Capítulo Único
Já eram cinco anos juntos, dois deles casados, na frente de nossos mais queridos familiares e amigos. Mas parece coisa de gente louca... quando tudo parecia estar perfeitamente nos conformes, todos - aparentemente - felizes, você começa a procurar algo que te incomode.
Não que eu quisesse, mas estava ali, aquela sensação de algo errado. Como se o meu inconsciente estivesse esperando o momento mais tranquilo de nossa vida juntos para colocar uma sementinha de discórdia em minha mente.
Nikolai parecia relaxado na poltrona de couro. Conversava aos sussurros com seu irmão e vez ou outra acenava para mim.
Estava apoiado no balcão da cozinha, enquanto sua mãe e irmã preparavam uma receita de família.
Era normal aos domingos nós dois estarmos naquele mesmo lugar, conversando com as mesmas pessoas. Desde que seu pai falecera, nos reuníamos aos domingos para um almoço em família na casa da mãe dele.
Sua família também era a minha agora, desde que decidimos ficar juntos as coisas ficaram mais difíceis do que nunca, mas Nikolai era o único que me entendia, que vivia o que eu vivia.
- Dakota, se você não prestar atenção, não poderá fazer essa receita para o meu Niko... - Sua mãe brincou, chamando a atenção de todos ali.
Nos entreolhamos e mais uma vez ele sorriu para mim, como quem tenta amenizar um pedido de desculpas.
Como o planejado, almoçamos, conversamos, tiramos algumas fotos - que prometemos enviar para sua mãe - e nos despedimos de seus familiares.
Não morávamos tão longe dali, apenas alguns bairros de distância e estaríamos em casa.
- Você parece calada... - Nikolai resolveu quebrar o silêncio enquanto parei em um sinal vermelho. Estávamos entrando nas festividades natalinas e junto disso, as chuvas chegavam com força no para-brisas do carro. - Está tudo bem?
- Claro. - Sorri e voltei a minha atenção para o trânsito, agora conturbado por causa da chuva.
Não diferente dos últimos dias, chegamos e meu marido se dirigiu diretamente ao escritório, usando a desculpa de que precisava finalizar alguns gráficos ou coisas parecidas.
Duas semanas depois.
Se antes eu achava que algo estava errado entre o Nikolai e eu, agora estava mais do que certo.
Mal nos encontrávamos em casa, a não ser no final da noite, quando ambos já estavam cansados de nos evitar e deitávamos em silêncio. Ele virava de costas e eu depositava um breve beijo em seu ombro, sempre descoberto.
No último almoço em família, notei que Nikolai conversava concentrado com seu irmão, que também era um bom advogado. Me vi em apuros e com medo. Medo de que as minhas suspeitas estivessem certas e que agora ele estivesse procurando um jeito de se ver livre de mim.
Eu era um ser humano sozinho no mundo, abandonada pelas pessoas que admirava e acolhida por uma família que não era a minha. Não gostava de visitar as lembranças daquela época difícil, mas as crises vinham esporadicamente e com elas vinham também algumas brigas.
Por mais que meu marido disse convicto de que não me deixaria jamais, tinha dificuldade em acreditar em suas palavras e por isso estávamos do jeito que estávamos.
Não deveria ter surtado no almoço tão sagrado para os Kennedy, não deveria ter dito palavras duras para ele na frente de sua mãe. Não deveria ter me deixado levar pelas suspeitas.
- Boa noite, Dakota! - Escutei sua voz baixa, como se estivesse apenas retribuindo uma obrigação.
I will leave my heart at the door
I won't say a word
They've all been said before, you know
Estávamos a poucos dias do natal, quase não trocávamos uma palavra sequer e me excluí dos almoços em família.
Nikolai passava pouquíssimo tempo em casa e sempre que chegava, era fedendo a cigarros e bebidas, coisa que não havia acontecido em todos os anos que estávamos juntos.
- Você acha que vamos voltar a ser o que já fomos um dia? - Me atrevi a perguntar assim que ele saiu do banheiro e deitou-se ao meu lado.
- Nós só precisamos esfriar a cabeça. - Niko comentou e virou para o lado oposto da cama.
So why don't we just play pretend
Like we're not scared of what is coming next
Or scared of having nothing left
Finalmente a véspera de natal chegou, e com ela veio a esperança de que as coisas fossem melhorar entre nós.
Como em outros anos, fomos ao baile de natal da empresa na qual Nikolai trabalhava. Todos nos conheciam, respeitavam e sempre eram muito simpáticos. Por um momento fiquei envergonhada por estar na presença de sua mãe, que na última vez que nos vimos, estava gritando com seu filho, mas tudo parecia perdoado.
Após a ceia, todos os casais foram convidados para uma dança, mas como uma despedida de final ano da empresa, e como esperado, Nikolai me chamou para dançarmos.
Eu sentia a nossa despedida enquanto cruzávamos o salão ao som da música que tocava ao fundo.
Look, don't get me wrong
I know there is no tomorrow
All I ask is
- Você pode simplesmente dizer o que está te incomodando, Niko... - O questionei. Nos conhecíamos muito bem e sabíamos quando as coisas não estavam boas.
- O que você quer fazer quando sairmos daqui? - O encarei curiosa e acabei sorrindo. - Nós não precisamos fazer o que sempre fazemos. Podemos sair para comer em algum outro lugar, ou ir para uma festa.
- Nós já jantamos! - O lembrei e ele sorriu. - Mas quem sabe, paramos em um McDonalds e compramos umas batatas fritas...
- Essa é a minha garota! - Nikolai sorriu ainda mais abertamente enquanto passava os nós dos dedos em meu rosto. Me senti em euforia com as suas palavras e gestos. Há quanto tempo não o via assim?
Saindo da festa, deixamos sua mãe em casa e ele deu uma desculpa de que estava muito cansado para ficar por lá. Quando retornamos ao carro, ele perguntou se eu estava cansada, ou se precisava passar em casa para trocar de roupa. Rapidamente neguei. Estava mais ansiosa do que cansada, apesar do dia cheio.
Nikolai pediu para dirigir, mesmo que ele não fizesse isso em quase um ano, depois de um breve acidente. Estranhei, mas esperei até ele entrar no carro e me sentei no banco do carona a seu lado.
De início ele parecia meio perdido, mas depois das primeiras quadras, ele pareceu voltar ao que a muito não era. Extrovertido, carinhoso, atencioso. Eram tantos adjetivos que ele tinha deixado de ter com o tempo, mas que pareciam estar novos em folha naquele momento.
- Depois das batatas fritas, tenho uma surpresa! - Ele comentou, me tirando do meu devaneio.
- O que é? - Não me contive.
- É uma surpresa meu bem, vamos chegar lá a tempo! - Ele pegou minha mão esquerda e levou até a boca, deu vários beijos e voltou a dirigir.
If this is my last night with you
Hold me like I'm more than just a friend
Give me a memory I can use
Paramos no drive thru e compramos as batatas, logo em seguida, Nikolai dirigiu até uma rua muito especial para nós dois.
Estávamos estacionados na rua que ficava atrás do prédio da escola que havíamos nos conhecido. Ele era o perfeito badboy do último ano, e eu era a líder de torcida mais nova na equipe.
Foi ali que nossos olhares se cruzaram pela primeira vez. Aonde nós nos beijamos pela primeira vez. E o exato lugar que decidimos ficar juntos. Aquele era o nosso lugar!
- Você não vai chorar, não é? - Ele sorriu e virou na minha direção. Neguei com a cabeça, mas sentia o choro se acumulando na garganta. - Trouxe uma coisinha para relembrarmos os velhos tempos! - Ele puxou uma garrafa de tequila, José Cuervo, de debaixo do banco que eu estava sentada.
- Você quer me embebedar com o José, de novo, Niko? - Brinquei e ele meneou com a cabeça. - Isso não é justo!
- Claro que é! Eu vou beber com você dessa vez. - Ele olhou para o outro lado da rua e pude imaginar o que ele estava pensando. Sorri em antecipação. - Venha, - Ele desceu do carro, abriu a minha prova e me ofereceu a mão. - Vamos beber no nosso lugar!
Entrelacei nossos dedos e fomos correndo até o outro lado da rua. Sentamos debaixo de uma árvore enorme que costumava abrigar os casais apaixonados do nosso tempo de escola.
Take me by the hand while we do what lovers do
It matters how this ends
'Cause what if I never love again?
Depois de alguns golpes e do pouco jantar que comemos, a tequila começou a fazer efeito. Nada muito pesado, mas as palavras começavam a parecer todas engraçadas.
- E se nós entrássemos na escola? Será que chamariam a polícia? - Olhei com descrença para meu marido.
- É claro que sim, Niko! - Ele concordou e caímos na gargalhada.
Mais algumas goladas depois, estávamos praticamente deitados no gramado, olhando as estrelas e vez ou outra observando outras pessoas que passavam pela rua.
- Eu te amo muito! - Ele simplesmente disse e foi de uma forma tão inesperada e clara, que eu me perguntei se ele já estava sóbrio tão rapidamente. - E eu sei que você me ama na mesma intensidade. - Niko completou e me olhou.
Como estava com a cabeça apoiada em seu tórax, ouvi e senti seu coração acelerado. Ele parecia extremamente nervoso e eu automaticamente fiquei também.
I don't need your honesty
It's already in your eyes
And I'm sure my eyes, they speak for me
Ainda abraçados e com os corações batendo mais rápido do que o normal, eu senti a garganta apertar. Não queria chorar, muito menos no meio da rua, mas sentia que ele tinha algo sério para falar.
- Niko... - Minha voz saiu rouca. Clareei a garganta e continuei. - Eu realmente, tipo, muito mesmo... - Mas logo fui interrompida.
- Eu sei que ama, Dakota! Eu sei desde o dia que a gente estava atravessando o corredor do segundo ano para entrar no auditório. Desde aquele dia que eu fiquei pensando ‘por que a gente não casa logo?’
- Eu não lembro desse dia. - Sorri de nervoso. Eu realmente não lembrava.
- Você lembra quando a Georgia terminou com o Brian e matou aula? E no dia seguinte ela chegou chorando na escola? - Assenti com a cabeça. - Eu acho que era a sua segunda semana na escola... isso eu não lembro, mas então quando você viu que ela estava chorando, saiu correndo pelo corredor até entrar no auditório para chamar aquela outra menina que era amiga da irmã da Georgia.
- Como você sabe de tudo isso? - Eu estava perplexa dele lembrar e saber todas essas coisas.
- A Georgia uma vez veio agradecer por você ter corrido atrás da irmã dela. Você sabe... pelo que aconteceu depois.
- Niko, nós nem tínhamos conversado uma única vez... como?
- Como eu sei que você já me amava? - Ele sorriu e passou os dedos pelo meu rosto e cabelo. - No dia que você postou na sala de aula e me olhou eu já fiquei apaixonado. E eu sabia que era recíproco.
No one knows me like you do
And since you're the only one that matters
Tell me who do I run to?
Look, don't get me wrong
I know there is no tomorrow
All I ask is
Me levantei rapidamente até que minha cabeça rodou, mas mesmo assim, puxei Nikolai e fomos andando cambaleando até o portão da escola, mas quando chegamos, estava trancado, coisa que não tinha na nossa época ali.
Lamentamos e voltamos andando calmamente até o carro. Escorreu minhas costas na porta do carona e fiquei admirando meu marido à medida que ele chegava mais perto. Tão perto a ponto de me prensar entre ele e o automóvel.
Nikolai me deu o beijo mais demorado e quente que havia me dado nos últimos meses. Como se estivéssemos nos beijando pela primeira vez, de novo. Foi tão bom, com gosto de saudade, paixão, desejo...
Nós costumávamos ser assim sempre. Quando começamos a ficar, namorar e até depois de casar. Nós sempre fomos o casal no qual os outros se inspiravam, o casal que era um exemplo a ser seguido. E naquele beijo, eu sentia tudo aquilo de volta. E era muito, muito bom.
- Vamos entrar no carro. - Niko sussurrou e abriu a porta traseira, me dando espaço para entrar. Não entendi, então ele completou - Nós já voltamos tanto no tempo hoje... o que custa mais essa vez?
Sorrindo, entrei no carro já imaginando aonde aquilo iria dar. E para ser bem sincera, nós dois nus no banco traseiro do carro era a resposta.
If this is my last night with you
Hold me like I'm more than just a friend
Give me a memory I can use
Take me by the hand while we do what lovers do
It matters how this ends
'Cause what if I never love again?
Nikolai apoiava a cabeça em meu ombro e beijou meu pescoço uma vez mais. Como já tinha previsto, estávamos nus no carro, receosos com olhos curiosos do lado de fora do carro.
Estávamos suados, exaustos e com a respiração ofegante. Em tempos nós não nos aventurávamos assim. Uma pena, porque éramos muito bons nisso. Estar juntos, se arriscando, se amando. Era o que eu mais sentia falta.
- Sabe Dakota, eu queria te dar essa noite, essas loucuras... trazer nós dois de volta. - Niko comentou baixo, enquanto ainda normalizávamos a nossa respiração.
- Você trouxe. - Sorri. Estava tão feliz que eu não conseguia parar de sorrir.
- Estou vendo. - Meu marido deixou mais um beijo em meu pescoço e me afastou pelos ombros para me olhar nos olhos.
Tinha algo errado. Ele não estava feliz e eu pude ver isso em seus olhos.
- Niko, o que foi? - A preocupação veio como uma enxurrada. - Eu... eu fiz alguma coisa?
- Não, não Dakota! - Ele tentou me tranquilizar. - Mas nós precisamos conversar.
Let this be our lesson in love
Let this be the way we remember us
I don't wanna be cruel or vicious
And I ain't asking for forgiveness
All I ask is
No dia que eu pensei estar acabando da melhor forma possível, acabei escutando a pior coisa que poderia ouvir da pessoa que eu amo.
Depois que passamos momentos tão bons juntos, ele disse que “me amava demais, mas que não gostava mais de mim”. Disse que tinha ouvido isso em algum filme, que se identificou de tal maneira que precisou de uns dias para pensar, e por isso estávamos tão afastados recentemente. Por isso ele estava conversando com o irmão. Por isso que ele não era mais ele.
Tentei argumentar e entender o porquê daquilo, mas Nikolai já estava decido. Ele queria um tempo que eu me recusei a dar, ele queria a nossa amizade que não seria mais a mesma. Ele queria a nossa vida de antes.
Não mais casados, não mais compromissados. Duas pessoas livres que se amam, mas que não dão mais certo.
“- Nós somos parecidos demais... e eu prefiro que a nossa amizade continue como sempre foi do que eu te fazer infeliz, porque era isso que estava acontecendo Dakota. E eu não quero isso para você. Eu nunca mais quero te ver infeliz como eu estava fazendo.”
As palavras dele doeram demais, mas depois de tudo, eu só queria sair dali o quanto antes e ficar com ele só na memória. As coisas ruins eu me forçava, a cada dia que passava, a não lembrar delas e continuar seguindo a minha vida.
Agora fazia um ano que nós havíamos nos separado. E talvez ele até tivesse razão sobre não estarmos mais felizes um com o outro, mas aquela noite jamais sairia da minha memória.
If this is my last night with you
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Give me a memory I can use
Take me by the hand while we do what lovers do
It matters how this ends
'Cause what if I never love again?
Não que eu quisesse, mas estava ali, aquela sensação de algo errado. Como se o meu inconsciente estivesse esperando o momento mais tranquilo de nossa vida juntos para colocar uma sementinha de discórdia em minha mente.
Nikolai parecia relaxado na poltrona de couro. Conversava aos sussurros com seu irmão e vez ou outra acenava para mim.
Estava apoiado no balcão da cozinha, enquanto sua mãe e irmã preparavam uma receita de família.
Era normal aos domingos nós dois estarmos naquele mesmo lugar, conversando com as mesmas pessoas. Desde que seu pai falecera, nos reuníamos aos domingos para um almoço em família na casa da mãe dele.
Sua família também era a minha agora, desde que decidimos ficar juntos as coisas ficaram mais difíceis do que nunca, mas Nikolai era o único que me entendia, que vivia o que eu vivia.
- Dakota, se você não prestar atenção, não poderá fazer essa receita para o meu Niko... - Sua mãe brincou, chamando a atenção de todos ali.
Nos entreolhamos e mais uma vez ele sorriu para mim, como quem tenta amenizar um pedido de desculpas.
Como o planejado, almoçamos, conversamos, tiramos algumas fotos - que prometemos enviar para sua mãe - e nos despedimos de seus familiares.
Não morávamos tão longe dali, apenas alguns bairros de distância e estaríamos em casa.
- Você parece calada... - Nikolai resolveu quebrar o silêncio enquanto parei em um sinal vermelho. Estávamos entrando nas festividades natalinas e junto disso, as chuvas chegavam com força no para-brisas do carro. - Está tudo bem?
- Claro. - Sorri e voltei a minha atenção para o trânsito, agora conturbado por causa da chuva.
Não diferente dos últimos dias, chegamos e meu marido se dirigiu diretamente ao escritório, usando a desculpa de que precisava finalizar alguns gráficos ou coisas parecidas.
Duas semanas depois.
Se antes eu achava que algo estava errado entre o Nikolai e eu, agora estava mais do que certo.
Mal nos encontrávamos em casa, a não ser no final da noite, quando ambos já estavam cansados de nos evitar e deitávamos em silêncio. Ele virava de costas e eu depositava um breve beijo em seu ombro, sempre descoberto.
No último almoço em família, notei que Nikolai conversava concentrado com seu irmão, que também era um bom advogado. Me vi em apuros e com medo. Medo de que as minhas suspeitas estivessem certas e que agora ele estivesse procurando um jeito de se ver livre de mim.
Eu era um ser humano sozinho no mundo, abandonada pelas pessoas que admirava e acolhida por uma família que não era a minha. Não gostava de visitar as lembranças daquela época difícil, mas as crises vinham esporadicamente e com elas vinham também algumas brigas.
Por mais que meu marido disse convicto de que não me deixaria jamais, tinha dificuldade em acreditar em suas palavras e por isso estávamos do jeito que estávamos.
Não deveria ter surtado no almoço tão sagrado para os Kennedy, não deveria ter dito palavras duras para ele na frente de sua mãe. Não deveria ter me deixado levar pelas suspeitas.
- Boa noite, Dakota! - Escutei sua voz baixa, como se estivesse apenas retribuindo uma obrigação.
I won't say a word
They've all been said before, you know
Estávamos a poucos dias do natal, quase não trocávamos uma palavra sequer e me excluí dos almoços em família.
Nikolai passava pouquíssimo tempo em casa e sempre que chegava, era fedendo a cigarros e bebidas, coisa que não havia acontecido em todos os anos que estávamos juntos.
- Você acha que vamos voltar a ser o que já fomos um dia? - Me atrevi a perguntar assim que ele saiu do banheiro e deitou-se ao meu lado.
- Nós só precisamos esfriar a cabeça. - Niko comentou e virou para o lado oposto da cama.
Like we're not scared of what is coming next
Or scared of having nothing left
Finalmente a véspera de natal chegou, e com ela veio a esperança de que as coisas fossem melhorar entre nós.
Como em outros anos, fomos ao baile de natal da empresa na qual Nikolai trabalhava. Todos nos conheciam, respeitavam e sempre eram muito simpáticos. Por um momento fiquei envergonhada por estar na presença de sua mãe, que na última vez que nos vimos, estava gritando com seu filho, mas tudo parecia perdoado.
Após a ceia, todos os casais foram convidados para uma dança, mas como uma despedida de final ano da empresa, e como esperado, Nikolai me chamou para dançarmos.
Eu sentia a nossa despedida enquanto cruzávamos o salão ao som da música que tocava ao fundo.
I know there is no tomorrow
All I ask is
- Você pode simplesmente dizer o que está te incomodando, Niko... - O questionei. Nos conhecíamos muito bem e sabíamos quando as coisas não estavam boas.
- O que você quer fazer quando sairmos daqui? - O encarei curiosa e acabei sorrindo. - Nós não precisamos fazer o que sempre fazemos. Podemos sair para comer em algum outro lugar, ou ir para uma festa.
- Nós já jantamos! - O lembrei e ele sorriu. - Mas quem sabe, paramos em um McDonalds e compramos umas batatas fritas...
- Essa é a minha garota! - Nikolai sorriu ainda mais abertamente enquanto passava os nós dos dedos em meu rosto. Me senti em euforia com as suas palavras e gestos. Há quanto tempo não o via assim?
Saindo da festa, deixamos sua mãe em casa e ele deu uma desculpa de que estava muito cansado para ficar por lá. Quando retornamos ao carro, ele perguntou se eu estava cansada, ou se precisava passar em casa para trocar de roupa. Rapidamente neguei. Estava mais ansiosa do que cansada, apesar do dia cheio.
Nikolai pediu para dirigir, mesmo que ele não fizesse isso em quase um ano, depois de um breve acidente. Estranhei, mas esperei até ele entrar no carro e me sentei no banco do carona a seu lado.
De início ele parecia meio perdido, mas depois das primeiras quadras, ele pareceu voltar ao que a muito não era. Extrovertido, carinhoso, atencioso. Eram tantos adjetivos que ele tinha deixado de ter com o tempo, mas que pareciam estar novos em folha naquele momento.
- Depois das batatas fritas, tenho uma surpresa! - Ele comentou, me tirando do meu devaneio.
- O que é? - Não me contive.
- É uma surpresa meu bem, vamos chegar lá a tempo! - Ele pegou minha mão esquerda e levou até a boca, deu vários beijos e voltou a dirigir.
Hold me like I'm more than just a friend
Give me a memory I can use
Paramos no drive thru e compramos as batatas, logo em seguida, Nikolai dirigiu até uma rua muito especial para nós dois.
Estávamos estacionados na rua que ficava atrás do prédio da escola que havíamos nos conhecido. Ele era o perfeito badboy do último ano, e eu era a líder de torcida mais nova na equipe.
Foi ali que nossos olhares se cruzaram pela primeira vez. Aonde nós nos beijamos pela primeira vez. E o exato lugar que decidimos ficar juntos. Aquele era o nosso lugar!
- Você não vai chorar, não é? - Ele sorriu e virou na minha direção. Neguei com a cabeça, mas sentia o choro se acumulando na garganta. - Trouxe uma coisinha para relembrarmos os velhos tempos! - Ele puxou uma garrafa de tequila, José Cuervo, de debaixo do banco que eu estava sentada.
- Você quer me embebedar com o José, de novo, Niko? - Brinquei e ele meneou com a cabeça. - Isso não é justo!
- Claro que é! Eu vou beber com você dessa vez. - Ele olhou para o outro lado da rua e pude imaginar o que ele estava pensando. Sorri em antecipação. - Venha, - Ele desceu do carro, abriu a minha prova e me ofereceu a mão. - Vamos beber no nosso lugar!
Entrelacei nossos dedos e fomos correndo até o outro lado da rua. Sentamos debaixo de uma árvore enorme que costumava abrigar os casais apaixonados do nosso tempo de escola.
It matters how this ends
'Cause what if I never love again?
Depois de alguns golpes e do pouco jantar que comemos, a tequila começou a fazer efeito. Nada muito pesado, mas as palavras começavam a parecer todas engraçadas.
- E se nós entrássemos na escola? Será que chamariam a polícia? - Olhei com descrença para meu marido.
- É claro que sim, Niko! - Ele concordou e caímos na gargalhada.
Mais algumas goladas depois, estávamos praticamente deitados no gramado, olhando as estrelas e vez ou outra observando outras pessoas que passavam pela rua.
- Eu te amo muito! - Ele simplesmente disse e foi de uma forma tão inesperada e clara, que eu me perguntei se ele já estava sóbrio tão rapidamente. - E eu sei que você me ama na mesma intensidade. - Niko completou e me olhou.
Como estava com a cabeça apoiada em seu tórax, ouvi e senti seu coração acelerado. Ele parecia extremamente nervoso e eu automaticamente fiquei também.
It's already in your eyes
And I'm sure my eyes, they speak for me
Ainda abraçados e com os corações batendo mais rápido do que o normal, eu senti a garganta apertar. Não queria chorar, muito menos no meio da rua, mas sentia que ele tinha algo sério para falar.
- Niko... - Minha voz saiu rouca. Clareei a garganta e continuei. - Eu realmente, tipo, muito mesmo... - Mas logo fui interrompida.
- Eu sei que ama, Dakota! Eu sei desde o dia que a gente estava atravessando o corredor do segundo ano para entrar no auditório. Desde aquele dia que eu fiquei pensando ‘por que a gente não casa logo?’
- Eu não lembro desse dia. - Sorri de nervoso. Eu realmente não lembrava.
- Você lembra quando a Georgia terminou com o Brian e matou aula? E no dia seguinte ela chegou chorando na escola? - Assenti com a cabeça. - Eu acho que era a sua segunda semana na escola... isso eu não lembro, mas então quando você viu que ela estava chorando, saiu correndo pelo corredor até entrar no auditório para chamar aquela outra menina que era amiga da irmã da Georgia.
- Como você sabe de tudo isso? - Eu estava perplexa dele lembrar e saber todas essas coisas.
- A Georgia uma vez veio agradecer por você ter corrido atrás da irmã dela. Você sabe... pelo que aconteceu depois.
- Niko, nós nem tínhamos conversado uma única vez... como?
- Como eu sei que você já me amava? - Ele sorriu e passou os dedos pelo meu rosto e cabelo. - No dia que você postou na sala de aula e me olhou eu já fiquei apaixonado. E eu sabia que era recíproco.
And since you're the only one that matters
Tell me who do I run to?
Look, don't get me wrong
I know there is no tomorrow
All I ask is
Me levantei rapidamente até que minha cabeça rodou, mas mesmo assim, puxei Nikolai e fomos andando cambaleando até o portão da escola, mas quando chegamos, estava trancado, coisa que não tinha na nossa época ali.
Lamentamos e voltamos andando calmamente até o carro. Escorreu minhas costas na porta do carona e fiquei admirando meu marido à medida que ele chegava mais perto. Tão perto a ponto de me prensar entre ele e o automóvel.
Nikolai me deu o beijo mais demorado e quente que havia me dado nos últimos meses. Como se estivéssemos nos beijando pela primeira vez, de novo. Foi tão bom, com gosto de saudade, paixão, desejo...
Nós costumávamos ser assim sempre. Quando começamos a ficar, namorar e até depois de casar. Nós sempre fomos o casal no qual os outros se inspiravam, o casal que era um exemplo a ser seguido. E naquele beijo, eu sentia tudo aquilo de volta. E era muito, muito bom.
- Vamos entrar no carro. - Niko sussurrou e abriu a porta traseira, me dando espaço para entrar. Não entendi, então ele completou - Nós já voltamos tanto no tempo hoje... o que custa mais essa vez?
Sorrindo, entrei no carro já imaginando aonde aquilo iria dar. E para ser bem sincera, nós dois nus no banco traseiro do carro era a resposta.
Hold me like I'm more than just a friend
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It matters how this ends
'Cause what if I never love again?
Nikolai apoiava a cabeça em meu ombro e beijou meu pescoço uma vez mais. Como já tinha previsto, estávamos nus no carro, receosos com olhos curiosos do lado de fora do carro.
Estávamos suados, exaustos e com a respiração ofegante. Em tempos nós não nos aventurávamos assim. Uma pena, porque éramos muito bons nisso. Estar juntos, se arriscando, se amando. Era o que eu mais sentia falta.
- Sabe Dakota, eu queria te dar essa noite, essas loucuras... trazer nós dois de volta. - Niko comentou baixo, enquanto ainda normalizávamos a nossa respiração.
- Você trouxe. - Sorri. Estava tão feliz que eu não conseguia parar de sorrir.
- Estou vendo. - Meu marido deixou mais um beijo em meu pescoço e me afastou pelos ombros para me olhar nos olhos.
Tinha algo errado. Ele não estava feliz e eu pude ver isso em seus olhos.
- Niko, o que foi? - A preocupação veio como uma enxurrada. - Eu... eu fiz alguma coisa?
- Não, não Dakota! - Ele tentou me tranquilizar. - Mas nós precisamos conversar.
Let this be the way we remember us
I don't wanna be cruel or vicious
And I ain't asking for forgiveness
All I ask is
No dia que eu pensei estar acabando da melhor forma possível, acabei escutando a pior coisa que poderia ouvir da pessoa que eu amo.
Depois que passamos momentos tão bons juntos, ele disse que “me amava demais, mas que não gostava mais de mim”. Disse que tinha ouvido isso em algum filme, que se identificou de tal maneira que precisou de uns dias para pensar, e por isso estávamos tão afastados recentemente. Por isso ele estava conversando com o irmão. Por isso que ele não era mais ele.
Tentei argumentar e entender o porquê daquilo, mas Nikolai já estava decido. Ele queria um tempo que eu me recusei a dar, ele queria a nossa amizade que não seria mais a mesma. Ele queria a nossa vida de antes.
Não mais casados, não mais compromissados. Duas pessoas livres que se amam, mas que não dão mais certo.
“- Nós somos parecidos demais... e eu prefiro que a nossa amizade continue como sempre foi do que eu te fazer infeliz, porque era isso que estava acontecendo Dakota. E eu não quero isso para você. Eu nunca mais quero te ver infeliz como eu estava fazendo.”
As palavras dele doeram demais, mas depois de tudo, eu só queria sair dali o quanto antes e ficar com ele só na memória. As coisas ruins eu me forçava, a cada dia que passava, a não lembrar delas e continuar seguindo a minha vida.
Agora fazia um ano que nós havíamos nos separado. E talvez ele até tivesse razão sobre não estarmos mais felizes um com o outro, mas aquela noite jamais sairia da minha memória.
Hold me like I'm more than just a friend
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It matters how this ends
'Cause what if I never love again?