Único
estava dizendo adeus. Aos 23 anos, ele iria começar tudo do zero em um outro clube, em uma outra cidade. Freiburg estaria em seu coração para sempre. Foi ali que tudo começou. O primeiro passo para o tão distante sonho de ser um jogador de futebol profissional. E também havia sido ali que ele deixara de ser simplesmente , para ser . Para todo mundo menos para .
havia conhecido ainda nos primeiros dias dele em Freiburg. Poderia se dizer que eles haviam tido um relacionamento clichê. O garoto encontra garota. Ele havia parado em um café apenas para pedir informação sobre as redondezas e havia se encantado com os olhos escuros da garota.
tinha uma beleza diferente. Seu cabelo escuro se destacava do loiro claro predominante no café, e seus olhos cor de amêndoas causavam em um sentimento de paz. , como o rapaz carinhosamente a chamava, tinha traços que destoavam dos tradicionais, talvez por causa da sua descendência indiana.
não fazia ideia em qual momento que sua árvore genealógica chegava à Índia, mas ela era feliz com o que a mistura de etnias havia feito a ela. havia percebido isso naqueles primeiros segundos. Uma troca de olhares que ficara gravado na mente do rapaz por dias, até que ele finalmente tomasse a atitude de retornar ao café e convidar a moça para um passeio.
havia nascido e crescido em Freiburg. Ela estava cursando psicologia e pretendia seguir carreira acadêmica na universidade. E havia sido por este motivo que, quando contou sobre a proposta de jogar no Borussia Dortmund, a pacífica havia ficado tão desequilibrada.
— Você tomou uma decisão sem perguntar se eu iria com você.
— , é uma oportunidade de crescer para mim. Não tive escolha.
— Você sempre pode escolher.
Eles estavam no apartamento de . O jogador já começara a arrumar as caixas da mudança para Dortmund. Ele seria anunciado na próxima semana no time aurinegro e estava ansioso para começar. Sabia que sairia de um time do qual era titular para um que seria reserva. Pelo menos até se entrosar com o elenco. Mas teria oportunidade de jogar de outra forma, sair da sua zona de conforto.
Freiburg sempre estaria em seu coração, mas era hora de seguir em frente. também sabia disso. Mas ela também sabia que o relacionamento dos dois não sobreviveria à distância.
A garota tinha acabado de começar um projeto de pesquisa na sua faculdade. Era algo que ela sempre quis e não abriria mão de uma conquista para ir atrás do namorado. Ela amava , mas tinha que se colocar em primeiro lugar.
Da mesma forma que não poderia colocar a culpa nele de fazer o mesmo. Ir jogar no Borussia Dortmund era a chance que tinha de se mostrar internacionalmente, crescer, provar porquê jogava futebol. Ele era a atacante e, como tal, tinha sede de gols.
Mas ela havia ficado chateada de não ter sido uma decisão dos dois. Ela o apoiaria de qualquer forma, mas ter assinado aquele contrato sem mandar sequer uma mensagem, havia sido o topo do iceberg do relacionamento deles, que já não estava tão bom quanto deveria.
— , eu não estou chateada por você ir. Estou chateada de não ter me contado antes. — estava sentada no sofá. Olhava para suas pernas para evitar ao seu lado.
tentava pensar rápido em algo que poderia dizer a ela que mudasse a sua expressão. Um simples sorriso torto já lhe agradaria.
Ele agachou no chão à frente de , cruzando as pernas e segurando as mãos da garota.
— Você sabe que eu amo você.
— Eu sei. Mas não sei se esse amor é o suficiente.
— Não estamos mais falando sobre a transferência, não é?
fechou os olhos. Foi sua vez de conter as lágrimas e não deixar transparecer tudo o que de fato estava sentindo. era seu porto seguro, mas ela não era seu mundo. Eles eram duas almas que viviam vidas paralelas. Por um acaso eles haviam se cruzado, mas aquilo não era a regra. Aquilo havia sido uma tangente mal intencionada.
— O que a gente faz agora, ?
— Queria ter uma resposta para isso. Se eu pudesse, faria de tudo para te fazer ficar. Mas sei que não posso mudar isso. Não posso mudar algo que não depende de mim.
— A vida não para só porque a gente quer.
— A vida simplesmente não para.
se levantou, ainda lutando contra as lágrimas. viu seus olhos azuis ficando vermelhos e uma tentativa frustrada de demonstrar que aceitava tudo aquilo. Ele deixou um beijo na testa dela. olhou uma última vez nos olhos de .
Ele sentia como se o tempo não tivesse passado. Aquela troca de olharem com todo um significado oculto, da mesma forma como aquela primeira troca de olhares no café.
Eles eram outras pessoas agora. E estava na hora de cada um seguir o seu caminho.
A Euro U21 havia chegado ao fim e agora era hora de encarar o seu apartamento em Dortmund. O lugar era amplo, porém as diversas caixas e o eco frequente mostravam que era um lugar ainda inabitado. pensou em chamar algum colega de time para pedir ajuda, mas se lembrou que não era tão íntimo com nenhum deles.
Caixas e mais caixas estavam encostadas nas paredes da sala. O sofá ainda não havia chegado e a televisão estava sem sinal. A internet ainda era a do celular e o ar condicionado fazia força para funcionar. precisaria fazer uma boa reforma no apartamento, mas, por agora, tudo que ele queria era arrumar o seu colchão improvisado e dormir.
Talvez assim a imagem de indo embora saísse de sua mente.
Ter conquistado o título na Euro não parecia ser grandes coisas mais. havia comemorado com seus colegas de time, muita cerveja e músicas da torcida gritadas a toda altura. Havia sido uma festa e tanto a volta pra casa.
Mas agora tudo parecia distante. As palavras que havia trocado com voltavam repetidamente à sua mente. Ele não conseguia acreditar que havia sido o fim. Que a vida dos dois iria seguir caminhos diferentes de agora em diante.
Adormeceu em meio a lágrimas que jamais iria admitir que tinham saído. No dia seguinte ele acordaria com uma dor de cabeça. Aquela dor que simplesmente não ia embora, que passaria o dia lhe lembrando da noite mal dormida.
O sol entrou pela janela acordando naquela manhã. Suas costas doíam de ter dormido no chão. Ele se sentia um lixo e encarar aquele dia cheio de afazeres não o estava deixando animado.
Se levantou, tropeçando em um tênis esquecido no chão, e foi até a cozinha preparar um café com a intenção de melhorar a dor de cabeça. Mas, ao abrir o armário, se lembrou que não tinha café. Nem sequer mercado ele havia feito. estava chegando num nível deplorável de começar a arrumar seus pertences. Era hora de dar um rumo nas coisas e deixar que saísse da sua vida.
Saiu de casa quarenta minutos depois. Seu estômago implorava por alguma forma de alimento. Alguns quarteirões de distância do seu apartamento, ele descobriu um café. Era a mesma rede de cafés daquele que trabalhava em Freiburg. Eles tinham um pretzel diferente dos outros lugares e era um dos poucos carboidratos que permitia em sua dieta.
Sentou em uma mesa sozinho, com um café e seu pretzel. Observou as pessoas entrando e saindo do lugar, muitas delas acompanhadas por amigos, amantes e crianças. tinha tudo para se sentir sozinho, mas ele não sentiu.
Pela primeira vez desde que havia assinado o contrato com Dortmund, ele sentiu que era um novo começo. Que as coisas iriam começar a funcionar de uma outra maneira. estava feliz. E talvez um dia o espaço deixando em seu coração fosse preenchido novamente.
— Ei, você é , não é? Parabéns pela Euro.
— Obrigado! — ele sorriu para a morena em sua frente.
— E boa sorte com o Dortmund também. Espero que você ajude a trazer mais títulos para meu time.
A garota saiu andando sem se despedir. observou o local ao seu redor, tudo tão novo que chegava a dar um aperto no coração. Mas ele sabia que aquilo não seria para sempre, sabia que estava chegando em uma cidade que respirava futebol tanto quanto ele. E sabia que, talvez, o adeus tenha sido apenas um novo começo.