- Aquela mulher está estragada! – berrou. – Ela não consegue ter um filho homem. Eu preciso de um herdeiro e não é ela quem vai me dar!
O papa olhou de relance para o rei, sentado com maestria e o rosto erguido. A igreja estava em tons de vermelho nesta hora, quando o pôr do sol batia e iluminava as janelas coloridas, dando destaque às pinturas que davam um toque mais esbelto ao local.
- A Igreja não permite que a vossa majestade ou qualquer outro homem se divorcie e se case com outra mulher. Deus não aprova isto, nem jamais aprovará; contudo, nós também não.
rosnou, passando as mãos pela cabeça careca e andou de um lado para o outro.
- Vocês não podem fazer isto comigo. Se eu não tiver um filho homem... O trono irá para aquele meu sobrinho bastardo! Eu não posso permitir isso.
- Já chega – a voz do Papa se elevou. – A Igreja não permite e não permitirá. Faça o que quiser, mas nós somos contra isso.
Com um rosnado de desgosto e um olhar mortal, VII prometeu:
- Absolutamente farei. – E saiu com o peito erguido e uma furiosa expressão.
- Quem é seu amante? – uma voz com o sotaque britânico bem carregado surgiu.
- Eu não o tenho.
O dono da voz apareceu. Um loiro de cabelos lisos e rosto corado, mas ainda assim bastante sério. Ele se curvou na altura da bela rainha, que o olhou com desprezo.
Era um rapaz bonito. Quem sabe ela conseguiria...
- Nem pense isso – interrompeu seus pensamentos. – Sabemos que você tem, anjo. Apenas diga quem é o pai e para onde vocês iriam fugir.
- Bem... – Analisou a situação um pouco e se decidiu: - Não poderia dizer.
- Quando você vai dizer? Será necessário mais tortura, dama?
- Quando o inferno congelar eu conto.
- Mas minha querida... – Ele andou em volta dela. Puxou a cadeira para trás, levando o corpo da mulher junto e sussurrou perto ao seu ouvido: - O inferno já é gelado.
Com um último empurrão, a jogou com força de volta para a água.
esperava suspirando, imaginando onde estaria . O tédio tomou conta de sua face pálida, fazendo-a morder o lábio e puxá-lo, várias vezes sem parar.
O vestido estava sufocando-a pelo local abandonado que se encontrava. sempre insistia para que ela usasse seus mais belos vestidos – e quando o rei, seu amante, mais termos for digno de uso pedir, você faz. Aquele em questão quase a deixava sem respirar. Foram-se horas e horas para montá-lo em si, e agora aquele mar cor de pêssego e vermelho se arrastava pelo chão sujo da local.
Isso vale a pena, pensou. Iremos nos casar. Vou me casar com o rei da Inglaterra.
Não teve como evitar o sorrisinho de triunfo. Quando percebeu a cavalaria que chegava, fez questão de erguer a posição e de melhorar a face, sorrindo para encantar o amado.
- Bolena – ele sorriu e suspirou dizendo seu nome. sentiu seu coração dar pulinhos com aquilo.
Maravilhada e triunfante, foi abraçar seu amante com um toque singelo na nuca.
- Como foi com o Papa? – Seus olhos brilharam em curiosidade.
Afastando-a e tomando fôlego, colocou a mão na barriga robusta e ergueu o queixo com seu famoso ar de superioridade.
- Não precisamos mais da Igreja. Eu sou o rei absoluto de toda Inglaterra e se eu mando e a Igreja não obedece, a Igreja será substituída.
Bolena deu uma risadinha. Percebendo que ele falava sério, foi aí que riu mais.
- O que vai fazer? Assassinar todos lá?
- Vou criar outra religião, minha bela. Vamos nos casar e você poderá finalmente me dar um herdeiro.
- Mas e Catarina?
- Ela irá para a família dela. Nos separaremos. – concluiu.
- Mas... Quando me falou pela primeira vez, não sabia que ia realmente levar isso tão a sério. – Sorriu. – Ninguém nunca, jamais o fez! Você vai ser um herói para os nossos netos! – ergueu as mãos, animada, e deu um sorriso aberto.
Feliz com tantos elogios, analisou-a.
- Venha aqui, futura esposa. Vamos comemorar.
E puxou-a para seus braços, beijando-a com gosto.
- Quando isso vai parar? – a mulher gritou com a respiração falha.
- Precisamos saber.
- nunca faria isso comigo! Ele me ama! – cuspiu.
- Sentimos muito pela perda da senhora, aliás. Se o nosso alvo realmente foi certo.
sentiu o gosto amargo descendo na sua garganta. O nome dele surgiu na sua mente em letras de sangue.
- Parem com isso. Vocês nunca vão saber. Eu não vou contar, nem que isso dependa da minha vida.
- Sentimos muito, mas sempre que recusamos ordens da rainha, principalmente dela, o caos retorna.
- Eu sou a rainha. Me soltem!
O loiro deu uma risadinha e caminhou para o lado do outro homem.
- A real rainha – respondeu. E então Bolena começou a entender tudo aquilo. O ódio só perdia para a vontade de vomitar.
Diziam por aí que Bolena tinha rosto de anjo com a língua de um demônio. Quem mais, senão Catarina Aragão para confirmar isso?
Lógico que ela tinha seus ouvidos pela cidade. Lógico que ela tinha o direito de ter.
Ela era a esposa traída, afinal.
O que mais deixou a atual rainha com ódio transbordando da taça foi saber que ele desafiava até mesmo a Igreja Católica para poder ter apenas a outra. Ele a xingava, machucava e ainda a traía publicamente. Como se não bastasse à humilhação da sua família. Que mundo horrível para se viver.
Seu marido tinha conseguido conversar com todos os nobres mais sociáveis da época e os convertido para uma nova religião chamada anglicanismo, na qual estava quase tudo em prática. A Bíblia e a crença em Deus eram a mesma, mas com novas regras.
Logo ele também havia decretado que quem não aceitasse a condição e se juntasse ao anglicanismo seria caçado e morto. Tão cruel quanto a real Católica, pensava Catarina. Ele está fazendo tudo direitinho.
Marchas com tambores e muita festas nas ruas para comemorar a nova Era. Sinceramente, Catarina não entendia o que estavam comemorando. Era uma Igreja mais liberal, mas isso tudo só trazia ainda mais poder ao rei .
Tolos, tolos e tolos.
Mas se tinha uma coisa que a Aragão não era, era tola.
Ela também tinha seus contatos, seus planos. Já tinha a humilhação da família e de todo o país, mas pelo menos iria levar alguma coisa em troca.
Bolena lhe arrancou seu amor. Ela iria descobrir quem Bolena mais amava, e retribuir o favor.
O sol era quase inexistente, escondido atrás das nuvens como se não quisesse presenciar aquela cena dramática, por mais que a curiosidade o obrigava a dar as caras.
Clima úmido e pesado, rostos sérios e assustados. E, céus, tão excitados!
A rainha Bolena estava agora no meio da Torre Verde, com o rosto vendado e um sorriso malicioso, joelhos no chão e uma oração em alto e bom som.
- Que Jesus Cristo receba minha alma!
- Ela vai se entregar, assim? – murmuravam na multidão.
- Inacreditável! Horrível é este mundo que vivemos, Senhor.
O verdugo de Calais caminhou lentamente, afiando mais ainda sua arma. O rei que assistia de longe, deu um olhar consentindo o ato.
Ele sussurrou no ouvido da jovem rainha, quase com medo de pronunciar as palavras:
- Quem é seu amante?
Igreja Anglicana, também conhecida como Igreja da Inglaterra. Apesar de surgir no momento histórico do Luteranismo, ela tem mais em comum, na sua liturgia, com o Catolicismo do que com o Protestantismo. Esta Igreja também sofreu divisões, portanto há o grupo da Igreja Alta e o da Igreja Baixa, que diferem quanto à maneira de realizar seus cultos e de se expressar. Os preceitos anglicanos estão ordenados no Livro de Oração Comum, nos Ordinais originários dos séculos XVI e XVII, nos 39 Artigos de Religião da Igreja da Inglaterra, nos quais está contido o resumo da crença anglicana, e mais sinteticamente no Quadrilátero de Lambeth-Chicago de 1886-1888, texto onde estão inscritos os princípios essenciais do Anglicanismo Histórico, entre eles a busca da unidade da Igreja Cristã.
- Querido? Querido? – Segurou seu vestido enquanto corria nos enormes e infinitos corredores do palácio. Os saltos batiam com força contra o chão de madeira firme e as lágrimas que caíam molhando seu rosto pareciam pingar com mais força a cada galopada.
Com as mãos cor de oliva tremendo e uma feição apavorada, Bolena corria sem parar, apesar de todo o cuidado para não ser ouvida.
Um gemido soou no fim do corredor, mais precisamente à direita.
- Querido? – murmurou.
O corpo caído e machucado do suposto Querido estava envolto de uma poça de sangue, pintando e apodrecendo o chão. O rosto já quase sem vida ainda era capaz de expressar o que os músculos não podiam no olhar; dor, melancolia, paixão e medo.
- ... – Tossiu mais sangue.
- O que fizeram com você? – Apesar de muita vontade de tocar seu amado, evitou.
Ele apenas puxou seu rosto e murmurou um singelo “Sh”.
- Mantenha nosso segredo. – E deu seu último suspiro.
Mais passos foram ouvidos e fez questão de fechar a porta e se recompor.
- Senhorita? Está tudo bem? – Uma criada apareceu, receosa. – Ouvi alguns barulhos por aqui e a senhora não estava no quarto...
sorriu graciosamente, o que fez a criada suspirar em alívio. Os olhos da rainha estavam cheios de ódio, mas ela estava sorrindo. Ela estava feliz. Tudo estava bem.
- Eu ainda consigo me perder nesse palácio gigante... Peça desculpas ao meu marido. – Acariciou a própria barriga e sorriu. – Opa! Chutou! Quer sentir?
- Não ousaria tocar na rainha... – Mas sua mão foi tomada e levada até a barriga inchada da rainha.
- Não diga isso. Meu filho está feliz aqui, com você. Sinta-o! – A mágica aconteceu. O bebê se mexeu contra as mãos da senhora.
- Vossa majestade acredita que é um garoto?
Bolena sorriu plenamente.
- Mas é claro.
- Quando isso vai acabar? – rosnou de volta.
- A ex rainha Bolena foi acusada de incesto, adultério e conspiração contra o próprio marido e atual rei, VIII. – Uma voz grossa e firme começou a narração para o público de mais de duas mil pessoas.
- Tudo verdade – comentou a rainha, com o casual sorriso no rosto.
Todos a olharam chocados com tal audácia e o rei faltou descer e matá-la ele mesmo.
- Bolena ainda foi amaldiçoada, dando mais uma filha mulher ao rei. Perdendo dois bebês antes da princesa. A senhorita Bolena será decapitada em frente a todos, para mostrar a vergonha que trouxe à Inglaterra, sendo a primeira rainha a ser digna de tal ato. Alguma ultima coisa para revelar?
- Eu fui a mais feliz – respondeu.
Logo depois teve sua cabeça cortada para fora do corpo, rolando pelo chão. Os belos olhos foram vidrados e parados na direção de .