saber que tudo não passou de um terrível pesadelo.
Também não demorei a buscar o computador dele que tinha como protetor de tela uma foto nossa no parque. Senti uma vontade imensa de voltar desesperadamente para aqueles dias. Assisti o vídeo 3 vezes seguidas, e depois vi os outros, enviando-os para seus devidos remetentes. No final eu mais ri do que chorei com o que dizia no vídeo. Eu me lembrava de cada um dos dias, de quase todos os detalhes e por um momento até me esqueci de que ele não estava lá para me lembrar do que faltava nas minhas lembranças. Por aqueles minutos eu me senti feliz e próxima de como há dias não sentia, me senti tão plena com isso que vi admirei o sorriso dele pela tela do computador até pegar no sono no sofá.
Epílogo:
Depois de muito tempo após a morte de , conseguiu se recuperar, não totalmente, mas uma parte de seu gosto pela vida havia voltado quando ela encontrou um garotinho na rua, perto da páscoa, ela o levou para casa e o acolheu, estranhamente o garotinho que tinha por volta de 5 anos e se chamava e tinha olhos muito semelhantes aos de , assim como também tinha os cabelos da mesma cor, porém a pele uns tons mais escuros. lutou bravamente na justiça para conseguir a guarda da criança e teve muito orgulho quando ele se formou em fotografia e se tornou um fotógrafo renomado. O Nostrum que também era a segunda paixão do garoto que junto com a filha de Eva e Ray, que por sinal acabou se tornando sua namorada e esposa, ficou nas mãos da família por muito tempo, nunca perdendo as 5 estrelas conquistadas com muito suor, sangue e lágrimas. nunca arranjou outro alguém, mas era feliz com seu filho e seus netos, morando em uma casinha de cercado branco e com um jardim enorme onde ela passou seus dias cuidando das flores e onde faleceu sendo levada para o infinito por seu amor estrela cruzada do infinito.
Acordei sobressaltada na cama com os fragmentos do sonho-lembrança rondando minha mente, e olhei para minha mãe, que lia calmamente um livro apenas com a luz de um abajur.
– Tudo bem, querida? Teve um pesadelo? – Ela perguntou desviando seu olhar para mim.
– Foi uma lembrança, da minha viagem com . – Expliquei, limpando uma pequena camada de suor de meu rosto.
– Vai ficar tudo bem , você tem que acreditar nisso. – Ela me disse e eu bufei.
– Eu sei mãe, eu sei, mas eu não consigo ficar calma e pensar positivo depois de tudo aquilo. Só de pensar no tanto de coisas que ele não sabe eu já começo a surtar. – Disse, me sentando na cama. – Eu senti tanto a falta dele naqueles dias, e depois que eu melhorei, consegui seguir com a minha vida, ele volta e eu não sei, parece que o tormento daqueles dias voltaram com ele. – Ela suspirou e assentiu.
– Algum dia isso ia acontecer, então é melhor você se preparar para ser forte quando o momento chegar. – Minha mãe disse e passou a mão pelo meu cabelo.
– E se eu não conseguir ser forte o suficiente e der pra trás na hora? – Perguntei repleta de insegurança.
– Vai ser difícil, mas você sabe que ele merece saber para vocês poderem se acertar e você é forte minha filha, vai conseguir. – Eu assenti e ela me abraçou de lado, me fazendo deitar em seu ombro.
No dia seguinte todos nós nos levantamos cedo e tomamos café juntos, porém eu não demorei a pegar a estrada de volta para casa. Durante a viagem de volta, minha cabeça não conseguia parar de repassar minhas conversas com a minha mãe no dia anterior, a medida que meu celular assim que encontrou um mínimo sinal de civilização começou a vibrar dentro da bolsa sendo entupido de mensagens que de longe eu reconhecia serem de Meg, Cait e Eva.
Assim que abri a porta de casa ouvi passos virem rapidamente em direção à sala.
– ! Onde diabos você se enfiou? Quer nos matar de preocupação? – Meg gritou comigo assim que vislumbrou minha figura trancar a porta.
– Desculpa general, eu estava com os meus pais. – Disse sorrindo para ela e Cait, que saia do corredor com uma cara amassada e olheiras suaves.
– Bom dia gente, , a Megan faltou surtar durante a noite, por favor, não faça mais isso. – Ela disse bocejando em seguida e eu ri.
– Desculpa gente, mas eu realmente precisava ficar com a minha família. – Disse, me jogando no sofá.
– E como eles estão? Seu pai? – Meg perguntou se jogando ao meu lado.
– Estão bem, meu pai ainda está melhorando aos poucos. – Disse, deitando minha cabeça no encosto do sofá – Notícias de Eva?
– Hm. Ela quer falar com você. - Meg disse e levantou-se, indo para a cozinha em seguida.
Suspirei e olhei a hora no relógio digital em cima da nossa estante pensando se ligava logo para Eva ou deixava para ligar depois. Optei por ligar mais tarde e fui deixar minha mochila no quarto e tomar um banho. Não precisei realmente esperar para ligar para Eva, alguns minutos após a minha saída do banheiro, meu celular gritou em cima da cama com o nome dela brilhando na tela.
– Meg me contou que você foi à casa dos seus pais. Como foi lá?
– Bom dia pra você também Eva, como vai? – Cumprimentei ironicamente terminando de calçar minhas meias. – Foi tudo bem, meu pai está melhorando e bem... Minha mãe está super feliz por você e Ray.
– Bom dia, eu vou bem. Posso saber o motivo da sua visita repentina? – Ela perguntou apesar de já saber o motivo.
– Você sabe. Minha mãe me abriu os olhos de vez, vou conversar com , acertar as coisas. Mas independentemente do que aconteça, eu vou estar lá no altar com vocês e desculpa por todo o meu drama. – Pedi meio incerta e ela riu.
– Eu amo a tia Sarah! – Ela quase gritou em meu ouvido. – Tá tudo bem, a gente te entende e de qualquer forma sabíamos que você não nos deixaria na mão. – Eu por um momento me senti mais tranquila.
– Tudo bem, você por algum acaso está ocupada agora?
– Sobre o que você quer falar? – Ela perguntou rindo e eu não consegui acompanhá-la.
– Minha mãe me disse algumas coisas que não saem da minha cabeça, e como você já deve imaginar eu não sei o que fazer. De novo. – Ri sem graça.
– Ok, espere um momento que a Doutora Miller já irá lhe atender. – Eva fez uma voz afetada e riu assim como eu. – E aí, o que está incomodando essa sua cabecinha? – Ela perguntou alguns segundos depois.
– Estou tomando coragem pra falar com . Explicar o que aconteceu pedir desculpas. Mas não tenho certeza se quero ou consigo, quer dizer, só pensar em olhar pra ele já me deixa nervosa. – Eva deixou uma risadinha escapar.
– Se você acha que isso é o melhor a se fazer, então faça. Eu estou do seu lado no que você decidir. – Eu sorri.
– Não sei realmente, eu já aceitei ser sua madrinha e ele também, será que precisamos mesmo reviver essas coisas?
– Eu acho que ele merece saber o que aconteceu antes e depois de todo aquele drama e desculpas , com certeza ele merece isso. – Ela disse séria e eu suspirei assentindo.
– Que droga de vida complicada. – Eu resmunguei antes de enfiar meu rosto no travesseiro e ela riu. – Como eu faço pra falar com ele? – Perguntei levantando de supetão.
– A gente pode marcar um jantar. – Eva sugeriu e eu neguei prontamente.
– Não, nós temos que resolver isso sozinhos. – Eu disse com uma certeza que não poderia estar em mim.
– Tudo bem, mas você pretende fazer isso quando e como? – Ela perguntou e eu bufei.
– Eu não sei! Não faço ideia nem do que eu estou fazendo. – Disse exasperada e ela suspirou.
– Tudo bem , primeiro se acalma. – Ela disse eu tive vontade de rir de seu tom de voz.
– Quero fazer isso o mais rápido possível. – Disse convicta. – Pode ser no parque, não é?
– Pra você sair correndo? – Eva disse retórica e eu revirei os olhos. – Eu te conheço e as chances de isso acontecer são enormes. Faz no seu apartamento. – Fiz careta e bufei. – Qual é , ele não vai te atacar nem nada. – Eu tinha que concordar, mas a ideia ainda me deixava desconfortável.
– Na falta de ideia melhor vai ter que ser aqui mesmo... – Resmunguei contrariada e ela sorriu.
– Vou ligar pro Ray agora.
– Pra que? – Me apressei em dizer.
– Desde que chegou eles não se desgrudam, daí ele já deixa o garoto avisado. – Ela disse como se fosse óbvio e eu dei de ombros, resignada e desliguei em seguida.
– Eu particularmente não sei quem eu vou colocar no lugar dela caso ela não aceite mesmo. Quer dizer, é claro que ela tem que aceitar, mas por via das dúvidas é sempre bom ter um plano B, que poderia ser até a Mackenzie. – Ray disse enquanto nós andávamos pela orla da praia e não pude conter a careta que fiz.
– Vai dar tudo certo, a gente conhece ela, a não vai deixar vocês na mão. – Eu disse bebendo mais um gole d’água.
– Eu não teria tanta certeza, deve estar sendo muito difícil pra ela sabe depois de tudo o que aconteceu entre vocês, com ela e o... - Ray se auto interrompeu cultivando suavemente minha curiosidade.
– Ela e o pai dela? – Eu completei o que Ray diria.
– É, o pai dela. Ele ficou uma fera e ela passou por muitas coisas com ele depois daquilo tudo. – Ele pareceu relaxar uma tensão repentina em seus ombros.
– Eu posso imaginar... – Comentei e Ray riu fraco com desgosto.
– Ah meu caro, não imagina mesmo, eu não desejo o que a passou nem para o meu pior inimigo, mas de qualquer forma, ela é forte, vai aguentar passar por essa também. – Eu quis dizer que pra mim também não havia sido fácil, mesmo porque havia sido uma desgraça atrás da outra, mas deixei Ray continuar a falar sobre o sofrimento de durante a minha ausência.
Ray trocou de assunto alguns minutos mais tarde, mas ainda assim eu não conseguia manter minha atenção focada no que ele dizia até seu telefone gritar e a foto de Eva aparecer no visor.
– Um minuto. – Ele pediu e se afastou um pouco para atender a ligação com um sorriso bobo na cara.
Por um momento eu invejei Ray e Eva. Eles eram jovens e saudáveis, estavam bem vivendo juntos, iam se casar, formar uma família, estavam se estabilizando profissionalmente e provavelmente seriam felizes juntos pelo resto da vida.
– Acho que temos salvação! – Meu amigo exclamou animado, quase pulando. – aceitou ser a madrinha! Mas, hm... Ela disse que quer falar com você antes de qualquer coisa.
– Ray, se controla você está parecendo uma garotinha de 15 anos animada. – Comentei rindo e ele me deu um tapa na nuca. – Ela quer falar sobre o que e que dia?
– Eu não sei data e nem do que se trata, mas tenho o direito de ficar feliz com os meus dois melhores amigos estando juntos no altar comigo e o amor da minha vida. – Não consegui evitar outra careta enquanto Ray ria alto de mim e o do que dissera há segundos atrás.
– Eu realmente perdi muitas coisas... – Murmurei enquanto voltávamos a caminhar.
– Você não imagina o tanto. – Ele me respondeu e logo entrou em um ritmo suave de corrida.
Algumas horas depois eu já estava em casa arrumando algumas coisas para o dia seguinte no meu novo trabalho quando ouvi meu celular apitar.
“Espero que você esteja disponível na quinta à noite, às 7 na minha casa (endereço no anexo) para conversarmos”.
Ps: É a .”.
Eu quase ri do final da mensagem e não demorei muito a respondê-la.
“Ok, posso saber do que se trata?”
Alguns segundos meu celular apitou novamente.
“Nós e o casamento dos nossos amigos.”
“Ok”
Por um estranho momento eu tive a sensação estranha em relação ao “jantar”, mas resolvi ignorar para continuar minha tarefa ainda com a curiosidade sobre como seria minha conversa com rodando minha cabeça.
Eu não sabia dizer se agradecia o fato de que aqueles foram os 3 dias mais demorados da minha vida, ou se tinha raiva porque eu ficava mais ansiosa para sentar e resolver aquela parte da minha vida de uma vez, mesmo sem saber o que dizer ou como agir com ele.
No entanto, eu não podia negar que quando o interfone tocou 20 minutos antes do esperado eu senti meu coração parar enquanto ficava parada olhando para o aparelho.
– ? – Perguntei estralando os dedos.
– É eu cheguei um pouco mais cedo, algum problema? – Ele perguntou parecendo um pouco agitado.
– Não, eu já vou aí abrir, espere um minuto. – Disse e coloquei o telefone no gancho saindo do apartamento e descendo as escadas com pressa.
– Conseguiu chegar aqui com facilidade? Algumas pessoas se perdem. – Perguntei e comentei abrindo a porta.
– Sim, não é muito longe de onde eu estou morando com meus pais. – Ele respondeu quando eu consegui tirar a minha chave da fechadura e abrir o portão. E então ficamos os dois nos olhando sem saber o que fazer até eu dar passagem para ele.
– Tudo bem com você? – Perguntei fechando a porta e seguindo para o meu prédio.
– Sim, e com você? – Ele perguntou me seguindo escadaria a cima.
– Também. – Disse mexendo inquietantemente minhas mãos enquanto subíamos os lances de escada com uma lerdeza impressionante.
– Por que você está nervosa? – Ele perguntou olhando para elas.
– Não estou nervosa. – Respondi rindo de nervoso.
– Você não me engana , sobre o que nós vamos conversar? – Ele perguntou entrando no meu apartamento.
– Sobre nós e o nosso papel no casamento de Ray, eu te falei isso por mensagem. – Disse ainda torcendo meus dedos enquanto ele me olhava franzindo o cenho.
– E precisava ser aqui e sozinhos? – Ele perguntou parando na porta da cozinha.
– Isso te incomoda? – Rebati cerrando os olhos.
– Não, eu só estranhei porque digamos que você não me aceitou muito bem aquele dia. – Ele comentou analisando o cômodo.
– Ah sim, sobre aquele dia, me desculpe mesmo, eu não estava preparada para aquele susto. – Eu disse sem graça e enchendo um como com água. – Aceita? – Ofereci e ele negou com um aceno.
– Tudo bem, eu também não reagi da melhor forma quando eles me invitaram. Minha mãe precisou conversar muito comigo sobre isso. – Ele disse e eu assenti inconscientemente me lembrando de que minha mãe havia feito o mesmo.
– Minha mãe também, quer dizer, é exatamente por isso que estamos aqui agora. – Eu disse e ele riu baixinho.
– Para falar sobre o que as nossas mães disseram? – Ele perguntou tirando as mãos do bolso da calça e cruzando os braços.
– Também. Minha mãe me disse para sentar com você para nos acertarmos de vez. – Eu disse um pouco rápido sentindo meu coração acelerar aos poucos.
– Nos acertarmos de vez? – Ele perguntou franzindo o cenho. – Não temos nada para acertar. – E dessa vez eu que o fiz.
– Bem eu acho que temos algumas coisas mal esclarecidas sobre o nosso passado. – Eu suspirei. – Mas o que você acha de jantarmos primeiro? – Perguntei torcendo para ele aceitar.
– Tudo bem. O que você fez de bom? – Ele perguntou se sentando à mesa que já estava pronta. – Aliás, me desculpe eu não sabia o que trazer e acabei não trazendo nada. – Ele disse com as bochechas coradas e eu quase ri.
– Tudo bem, eu fiz peixe com alguns molhos novos que a Eva criou e eu não sei pronunciar o nome. – Eu disse e ele riu.
– Me parece muito bom. – Ele disse enquanto eu lhe entregava um prato.
– Tomara que esteja mesmo.
Nós nos servimos e conversamos um pouco, o que diminuiu de certa forma o clima desconfortável que eu sentia desde que ele havia chegado. insistiu em me ajudar a lavar a louça e enquanto realizávamos essa tarefa o silêncio voltou a se instalar sobre nós.
– Você precisa mesmo falar sobre aquilo? – Ele perguntou de repente me fazendo suspirar.
– Sim, você nunca quis saber o que aconteceu aquele dia? – Perguntei e ele riu desgostoso.
– Com certeza essa é a maior dúvida da minha vida, mas eu não sei se estou pronto para saber. Quer dizer, não sei se o que me espera é mais doloroso ou mais aliviante. – Ele respondeu e eu não consegui conter um suspiro.
– Eu só vou contar se você quiser saber. – Eu disse me virando para ele que suspirou negando com um aceno.
– Você se arrepende? – Ele perguntou e eu ri descrente.
– Eu nunca quis fazer aquilo. – Respondi e ele assentiu.
– Pode continuar. – disse e eu suspirei o levando para a sala.
– Naquele dia de manhã minha mãe havia me ligado, ela havia conseguido nosso número com Eva porque Nana tinha achado uns testes de gravidez nas minhas coisas. – Disse olhando para qualquer canto da sala que não fosse ele.
– Testes de gravidez? – Ele perguntou e eu vi seus olhos arregalarem.
– Sim, todos usados e positivos. Minha mãe descobriu que eu estava grávida e foi falar com Eva que ainda não sabia e logo deu o número de onde estávamos. Minha mãe ligou do celular de Eva e eu atendi, eu queria ter desligado, mas ela já chegou falando sobre aquilo e eu não consegui fazer nada a não ser escutar ela dizer que não teríamos como nos cuidar e cuidar do bebê, ela fez muita pressão psicológica e mesmo assim eu me recusei a falar onde nós estávamos. Acabou que ela conseguiu achar o hotel e foi atrás de mim com meu pai. Eu tentei falar com você um pouco antes daqueles loucos começarem a brigar com você e nós sairmos do hotel. Quando nós saímos eu pensei que daria tempo e tudo daria certo, mas aí eles voltaram a me ligar quando paramos no posto, lembra? – assentiu e parecia vidrado em mim. – Meu pai fez várias ameaças horríveis antes de chegar no hotel do qual nós tínhamos saído e dar dinheiro pro cara que trabalhava lá em troca do número de todos os hotéis mais próximos, da estrada ele foi ligando para todos eles até chegar no que nós tínhamos acabado de fazer registro. Meu pai me mandou várias mensagens ameaçando te colocar na cadeia, e eu fiquei aterrorizada por que sabia que ele podia já estar indo com a polícia e você sabe que ele poderia deixar acontecer coisas horríveis com você dentro da cadeia e tudo o mais. Daí aconteceu tudo aquilo e ele praticamente me espancou quando nós chegamos em casa. – Eu disse secando meus olhos.
– E o bebê? Você teve o bebê? – Ele perguntou com os olhos vermelhos e a respiração descoordenada.
– Eu o perdi no dia seguinte, depois que eu discuti com ele. E aí tudo desandou quando você sumiu do mapa e eu entrei em algo semelhante à depressão. – Ele baixou a cabeça e eu vi seu corpo convulsionar por alguns instantes. – Me perdoa por não ter te falado isso antes, mas eu não sabia o que fazer. Eu sabia que você ia querer parar pra brigar com meu pai e não podia correr o risco de deixar ele fazer qualquer coisa que te prejudicasse depois, principalmente deixar que ele cumprisse as ameaças dele. Me perdoa . – Eu pedi deixando as lágrimas saírem e ele levantou do sofá passando as mãos pelo rosto.
– Não era pra ter acontecido assim. Por que você não me falou do bebê? Por que você nunca falou disso? Era pra ter sido diferente! – passava as mãos pelos cabelos e eu não podia fazer nada.
– Eu também não sabia como chegar e falar isso pra você, a gente era jovem e estava fugindo e toda vez que eu pensava em falar algo acontecia, ou a gente brigava ou nós estávamos ocupados procurando estádia e tudo o mais. – Eu disse e ele se sentou de novo.
– Me perdoa por não ter estado ao seu lado, desculpa. – A voz dele soava amargurada e eu me virei para ele.
– Tá tudo bem agora, já passou. – Eu disse colocando uma mão sobre o ombro dele, que a segurou com força. – Agora a gente pode deixar isso de lado não é? – Pedi querendo somente que aquele momento acabasse de vez e ele negou.
– Era pra ter sido tudo diferente. – Ele repetia baixinho e eu o abracei.
– Era, mas já foi. Temos que nos concentrar em Eva e Ray agora. – Eu disse e dessa vez ele assentiu positivamente limpando o rosto.
– Eu não sei se te agradeço ou se me jogo da janela. Eu nunca pude imaginar que você passou por tanta coisa, me perdoa . – Ele disse tentando fazer graça mesmo com suas lágrimas descendo.
– Não tenho nada para perdoar , já passou e agora nós podemos seguir em frente. Me desculpa por jogar isso tudo em você. – Eu pedi e ele acariciou minha mão.
– Eu precisava saber, eu quis isso. – Ele disse e eu respirei fundo.
– Obrigada por escutar, isso foi muito importante pra mim. – Eu disse e ele assentiu encostando seu rosto em meu ombro até se acalmar.
– Vai ficar tudo bem com a gente agora? – Ele perguntou depois de um tempo.
– Está tudo bem. – Respondi e ele se afastou um pouco de mim, soltando-se do abraço.
– E como nós ficamos? – Perguntou limpando o resto de lágrimas de seu rosto.
– Vamos deixar o tempo decidir isso. – Eu disse e ele assentiu.
– Acho que aceito aquele copo d’água agora. – Ele pediu e eu levantei para buscar um para ele e um para mim.
Ficamos algum tempo em silêncio e logo se despediu. Assim que ele foi embora eu liguei para minha mãe e nós conversamos durante um longo tempo. Eu não sabia o que iria acontecer daquele dia em diante, mas me sentia mais leve por saber que não haveria mais nenhum tipo de ressentimento entre e eu. Só queria que isso durasse.
No dia seguinte eu acordei com meu celular gritando em algum canto do quarto e amaldiçoei três mil vezes a pessoa. Bufei ao ver o nome e foto de Eva brilhar na tela de meu celular, atendendo-a.
– Bom dia xuxu! Como foi sua noite? – Perguntou e eu bufei.
– Foi melhor do que eu esperava. – Disse me levantando devagar.
– Vocês conversaram sobre tudo? Você não surtou e nem nada?
– Por incrível que pareça, não. Nós jantamos e aí depois falamos sobre tudo. Foi difícil, mas acho que estamos bem. – Eu a ouvi comemorar longe do telefone.
– Isso é ótimo! – Ela disse empolgada.
– Por que? – Perguntei desperta instantaneamente.
– Porque nós 7 vamos sair hoje. E nem pense em dar desculpas. – Ela disse assim que eu abri a boca.
– Ok, mas nós 7 quem? Eu não prometo nada, nós vamos fazer a entrevista com os cozinheiros hoje e não sei se vou estar no pique depois.
– Eu, Ray, você, , Meg, Garret e Cait. Sobre a entrevista, relaxa, pelo menos não seremos nós no lugar deles hoje. – Ela disse e eu assenti sorrindo.
– Tudo bem, mais alguma coisa?
– Só isso mesmo. Até daqui a pouco! – Ela cantarolou antes de desligar.
Levantei da cama e fui tomar um banho para começar o dia.
Durante a tarde Eva e eu entrevistamos algumas pessoas para trabalhar na cozinha conosco, foi bem produtivo. De onde estávamos Eva me arrastou para um barzinho qualquer onde encontraríamos os outros.
– Olha elas aí. Estávamos falando justamente do atraso de vocês. – Ray disse assim que nos viu atravessando a soleira do bar que se enchia aos poucos.
– Desculpa gente, demoramos um pouco mais do que o esperado, mas chegou um atrasado de última hora e nós acabamos por entrevista-lo correndo. – Eva disse beijando o noivo e eu cumprimentava Meg, Cait e Garret na mesa com beijinhos no rosto. – Cadê o ? – Ela perguntou enquanto nos sentávamos.
– Foi ao banheiro, mas por falar nele acho que ele se perdeu no caminho. – Ray brincou procurando o amigo com os olhos.
– Eu acho que ele se perdeu nos peitos daquela morena ali na ponta do bar. – Cait comentou apontando com os olhos para um canto qualquer atrás de mim e todos ficaram quietos na mesa e olhando daquele lugar para mim.
– O que foi? – Perguntei franzindo o cenho.
– Nada. – Eles responderam juntos quase me fazendo rir.
Logo chegou à mesa e nossos amigos começaram a pedir suas bebidas. Ele apenas acenou para mim e eu correspondi com um sorriso cordial sem muito contato visual.
Não muito tempo depois, todos eles com uma boa quantidade de álcool no corpo, resolveram ir para a pequena pista de dança deixando apenas , eu e Cait na mesa. A última também não demorou muito a ser fisgada por um loiro qualquer.
– Você está bem? – Ouvi a voz de perguntar e me virei para ele.
– Sim, e você? – Perguntei bebendo um pouco da minha batida.
– Bem também. – me respondeu olhando nossos amigos na pista. – Quer dançar? – Ele perguntou e eu ri.
– Ainda não bebi o suficiente para isso. O tempo passou, mas a minha inabilidade para a dança não. – Disse e ele riu.
– Bom saber, porque você vai treinar o dobro para a dança do casamento. – Ele disse e concordei.
– Já pode comprar próteses para os seus pés porque dessas aulas você sai sem eles. – Nós rimos e pude ver mesmo com a pouca luz um fio de sangue escorrer do nariz de .
– Seu nariz está sangrando. – Eu disse fazendo-o levar a mão ao local imediatamente.
– Ah sim, deve ser o calor. Vou ali limpar, já volto. – Ele disse já se levantando e eu fiquei lá olhando o movimento, afinal nada mais normal no calor da Califórnia.
– O que houve com ? – Ray perguntou surgindo de repente, me dando um susto e levando um tapa em troca.
– Sua mãe não te ensinou que matar os outros do coração é feio, não? – Ralhei fazendo-o rir. – O nariz dele estava sangrando e ele foi limpar.
– Hm, até mais. – Ele disse pegando algumas batatas do meu prato e saindo logo em seguida e eu ri. Raymond era um folgado nato.
– Voltei! – bradou às minhas costas, vindo do mesmo lugar que Ray e me dando um susto assim como ele.
– O que é isso? Festival do susto? – Perguntei indignada de brincadeira enquanto ele ria.
– Desculpe. – Pediu e eu o dispensei com a mão e sorrindo.
O resto da noite foi tranquila assim como os outros 3 meses que seguiram depois daquele encontro.
e eu nos aproximamos bastante durante esse meio tempo em que nos víamos quase sempre, quando íamos ajudar com os preparativos do casamento e quando resolvíamos sair somente nós dois para conversar ou simplesmente nos ver.
Eva estava muito entusiasmada com o rumo que, segundo ela, nossa relação estava tomando. Minha mãe também estava entrando nessa onda depois de rever , lhe pedir desculpas e vir falar para mim em confidencia como ele havia se tornado um belo homem e como faríamos um belo casal.
Houve dias também em que eu encontrei os pais dele e as coisas foram tão bem quanto com minha mãe.
Finalmente depois de anos eu pude ver e sentir que minha vida estava completamente certa e caminhando bem, mesmo que alguns sentimentos ruins sobre o passado ainda perdurassem.
Durante os meses que passaram depois da minha volta à Califórnia poucas vezes eu havia me sentido tão mal quanto naquele dia. Meu peito doía e eu mal conseguia respirar levando em conta que meu nariz sangrava mais que o normal*. Para completar meus pais não estavam em casa e dentro de algumas horas seria a inauguração oficial do Nostrum o restaurante de Eva e . Sendo a última quem eu iria dar uma carona para o restaurante.
O suor frio escorria da minha testa para o pescoço enquanto eu me esforçava para chegar até o banheiro. Tomei um banho frio e melhorei um pouco da febre que começava a fazer minha cabeça doer.
não demorou muito a bater na minha porta e ainda não pronta.
– Meu Deus , você está péssimo, o que você tem? – Ela perguntou soltando suas coisas no chão e me apoiando assim que eu encostei minha cabeça na porta.
– Deve ser uma virose qualquer, tá tudo bem. – Eu disse e ela quase riu.
– Você só pode estar brincando, nós ainda temos algumas horas, eu vou te levar pro hospital. Só coloca uma roupa. – disse fechando a porta e pegando suas coisas no chão para me levar ao quarto.
– Hospital? Isso é exagero ! – Eu disse e ela bufou.
– Mesmo se for só uma virose, não quero você contaminando meus clientes. – A morena brincou pegando uma blusa branca qualquer no meu guarda roupa e entregando-a para mim.
– Eu tinha realmente esquecido como você era chata com essas coisas. – Ela revirou os olhos.
– Sou chata sim, vamos. – disse me apoiando novamente.
– Eu consigo andar. – Resmunguei e ela riu.
– Aham, estou vendo. – Dessa vez eu revirei meu olhos, tossindo em seguida. – Você está tossindo sangue! Com certeza eu estou exagerando. – Ela disse alarmada apressando um pouco seus passos.
– Não deve ser nada demais. – Eu disse enquanto ela me colocava no banco do passageiro de seu carro.
– Você quer fazer o favor de calar essa boca? Olha o seu estado, ! – Ela disse e nem me dei ao trabalho de olhá-la.
dirigiu com pressa até a clínica mais próxima e nós não falamos nada durante o caminho. Minha dor no peito não havia diminuído e por vezes eu sentia a falta de ar aumentar.
Assim que demos entrada ela não demorou a preencher uma ficha pra mim e um médico geral chegar para me examinar, eu pedi para entrar sozinho e não reclamou apesar de eu ter sentido um pequeno tom de mágoa em sua voz.
– Ok meu rapaz, o que você está sentindo? – O senhor me perguntou enquanto eu me deitava em sua maca no consultório.
– Aperto e dor no peito, falta de ar, meu nariz sangrou algumas vezes e minhas tosses estão expelindo sangue. – Eu disse e ele assentiu passando seu estetoscópio sobre meu toráx.
– Eu tenho a impressão de que o senhor tem alguma noção do que o senhor tem, estou errado? – Ele perguntou e eu assenti.
– Eu gostaria de falar com um pneumologista. – Eu disse ele assentiu.
– Vou chamar meu colega, só um segundo. – Ele disse e saiu me deixando sozinho na sala por alguns instantes antes de uma pequena morena entrar na sala.
– E aí, o que você tem? – perguntou parando ao meu lado. – Já liguei para Eva dizendo que talvez nós iremos nos atrasar um pouco e ela pensou coisas improváveis no seu atual estado. – Ela riu e eu tentei acompanhá-la sentindo meu pulmão reclamar por isso.
– O que ela pensou? – Perguntei com a voz um pouco falha.
– Que nós estávamos... Você sabe... – Ela disse e eu arqueei uma sobrancelha.
– Realmente improvável no meu estado. – Eu disse e ela riu e logo a porta foi aberta por um outro homem.
– Senhor , é você? – O cara que parecia bem mais novo do que o outro médico perguntou adentrando a sala.
– É ele sim, e o senhor seria? – respondeu e perguntou por mim.
– O pneumologista que ele solicitou. – Ele disse adentrando de vez a sala e ela me olhou com o cenho franzido.
– , será que você poderia nos dar privacidade por um momento? – Pedi e ela assentiu de novo tentando não deixar transparecer sua indignação.
– Claro, se precisar, me chame. – Eu assenti e ela saiu.
– Certo, o que o senhor deseja, senhor ? – O médico perguntou tomando o lugar de .
– Pode me chamar de , acho que nós vamos nos ver bastante daqui para frente Dr. Marshall. – Li seu nome no crachá e ele fez uma cara de confusão. – Acho que preciso de um raio X pulmonar.
Eu estaria mentindo se dissesse que não fiquei possessa quando me pediu para sair da sala, mas isso não durou muito tempo depois que vi o levarem em uma cadeira de rodas para algum lugar. Não hesitei em correr até o médico que o estava atendendo.
– O que houve? Para onde estão o levando? – Perguntei assim que o alcancei, fazendo-o se virar para mim.
– Está tudo bem, ele só vai fazer alguns exames. – Ele disse calmo.
– Exames de que? Para que? – Perguntei vendo-o olhar para algo na prancheta que carregava.
– Só para ver se está tudo bem e isso não passa de uma virose. – Ele disse e eu assenti.
– Obrigada.
– Disponha.
Ele saiu e eu voltei para onde eu estava sentada. não tardou a aparecer e parecia bem melhor.
– Eu disse que não era nada. – Ele disse assim que uma enfermeira o deixou em minha frente e saiu sorrindo e acenando para ele que retribuiu sorrindo.
– Se fosse eu também morreria sem saber. – Eu disse e ele bufou.
– Não gosto que me vejam doente. – Ele disse e eu ri.
– Seu eu já te vi pelado, doente não deveria ser nada. – Eu disse e ele riu, bagunçando meus cabelos.
Logo estávamos na casa dele novamente nos arrumando em tempo recorde para chegar antes da abertura do Nostrum. E conseguimos, mesmo que tenha parado em uma floricultura no meio do caminho.
– , graças a deus. Eu já estava pensando em abrir sem vocês chegarem! – Eva disse assim que me viu sair praticamente pulando do carro.
– Eu sei, desculpa. Nós corremos para chegar até aqui e o maravilhoso ali ainda insistiu em passar na floricultura para te comprar flores. – Eu disse me postando ao seu lado enquanto ela retribuía o aceno de que havia ido se juntar ao resto dos nossos amigos em alguma das mesas.
– Ele está maravilhoso! – Ela comentou e eu ri.
– Eu sei. – Disse enquanto ela me guiava para o centro do restaurante para fazermos nosso pequeno discurso.
A noite foi ótima depois do nosso pronunciamento, pudemos sentar e nos divertir em alguns momentos da noite, mas ainda trabalhamos um pouco.
Depois daquele dia a nossa vida se tornou ainda mais corrida com os preparativos do casamento que se aproximava cada vez mais rápido, mas no final todo o trabalho foi recompensado com o ganho da nossa primeira estrela por um renomado crítico gastronômico. A festa foi grande quando e Ray ligaram poucas horas depois dos primeiros raios de sol daquele domingo, nascerem para falarem da crítica que estava na capa do jornal da banca em que eles passavam em frente durante as corridas na praia. Para comemorar fizemos um grande almoço no condomínio de Eva com a maior parte da nossa equipe e nossos amigos.
Desde a inauguração do Nostrum a minha vida voltou a mudar completamente com novos horários e mais droga sendo colocada em meu corpo, mas desde então eu tinha começado a dar ainda mais valor às coisas da minha vida e a apreciar o que eu tinha nela.
Quando se está enfrentando uma doença fatal pela primeira vez a vida começa a ter um brilho maior e o mundo parece mais bonito mesmo com toda a sua imundice. Quando se enfrenta essa mesma doença pela segunda vez o mundo parece ganhar ainda mais cor e as pessoas que estão nele parecem ter um esplendor quase divino.
Era assim que eu estava me sentindo em relação aos meus amigos nos últimos meses. Todos estavam ganhando mais espaço em minha vida e coração a cada dia, mesmo os que eu mal havia conhecido.
O valor as pequenas coisas é uma das várias pequenas dádivas que uma doença fatal pode te trazer, pensar que pode não haver um amanhã faz o seu hoje ser especial, mas pensar que pode não ter aquele alguém no seu amanhã faz todas as suas memórias do hoje serem especiais.
Pensar sobre e eu nos últimos meses me trouxe essa reflexão. Eu não esperava que pudéssemos ficar tão próximos em tão pouco tempo mesmo depois de toda a nossa história. E nem que eu pudesse me apaixonar de novo por ela. Não que em algum momento da minha vida eu tenha deixado de amá-la, mas é claro que de formas diferentes ao longo dos anos.
Agora com ela tão próxima de mim eu não poderia evitar cair em seus encantos novamente. Principalmente com ela caindo em cima de mim de 5 em 5 minutos enquanto nós tentamos fazer o passo que nos foi ensinado há pouco.
– Olha, pra mim já deu. – Ela disse se sentando emburrada no chão.
– Você só tentou algumas vezes . – Ray disse rindo ao seu lado.
– Mas vocês sabem que eu não levo jeito para dança. Sinceramente não entendo essa palhaçada de valsa para as madrinhas, a gente só está lá pra testemunhar a união de vocês, não para valsar. – Ela disse e todos nós rimos.
– Acontece meu bem, que se eu vou fazer, quero todas as minhas melhores amigas comigo pra isso. – Eva disse colocando uma mão no ombro dela.
– Vamos só mais uma vez . – Eu pedi estendendo a mão para ela que fez careta e a pegou.
Nós começamos a coreografia do começo e na hora do pequeno salto fechou os olhos e pulou em mim, nós quase caímos no chão e ela riu vendo que tinha conseguido, me fazendo sorrir enquanto a descia devagar deixando nossos rostos muito próximos e a respiração descompassada. Ficamos naquela posição alguns instantes até Ray nos chamar.
– Parabéns casal, mas nada de se comer em público, por favor. – Ele brincou e se afastou rindo.
– Cala boca Raymond. – Ralhou e riu batendo palmas. – A gente conseguiu! – Me abraçou em seguida e dessa vez eu desequilibrei caindo de bunda no chão arrancando risadas de todos nós.
– Calma , assim você quebra o homem. – Cait brincou do outro lado do salão recebendo uma língua de volta.
– Mais uma vez. – Os professores que estavam nos passando o passo falaram ao mesmo tempo chamando a atenção de todos nós.
Aquela cena se repetiu várias vezes durante os meses de ensaio para a valsa do casamento.
A cada dia eu parecia conseguir ver mais claramente a beleza de , o brilho que ela carregava durante sua adolescência e aquilo me fascinava de uma forma estarrecedora.
Estava cada vez mais difícil conter e esconder a minha vontade de ficar pra valer com .
– E aí, quando você vai falar com ela? – Ray perguntou enquanto andávamos pela orla da praia.
– O que? – Perguntei confuso com o assunto repentino.
– Quando você vai falar com a . – Ele disse como se fosse óbvio e eu revirei os olhos.
– Falar o que? – Perguntei retoricamente e ele riu.
– Não se faça de desentendido . – Ele disse e eu bufei resignado.
– Não vou, nós somos só amigos. – Eu disse e o vi imitar meu gesto.
– Ata , ata. Cara é claro que ela está na sua também. Vocês estão destinados ao infinito, lembra? – Ele perguntou e eu senti um arrepio correr minha coluna ao lembrar daquelas palavras.
– Você ainda se lembra disso. – Eu constatei e ele assentiu.
– Claro, como eu poderia esquecer. Inclusive lembro que você nunca nos contou o que ela te disse em particular. – Ray insinuou e eu ri.
– Já faz tanto tempo que eu nem me lembro mais... – Menti na cara dura para meu amigo que deu de ombros.
– Enfim... Você não vai nem tentar? – Ele perguntou e eu dei de ombros também.
– Não sei. Mas por enquanto vamos queimar essa sua gordura aí pra você poder entrar naquele terno. – Eu brinquei começando um ritmo leve de corrida.
– Olha quem fala, se continuar a emagrecer desse jeito é capaz do terno cair quando você o vestir. – Ele disse começando a me acompanhar.
Faltando apenas um mês para o casamento todos os envolvidos não poderiam estar mais nervosos. A minha frequência de saídas com e nossos outros amigos também tinham diminuído, o que de fato não foi de todo o mal já que nos últimos tempos e com as brincadeiras de sempre dos meus amigos (principalmente as de Raymond, vale ressaltar), talvez eu estivesse voltando a gostar de de uma forma diferente, o que estava completamente fora do meu planejamento, afinal qual seria a minha reação se eu não fosse correspondida ou ainda pior, se isso o fizesse se afastar de mim de novo. Depois de 8 anos vivendo com sua ausência, não sei se suportaria perdê-lo de novo por algo tão pequeno.
– Alô, alô, terra chamando ! – Cait estava à minha frente estalando seus dedos finos em frente ao meu rosto.
– O que foi? – Perguntei arrumando minha postura na cadeira.
– O que estava passando nessa sua cabecinha de vento? Eu estou te chamando há horas! – Ela disse e eu ri de seu exagero. – Já estamos prontas, vamos?
– Meu deus, só a Eva para querer deixar isso por último. – Reclamei fazendo Cait e Meg concordarem enquanto saíamos de casa.
– Pelo menos é legal ver e escolher os vestidos. – Meg comentou trancando a porta de nosso apartamento.
– Eu particularmente prefiro escolher o bolo. – Cait disse e eu concordei rindo enquanto Meg revirava os olhos.
– Depois reclamam que estão gordas. – A morena comentou e Cait e eu rimos ainda mais.
– Meu bem, nossas gordurinhas são os nossos sex appeal. – Cait respondeu enquanto pegava uma gordurinha quase inexistente em sua barriga e dessa vez até Meg riu conosco. A escolha e prova dos vestidos sem sombra de dúvidas foi a melhor e mais cansativa parte. Os vestidos das madrinhas não seriam iguais, o que certamente evitou mais confusões.
O dia foi regado a entradas e saídas nas mais diversas lojas de roupas de festa e paradas para comer, e ao final dele estávamos mortas de tanto provar roupas de loja em loja e não ter escolhido nenhum.
– Ok, eu declaro esse dia encerrado. – Eva disse enquanto nos sentávamos com nossos milk shakes nas mãos. – Eu nunca pensei que escolher um vestido de noiva daria tanto trabalho.
Eu ri e concordei, apesar de não termos comprado nenhum vestido, Eva não havia gostado de nenhum dos que havia visto. Não demoramos muito para voltar pra casa para receber o merecido descanso dos justos.
No dia seguinte pelo menos pudemos achar todos os vestidos pela manhã e aproveitar o resto do sábado em casa fazendo nada.
No grande dia os ânimos do noivo estavam mais a flor da pele do que nunca e eu realmente pensei se no dia do meu casamento eu ficaria assim, caso eu tivesse tempo de ter um, claro.
Ray já havia acordado completamente eufórico por conta de um sonho que eu ainda não havia conseguido compreender e desde então não conseguia ficar parado um segundo sequer. No caso, vale ressaltar que foi um sacrifício conseguir faze-lo se acalmar e respirar fundo. Conseguimos nos arrumar no prazo certo e chegamos cedo à igreja o que pra mim foi um erro terrível, pois Ray perguntava se Eva já estava chegando a cada 5 minutos o que estava me dando nos nervos. Decidi ligar para , como andavam as coisas por lá.
– Oi! – Ela disse um tanto eufórica.
– Oi, como estão às coisas por aí? O Raymond está pirando e é capaz de enfartar agora mesmo. – Eu disse e ela riu.
– Aqui não está muito diferente, Eva está reclamando do vestido, do salto, da demora que está para fazer a maquiagem e tudo o que você puder imaginar. – Essa foi a minha vez de rir enquanto ela bufava.
– Eu não vejo a hora de estarmos no altar. – Eu disse e ela ficou muda por alguns segundos.
– Estarmos no altar? – Pergunto com a voz estranha.
– É, assim eles param de surtar. Ou pelo menos surtam em outro lugar longe da gente. – Eu disse e ela riu.
– É verdade, mal posso esperar pra isso acontecer logo, mas agora eu tenho que desligar, até daqui a pouco. Beijos.
– Ok, te vejo no altar. Beijos. – Pude ouvi-la rir outra vez.
– Eu não serei eu de branco. – Disse e desligou, me deixando rir sozinho.
– Que bonitinho os dois pombinhos falando mal de mim e da minha noiva no meu casamento! – Ray disse apoiando um braço no meu ombro.
– Claro ninguém consegue aguentar vocês dois malucos sozinhos. Mas vai dar tudo certo, a Eva já deve estar quase pronta, relaxa. – Eu disse dando tapinhas nos ombros de Ray.
– Valeu cara, eu não sei o que seria de mim sem você. – Ray disse olhando nos meus olhos e eu sorri para tentar não fraquejar em sua frente.
– Eu sei. – Disse franco e ele riu me dando um tapa na nuca.
– Babaca. – Ele disse e seguimos para o altar.
40 minutos e alguns surtos depois Meg e Cait atravessaram todo o caminho até o altar e se posicionaram ao lado de seus respectivos companheiros, não demorou muito a aparecer e eu podia jurar que o mundo tinha parado para focar nela e na beleza que ela esbanjava enquanto caminhava até mim.
– Fecha a boca porque a baba já está escorrendo. – Ray tentou brincar comigo, mas eu só conseguia prestava atenção no ser que caminhava em nossa direção sorridente e acenando para um e outro convidado.
– Olha se não é o melhor amigo noivo mais lindo da história! – disse apertando as bochechas de Ray.
– Falou a que está brilhando como um raio de sol. – Ele disse sem poder estar mais certo.
– Eu sei. – Ela brincou e logo eles riram enquanto eu permanecia ali parado observando a beleza dela. – Ela já vai entrar, pro seu lugar agora Raymond! – Ela disse olhando seu celular e subindo majestosamente os 4 degraus para ficar ao meu lado no altar.
– Sim senhor! – Ray bateu continência e levou um tapa.
– Se você fizer algo errado com ela eu te mato Carter. – Pude ouvi-la dizer enquanto abraçava Ray que assentiu e prometeu não fazê-lo.
– Você está muito bonito Senhor . – Ela disse perto do meu ouvido e sorriu para mim.
– Você está deslumbrante senhorita . – Eu respondi e ela riu.
– Espere até ver a noiva. – sussurrou pouco antes da música ambiente parar de tocar e uma mais calma entrar no lugar, anunciando a noiva.
– Nem o brilho da jóia mais preciosa se compara com seu esplendor hoje . – Eu sussurrei em seu ouvido e ela sorriu da forma mais linda que eu já havia visto, me fazendo desejar vê-lo todos os dias.
Logo nos viramos para frente e acompanhamos a chegada de Eva até Ray e durante toda a cerimônia eu me vi no lugar dos meus amigos, enquanto estava com os dedos entrelaçados ao de e por vezes sua cabeça descansava em meu ombro. Na troca de votos eu me segurei para não rir alto quando pegou meu lenço de bolso emprestado para secar suas lágrimas e eu não pude evitar abraça-la, que aparentemente recebeu o carinho de bom grado já que não nos deixou trocar de posição até o fim da cerimônia, quando ela foi falar com seus pais e depois voltou para mim, para podermos ir para a festa no meu carro.
Não demoramos muito a chegar ao salão de festas onde já estava tudo pronto quando chegamos. Após todos os convidados chegarem, nós fomos nos posicionar na pista de dança junto com o casal. E não demorou muito para nós fazermos a nossa apresentação, e assim que terminamos o passo de dificuldade nível hard, novamente eu senti vontade de beijar , porém diferente das outras vezes, dessa vez a vontade não passou durante a festa, muito pelo ao contrário, só aumentou enquanto eu a assistia dançar com suas amigas, algumas vezes de forma aleatória e louca, outras de forma lenta e sensual.
– Eu, Eva Miller Carter, estou te dando carta branca para ir até ela e pegá-la de jeito. – Eva disse com seriedade parando ao meu lado de repente, me fazendo sobressaltar no banco.
– E o que exatamente significa eu ter a sua carta branca? – Perguntei fazendo-a gargalhar.
– Que se você quiser investir nela, será totalmente correspondido. Mas corre, porque se não o Jason rouba dela de você rapidinho. – Ela disse apontando discretamente para o homem que caminhava sorrateiramente na direção de , Meg e Cait enquanto a noiva saia de fininho de perto de mim.
Resolvi tomar uma atitude rápida e levantei do banco sentindo uma vertigem me atingir por conta das luzes multicoloridas. Me aproximei de assim que o tal Jason chegou perto dela o suficiente para se fazer audível em meio a música.
– Oi meu amor. – Disse alto passando os braços pela cintura dela que me olhou estranho, mas logo riu.
– O quanto você já bebeu ? – Ela perguntou passando os braços pelos meus ombros.
– Quase nada, eu só vim de salvar de uma furada. – Eu sussurrei vendo o loiro dar meia volta.
– A furada Jason? Muito obrigada. – Ela disse no mesmo tom me fazendo arrepiar enquanto tentava seguir o movimento de seu corpo.
Nós dançamos um pouco e eu já não estava mais aguentando ficar no meio de tantas pessoas com um grau de agitação tão alto, apesar disso não ter durado muito mais quando uma música lenta começou a tocar e eu aproximei meu corpo do de nos deixando quase grudados.
– Eva me deu a carta branca dela. – Falei baixo e ela riu.
– Carta branca de que? – Perguntou com a voz um pouco rouca e olhando para mim.
– Ela disse que se eu investisse, seria correspondido. – Ela pareceu compreender o que eu havia dito e deitou o rosto no meu ombro.
– E você vai investir? – Ela perguntou baixo no pé do meu ouvido.
– Pra falar a verdade, estou com vontade de te beijar há horas. – Respondi suspirando e ela levantou a cabeça ficando cara a cara comigo.
– Isso é ótimo, porque eu também quero te beijar há horas. – Ela disse aproximando seu rosto do meu, e por algum motivo eu sorri segundos antes de encostar meus lábios nos dela e meu coração disparar por conta de um emaranhado de emoções.
Nossas línguas brincavam como se 8 anos ainda não tivessem passado e eu estava mais do que feliz com tudo o que estava acontecendo e quase não acreditando que aquele contato era real. Nos separamos intercalando alguns selinhos e ficamos por um tempo na pista apenas aproveitando nossa companhia antes de Eva e Ray partirem para lua-de-mel e eu me oferecer para levar em casa.
– Você, por algum acaso não gostaria de subir? – Ela perguntou um pouco corada e eu sorri quando chegamos na porta de seu prédio.
– Eu adoraria. – Disse e ela sorriu saindo do carro e me esperou fazer o mesmo.
Nós subimos e ficamos algum tempo saboreando um vinho qualquer que abriu, conversamos um pouco sobre a festa e as pessoas que eu tinha reencontrado lá. E ficamos assim até a tensão entre nós falar mais alto e nós cedermos ao que ambos queriam que acontecesse.
e eu nos amamos profundamente naquela noite e eu senti que não havia nada mais certo na minha vida do que nós dois juntos, como nos havia sido dito, nós estávamos destinados ao infinito e não havia nada mais certo que isso.
No dia seguinte acordei sentindo o sol contra a minha pele e não pude evitar sorrir quando senti o pequeno corpo de me abraçar, afundando o rosto em meu pescoço.
– Bom dia. – Saudei assim que a vi abrir um dos olhos.
– Que horas são? – Ela perguntou e eu dei de ombros.
– Não sei, mas eu preciso ir. – Eu disse e a vi fazer uma careta muito amável.
– Por que? – Perguntou manhosa.
– Tenho trabalhos para fazer. – Eu respondi calmamente acariciando seu rosto.
– Você está trocando a minha cama maravilhosa por trabalho ? – perguntou abrindo os dois olhos.
– Não meu amor, estou sendo obrigado à isso. – Eu disse ela bufou.
– Aqui tem um computador, você pode usar ele para não ir embora. – Ela falou manhosa e eu ri.
– Eu preciso trocar de roupa e não quero que você fique aqui só me olhando trabalhar. – Eu disse ainda sorrindo para a criança incorporada no corpo de . Ela bufou.
– Eu adoraria te ver trabalhar, e você pode tomar banho aqui. Sobre as roupas, eu não me importaria de te ver trabalhando de cueca, ou até mesmo nu. – Ela disse sorrindo maliciosa e eu gargalhei.
– Você não existe . – Eu disse selando nossos lábios. – Mas eu preciso mesmo ir. – Disse e ela assentiu contrariada.
– Você pelo menos toma café comigo? – Ela pediu e eu assenti, vendo um sorrisinho se abrir no rosto dela.
Depois da noite da festa de casamento de Eva, e eu entramos num consenso de que não estávamos namorando, mas também não estávamos apenas ficando, o que de início me deixou meio confusa. Alguns dias depois da volta dos nossos amigos da lua-de-mel eu havia começado a perceber coisas diferentes em , o que eu não sabia se podia perguntar por mais que eu estivesse um pouco assustada com as repetidas crises de tosse as vezes um sangramento nasal aleatório que ele sempre dizia ser por conta do calor, além da aparente perda de peso. Com o passar de mais tempo eu também havia notado repetidos e repentinos sumiços de durante as semanas. Ele faltava em algumas saídas nossas, em alguns dias parecia estar bem e em outros uma virose ou gripe repentina acabava com ele. Eu certamente estava ficando paranoica como Eva havia me dito, mas algo dentro de mim parecia insistir em me dizer que havia algo errado com ele. E então ele pareceu começar a me evitar, de repente não atendia meus telefonemas e não respondia minhas mensagens, passou dias me ignorando até eu decidir ir até a casa dele para tirar a história a limpo.
Bati em sua porta várias vezes até ele abrir e sua expressão ficar dura.
– Oi. – Ele disse parado no vão da porta.
– Oi, tem como me deixar entrar? Eu quero conversar com você. – Pedi e ele ruborizou rindo sem graça.
– Ah sim, desculpa. – Ele disse me dando passagem e logo nos sentamos no sofá.
– Então, o que te traz até aqui? – Ele disse sem olhar para mim enquanto eu olhava.
– Eu vim ver se você estava vivo, não é? Você sumiu, não nos atende e nem responde mensagens. – Eu disse e ele suspirou.
– Eu... Desculpa, eu estive muito ocupado esse último mês e mais ainda nessas últimas semanas, por causa do trabalho, você sabe... – Ele disse coçando o nariz.
– Por que você está mentindo? – Perguntei semicerrando os olhos.
– Não estou mentindo. – Ele disse e eu assenti.
– Certo, vamos fingir que eu acredito, o que aconteceu com você ? Você está pálido, parece doente e eu não sei, parece estranho.
– Eu tô normal , tá tudo bem. – Ele disse com um sorriso amarelo e eu bufei.
– Será que dá pra você parar de pensar que eu sou idiota e não te conheço? – Perguntei exasperada e ele finalmente me olhou nos olhos suspirando.
– Desculpa.
– Eu não quero desculpas , por favor, só me diga a verdade. Se você não quiser mais nada comigo é só falar, não precisa se afastar de todo mundo e nos ignorar. – Eu disse ele riu alto.
– Como assim se eu não quiser mais nada com você? Do que você tá falando? – Ele perguntou se arrumando no sofá para olhar para mim.
– É, eu sei que não estamos namorando e nem nada, mas se você estiver cansado, ou tiver percebido que não quer mais nada comigo, não desconta isso nos nossos amigos. – Eu disse ele riu alto.
– Você tá um pouco maluca. – Ele disse ainda rindo um pouco. – De onde você tira essas coisas?
– Você sumiu e não disse nada, eu imaginei centenas de coisas! – Eu disse ele riu ainda mais. – Para de rir babaca. – Eu ri um pouco com ele que parou aos poucos negando com um aceno. – Vai me falar o que tá acontecendo agora? – ficou em silencio e desviou o olhar de mim para qualquer ponto que estivesse mais atrás. – Qual é ! É sério isso? – Perguntei indignada.
– É meio complicado de dizer e sinceramente não acho que você tenha muita coisa a ver com isso. – Ele disse suspirando e eu o olhei ainda mais indignada.
– Eu só quero saber o que está acontecendo . Eu sei que você gosta de mim, apesar de não ter parecido há pouco, assim como eu gosto de você. Mas não minta pra mim e não aja como se não houvesse nada entre nós. Me deixa fazer parte da sua vida por inteiro. – Eu supliquei pegando em sua mão, fazendo-o olhar nos meus olhos e me fazendo perceber uma pequena camada de água acumulando-se neles.
– Você realmente quer fazer parte da minha vida? – Ele perguntou voltando a olhar para baixo. – Mesmo que isso machuque você?
– Eu sempre quis , eu amo você e não importa quantas vezes isso me machuque, você sempre ameniza a minha dor. – Disse tudo o que eu queria dizer há tempos.
ficou alguns segundos encarando o chão, parecia agitado e dividido. Levei um susto quando ele soltou minha mão e se levantou de supetão indo para a escrivaninha e abrindo a gaveta com brutalidade. olhou vários papéis lá dentro e puxou um envelope com um suspiro. Ele se sentou de frente para mim e me entregou o envelope.
– O que é isso? – Perguntei olhando o símbolo de uma clínica.
– Resultados. Só abre. – Ele pediu se virando para frente.
Eu não estava entendendo muita coisa do que estava escrito ali, mas as duas últimas folhas explicaram de forma clara o que estava acontecendo.
– Você está doente. – Constatei relendo os últimos parágrafos.
– Estou com câncer no pulmão, estádio II*, por enquanto está só no pulmão, estou me tratando. – Ele disse resignado e eu me virei para olhá-lo.
– Há quanto tempo você está com isso? Quando você descobriu? – Perguntei ouvindo minha voz vacilar um pouco.
– Há alguns meses. – Ele disse ainda sem olhar para mim.
– Por que você nunca nos disse? – Perguntei, sentindo as primeiras lágrimas acumularem-se.
– Estávamos ocupados com o casamento e eu não achei que devesse estragar o clima em que estávamos com isso.
– Estragar o clima? É a sua saúde em jogo ! – Eu bufei e ele deu de ombros. – É por isso que você tem sumido? Me evitado?
– Não, eu não tenho te evitado, mas é que com o início do tratamento eu não tive tempo e nem disposição mais pra sair com vocês. Eu não quero que você pense que eu não quero ficar com você depois daquela noite, longe disso , quero passar todos os momentos possíveis ao seu lado, mas eu não sei como vou ficar depois disso. – Apontou para seus pulmões. – E você merece ter uma vida feliz ao lado de alguém saudável e que possa te fazer feliz também, não eu que estou doente e passando por vários tratamentos que acabam comigo.
– Não ! Para com isso! – Eu pedi, me levantando exasperada. – Eu amo você e é você que me faz feliz estando saudável ou não, eu vou ficar do seu lado sempre.
Ele pareceu um pouco perplexo ao ficar um tempo olhando para mim, que examinava novamente as linhas daquela folha maldita.
– É maligno provavelmente, . – Ele disse alguns segundos depois me fazendo virar para encará-lo.
– Como assim? – Perguntei retoricamente, o que não o impediu de me responder.
– Pode ser que eu me cure agora, mas talvez algum dia ele volte. – Ele disse e eu suspirei.
– Você sabe que você deveria dizer que também me ama e me beijar ao invés disso né? – Perguntei rindo de nervoso não conseguindo conter as poucas lágrimas.
– Eu quero que você saiba todas as complicações antes de aceitar ficar comigo, pra valer. – Ele disse se levantando também.
– Eu aceito tudo pra ficar com você . – Eu disse quando ele aconchegou meu rosto em suas mãos secando algumas lágrimas que caiam, seus olhos também estavam lacrimejando.
– Então agora eu posso dizer que eu te amo e te beijar . – Ele disse rindo enquanto sua primeira lágrima desceu.
encostou seus lábios delicadamente, como se qualquer movimento muito brusco pudesse acabar com aquele momento. O beijo seguiu da mesma forma. Eu queria muito poder chorar, gritar o quanto aquilo era injusto, me descabelar e desesperar, mas eu também podia imaginar o quanto aquilo devia estar sendo difícil para , ele era jovem e tinha todo um futuro pela frente em jogo. Mas eu não o deixaria de novo nem que minha própria vida dependesse disso, e eu acreditava sim que o nosso amor seria capaz de passar por tudo aquilo. Nós passaríamos por tudo aquilo juntos.
Eu não tinha certeza do que estava fazendo quando decidi deixar continuar na minha vida, mesmo sabendo que havia grandes e sérios riscos dela não durar o suficiente. Com o passar de cada dia e das drogas que eram colocadas no meu corpo, eu me sentia mais debilitado, mas sentia que eles estavam cumprindo sua função.
me acompanhou em algumas sessões de tratamento por mais que eu tivesse insistido para ela não participar. Não posso negar que fiquei extremamente tocado quando ela me deu um sermão, me prometendo nunca mais me deixar sozinho e me fazendo prometer nunca mais tentar afasta-la de mim em momento do meu tratamento. A cada dia que passava eu também tinha mais certeza de que ela era a mulher da minha vida, a minha tal alma gêmea ou metade da laranja, como preferir. Mas como nem tudo é sempre fácil, houve o dia em que nós tivemos que contar para nossos outros amigos. Eva e Ray choraram e reclamaram como crianças de como aquilo era injusto, Meg e Cait tentaram se manter firmes, mas não conseguiram se segurar na hora de me abraçar. esteve ao meu lado o tempo todo e contou praticamente tudo para cada um deles, fazendo questão de repetir exatamente o que o oncologista havia lhe dito, passando para eles sua segurança e positivismo.
Depois disso também, todos eles começaram a fazer rodízio para me acompanhar as sessões de terapia e consultas. Eu nunca me senti tão amado e acolhido, apesar de saber ficar mal em pensar em como eles ficariam quando eu partisse. E não ache que eu sou pessimista, mas grande parte da minha família de ambos os lados morreu de câncer e eu talvez não tenha a sorte de quebrar a tradição. Por mais que esteja tentando de tudo para ficar bom, o tumor mais aumentava do que regredia, mas eu não deixaria que os outros soubessem.
As coisas não pareciam tão ruins quando eu pensei que poderiam ficar parecia estar reagindo bem ao tratamento, nós saíamos às vezes, quase sempre ficávamos em minha casa, ou na dele conversando, vendo filmes e séries deitados na cama ou no sofá. Até que em um dia ensolarado ele resolveu que nós deveríamos sair para tomar vitamina C no parque e fomos fazer um piquenique. Nós comemos, rimos, e em algum momento ele sacou um violão que eu não tinha visto.
– Essa é uma composição especial que eu fiz pra você, mas que logo estará fazendo sucesso na voz de um cantor famoso. – Ele disse com um tom pomposo que me fez rir. – Se chama Edge of Desire fiz ela pensando em tudo o que nós passamos nesses anos e sei lá, nada mais justo você ouvi-la primeiro, não é? – Assenti enquanto tentava engolir um pedaço de bolo que foi maior do que eu esperava para minha boca, fazendo-o rir gostosamente.
Enquanto ele começava os primeiros acordes da música pude notar que suas bochechas estavam um pouco rosadas o que me fez rir baixinho chamando sua atenção.
– O que foi? – Ele parou de tocar olhando para mim um pouco nervoso.
– Nada, só achei engraçado você estar com vergonha. – ficou mais vermelho, me fazendo rir ainda mais beijando-o várias vezes na bochecha e nos lábios.
– Faz muito tempo que eu não canto pra você e minha voz mudou um pouco. – Ele disse enquanto voltava com os acordes suaves.
A voz de soou baixa e rouca, mas ainda incrivelmente suave, como eu me lembrava, apesar de estar um pouco mais grossa e particularmente sensual.
– Ela é linda , é uma pena que vá ser gravada por outra voz que não deve se comparar a sua. – Eu disse ele riu dando de ombros.
– Meu talento não pode ser ouvido por todos. – Eu ri alto.
– Que ego hein... – Comentei me encaixando entre suas pernas e me deitando em seu tronco.
– É claro, já pensou em quantas mulheres iriam correr atrás de mim sendo esse cantor e pessoa maravilhosa e gostosa? – começou a fazer um carinho no meu cabelo me fazendo amolecer aos poucos.
– Eu acabaria com todas elas sem precisar mover uma palha... – Comentei e ele riu.
– Claro que sim meu amor, até porque eu sou só seu e de mais ninguém. – Ele disse eu sorri me virando para beijá-lo.
Logo eu podia sentir o olhar maldoso de algumas pessoas sobre nós por conta da atual posição em que nos encontrávamos: Eu sentada praticamente no colo de descendo alguns beijos para seu pescoço.
– Acho que é melhor irmos para casa, antes que sejamos indiciados por atentado ao pudor. – Ele disse me segurando pela cintura e eu ri concordando.
Nos levantamos e arrumamos as coisas sem pressa e rindo de algumas senhoras que olhavam para nós. Fomos para o carro de mãos dadas e fomos para sua casa que estava vazia para terminarmos o que havíamos começado no parque.
– Infelizmente não tenho outra forma de dizer isso para você. – Dr. Kurt disse me dando o laudo que eu já sabia que não tardaria a vir. O meu câncer tinha começado há resistir ao tratamento e eu certamente não teria o tempo que eu gostaria. Suspirei assentindo conformado. Milagrosamente eu estava sozinho naquele dia, assim eu teria tempo de pensar em como contar isso para o pessoal.
Depois de algum tempo juntos, e eu havíamos decidido alugar um apartamento pequeno para nós dois, então há quase 2 meses nós estávamos morando juntos. Fui o caminho inteiro pensando em como contaria para ela sobre meu atual estado. O dia passou e já que eu não tinha mais um trabalho, decidi arrumar um pouco a casa para me distrair até a hora que ela chegasse do Nostrum. Ouvi a porta ser aberta e senti instantaneamente meus músculos ficarem tensos.
– ? – me chamou colocando as chaves e a bolsa em cima da mesa.
– Aqui no quarto. – Respondi marcando a página de um livro que eu estava tentando ler e tirando os óculos.
– Oi amor. – Ela chegou me dando um beijo carinhoso.
– Oi. – Disse sentindo meu coração acelerar. – precisamos conversar. – Disse sem rodeios e ela parou de tirar os sapatos desviando sua atenção para mim.
– Pode falar. – Ela disse se sentando de frente para mim com a expressão séria.
– Piorou. – Eu disse e ela ficou alguns segundos processando o que eu havia dito.
– Como assim piorou? – Ela franziu o cenho.
– Eu mudei de estágio, passou do II para o III, não tem mais jeito. – Eu pude acompanhar sua mudança de feição de perto e a última acabou comigo por dentro. conseguiu passar da incompreensão para a compreensão, e dessa para o choque e do choque para o desespero em questão de segundos.
– Não . Como assim? A gente fez tudo certo, você estava fazendo o tratamento todo certo, por que piorou? – Ela perguntou com a voz embargada e os olhos brilhando por causa das lágrimas.
– Aconteceu meu amor, não foi culpa nossa. – Eu disse enquanto a puxava para um abraço.
– Mas não é justo , não é justo! – Ela disse soluçando nos meus braços não me deixando guardar as minhas próprias lágrimas.
– Não é, mas nós vamos ficar bem, eu vou ficar bem. – Eu disse tentando convencer a nós dois, mas o silêncio choroso dela não me deixou confiar nas minhas palavras.
– Vai ficar tudo bem, não é? – Ela perguntou quando sua crise de soluço passou, os olhos e o nariz estavam vermelhos, a respiração entrecortada e a voz tão baixa e frágil que eu quase não a escutei.
– Vai, vai ficar tudo bem. – Eu lhe confirmei secando suas lágrimas. – Eu prometo. – Ela assentiu com a cara de quem voltaria a chorar e eu tentei sorrir.
– Eu ainda vou estar aqui com você, eu nunca vou deixar você. – Ela disse e eu lhe sorri terno dessa vez selando nossos lábios que estavam salgados.
– Eu também não vou te deixar, nunca durante a sua vida . – Prometi não conseguindo segurar o embargo na minha voz.
Aquela noite foi regada a choro, beijo e carinho. No dia seguinte, sábado, nós contamos para os meus pais e nossos amigos. Novamente se manteve firme enquanto a comoção geral quase não me permitia falar direito. Enquanto nós conversávamos, a minha mente não conseguia parar de pensar em formas de me fazer ser eterno no meio deles. Uma ideia brilhante me ocorreu no dia seguinte enquanto eu pesquisava no Google.
Não demorei pra aproveitar que não estava em casa e fiz uma maratona de gravação. Talvez um vídeo matasse um pouco a saudade deles de me ver vivo daqui há algum tempo. Primeiro gravei um vídeo para Ray, Eva, Meg e Cait. Depois o dos meus pais e deixei por último o de , sabendo que seria o maior e o que eu menos conseguiria controlar minha emoção. O último, no entanto, eu não consegui gravar porque a dita cuja chegou enquanto eu terminava de editar o vídeo dos meus pais. O de eu gravei no dia seguinte depois de ela ter saído para o restaurante e sem querer me gabar, mas já me gabando, foi o mais bonito. Escrevi cartas também. Eu só não esperava que aquela fosse a minha preparação para meus últimos momentos com eles.
Eu não sabia o que dizer daquele dia que havia começado tão estranho.
Estávamos chegando perto do mês do natal e eu já estava começando a preparar as coisas para arrumar a nossa casa. parecia piorar um pouco de vez em quando, mas melhorava dias depois, o que me matava de preocupação. Seu quadro se mantinha estável, por mais que decaísse de tempos em tempos. Já havia 1 ano de batalha árdua contra a doença.
Mas naquele dia em especial algo me chamou a atenção assim que eu acordei e olhei pela janela o quarto. O dia que deveria estar ensolarado estava cinza e sem graça. dormia tranquilamente ao meu lado enquanto o despertador ainda não havia tocado. Alguns pássaros começavam seu dia cantando ao longe, me fazendo parar na janela para observá-los de longe, passei longos minutos observando a calmaria que a vida parecia estar naquele dia. Voltei para cama e me deitei ao lado de , olhando longamente para seus traços, decorando cada um deles e guardando todos no fundo da minha memória.
Eu o amava demais.
Mais do que eu pudesse sequer tentar calcular ou por em palavras. fazia parte de mim, era uma das coisas mais importantes da minha vida. Se ele já não tivesse se tornado ela por inteiro.
Meu coração começou a acelerar quando ele começou a tossir forte apesar de não acordar, mas parou por alguns minutos, e voltou a dormir. Quando deitei novamente vi o pequeno filete de sangue escorrendo de seu nariz e do canto da boca.
– ! Acorda ! – Praticamente gritei pulando da cama e corri para levanta-lo. estava gelado o que aumentou ainda mais meu desespero.
– , por favor amor, acorda! – Pedi tentando faze-lo abrir os olhos. – ! – Gritei e ele abriu devagar um dos olhos.
– , eu não tô bem. – praticamente fechando os olhos de novo.
– Eu sei amor, aguenta firme, por favor, eu já vou te levar pro hospital. – Eu disse vendo-o abrir os olhos com muito esforço, saquei o telefone que estava em cima do criado mudo e disquei os números do oncologista que cuidava de , ele me disse para esperar por ele que estava vindo com uma ambulância e me passou algumas orientações para ajudar com .
Eu fiz tudo o que ele mandou, mas parecia piorar cada vez mais, a tosse que antes estava saindo seca, agora expelia o que eu podia jurar serem litros de sangue. A ambulância não demorou muito a chegar e a levarem . Eu não podia deixar o desespero tomar conta de mim, então liguei de imediato para Eva que não demorou a atender e a voar para o hospital com Ray. Logo mais tarde estavam todos por lá.
A semana foi difícil para . O tumor havia se espalhado para alguns órgãos mais próximos ao pulmão e a qualquer momento podia chegar ao coração. Eu estava péssima, não dormia há dias, mal comia e bebia. Eu ficava com os turnos da noite com no quarto. Ele não ficava acordado por muito tempo por conta dos sedativos para ele não sentir dor. Estava magro e pálido, os cabelos pareciam sem vida e sua boca não tinha mais a cor avermelhada que eu passei anos da minha vida admirando, as mãos estavam frias por mais que eu o enchesse de cobertores, cobrindo-o até o pescoço, os olhos estavam com olheiras quase piores que as minhas, roxas e fundas. Não era o que eu conhecia, mas ainda era o homem que eu amava.
No entanto, eu senti um fio de esperança em seu último dia quando ele acordou e não reclamou de dor alguma, pediu para que trouxessem seu prato e sobremesa favoritos e cantou a primeira parte de Egde of Desire para todos nós. Não parecia estar morrendo e nem se despedindo. parecia estar apenas tendo um dia diferente no hospital com todas as pessoas que o amavam. Seus pais foram embora no começo da noite, assim como nossos amigos. Meus olhos estavam vermelhos e meu rosto provavelmente muito inchados, mas não poupou elogios durante algumas boas horas antes de todos irem.
– Deita aqui comigo. – Ele pediu batendo fracamente ao seu lado na cama, arrastando fracamente seu corpo para o lado. Eu fiz o que ele pediu sentindo um nó na minha garganta apertar cada vez mais. – Eu já te disse o quanto eu fui sortudo por ter tido você na minha vida? – Ele disse com a voz embargada e eu não consegui responder com palavras por causa das lágrimas, mas fiz um aceno negativo, fazendo o rir baixinho, o máximo que conseguiu.
– Eu sou um otário mesmo, como eu nunca te disse isso? – Ele perguntou e riu mais um pouco, me fazendo rir fraco também. Estava doendo tanto. – Eu fui o cara mais sortudo de todas as galáxias por ter tido você . Eu fui o homem mais feliz da face da terra por ter sido amado por você. Eu fui o homem mais realizado de todo o mundo por ter tido a chance de conhecer e amar a pessoa maravilhosa que você é, e mesmo com todos os nossos erros e as nossas conturbações eu não me arrependo um minuto sequer de todos os momentos que nós tivemos juntos. Não vou me esquecer de nenhum, vou leva-los comigo para onde quer que eu vá. Mas quando eu for, eu quero que você viva, que tenha novos amores, filhos, case e tudo o mais. Só não se esqueça de mim. – Ele brincou em meio as lágrimas e eu já não conseguia mais respirar, a dor parecia cada vez maior e me engolia de uma forma grotesca.
– Eu nunca vou esquecer você , você é e sempre vai ser o amor da minha vida, e mesmo se eu quisesse eu não poderia esquecer quem me deu o melhor presente da minha vida. Eu sou a mulher mais sortuda, mais feliz e realizada no mundo por ter sido amada por você . E somos o infinito, não? Não vamos nos separar de forma alguma, em momento nenhum, nunca. – Eu disse ele assentiu derramando suas lágrimas em meu cabelo.
– Eu te amo muito . – Ele disse e soluçou, eu não consegui responde-lo novamente, mas tentei mostrar todo o meu amor através de um beijo. Ele sorriu se separando com selinhos de mim.
– Vou sentir muita falta de beijar você quando eu for um fantasma. – Ele disse arrancando uma risada e mais lágrimas de mim.
– Me conta uma coisa boa. – Pedi escondendo meu rosto em seu peito, ele pareceu parar para pensar por um momento.
– Em algum lugar, em algum momento da história, em qualquer lugar do universo e multiverso nós estamos felizes e saudáveis, sem traumas, sem doenças, sem perdas. Estamos felizes e casados, esperando a chegada de nosso primeiro ou segundo filho. Talvez seja um casal, um deles teria os seus olhos e o seu sorriso, um deles teria os meus olhos e cabelos. Nós os criaríamos com amor e eles nos dariam orgulho e muitos netos. Nós passaríamos a velhice numa casinha de cercado branco e morreríamos juntos em uma noite de verão. – contou sem forças para tentar esconder a voz chorosa. – Bem, eu espero partir sonhando com isso. – Ele riu e dessa vez eu não o acompanhei, apenas escondi mais meu rosto nele que apertou o abraço em volta de mim enquanto meu choro machucava a nós dois.
– Eu não quero que você vá embora , por favor. – Implorei sentindo-o soluçar em baixo de mim.
– Eu também não quero ir meu amor, mas não podemos controlar isso. – suspirou.
E assim foi o resto da noite.
Na manhã seguinte o que houve foi o barulho ensurdecedor do monitor indicando a falta de . O silencio nunca gritou tão alto e a dor foi insuportável. Meu peito parecia queimar em brasas e todo o meu corpo formigava enquanto a força saia de mim com rapidez. Os pais de chegaram minutos após o óbito. O velório foi na manhã seguinte, uma boa parte da família estava presente e até me deram os pêsames apesar dos anos em que não nos víamos. Eva e Ray também falaram comigo, assim como nossos outros amigos. Incrivelmente, cada palavra de motivação, pêsames e qualquer outra coisa do gênero dirigida a mim apenas parecia mais uma agulha sendo espetada no fundo do meu peito. Minha mãe também estava lá e nos braços dela eu não consegui parar de chorar um momento sequer. No momento do sepultamento, eu jurava ter visto meu coração ser colocado e enterrado naquela vala junto com ele. Ao contrário dos dias em que esteve internado, tirando seu último dia, os raios de sol apareceram tímidos enquanto um padre fazia um sermão sobre a vida após a morte. Alguém lá em cima devia estar feliz em receber .
Já a volta para casa foi uma tortura sem fim.
O apartamento tinha o cheiro dele, as coisas dele, o jeito dele, a alma dele estava impregnada naquele lugar. Não me dei ao trabalho de desfazer a cama, apenas deitei e abracei o travesseiro que estava com seu perfume mais forte e chorei, por vezes até clamando seu nome. E isso se repetiu no decorrer da semana, enquanto durante as duas primeiras noites em que eu tentei dormir no nosso quarto eu sonhei com ele ao meu lado, nossos momentos passando como um filme pela minha mente. Me mudei para a sala nas outras noites, até o dia de sua missa de 7° dia. Meg, Cait e Eva me fizeram dormir com elas no nosso antigo apartamento e todas dormiram ao meu lado, e presenciaram outra crise durante a noite.
Depois de mais uma semana aceitação de que eu não veria mais , pelo menos por enquanto, começou a me abater e a dor que eu achava que não pudesse piorar duplicou, triplicou, quadriplicou no decorrer das outras semanas.
A falta que ele fazia na minha vida, o vazio que ele deixou no meu peito nunca doeu tanto. As vezes quando eu chegava em casa do restaurante por puro hábito o chamava esperando ele vir me saudar com um beijo. Eu ainda podia ouvir sua voz falando normalmente comigo, me perguntando como havia sido o dia, como se nada o afetasse. Seu toque ainda era fresco na minha memória e me fazia almejar com fervor poder voltar no tempo e aproveitar todo o tempo que nós perdemos. As lagrimas pareciam não secar nunca quando sua imagem vinha me visitar, elas caiam continuamente a todo momento. Algumas semanas depois a mãe dele, Diana me fez uma visita e assim nós fomos para nossa casa decidir o que doaríamos, o que venderíamos e o que nós gostaríamos de guardar. tinha muitas roupas, muitos livros e CDs, muitas mobílias e nós conseguimos arrumar tudo em um dia, mas eu não esperava encontrar na escrivaninha de seu lado da cama cartas para mim, Eva, Ray, Cait, Meg, e para seus pais. Resolvi que não estava pronta ainda também para ler aquilo e guardei para quando a mãe de fosse embora. Depois de comer uma besteira qualquer e ver algo para me distrair, a carta dele me parecia me chamar na mesa e eu a abri com cuidado tirando de lá alguns papéis com a letra bonita e bem desenhada de .
“Oi anjo, perdão.
Me perdoa por não ter te contado antes, mas eu tive medo de que ou você ficasse comigo por pena, ou fugisse. Mas ao invés das minhas expectativas, dessa vez você ficou comigo, de todas as formas e eu te amo tanto por tudo o que você me deu nesses quase dois anos, que você não faz ideia do quanto eu sou grato por você ter agraciado a minha vida e tornado a minha experiência de vida nessa terra a melhor possível. É uma pena eu não poder ficar mais e poder ter mais doses do seu sorriso, mais beijos, mais momentos, mais infinitos, mais amor. Eu gosto dessas nossas coisas, porque elas ficarão marcadas em mim eternamente.
Definitivamente não era assim que eu queria que as coisas acabassem.
Nos anos em que nós passamos separados, eu queria fugir da minha vida e voltar para os nossos dias, a nossa vida, o nosso amor, os nossos pequenos infinitos. Inúmeras vezes pedi aos céus pra poder voltar para os seus braços, e felizmente isso aconteceu, não é? Eu realmente realizei meu sonho de ser seu de novo, e de terminar os meus dias ao seu lado, por mais poucos que fossem. Sou grato por tudo o que vivemos juntos, e espero que você também seja.
Eu te amo muito , muito mais do que qualquer pessoa no mundo possa contabilizar, mais do que a vastidão do espaço, mais do que a minha própria vida. Você foi de longe a melhor coisa que me aconteceu e eu queria muito poder ter mais, porque dói saber que pra onde eu vou, não tem você e sua risada.
Mas não vamos mais falar de coisas tristes, eu espero que você goste dos nossos top 3 melhores 8 infinitos que estão guardados em um vídeo pra você e quem mais recebeu as cartas, e que com isso você não se esqueça de mim.
Com amor, .”
A essa altura, eu soluçava enquanto tentava controlar o choro que vinha com uma dor excruciante no peito. Eu queria desesperadamente gritar por , para vê-lo chegar na porta eufórico e perguntar se eu estava bem, queria beija– lo e saber que tudo não passou de um terrível pesadelo.
Também não demorei a buscar o computador dele que tinha como protetor de tela uma foto nossa no parque. Senti uma vontade imensa de voltar desesperadamente para aqueles dias. Assisti o vídeo 3 vezes seguidas, e depois vi os outros, enviando-os para seus devidos remetentes. No final eu mais ri do que chorei com o que dizia no vídeo. Eu me lembrava de cada um dos dias, de quase todos os detalhes e por um momento até me esqueci de que ele não estava lá para me lembrar do que faltava nas minhas lembranças. Por aqueles minutos eu me senti feliz e próxima de como há dias não sentia, me senti tão plena com isso que vi admirei o sorriso dele pela tela do computador até pegar no sono no sofá.
Epílogo:
Depois de muito tempo após a morte de , conseguiu se recuperar, não totalmente, mas uma parte de seu gosto pela vida havia voltado quando ela encontrou um garotinho na rua, perto da páscoa, ela o levou para casa e o acolheu, estranhamente o garotinho que tinha por volta de 5 anos e se chamava e tinha olhos muito semelhantes aos de , assim como também tinha os cabelos da mesma cor, porém a pele uns tons mais escuros. lutou bravamente na justiça para conseguir a guarda da criança e teve muito orgulho quando ele se formou em fotografia e se tornou um fotógrafo renomado. O Nostrum que também era a segunda paixão do garoto que junto com a filha de Eva e Ray, que por sinal acabou se tornando sua namorada e esposa, ficou nas mãos da família por muito tempo, nunca perdendo as 5 estrelas conquistadas com muito suor, sangue e lágrimas. nunca arranjou outro alguém, mas era feliz com seu filho e seus netos, morando em uma casinha de cercado branco e com um jardim enorme onde ela passou seus dias cuidando das flores e onde faleceu sendo levada para o infinito por seu amor estrela cruzada do infinito.
Fim.
Nota da autora: Gente que difícil escrever essa história aaaaaah! Mas eu consegui terminar e espero que gostem <3 É isto. Bjs.
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.