Última atualização: Fanfic Finalizada

Capítulo 1

If this town is just an apple
Then let me take a bite

Está começando a chover quando ela desce do carro em frente ao prédio. Todas as vezes em que chega ali, pensa a mesma coisa. O prédio enorme não simboliza nem dez por cento de toda a riqueza da família de Nate. Mas dá uma boa ideia.
São mais de cinquenta andares, e todos pertencem à indústria Novovich.
O escritório de seu namorado, luxuoso e imponente, fica no último. Ele tem acesso à cobertura, de onde diversas vezes tinham observado as luzes da cidade e, quando houvera sorte, algumas estrelas. A cobertura, onde Nate a pedira em casamento em um jantar, dois meses antes.
Em mais cinco meses, ela fará parte dessa família também. Só de pensar nisso, sente um calafrio.
Passa pela portaria sem precisar se identificar, direto para o elevador. A maneira como a música tocando ao fundo a deixa ainda mais deslocada é ligeiramente tragicômica.
Ela beijara Nate diversas vezes naquele elevador. Muitas delas de madrugada, um pouco bêbados, vivendo a vida universitária ao máximo.
Agora, estão mais perto da vida adulta do que nunca.
Em algumas horas, depois de almoçarem — provavelmente em um restaurante muito caro, cuja conta Nate pagaria literalmente com um piscar de olhos — visitarão apartamentos à venda nas regiões mais cobiçadas de Manhattan, acompanhados por uma corretora de confiança da família Novovich.
Toda vez que pensa a respeito, sabe menos explicações sobre como foi parar onde está, noiva de um multimilionário, prestes a ter uma festa de casamento com muita cobertura midiática. E esses pensamentos lhe ocorrem com mais frequência conforme o tempo passa e o casamento se aproxima.
Quando o elevador finalmente para no andar de Nate, ela desce, cumprimentando um executivo que passa por ela com um sorrisinho e se dirige até a sala dele.
Valerie não está em sua mesa, como de costume é encontrada. Ela sabe que nunca precisa anunciar a chegada de , mas, às vezes, precisa avisar quando Nate se enrola em uma reunião ou quando lhe ocorre uma visita inesperada.
É horário de almoço, então não se atém a isso. O prédio inteiro está mais vazio, e Nate deve estar esperando por ela sozinho em sua sala, exausto das burocracias cotidianas, mas prestes a abrir um sorriso quando a vir. É o que sempre faz.
gira a maçaneta com cuidado — como sempre faz — e com um sorriso no rosto, buscando parecer tão animada quanto ele estava quando conversaram ao telefone mais cedo.
Seu rosto trava com os lábios abertos nesse sorriso, que se transforma em uma careta de choque.
Valerie não estava em sua mesa. Porque estava na mesa de Nate. Literalmente.
De repente, parece que engoliu uma bola de golfe. E está prestes a sufocar. Precisa sair dali o mais rápido possível, ou vai começar a vomitar nos dois.
Ela deixa a porta como está, entreaberta, e caminha até o sofá de couro marrom a apenas alguns passos de distância.
Está tudo girando. Tudo confuso. Mas tudo tão claro.
Nate e Valerie. Ela ouvira essa ideia antes. Não só em sua própria mente, mas em comentários cochichados no corredor quando ela chegava.
Valerie podia ser só a secretária, mas ainda era uma herdeira. Um pouco mais nova que Nate — uma universitária, que previsível —, mas ambos estudaram no mesmo colégio no Upper East Side.
Valerie estava lá para rechear um currículo perfeito antes de um intercâmbio de seis semanas em Oxford.
Ela não é rica e bonita, mas muito inteligente. E eficiente em seu trabalho, mesmo que este pareça abaixo de seu nível. É claro que Valerie também é eficiente em outras coisas…
fecha os olhos. Não é o momento de se deixar levar pela corrente errada de pensamentos. Apesar de ser um nível estratosférico de quebra do código de honra feminino e demonstrar um total de zero sororidade, a culpa não é de Valerie. A garota não deve nada a ela.
percebe o que está fazendo. Rodando o anel de noivado no dedo, como se acostumara a fazer nos últimos meses, mas freneticamente. Que perfeita simbologia.
? — a voz dele está diferente. Caramba, como ela não fora capaz de perceber antes?
Ela abre os olhos e o encara. Não há mais nenhum vestígio daquele sorriso, daquele ânimo. só consegue sentir nojo.
Valerie passa por eles, deixando a sala, arrumando discretamente a saia do vestido.
engole em seco.
— Acho que cheguei adiantada — diz, olhando fixamente nos olhos dele.
— Não, não. Eu é que devo te pedir desculpas…
Ela espera. Será que ele vai falar? Sobre o que acabou de acontecer? Ela espera.
— Precisei assinar de última hora uns papéis que a Valerie levou para mim.
assente.
Assinar com o seu p…
— Era isso que estava fazendo? — ela pergunta.
Nate fica um pouco vermelho. É quase imperceptível.
Ele assente.
— Eu vi, Nate.
Uma sobrancelha dele se ergue. Nate está confuso. Mas entrando em pânico.
— Eu abri a porta. Eu vi vocês dois.
Nate já está em pânico. Em choque. Ele não diz nada, apesar da boca entreaberta.
— Acabou, Nate. Acabou. Não vamos mais brincar de casinha. Assim você pode brincar de CEO e secretária com a Valerie. Ou de médico. O que quer que vocês queiram.
se levanta, esbarra em Nate de propósito e segue para o elevador.
Ela entra exatamente ao mesmo tempo que Valerie, os saltos das duas tocando o interior do elevador em sincronia.
olha de soslaio para a garota. Jovem, linda, promissora. A pele vermelha, os olhos brilhando. Ambos pelos mesmos motivos: culpa, vergonha, paixão. É óbvio que Valerie está apaixonada por Nate.
Coitada.
Quando as portas se abrem, revelando o saguão, se vira para Valerie.
— Boa sorte — diz, olhando diretamente nos olhos da garota que abrira os seus.


***


Ela não volta para o trabalho. Também não almoça. O nó no estômago parece crescer a cada segundo, prestes a tomar conta de si.
não hesita antes de ir correndo para casa.
Precisa se trancar no quarto e ter, pelo menos por alguns minutos, a chance de agir como uma pessoa normal em sua situação. Talvez quebrar tudo.
Mas, assim que pisa em casa, dá de cara com a mãe, que ostenta um sorriso enorme no rosto.
— Não vai me dizer que já escolheram o apartamento?
precisa se controlar. Para não explodir. Para não começar a gritar.
— Não vai ter apartamento nenhum — ela diz, a fala entrecortada pela falta de ar advinda do nervosismo.
Sua mãe fica nitidamente confusa.
— Bom, comprar uma casa no Upper East Side é impossível, mas talvez tenha alguma coisa no West Side… só que nã… — não vai se esforçar tanto. Não vai ficar ouvindo o falatório desnecessário e animado de sua mãe. Não agora.
— Não, mãe. Você não entendeu. Não vai ter casa também. Porque não vai ter casamento.
Os olhos de sua mãe se arregalam.
— O quê? Que diabos aconteceu? Que história mais… absurda é essa?
— Nate está com a secretária dele. Ele está me traindo com ela.
— Nate está dormindo com a secretária? — a expressão da mãe de se suaviza. De repente, está mais fácil de compreender.
assente.
— Querida… não há a menor necessidade de fazer tanto escândalo por nada. É só um casinho. Isso não tem importância alguma se…
O quê? Não tem importância alguma? Acabei de te dizer que ele está me traindo com a secretária e o que você responde é que não tem importância alguma? — as primeiras lágrimas são as mais difíceis. Depois delas, as outras fluem sem que sequer perceba. — Nós nem mesmo nos casamos e já estou sendo traída. Isso não tem importância alguma para você, mãe?
A outra mulher não diz nada.
— Por causa do dinheiro? Por causa do dinheiro dele está tudo bem que eu não seja respeitada? Que eu o tenha visto com a secretária, no escritório dele e, logo em seguida, ele tenha tido coragem de olhar para mim e mentir sobre isso?
, não seja tão radical… Relacionamentos são desse jeito e…
— Radical? — ela suspira, prestes a arrancar os cabelos. — Relacionamentos são desse jeito? Onde, mãe? Em Chernobyl? Porque eu acredito que relacionamentos são construídos com respeito, tanto quanto amor. E, se quer que eu seja sincera, Nate nunca deve ter me amado. Mas isso é só teoria minha. Porque, para você, estou sendo radical, não é?
A mãe não diz mais nada. Escuta tudo calada, tentando intervir apenas quando joga peças de roupa aleatórias em uma mochila.
— Não consigo conversar agora, mãe — diz, olhando firme para a mãe, parada à porta, desesperada, protestando, enquanto ela sai. — Não consigo ouvir nada disso agora. Acho que não consigo ouvir nada disso em momento nenhum — ela murmura, batendo a porta enquanto sai de casa, sem rumo.
não consegue pensar em nenhum lugar para onde ir. Nada para fazer. Lugar nenhum para correr.
Parece que toda sua vida não foi o suficiente para prepará-la para esse momento e, agora, está perdida em si mesma.
Ela ama Nate. Tem absoluta certeza disso. Ela o ama. Apesar de todas as dúvidas que surgiram no meio do caminho. Apesar de todas as vezes em que olhou para ele, para seu trabalho, para sua família e seu império, e se sentiu pequena como um grão de areia.
Agora é exatamente assim que está se sentindo. Minúscula.
Precisa de algo, qualquer coisa, capaz de fazê-la sentir-se como a si mesma de novo. Ou talvez pela primeira vez.


***


É incrível como um lugar pode ser tão escuro com tantas luzes coloridas piscando ao mesmo tempo.
precisa piscar algumas vezes para se adaptar o mínimo possível ao ambiente.
Não está nem um pouco acostumada com boates. As vezes em que frequentara podem ser contadas nos dedos da mão e, em quase todas, estivera com Nate, um bom tempo atrás.
A sensação de fazer algo relativamente novo é revigorante, e parece ainda mais intensa quando ela pega, por impulso, um copo que o bartender coloca sobre o balcão, claramente para alguém que não ela.
Eles compartilham um olhar extremamente breve, mas nenhum dos dois diz nada, e ninguém aparece reivindicando a bebida roubada.
leva o copo até a boca enquanto caminha pela boate, olhando sempre em frente, ignorando tudo ao seu redor. A bebida é forte, e ela crispa o cenho em reação ao gosto, mas se obriga a retornar à expressão mais neutra possível. Não demora muito para que o gosto de limão e hortelã se sobressaiam em relação ao choque e à falta de costume ao álcool.
A bebida é boa, e vira o restante do conteúdo de uma vez só, abandonando o copo em uma mesa aleatória.
A boate é imensa, e o balcão de bebidas segue por quase toda sua extensão, abrindo uma breve lacuna apenas na pista de dança, mas contornando-a por trás.
Com tanto álcool disponível aqui, Cersei Lannister nunca precisaria de fogo vivo, pensa.
Ela para em frente ao balcão mais uma vez, com um bartender logo adiante.
— O melhor que você tiver — ela diz. Ele assente e dá as costas, mas o chama de novo. — Mas dois.
O bartender assente outra vez.
não pensa a respeito disso. Não pensa sobre nada. Só está ali, fazendo o que está fazendo — e nunca fez — e isso é tudo. Ela pode lidar com as consequências depois. Não pode? Afinal de contas, o que pode acontecer? Uma ressaca e muito vômito? Parece algo com o que ela pode lidar.
Ela bebe os dois copos que o bartender entrega em não mais que um minuto. Depois, dirige a ele um olhar que já é o suficiente para traduzir seu pedido. Rapidamente tem mais dois copos à sua frente.
Nunca bebeu tanto assim. Nunca, nunca, nunca… Todas as coisas que nunca fez até então, ou está prestes a fazer…
olha para a pista de dança, onde as pessoas parecem estar se divertindo como ela nunca se divertiu. De repente, ela sabe que tem que dançar. Dançar. Só isso. Agora. Por enquanto.


***


É estranho que ela não reconheça nenhuma das músicas que as outras pessoas — que parecem quase todas da sua idade — na pista de dança estão cantando enquanto dançam. Mas é pior ainda que ela não consiga sequer identificar o que as vozes nas músicas estão cantando.
No entanto, depois da terceira ou da quarta música, regada por mais alguns pares de doses de seja lá o que o bartender a está servindo, deixa de se importar.
Limão e hortelã não estão mais só em seus lábios e em sua garganta, mas em todo lugar. Exalando por seus poros, escorrendo por sua pele com o suor.
nem percebe em que momento ele se aproxima dela. O homem com o comprimido rosa. Nenhuma palavra é dita. Ela nem mesmo vê seus olhos. Podem ser de qualquer cor. Ele só estica a mão, e ela estica a sua, aceitando o que ele oferece.
No mesmo instante em que coloca o comprimido na boca, como num passe de mágica, ela surge ao seu lado.
— Você não quer tomar isso com um mojito. Isso aí é 40% álcool — ela oferece uma garrafa d’água que também aceita, engolindo o comprimido, sem tirar os olhos da mulher.
É possível que alguém brilhe?
É possível que alguém se pareça com Nova York?
É possível que alguém seja tão bonita?
A mulher sorri para .
— Como você se chama? — ela pergunta, bebendo de canudinho uma bebida vermelha.
olha para ela por alguns instantes, pensando.
Seus lábios são vermelhos. Vermelhos de um jeito anormal, rebelde, quente, como a bebida em sua mão.
— Nancy — mente. Pelo olhar e pelo sorriso que se forma nos lábios da outra mulher, é um pouco óbvio que ela percebe que está mentindo, mas não diz nada. Não é hora de questionar nada. — E você?
— por outro lado, ela não está mentindo. Isso torna as coisas ainda piores. E melhores. — Você quer dançar, Nancy? — ela sorri outra vez. Dessa vez, porém, sente um arrepio percorrer seu corpo. Um arrepio diferente. Ela quer dançar, como nunca antes quis.
só assente, e parece que é o timing suficiente para que a droga faça efeito. Misturando-se ao álcool em seu organismo, fazendo com que ela veja as luzes coloridas dançando também, assim como ela e , cujos corpos estão tão perto um do outro que a energia parece fluir em intensas e imensas correntes elétricas, chocando-as no ritmo das músicas que tocam.
A pista de dança está cheia e tem consciência disso, porque outros corpos também tocam o seu, mas não é suficiente para que ela repare, para que ela se importe.
Ela nunca sentiu o que está sentindo agora.
Nenhuma noite nunca foi como esta.
De repente, enquanto ainda dançam, um homem esbarra em , jogando-a ligeiramente para a frente e fazendo com que ela vá direto para cima de .
Suas peles se tocam, e toda a energia acumulada é liberada de uma só vez.
Elas se encaram. Os olhos de estão arregalados, o rosto vermelho, os cabelos grudados de suor.
Ela vê olhando para ela. Olhando para seus lábios.
Mas ela não prevê o passo seguinte.
Não prevê quando os lábios de se juntam aos seus, colocando-a em um estado de choque tão intenso que ela fica completamente imóvel por alguns instantes, incapaz de reagir.
Nenhuma das drogas em seu organismo tem sequer um por cento da potência que o beijo de tem. É uma explosão atômica.
está embriagada. Da traição, da revolta, das palavras não ditas, do álcool, do ecstasy, de
Ela tem gosto de maçã. E álcool… e um mundo novo… e perdição.
Se for para o inferno esta noite, sabe que não se importará por queimar.
— Quer ir embora daqui? — pergunta, assim que seus lábios se separam.
Seus rostos ainda estão colados e, quando ela fala, seus lábios tocam a pele de , suavemente, mas silvestres, como as asas de uma borboleta.
Ela quer?
assente, ainda fitando . Seus olhos simplesmente não conseguem desviar. Caíram na pior das armadilhas e, agora, são incapazes de se livrar.
— Vamos — oferece a mão para ela, já de costas, o corpo já dirigindo-se à porta.
segura sua mão e a segue para fora, mas dá uma rápida olhada ao seu redor. Está tudo girando. Conhece o lugar há poucas horas, mas há uma ligeira sensação de pertencimento se formando.
Do lado de fora, parece que existe ar em excesso. Tanto quanto ela precisa para suprir as necessidades elevadas.
A música do interior ainda é audível pelo lado de fora, e está dançando discretamente nos segundos que demoram para que decidam o que fazer.
Dessa vez, é quem se aproxima dela, afastando uma mecha úmida de cabelo de seu rosto, antes de, sem pensar nem um pouco, grudar seus lábios ardentes de álcool nos dela.
sorri quando a beija, e sua mão apoia pela cintura no exato momento em que ela se desequilibra, quase despencando.
Esta noite, ela foi parar alto demais para pensar em cair.


***


Quando seus lábios se tocam, não é a primeira vez. É um reencontro, ainda que não faça muito tempo desde o primeiro. E o segundo. E o terceiro, ainda no elevador vazio — e depois no corredor — do hotel.
Mas é como se todas as mais brilhantes cores do mundo se agrupassem no mais suntuoso arco-íris já conhecido.
E é um privilégio que, pelo menos nesse momento, só tem.
Um privilégio que parece lhe estar custando pequenas doses de sanidade.
Ela está sóbria por alguns poucos segundos, e sabe que também está assim. A lucidez vem e vai, permitindo que ela identifique apenas alguns lampejos. O barulho de saltos sendo lançados ao chão… o zíper de um vestido preto… deslizando, depois emperrado, depois arrebentado, quebrado e caído em algum canto no chão. Os lábios de perto demais de seu ouvido…
não seria capaz de lembrar de todos os detalhes. Mas ela não seria capaz de esquecer de cada milímetro de pele se encostando, se encontrando, queimando pelo caminho.
O quinto, o sexto, o décimo beijo…
O momento em que as luzes estavam apagadas e, mesmo assim, elas ainda podiam ver uma à outra. Perto demais, e confortável, mesmo depois de todas e tantas coisas.
fecha os olhos, lamentando brevemente consigo mesma que não seja possível imortalizar momentos específicos.
Porque, de alguma forma, parece que todos os outros momentos de sua vida foram insignificantes quando comparados a esse.


***


Ela vê, pela imensa vidraça do quarto de hotel, a chuva torrencial inundando a cidade e atravessando a noite em cortes prateados.
As luzes coloridas de Nova York não parecem — e de fato geralmente não são — nem um pouco afetadas pela chuva.
E, assim como a cidade, , deitada ao seu lado, também brilha.
Os cabelos, estirados em todas as direções, livres, selvagens, são quase cintilantes.
está bêbada e tudo está mais intenso, mais bonito, mais vivo, mas ela tem total certeza de que nunca, em toda sua vida, vira algo tão lindo.
Ela estica a mão, apenas o suficiente para tocar o ombro da outra garota. A pele mais macia que os lençóis.
Ela espera, e espera de verdade, que se lembre disso de manhã, ao acordar. Que ainda se lembre da sensação...
É como segurar o coração da cidade na própria mão.


***


Quando ela acorda, no entanto, tudo está mais vazio.
não precisa chamar ou procurar pelo quarto de hotel. É claro que foi embora. Era claro que isso aconteceria.
Uma noite como aquela não seria passível de outro tipo de desfecho. Ela nem mesmo saberia lidar com outro tipo de desfecho. O que faria? Um aperto de mão resolveria a situação e encerraria a história?
E sua cabeça está doendo tanto que não consegue sequer pensar muito. As lembranças da noite passada são apenas flashes multicoloridos e turbulentos, em ondas que vêm e a deixam tonta e enjoada.
escova os dentes com as coisas do hotel e toma banho na água quente porque, apesar de precisar despertar, não é o que ela quer. Não está nem pronta para acordar.
Depois que sai do banho, enrolada em um roupão que certamente cobrira inúmeros corpos antes do seu, ela se joga de volta na cama, apenas esticando a mão para olhar o horário na tela do celular.
Quase duas da tarde.
Tem tantas chamadas perdidas de sua mãe que nem parece um número real. Talvez, a qualquer instante, a polícia esteja atrás dela.
Talvez.
Mas eles podem ir mais tarde. Agora ela só quer dormir.


Capítulo 2

Tentar não pensar sobre alguma coisa é a pior maneira de buscar superar.
Depois de dois dias inteiros sobrecarregando-se de trabalho, ocupando a cabeça o tempo inteiro sem deixar nenhuma lacuna, por menor que fosse, ela finalmente desmonta.
Está no banho, prestes a finalizar mais um dia sem fazer besteira, quando vê o novo hidratante corporal de sua mãe na prateleira. Maçã.
não luta contra o que lhe vem à mente como instinto.
Ela fecha os olhos, desliga o chuveiro, se enrola em sua toalha e vai direto para o quarto, batendo a porta com força antes de trancá-la.
Ela precisa fazer isso.
Precisa pelo menos tentar. Porque, a cada segundo que passa, ela se pergunta mais e mais vezes: o que foi real? E se nada tiver sido?
Ela enxuga o corpo molhado, escolhe um vestido no armário e se senta em frente à penteadeira, imóvel por alguns minutos.
Que tipo de maquiagem as pessoas fazem quando planejam ir a uma boate?

***


God damn
See you licking frosting from your own hands
Want another taste, I'm begging, yes, ma'am
I'm tired of all this candy on the dry land
Dry land, oh


Dessa vez, parece que, ao mesmo tempo, as luzes coloridas piscando a incomodam ainda mais, mas um pouco menos.
Ela consegue ouvir — e decifrar — a música que está tocando. Talvez seja por isso que a pista de dança está tão vazia. Por isso ou porque ainda está cedo.
Da outra vez, as coisas começaram a ficar… animadas bem mais tarde.

Waste time with a masterpiece
Don't waste time with a masterpiece
You should be rolling with me
You should be rolling with me, ah

You're a real-life fantasy
You're a real-life fantasy
But you're moving so carefully
Let's start living dangerously*


Talvez devesse estar em casa. Esperando um pouco mais. Talvez se arrumando melhor.
Devia estar usando um batom vermelho? Porque quase todas as garotas estão usando.
Ela se senta em um banquinho ao balcão e, quase imediatamente, um bartender aparece para atendê-la.
— O que posso trazer pra você? — ele pergunta.
— O que… Quero dizer… O que é que você tem com maçã?
A expressão no rosto dele denuncia que ele a acha uma idiota. Mas ele tenta ser educado.
— Appletini?
Ela balança a cabeça.
— Não. Vermelho. Uma bebida vermelha. Bem vermelha.
— Então acho que está falando de um Jack Rose.
— Pode ser. Me faz dois, por favor — diz, pegando o celular dentro da bolsa.
Ainda está cedo.
Ela olha em volta. Analisando cuidadosamente todos os rostos ao seu redor.
Nenhum é aquele pelo qual ela está procurando.
Mas sabe, procurar é desnecessário.
Se foi tudo mesmo real, ela não precisa procurar por aquele rosto, porque saberá se ele estiver lá.
No instante em que aparecer, saberá.
Mas, naquela noite, não aparece.
Nem na noite na seguinte.
— Pelo menos agora eu sei o que as pessoas usam de maquiagem quando planejam ir a uma boate — murmura, forçando-se a rir da sua própria piada idiota em frente ao espelho, enquanto fecha a embalagem do pó compacto e o coloca de volta na gaveta.
Ela se olha no espelho. O vestido mais curto que nas duas noites anteriores. A maquiagem dos olhos mais escura. Parece que tem alguém prestes a chamar seu nome do outro lado: o desespero.

*Trecho de Cake by the Ocean, DNCE.


***


Já está tarde.
A pista de dança já encheu e esvaziou mais de seis vezes.
Agora já está quase vazia. A maioria das pessoas já voltou para o bar para as doses finais, responsáveis por arrebatá-los por algumas boas horas.
— Aqui — o bartender diz, esticando uma taça de Jack Rose para ela. — O Phil disse que você só bebe desse.
— Phil? — tenta se lembrar de quem caralhos é Phil, mas nada lhe surge em mente.
O bartender aponta com os ombros para outra parte do bar.
— O cara que estava ali antes de mim — ele explica.
— Ah, sim. Desculpe. Ele deve ter se enganado, eu não pedi outro.
Ele balança a cabeça, negando.
— Essa é uma oferta da casa.
assente, aceitando a bebida.
— Por quê? — ela pergunta, a taça a meio caminho da boca.
— Sei que não é da minha conta, mas... você está procurando alguém, não está?
dá de ombros, desviando o olhar para o outro lado.
Depois, percebendo que não tem para onde — e nem mesmo porque — correr, ela olha de volta para ele.
— Acho que eu mesma — ela diz.
Ele assente, crispando os lábios.
— Acho que todos nós passamos por aí algum dia.
assente também.
— Meu nome é — ele diz, estendendo a mão para ela.
— ela o cumprimenta, devolvendo o sorriso dele com outro, ainda que mais fraco.
— Gosto do seu nome — diz, sorrindo, enquanto olha para ela bebendo seu Jack Rose.
— Eu também gosto dele — responde. Ele ri e ela solta um sorrisinho de lado, que é a expressão mais genuína que ela consegue desde… Bem, desde .
— Então… … Quais são seus conhecimentos sobre fechar uma boate? — pergunta.
Ela olha em volta para, só então, perceber que quase todas as outras pessoas já foram embora.
Exceto por dois homens conversando em frente à porta, a boate está vazia. E é extremamente esquisito olhar para ela assim.
começa a rir. Descontroladamente, até começar a tossir e ficar vermelha. ri também, mesmo sem entender o que é tão engraçado.
— Meu Deus do céu — ela diz. — Eu perdi completamente o controle da minha vida.


Capítulo 3

O bartender gato é gato.
É a primeira coisa que ela pensa quando vê a foto dele no feed do Instagram.
está sentada sozinha em um McDonald’s quase vazio, quinze minutos passados do limite de seu horário de almoço.
Nas últimas semanas, adquiriu um hábito um tanto quanto esquisito: clica na localização da boate e olha as fotos marcadas.
No começo, fora difícil admitir o real motivo por trás disso, até para si mesma. Mas, conforme os dias se passaram da mesma forma que os dias de busca na boate, apontando exatamente para o mesmo destino, fora necessário aceitar: ela não estava em lugar nenhum. tinha desaparecido.
Mas procurar por ela se tornou uma obsessão, e é a droga mais forte a que ela tem acesso no momento.
Além do fast food, é claro.
pega a última batata frita da caixinha e mastiga devagar, voltando todas as fotos do feed outra vez e demorando-se especialmente sobre a foto de , o bartender gato.
Quando ela está finalmente fechando o aplicativo, uma notificação a faz voltar.
“Karaokê de Halloween começa às onze. Você não vai querer perder”. É uma mensagem de , acompanhada por um vídeo dele vestido de Holly Golightly de Bonequinha de Luxo no Halloween anterior, cantando Spice Girls no karaokê da boate.
“Eu não perderia por nada”, ela responde.


***


This kicked in
Got your tongue tied in knots, I see
Spit it out
'Cause I'm dying for company

I notice that you got it
You notice that I want it
You know that I can take it
To the next level, baby


se olha no espelho, repentinamente sentindo-se mais ousada do que imaginara quando pensara na fantasia de Maria Antonieta.
— Devia ter experimentado essa bosta — ela murmura enquanto tenta, em vão, puxar o decote do vestido para cima.
Agora, enquanto encara o próprio reflexo, tudo parece estúpido. Absolutamente tudo, cada pequena coisa desde o rompimento do noivado com Nate tinha acontecido completamente fora de seu controle, como um carro derrapando em uma curva na chuva.
Mas parece que já é tarde demais. E, de qualquer forma, não está exatamente disposta a entregar-se outra vez à submissão com a qual levou a vida até então.
Todos os clichês são agora reais. não estava vivendo de verdade.
E é por isso que a sensação é de exposição, e não só das partes de seu corpo que estão à mostra na fantasia de Halloween.
Desde , está em queda livre.

If you want this good shit
Sicker than the remix
Baby, let me blow your mind tonight


Quando ela finalmente chega à boate, aceita um Bloody Mary servido de cortesia na porta antes de entrar.
As outras fantasias no lugar a fazem respirar aliviada. Sua Maria Antonieta não é, nem de longe, a mais ousada. Na verdade, está bem comportada.
não demora muito para encontrar , ainda que ele tenha se empenhado de verdade na fantasia.
Ele sorri para ela quando a nota, e acena. Ela sorri de volta, desviando de algumas pessoas que já estão bem bêbadas para chegar até onde ele está.
— E aí, o que achou? — pergunta, apontando para si mesmo.
Ele está vestido de Chapeleiro Maluco, e é inegável que levou a tarefa realmente a sério. A fantasia é perfeita, desde as roupas até a peruca e a maquiagem.
— Eu sempre odiei o Johnny Depp — diz, sorrindo para ele. — Eles já podem fazer um novo filme.
sorri também.
— Você também não está nada mal.
sente o rosto queimar de vergonha.
Isso é um sinal claro de uma única coisa: o Bloody Mary gratuito precisa de companhia.
— Então, senhor bartender, qual é a melhor bebida que você sabe fazer? — ela pergunta.

I can’t take it, take it, take no more
Never felt like, felt like this before
Come on, get me, get me on the floor
DJ, what you, what you waiting for?*

*Trecho de Till the World Ends, Britney Spears.



***


— Então eu realmente te vi na primeira página do jornal? — pergunta. O choque está evidente em sua voz e em seu rosto.
solta uma gargalhada.
— Sim, você viu. Provavelmente vestindo o equivalente a um apartamento… ou dois — os dois riem outra vez.
— Caramba, que doideira. E aquele aspargo albino ainda traiu você?
assente, rindo do novo apelido.
— Ele me fez um favor. É sério. Eu não aguentava metade das situações pelas quais passava com ele e a família dele… Quer dizer, é claro que tinha um monte de coisas boas… e tinha mesmo, mas não compensava. E, se ele não tivesse feito isso, eu estaria casando em algumas semanas, me prendendo de vez em uma vida medíocre.
— Bom… Então… um brinde a ele — levanta seu copo.
— Um brinde a ele — encosta seu copo no dele.

Shout out to my ex
You're really quite the man
You made my heart break and that made me who I am
Here's to my ex
Hey, look at me now
Well, I'm all the way up, I swear you'll never bring me down*


— Então… eu preciso fechar isso aqui em dez minutos — ele diz, mostrando o horário na tela do celular para ela. — Quer dar uma caminhada?
— A essa hora? Você vai roubar meus órgãos?
faz uma careta.
Hum… sim. Você adivinhou.
— Ótimo. Então eu vou — responde, pegando a bolsa e se levantando.
— Espera aí, você não vai me ajudar a arrumar isso aqui?
— Claro que não, , eu não sou paga para isso — ela faz uma careta, e ele solta uma gargalhada.

*Trecho de Shout Out to My Ex, Little Mix.


***


Eles caminham toda a extensão do parque madrugada adentro, conversando sobre a vida fora da boate, a vida diurna, a vida real.
Quando finalmente voltam para a boate, o sol já despontou no horizonte e parte da mágica já se desfez, assim como a maquiagem derretida e borrada nos rostos dos dois.
A calçada está cheia de embalagens de doces, e algumas garrafas de cerveja estão enfileiradas perto da parede.
A lembrança de e se beijando ali aparece de súbito, mas é tão intensa que ela fecha os olhos com força, como se isso fosse o suficiente para espantá-la para longe.
— O que foi? — pergunta. Seus olhos preocupados são tão puros que se sente mortalmente culpada por estar com ele, mas pensando em outra pessoa.
Ela olha para ele pela primeira vez direito, com dedicação, menos bêbada e pessoalmente, sem a tela do celular e os pixels das imagens do Instagram.
é lindo, mas não é só isso. Ele é bom. Bom de verdade. Bom do tipo que ninguém nem sequer tem dúvidas. Todo mundo só sabe.
— Agora parece que você vai roubar meus órgãos — ele diz, dando um sorrisinho de lado que não deixa nenhuma alternativa que não sorrir também.
— Talvez… — ela brinca. — Então… com quanta fome você está nesse exato momento?
— O suficiente para fazer aqueles dois ali virarem meu café da manhã — diz, apontando um casal de idosos que passa do outro lado da rua.
— O que me diz de um belo café da manhã?
— Eu digo que você é perfeita — responde, se inclinando e dando um beijo rápido na bochecha de .


Capítulo 4

Se ela tivesse pedido exatamente pelas coisas que aconteceram, não teria sido tudo tão bom.
As coisas com são equilibradas: eles às vezes ficam bêbados até passar mal e caminham embriagados pelos parques de madrugada, mas também visitam museus no horário de almoço e discutem sobre arte.
faz bebidas com um teor alcoólico tão alto que qualquer fígado pediria socorro, mas também é um estudante dedicado na faculdade. o encontrou dormindo sobre um livro uma vez quando marcaram de almoçar juntos.
Estar com ele é ótimo. Não é entediante e triste como estar com Nate, mas também nunca chegou a ser emocionante e assustador como as horas passadas com . E, embora saiba que é errado comparar, ela simplesmente não consegue evitar.
Mas ainda há uma diferença gritante. Ela e nunca sequer se beijaram.
Toda vez que parecem estar perto disso, alguma coisa acontece e um dos dois acaba dando para trás. Parece karma ou alguma sacanagem do universo, mas, a essa altura, já não tenta mais controlar esse tipo de coisa. É estúpido. Ela quer beijá-lo, mas isso vai acontecer se tiver que acontecer.
Que seja.
As coisas são assim agora.

Ela fecha o casaco vermelho quando desce do táxi.
não está trabalhando esta noite, mas simplesmente parece uma noite de boate. Não uma noite de ver filmes e jantar. Uma noite de beber e dançar. E os dois estão na página sobre isso. Eles sempre estão.
está esperando por ela do lado de fora e fecha a porta do carro quando ela desce.
Ele tem um cheiro bom que parece ser só dele. Às vezes, quer perguntar qual é o perfume para poder borrifar em todas as coisas que ele não toca, só para que tenham o mesmo cheiro bom. Mas isso seria bizarro.
Ela se prepara para cumprimentá-lo só com um abraço — como sempre é, mesmo quando parece que finalmente um beijo vai acontecer —, mas, de fato, finalmente acontece.
Quando os corpos deles se afastam, os olhos de se demoram muito mais sobre os dela. Tão cristalinos que chegam a doer. E ele a beija sem muita hesitação, só um beijo doce, algo que parece estar finalmente voltando para o lugar certo depois de ter demorado uma eternidade. E demorou.
Mas ela não pode reclamar. Porque é bom. Bom como . Bom como ela não poderia exigir melhor.
— Finalmente — murmura, sorrindo para ele, ainda de olhos fechados.
— Finalmente — ele murmura de volta.

Eles bebem muito. Mas não muito fora do comum. Muito como sempre fazem quando bebem muito.
Nos últimos meses, a tolerância de a álcool cresceu consideravelmente. Ela pode misturar um monte de coisas sem ficar tonta, e isso é uma conquista e tanto, porque está saindo com um bartender.
E eles saem da boate para mais uma caminhada exatamente assim: ele ainda é o cara com quem ela está saindo. No entanto, pouco depois de o táxi parar em frente à casa dela, ele é seu namorado. Porque perguntara, um pouco bêbado, mas não o suficiente para estar sendo movido pelo álcool, se queria ser sua namorada. E ela dissera que sim, ela queria. Porque ela queria mesmo.
E, enquanto o dia amanhece do lado de fora, seus corpos se tocam em tantos pontos que a pele parece uma só, e seus lábios estão ébrios dos beijos que por tanto tempo foram guardados.
Mas, quando a mente dela, no sono, atinge o inconsciente, não é com ele que ela sonha.


Capítulo 5

— Eu estava super chapada e, vejam bem, fui embora com um cara… e uma mulher! — Nora, que trabalha na contabilidade, comenta, às gargalhadas, como conclusão de uma história que já contava há horas.
olha para ela na mesma hora. É impossível controlar a expressão em seu rosto. Nem ela sabe como está nesse exato momento.
— Eu sei! — Nora diz, olhando para ela e rindo, como se a reação de fosse por ela ter ficado “super chapada” e dormido com duas pessoas, sendo uma delas outra mulher. — Mas é o século 21! E, além do mais, essas coisas nem importam tanto hoje em dia. Quem liga se era homem ou mulher? Eu não ligo.
As outras garotas riem, menos a estagiária, Jenny. Ela é lésbica, e as outras não sabem. Mas sabe. E sabe também que ela morre de medo de que as outras pessoas do escritório descubram.
Mas não dá para pensar muito em Jenny, porque Nora continua falando sobre a mulher com quem dormiu, e as memórias de são engatilhadas, uma atrás da outra, tão rápido que chegam a lhe dar vertigem.
Ela fecha os olhos, tentando se concentrar na escuridão e esquecer todas as coisas que insistem em voltar, mas é em vão.
As imagens se formam mesmo assim. O rosto de , tão perto do dela. Os lábios vermelhos… que, naquela noite, beijara até perder a conta, até perder os sentidos...
As mãos de , tão macias, cujos dedos peregrinaram por sua coluna, vértebra por vértebra, conhecendo e marcando cada centímetro. Seus cabelos cintilantes, tão brilhantemente nova-iorquinos… seus olhos faiscantes, dominantes, ferozes…
sabe que nunca será capaz de esquecer nada disso. Talvez só um trauma muito forte na cabeça…
— Qual era o nome dela? — pergunta, por impulso.
Todas as outras olham para ela, confusas.
— Da mulher com quem você dormiu. Qual era o nome dela? — repete.
Nora ainda mantém um pouco de confusão no rosto, mas dá risada.
— O nome dela era Mackie.
assente.
É claro.
É claro que não seria .
É, não é?
Ela suspira, bebendo de uma vez o resto de seu suco para poder sair logo de cozinha.
Como é que pode se livrar de se absolutamente qualquer coisa a faz lembrar dela?


***


— Você tem certeza de que eles vão gostar de mim? — pergunta, nervosa, ajeitando a saia do vestido vermelho pelo que pode ser a milésima vez.
ri, abraçando-a por trás.
Ela olha para eles, a imagem dos dois refletida no espelho.
São bonitos juntos. São felizes juntos.
Mas o fantasma daquela noite insiste em voltar.
É como um trauma. chega às vezes a passar mal. Quer tanto esquecer que acaba lembrando mais e mais.
Talvez a melhor ideia — a única alternativa real — seja buscar ajuda, fazer terapia, qualquer coisa. Ela não pode fazer isso com . Sobrepor uma noite pouco lúcida, quase onírica, ao que estão construindo… É o pior tipo de traição em que ela pode pensar. Porque não está nem acontecendo. E não vai acontecer de novo. Mas, ainda assim, fica se repetindo em sua cabeça e assombrando seus sonhos.
— Eles vão amar você, . Não tenho dúvida disso. Todos eles vão.
Ela força um sorriso para ele, e sabe que é um momento difícil para ela.
Faz poucos meses desde o dia quando ela deveria estar se casando com Nate. Se tornando uma socialite. Mas sua vida virou de cabeça para baixo e, agora, ela está em um novo relacionamento, prestes a conhecer toda a família do namorado. É claro que ela estaria nervosa. Quem não estaria?
— Eles vão amar você — repete, dando um beijo rápido no topo de sua cabeça, antes de tomá-la pela mão e virá-la para si. — Confie em mim — diz, puxando-a para perto e beijando-a.
E confia.


***


Eles não são horríveis como os Novovich.
Na verdade, são divertidos, humildes e harmoniosos.
A casa dos avós de é grande, com um imenso quintal onde a família toda se reúne.
Alguns dos homens cuidam da churrasqueira, as crianças correm e brincam na piscina e em uma cama elástica armada. Os primos adolescentes estão nas espreguiçadeiras, digitando freneticamente em seus celulares, e as mulheres bebem com delicadeza — mas sem frescura, como as Novovich faziam — enquanto conversam.
Todos são receptivos com ela. Até a prima pré-adolescente com cara de bunda oferece seu melhor, dá para perceber. Ela é educada, só é… pré-adolescente.
— Você quer uma taça de vinho, querida? — a mãe de pergunta, gentilmente pousando uma mão nas costas de , como se fossem velhas amigas.
— Ela não gosta de vinho branco — diz. faz uma careta, envergonhada.
— Não se preocupe! Temos um Pinot Noir maravilhoso. Você vai amar. Só um minutinho, já trago para você!
— Não, não. Eu ajudo a senhora.
A mãe de olha para ela com cara feia.
— “Senhora” não. “Você”! — ela diz, rindo.
também ri, seguindo a sogra para dentro de casa.
A mulher mais velha procura a garrafa pelas prateleiras organizadas de bebidas na cozinha e, quando encontra, cantarola uma melodia engraçada em comemoração. não consegue segurar um risinho, e a mãe de também ri, um pouco envergonhada, enquanto pega uma taça no armário e serve a bebida.
— Aqui está — ela entrega a taça para , que agradece. — Você deve estar faminta, não é? Eu estou. E olha que estive beliscando algumas coisas até agora! Mas não se preocupe, só estamos esperando uma prima do chegar, e a família estará completa.
— Não tem problema algum — diz, bebendo de sua taça. O vinho é realmente maravilhoso.
— Nós sempre ficamos esperando por ela. Nunca sabe cumprir com os horários combinados. Sabe como é? — sorri, mas não diz nada. Não é o tipo de coisa que se comenta. — Ela é minha sobrinha, e é claro que eu a amo. Além do mais, eu limpei a bunda dela por um tempão… Mas ela é assim mesmo, muito enrolada. É tão solta que vive assim, enrolada.
— Ela chegou! — uma das priminhas de invade a cozinha, quase gritando. Pelo jeito, está todo mundo morrendo de fome.
— Que ótimo! Vamos poder almoçar, finalmente. Venha, querida — a mãe de estica a mão para , e segura a dela até o lado de fora. Apesar de se conhecerem há literalmente pouquíssimo tempo, não é nada estranho.
Quando voltam para o quintal, olhando para ela e a mãe dele, sorrindo, animado.
Ela quase sorri também.
Mas também vê algo que nunca pensou que veria de novo.
“Como você se chama?” ; “Você quer dançar, Nancy?” ; “Quer ir embora daqui?”
A voz está dentro da cabeça dela.
É ela.
.

De repente, tudo está turvo, confuso e girando, como naquela noite na boate.
sente-se tonta, e a taça de vinho escorrega de sua mão direto para o chão.
A garota olha para ela.
As luzes de Nova York estão acesas.
E ainda não é nem uma da tarde.


Fim



Nota da autora: ‘Human Nature’ foi um desafio para mim. Mas, desde o começo, quando vi a música vaga, praticamente me chamando (mesmo que eu já estivesse em outros milhares de ficstapes) tive uma ideia fixa sobre essa história. Eu realmente queria escrever sobre a natureza humana e, principalmente, sobre como alguns de nós negligenciam a maneira como ela se manifesta na gente.
No entanto, não posso deixar de agradecer a ajuda essencial da Mariana Dubeux, que me deu uma luz em algumas coisas e me ajudou a preencher lacunas importantíssimas nessa história. Muito muito obrigada!
Espero que gostem dessa história tanto quanto eu gostei de escrevê-la!
Hellica




Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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