Última atualização: 22/04/2021

Capítulo Único

O último show acabou e eu estava aliviado. Não me entenda mal. Eu amava os fãs, os shows, a adrenalina de tocar na frente de milhares de pessoas sem nem achar que eu sabia tocar baixo direito. Já tinha perdido a conta das cidades. Dublin, Cardiff, Manchester, Liverpool, Nottingham... Sinceramente, acho que já não sabia mais o setlist de cabeça. Mas não era isso que estava incomodando a ponto de eu ficar tão mal.
Havia algo entre eu e que eu ainda não conseguia colocar em palavras. As coisas estavam tão recentes mas, ao mesmo tempo, tão evoluídas que estava ficando complicado de acompanhar a minha própria vida. Estava uma bagunça, em vários sentidos. Mas ela tinha conseguido um bom estágio com um dos maiores produtores britânicos e quem era eu para pedir que ela largasse tudo e fosse viver durante meses dentro de um ônibus de turnê comigo?
Ah... Claro! Não mencionei o fato de que ninguém sabia ainda que a gente estava junto por mais de um ano, então acrescente ao desconforto do ônibus a necessidade de fingir o tempo inteiro que não tinha nada entre a gente. Bem, Harry sabia, mas só ele mesmo porque Danny me mataria no segundo que descobrisse que eu tinha colocado os olhos na irmã dele com segundas intenções e Tom era certinho demais para achar que estava tudo bem naquilo. Aceitar o meu destino não foi exatamente fácil, mas não tinha outra escolha que não envolvesse a estrada solitária que eu teria que percorrer enquanto não voltasse para casa.
– Mais uma fronteira de condado e... – Danny se jogou no sofá da “sala de estar” do ônibus ao meu lado. – Estamos quase.
Quase. – Eu murmurei e revirei os olhos.
– Bem, falta só mais um dia de viagem.
– Ainda são dezenas e dezenas de milhas até a gente chegar em Londres. – Até a gente chegar na , eu pensei comigo mesmo. – A gente podia ter pegado um avião.
– O cachê ia diminuir. – Tom disse e sentou de frente para nós dois.
– Não tem propósito em ter um cachê desse se eu não posso nem pegar um maldito voo comercial. – Murmurei de novo, mais irritado ainda, e levantei, indo para a área das nossas “camas”.
Eu deitei naquele cubículo e fiquei olhando para o que seria o teto, lembrando das palavras que tinha me dito antes de nós sairmos para a turnê. Ela tinha prometido que iria esperar por mim, que não havia necessidade de preocupação porque estaria no lugar de sempre. Ainda caçoou de mim porque eu já havia viajado inclusive para os Estados Unidos sem ela e não tinha feito – nas palavras dela – aquele escarcéu. As coisas eram diferentes, não dava para evitar o desejo que eu tinha de estar com ela naquelas condições. Eu queria estar lá porque era o único lugar que eu realmente estava gostando de estar naqueles últimos dias de bagunça mental completa.
– Parada para comida, pessoal! – Stephen gritou do andar de baixo do ônibus.
Eu quase fiquei puto por mal ter deitado e o ônibus ter parado. Estava curioso para ver em que espelunca nós nos meteríamos daquela vez. Botei meu casaco de moletom surrado, calcei os tênis e segui logo atrás de Harry na fila para sair daquele lugar que já estava dando claustrofobia em todo mundo.
– Peguem tudo o que quiserem, tá tarde e a gente só vai parar de novo amanhã pela hora do almoço, pra acelerar e dar tempo de chegar em Londres antes de escurecer.
Eu fingi que não era comigo, saí do ônibus e entrei na loja sem nenhum interesse. Passei o olho pelas prateleiras de doces, nada. Pelas prateleiras de salgadinhos, nada. Balas, confetes, gomas de mascar... Eu não poderia estar menos desinteressado.
– Ei, cara... Precisando de ajuda pra escolher?
– Não tem nada aqui pra mim, Harry. – Eu dei as costas para as prateleiras onde eu estava tentando achar alguma coisa para ver se Danny, Tom ou qualquer outra pessoa indesejável estava por perto. – Não sei de quem foi a ideia de seguir numa estrada abandonada de merda...
– Não é uma estrada abandonada, é um atalho.
– Harry, não tem ninguém aqui! A cidade tá dormindo, as lojas na beira da estrada estão todas fechadas há milhas. – Apontei para o velhinho no caixa. – Até ele tá dormindo.
– Cara, quando a gente tá apaixonado, geralmente, a gente fica mais legal. Você não... Você tá insuportável, puta merda.
– Obrigado. – Eu revirei os olhos com o comentário dele e acabei pegando impulsivamente uns biscoitos e gomas de mascar.
– Eu entendo que você não consiga evitar pensar nela, em quando vocês estavam juntos... Eu sei, cara, eu tenho a Izzy também. Mas você ficar puto e descontar em todo mundo não vai adiantar de nada. Sei lá, vai ver umas fotos de vocês dois, só dela... Quem sabe as memórias te ajudam a ficar mais calmo.
Revirei os olhos de novo e fui acordar o velhinho do caixa. Paguei as coisas e voltei para o ônibus antes de todo mundo. Fui direto para a cama, com a nova aquisição junto – se deixasse no que chamavam de armário, havia uma grande chance de não estar lá na manhã seguinte. Peguei o celular, estávamos sem sinal. Novidade... Para um fim do mundo daquele, sinal devia ser impossível.
Não levou muito tempo até todo mundo entrar de novo, o motor ser religado e estarmos em movimento. Cerca de dez minutos depois, o celular deu sinal de vida. A primeira coisa que eu tinha em mente era checar o GPS para ver quanto tempo ainda faltava para Londres. Mas tinha um aviso de mensagem logo na tela principal e eu sorri antes mesmo de ler.

Eu tenho duas semanas de folga pela frente.
Eu contei pra minha vó sobre você.
Ela jurou segredo e disse que me dá cobertura.
Pros outros, eu ainda vou estar viajando com o programa.
Aí depois eu digo que voltei pro show de Wembley.
Afinal de contas, temos que cantar Tranny juntos, lembra?
Enfim...
Desculpa te atrapalhar!
Só queria saber uma coisa...
Eu posso ficar com você durante esses dias?


Que tipo de pergunta estava fazendo?! Se ela já não sabia a resposta para aquela pergunta, eu estava fazendo alguma coisa muito errada. Respondi correndo, tentei parecer o melhor cara possível. Fiz o que queria com o GPS. Faltava muito ainda. Se bem que, àquela altura, um minuto seria muito para mim.
Abri a galeria de fotos e olhei para uma das últimas que nós tínhamos tirado juntos. Harry estava um pouco certo, parecia ajudar, mas ainda era uma procura inútil. Eu ainda estava ficando cada vez mais desgastado. Não era só sobre aquele momento em específico, era sobre quem eu estava sendo naqueles últimos dias.
Eu me encontrei na quando Dougie Poynter não estava sendo um cara de quem alguém teria orgulho. A fama, o dinheiro, meu passado... Tudo estava criando uma confusão na minha cabeça, e essa confusão não estava levando para bons lugares – nem regulares, eu diria, eles eram definitivamente muito ruins. Mas aí eu encontrei o que esteve diante dos meus olhos durante anos e algo disse para mim que eu deveria ficar por ali. Foi totalmente egoísta e eu me sentia culpado por não me arrepender.
Enquanto o barulho foi diminuindo dentro do ônibus e eu vi meus colegas de banda irem para suas respectivas camas, a falta de alguém para abraçar me atingiu em cheio. Eu levantei da cama e fui para a sala, quieta e escura naquele momento. A esperança desaparecia cada vez mais, então eu fiz algo que eu não fazia tinha muito tempo. Eu rezei.
Dougie Poynter, cristão?! Parece estranho, né? Eu tinha minhas crenças. Um pouco distorcidas, tudo bem, mas tinha. E muito embora eu devesse rezar por mim naquele momento, porque eu era quem estava com a mente fodida, eu rezei por ela. era muito mais forte do que eu em quase todos os sentidos possíveis, mas eu não queria que ela sentisse nem um décimo do que eu estava sentindo de saudade.
Então eu rezei para que Deus suprisse a minha ausência – sabendo que eu não merecia que Deus me ouvisse –, se fosse o caso de ela estar sentindo a minha ausência mesmo. Eu gostava de pensar que ela estava porque significaria que ela gostava mais de mim do que eu acreditava ser possível. Eu só pedi isso. Basicamente. Porque eu estava distante e não podia abraçar por conta própria. Sabia de nossos problemas pessoais, do quanto cada um de nós estava lutando para manter a sanidade mental no lugar... E não queria faltar quando ela precisasse. Era tudo o que eu precisava pedir a Deus.
Cheguei a sentir que era um traidor naquela noite. Acreditava que todo mundo precisava de um par, uma pessoa com quem a gente pudesse ser cem por cento verdadeiro. Eu achei essa pessoa nela e sentia como se estivesse deixando a para trás, quanto saímos em uma turnê gigantesca, justamente quando estávamos descobrindo um ao outro. Naquele momento e naquela cama de merda, eu teria voltado atrás. Eu teria ficado. Porque eu me sentia completamente solitário e só conseguia sentir a falta dela de novo e de novo e de novo...
Só sei que eu dormi em alguma altura do meu projeto de oração e, quando eu acordei, já era dia. Não tinha mais ninguém nas camas e tinha som vindo do andar inferior. Era música baixa, a porta da escada estava fechada. Olhei no relógio, nove horas da manhã. Olhei no GPS, faltavam quatro horas para chegar em Londres. Mais a parada para almoço, descanso e qualquer outra coisa mais... Cinco ou seis horas no total. Tempo demais para mim.
– Não vai comer, Doug?
– Sem fome. – Eu empurrei o prato quase intocado para longe.
– Isso que é saudades de casa, hein! – Tom brincou, fazendo piada comigo. – Eu também mal posso esperar pra comer cereais pelo resto da semana.
Harry fez uma careta.
– Foi uma boa turnê, pelo menos. E ainda temos Wembley, a gravação do DVD...
– Ah, nem me lembre disso. – Danny resmungou.
– Acalmem-se, meninas, temos tempo para descansar até lá. – Nosso agente sentou à mesa como se fosse nosso melhor amigo, coisa que eu não gostava mas também não botava muita energia em demonstrar. – Alguma solicitação especial para o show que ainda não tenha sido feita?
Mais papo de baboseira. Eu enfiei um pouco da lasanha goela abaixo e voltei para o ônibus. Àquela altura, nem ligava muito para estarem percebendo o meu comportamento estranho. Só queria chegar logo em casa. Quanto mais perto de Londres a gente chegava, mais ansioso em ficava. Podia apostar que, a qualquer momento, eu começaria a tremer. Então, quando o ônibus parou no nosso destino final em Londres, eu já estava com tudo arrumado e corri com minhas bolsas para fora dele.
– Caralho, Dougie, que pressa! – Tom reclamou.
– Dor de barriga, vou pra casa logo.
Conversa sobre coisas nojentas era sempre algo que evitava conversas desnecessárias. Mandei uma mensagem para , avisando que eu já estava em Londres e pegando um táxi, que não deveria levar nem vinte minutos para a minha casa. Não demorou a chegar a resposta, era , avisando que já estava lá e que tinha usado a chave reserva que deixei com ela. O taxista não era de puxar assunto, uma benção londrina.
O resumo do meu estado de nervos naquela hora era ‘eu me sinto culpado por não me sentir culpado’. Não me sentia culpado por estar com uma garota três anos e meio mais nova que eu. Não me sentia culpado por estar tão obcecado por ela que a saudade estava correndo o meu estômago. Não me sentia culpado por estar mentido para dois dos meus melhores amigos. Não me sentia culpado por várias outras coisas. Eu só tinha um e único objetivo: ficar com . O resto, nós resolveríamos depois.
Quando o táxi parou na frente do prédio, eu sentia o meu coração bater mais forte. Deixei o taxista ficar com um troco gigante só para ficar livre mais rápido. Fiquei irritado com a demora para o porteiro liberar a minha entrada. O elevador demorou e eu disparei nas escadas mesmo. Tremia enquanto tentava encaixar a chave na fechadura da minha porta mas, então, o meu milagre aconteceu.
abriu a porta para mim e, sem mais nem menos, pulou nos meus braços. Estávamos a mais de um mês sem ver um ao outro e eu não podia pedir por melhor recepção. Chutei as bolsas, que caíram quando eu segurei em um abraço apertado, para dentro do apartamento. Ainda com ela ali, eu fechei a porta usando as costas. Era surreal que eu me sentisse daquele jeito com quase vinte anos, mas eu não acreditava que existisse sensação melhor do que aquela.
– Você voltou!
– Não era pra eu voltar? – Perguntei, brincando com ela.
– Deixa de ser bobo, Dougie... – resmungou e tentou sair do meu abraço, mas eu não deixei. – Não vou nem ganhar um beijo de ‘senti sua falta’?
– Quantos beijos você quer, ?
– Hm... Deixa eu pensar... Você tá aberto a negociações?
– Por você, claro. – Eu dei de ombros, rindo da atuação dela.
– Ok, acho que três é um número justo.
– Três?! – Eu levantei uma sobrancelha e riu. – Três milhões, né? Acho que você errou na quantidade de zeros, quem sabe, porque...
Eu nunca terminei aquela frase. Ela segurou no meu pescoço e encostou a boca na minha. Não me restava nada além de apertar o abraço, sentir o cheiro dela ali comigo, a textura da pele dela junto da minha e o gosto da língua dela na minha boca. Perdi o tempo ali, em pé no meio da minha sala, e eu poderia perder muito mais tempo se ela não tivesse afastado seu rosto do meu.
– Um já foi. – Ela falou baixinho, de olhos fechados, enquanto apoiava a cabeça no meu ombro. – Agora faltam dois milhões, novecentos e noventa e nove mil...
Nós dois começamos a rir. Eu puxei a cabeça dela devagar para que olhasse para mim mas perdi a fala quando olhei em seus olhos. era uma canção de amor escrita por si só, fazia um total clichê de mim.
– Eu pedi pra sair.
– De quê? – Eu estava confuso.
– Do estágio. – Ela suspirou. – É muito bom, mas vai me fazer perder você.
, você mesmo disse que isso significava o mundo pra você.
– Eu estava enganada. – se colocou na ponta dos pés e aproximou o rosto do meu de novo. – Você significa mais. Muito mais.
– Você não deveria desistir, isso pode abrir portas inimagináveis pra você, pra carreira que você quer ter...
– Mas não vai abrir portas pra gente, e eu quero que isso dê certo, Doug. Eu não sei o que vai ser da gente amanhã. Pode ser que eu me arrependa disso? Pode até ser. Mas é uma possibilidade. Se eu não ficar com você, o arrependimento é uma certeza. E eu senti tanto a sua falta que...
Eu vi uma lágrima começando a nascer nos olhos dela e aquilo partiu meu coração. Com delicadeza, eu a beijei uma outra vez, fazendo questão de abraçar logo depois.
– O que você decidir, eu vou estar ao seu lado. Mesmo que eu esteja longe fisicamente, eu ainda vou estar aqui por você, ok?


Fim.



Nota da autora: Uma fic soft pra uma música soft 😍 Eu espero de coração que vocês tenham gostado! E se acharam a história boa mas ainda não conhecem as minhas outras, saiba que esse casal não para por aqui. Então continua aqui embaixo que você vai saber melhor onde me encontrar ou onde encontrar as minhas fanfics!





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