Última atualização: 11/10/2020

Capítulo I

Ninguém sabe
Você não sabe de nada
Eu estava completamente sozinho
Eu odeio ser assim
Então me mantenho escondido
Você não tem que olhar assim com essa expressão
Já é o suficiente para mim
Ninguém sabe, ninguém sabe
Vou passar por isso sozinho


As ruas estavam escuras, e andava cuidadosamente. A blusa de frio fechada até o pescoço, com o capuz sobre a cabeça escondendo seu rosto. Respiração rápida, passos firmes, apressados. Mesmo com o porte alto de seus 23 anos, tinha medo de andar sozinho nas ruas daquela cidade. Mudou-se para Seul há pouco mais de um ano, e o garoto do interior, que ainda habitava em seu âmago, sempre entrava em alerta. Não era fácil se sustentar na cidade grande. Ele sabia disso muito bem quando deixou a casa do pai, mas cada aperto que passou valeu a pena apenas por lhe deixar distante de seu genitor. Apertou o passo quando ouviu o barulho de sapatos no asfalto atrás de si. Estava a poucos metros de seu prédio e não queria problemas com ninguém naquela hora da noite. Geralmente, se alguém andava na rua às quatro e meia da manhã, ou voltava de seu trabalho noturno (como era o seu caso), ou era um bêbado encrenqueiro, sempre os piores.
Céus, como odiava esse tipo de gente.
O rapaz se surpreendeu quando ouviu os passos se aproximarem e entrarem no mesmo prédio em que ele vivia. Viu cabelos longos, sapatos de salto fino, um longo sobretudo preto, que deixava apenas as canelas torneadas à mostra. A mulher entrou e se posicionou ao seu lado no elevador. Ele apertou o número do seu andar, e ela não se moveu. Como todo garoto, era curioso e, por isso, olhou para baixo disfarçadamente, virando o rosto devagar para a misteriosa garota ao seu lado. A boca secou quando viu um dos rostos mais belos de toda sua medíocre e curta vida, e seu coração falhou uma batida quando notou um pequeno machucado na boca borrada de batom vermelho.
— O que está olhando, garoto? — ouviu a voz baixa. Era um pouco rouca e soava como uma navalha afiada.
— Você está bem? — ele não se preocupou em respondê-la, apenas mirou o olhar na boca ferida. Percebeu que a garota segurava o punho direito, como se tentasse protegê-lo.
— Estou. — ela respondeu, e as portas do elevador se abriram. A garota saiu na frente, os passos um tanto mais lentos do que na rua. Ele foi atrás, cuidadoso para não a assustar, mas mantinha o olhar de curiosidade.
Viu-a pegar as chaves em um dos bolsos do casaco e abrir a porta. Ele caminhou até a porta em frente e fez o mesmo. Não se virou mais, apenas ouviu a garota entrar e bater a porta sem muita delicadeza. Suspirou fundo e mentalizou:
Não tenho nada a ver com isso. É só uma garota qualquer.
Assim como aprendeu no último ano, na cidade grande, as pessoas não ligam para você, não há solidariedade, pena ou qualquer sentimento do gênero. Então, ele se adaptou e, pelo menos pelas próximas horas, se deu o direito de esquecer sua estranha vizinha e apenas descansar.

(...)


nunca acordava antes do meio-dia, e, na tarde de sábado, não foi diferente. Levantou-se apenas para se sentir irritado ao encontrar geladeira vazia. Teria que correr até a venda mais próxima e se contentar com verduras e legumes baratos. Com sorte, restaria dinheiro suficiente para comprar o frango que tanto desejava comer no jantar. Era o seu dia de folga e pretendia aproveitá-lo bem: assistindo a filmes de ação enquanto bebia uma cerveja e comia um delicioso frango frito. Trocou os pijamas por uma bermuda simples e uma camiseta surrada, pegou a carteira e colocou os sapatos velhos. Ao abrir a porta do pequeno apartamento, encontrou o rosto belo que havia assombrado suas últimas noites. A garota nada disse, apenas seguiu seu caminho. Ele reparou sua maquiagem, parecia que escondia a pequena ferida no canto da boca. Deu de ombros e seguiu a moça, que, pelo menos, teve a decência de segurar o elevador para ele. Murmurou um “obrigado” baixo e seguiram em silêncio.
Ao alcançarem a rua, andaram para a mesma direção. A garota era um tanto mais baixa, e, por isso, seus passos nem se comparavam aos de , naturalmente mais rápidos.
— Não estou te seguindo. — ele disse antes que ela pudesse falar qualquer coisa.
— Para onde vai? — ela perguntou, um pouco irritada.
— Ao mercado. — ele não olhou em sua direção. Sabia quando alguém estava bravo ou incomodado e não tinha nenhuma intenção de agravar aquilo.
Ela não comentou nada. Apenas seguiu o caminho ao lado do rapaz. Ele não a questionou e permitiu que o seu olhar vagasse por ela por alguns instantes. Usava uma calça jeans lisa e uma blusa preta com detalhes vermelhos, nada cara ou sofisticado, roupas “apropriadas” para os moradores daquele bairro periférico, daquele prédio barato e antigo. Mas, por algum motivo, ela andava como uma deusa, desfilando em passarelas divinas com uma beleza estonteante. Não podia deixar de notar os diversos olhares que a garota recebia na rua, desejo, luxúria, inveja. Ela era bonita demais. Quando chegaram ao pequeno mercado da esquina, pegou dois cestos, entregou um à garota, que o olhou com surpresa. Ela o seguiu e colocou no cestinho quase as mesmas coisas que ele colocava.
— Qual é o seu nome? — ele disse quando pararam em frente à banca de batatas.
, e o seu? — “nome bonito”, ele pensou, balançando a cabeça suavemente.
. — respondeu quando terminou de pegar as batatas que queria.
apenas assentiu e o seguiu mais uma vez.
— Parece que você é quem está me seguindo. — ele comentou com um suspiro baixo. Já tinha acabado suas compras e agora aguardava a garota pegar alguns tomates e sinalizar que havia finalizado. Ela parou por um momento e, pela primeira vez, olhou diretamente nos olhos de . Maneou a cabeça para o caixa, que a observava de perto, como se fosse avançar a qualquer momento. olhou de soslaio para o homem. Parecia ter mais de 30 anos e tinha uma cara tão mal encarada que fazia o rapaz ter náuseas de desespero. Apesar da aparência truculenta, o homem era baixinho e não parecia ser o dos mais fortes. poderia apostar que conseguiria derrubá-lo com um pequeno empurrão.
— Vou comprar algo que você goste mais tarde, só não diga nada. — e ela o puxou pela mão vazia até o caixa. Depositou sua cesta, e fez o mesmo, mantendo o silêncio. Sentiu o corpo da menina se aproximar, e ela encostou a cabeça levemente em seu braço esquerdo.
Queria dizer algo, mas não ousaria trair os planos da garota misteriosa, seja lá quais fossem eles. O atendente mal encarado somou as duas compras juntas, e teria dito algo, se não fossem os dedos quentes que envolveram o seu braço.
— Dessa vez, eu pago. Estou cansada de você me sustentar. — Ouviu dizer e entendeu o plano. Ele apenas assentiu com a cabeça.
— Quer dizer que não estava mentindo. — finalmente o caixa falou, após tomar ar e suspirar irritado algumas vezes.
— O que quer dizer? — Talvez tivesse pesado demais no tom de sua voz, mas viu a garota sorrir de canto ao perceber o tremor que percorreu o corpo do rapaz do caixa.
— Eu sempre digo a ele que tenho namorado, mas, por algum motivo, ele nunca acredita. — murmurou, vitoriosa.
ficou em silêncio e observou a garota pagar a conta. Embalou os alimentos, tomando o cuidado de separá-los, e pegou as duas sacolas, uma em cada mão. Sentiu a garota se pendurar em um dos seus braços novamente, os dedos quentes em contato com sua pele um tanto fria.
— Não cause problemas para as garotas, cara. — Foi a única coisa que disse antes de sair do estabelecimento.
Andaram poucos metros até que soltasse seu aperto. Ela parou por um momento, e o rapaz respirou fundo antes de olhá-la novamente. estendeu a mão para uma das sacolas.
— Pode me dar agora.
— Não precisa, nós somos vizinhos. — ele respondeu e continuou a andar. o seguiu em silêncio.
Continuaram sem uma palavra até chegarem ao corredor, que, finalmente, separavam os caminhos. passou uma sacola para a garota enquanto colocava a sua própria no chão. Meteu a mão no bolso e tirou algumas notas para a garota. o observava calada e surpresa.
— Acho que é o suficiente para minha parte das compras. — ele disse, estendendo o dinheiro. o pegou, e ele imaginou que não estava em posição de recusar uma quantia tão significativa.
— Por que você me ajudou? — ela questionou enquanto ainda tocava a mão do rapaz. pediu aos deuses para que ela não notasse os calos ali.
— Porque você me pediu. — respondeu, como se fosse óbvio, e para ele ainda era, mesmo que tivesse aprendido que nem sempre ajudar era a resposta de tudo.
Ele a viu sorrir. Viu sinceridade, algo raro, quase desconhecido para ele. Viu dentes brancos, lábios repuxados e belos, viu gratidão verdadeira, e ele mesmo se sentiu grato por aquele dia.
— Não vou me esquecer da sua gentileza e nem da minha promessa. — disse e logo se virou para entrar no apartamento. — Obrigada, .
O rapaz ouviu e, após entrar no próprio apartamento, não teve coragem de encarar qualquer superfície reflexiva. Não queria olhar o sorriso idiota que habitava seus lábios.

(...)


! — ele reconheceu de longe a voz de , também ouviu os passos rápidos dos saltos. Parou e se virou para trás.
corria, e ele segurou um riso ao ver o jeito desengonçado da moça. Quase como um carro desgovernado, ela só foi parar quando alcançou os braços do rapaz, segurando-se nas mangas do moletom para não cair e recuperar o fôlego. Por algum motivo, não ousava tocar na garota. Sentia que havia uma barreira grande demais, como se fosse um tabu um rapaz idiota e sem graça como ele se engraçar com uma mulher como .
— Não precisava correr. — ele disse, soltando um risinho curto.
A menina abriu um sorriso curto e tomou mais ar.
— Você não iria me esperar. — ela respondeu, e ele escondeu que aquela era a mais pura mentira. Ele poderia esperar por mais tempo que gostaria. — O que você faz para voltar tão tarde do trabalho?
— Os turnos da noite pagam mais. Trabalho em uma loja de conveniência um pouco mais distante daqui.
apenas concordou com a cabeça e seguiu o caminho ao lado do rapaz. Foram em silêncio até o prédio. Ele segurou a porta do elevador para ela e apertou o botão do andar. Sentiu os olhos da garota queimarem em sua pele enquanto subiam. olhou para baixo, notando, mais uma vez, o quanto aquela mulher era baixinha.
— Não vai me perguntar sobre o meu trabalho? — ela questionou com um tom temeroso.
— Só se quiser me contar.
Ela não quis. Apenas sorriu mais uma vez enquanto saía do elevador com o rapaz em seu encalço. Ele olhou o balanço do sobretudo e os saltos, que tocavam suavemente o chão. Concluiu que também não queria saber o que ela fazia. Não era da sua conta, afinal. Ele virou para abrir a porta de seu apartamento quando percebeu que ainda não havia entrado em sua casa. Limitou-se a se virar levemente para trás e encontrou os olhos muito profundos da jovem.
— Sei que ainda te devo pelo dia do supermercado. Quando é a sua próxima folga? — ela perguntou.
— Terça-feira. — respondeu, desconfiado.
— Ótimo! Estarei aqui às 18h. — ela disse e se virou rapidamente para a porta do apartamento, deixando um completamente perdido e atônito no meio do corredor.

(...)


17h15

visualizou no celular e sentiu o estômago revirando. Naquele dia, acordou mais cedo do que o normal. Faxinou a casa, fez comida rápida e lavou a louça prontamente. Passou o resto da tarde deitado em sua cama (pela primeira vez arrumada em, pelo menos, uma semana), pensando no que poderia esperar para aquela noite. Seu sentido de adolescente idiota fez com que comprasse camisinhas na loja de conveniência em que trabalhava, agradecendo aos céus por trabalhar sozinho e não ter que dar satisfação a ninguém. Elas estavam bem guardadas no interior da pequena gaveta ao lado de sua cama, e ele ainda se sentia um idiota por considerar que uma mulher como iria querer algum envolvimento sexual com ele. Suspirou novamente. Passara os últimos três dias em ansiedade por saber do que se tratava o tal agradecimento. O pouco de racionalidade que tinha imaginava que ela lhe prepararia um jantar simples ou algo do gênero. Seu coração pedia por um pouco mais de atenção e toque.
Há quanto tempo não sentia o calor de mãos sobre o seu corpo? A última vez que tocou alguém foi poucos dias depois que chegou em Seul, em seu primeiro emprego dentro de uma lanchonete. Acabou por se envolver com uma jovem e bela colega de trabalho, mas logo foi trocado por um cara, que, com certeza, teria muito mais a oferecer do que um pobre garoto interiorano como ele. Foram semanas de ressentimento, e acabou por conseguir o emprego noturno na loja de conveniências do bairro em que morava, pagava melhor e ainda era mais perto de casa. Desde então, não teve colegas de trabalho, pessoas que pudesse conversar sobre o seu dia monótono ou apenas tomar um café em algum momento aleatório. Mais do que nunca, estava sozinho e perdido no mundo.

17h40

Droga. Ele tinha perdido a noção da hora. Levantou-se da cama e caminhou a passos rápidos para o banheiro. Independentemente de qualquer coisa, ele tinha que estar limpo. Questões de poucos minutos após sair do banho e ouviu a campainha tocar. Ele se assustou, pois não estava acostumado com aquele som, ouvido apenas quando pedia comida ou algo do gênero. Respirou fundo e abriu a porta, o cabelo ainda um pouco úmido gotejava por sua camisa, deixando claro que tomara banho há pouquíssimo tempo. estava diferente. Usava um vestido azul, que deixava seu semblante ainda mais jovem, o rosto limpo, os cabelos presos em um coque casual. Era como se estivesse recebendo sua melhor amiga de infância em casa. Segurava duas sacolas. Uma visivelmente repleta de cervejas e a outra cheirava a frango frito, sua combinação predileta.
— Espero que goste de frango com cerveja. — ela disse, levantando as duas sacolas. — Chegou agora mesmo.
— Uau… É minha combinação favorita. — comentou, com um riso baixo, e abriu espaço para a garota entrar. Sequer percebeu o olhar intenso que ela lhe lançara.
reparou no sorriso belo, aberto e sincero, mas não disse nada. Preferiu entrar e observar o apartamento arrumado e minimalista. tinha poucas coisas. Na sala, um sofá de dois lugares com duas almofadas, uma mesa de centro e a televisão repousada em uma estante velha. A cozinha do tipo americana era visível e também bastante limpa, a bancada, enfeitada com uma fruteira simples, quase vazia. As portas do banheiro e do quarto estavam fechadas, mas ela podia sentir o cheiro de sabonete e colônia masculina que pairava no lugar. Sem cerimônias, ela colocou as duas sacolas no chão da sala, ao lado da mesinha de centro, e tirou duas das pequenas garrafas de cerveja. não esperou nenhum comando, foi à cozinha e buscou copos e guardanapos para o pequeno jantar aprontado cuidadosamente pela garota.
— Essa é a única forma que conheço de cultivar uma amizade. — ela disse quando o viu se aproximar com dois copos e alguns papéis na mão. — Espero que não se importe.
— Não me importo, foi uma surpresa agradável, honestamente. — o jovem respondeu, pegando uma das garrafas.
Ele a abriu com a barra da blusa e encheu os dois copos. Brindaram antes do primeiro gole, generoso e um tanto sedento. riu ao perceber o semblante de felicidade simples expressa nos traços finos do rapaz.
— Do que está rindo? — ele perguntou, desconfiado, o cenho franzido em dúvida.
— É a primeira vez que não te vejo tão sério. Acho que nunca vi você sorrir tantas vezes durante um período tão curto de tempo. — respondeu, tomando mais um gole de cerveja e, finalmente, se acomodou no pequeno sofá. se sentou ao seu lado e soltou outra risada, um pouco mais rouca dessa vez.
— Não tenho tantos motivos para sorrir assim. — respondeu em um tom amargurado, negando-se a olhar para a garota ao seu lado. No entanto, sentia sua presença, o calor do corpo, o roçar do tecido do vestido em sua calça de moletom. Sentia até o ritmo da respiração da garota, que jamais se alterava, tão diferente do dele, que ficava nervoso como um adolescente.
— Vou considerar esse comentário melancólico como uma cantada e apenas dizer que você é péssimo nisso. — ela comentou, e ele riu novamente. Um pouco mais sem graça.
— Não está dizendo nenhuma novidade. — falou antes de se inclinar até a mesa, pegar um pedaço de frango e enrolá-lo no guardanapo. — Coma antes que esfrie ainda mais.
assentiu e fez o mesmo enquanto o rapaz pegava o controle da televisão e colocava em um canal qualquer. Eles comeram, beberam e comentaram cada programa idiota que passava entre os múltiplos canais. Zoavam as novelas e riam do noticiário. Ele descobriu na garota uma ótima imitadora de moças do tempo, e ela viu nele um cantor talentoso e disse que facilmente ele poderia ser um idol de K-Pop.
— Não tenho talento nem beleza para isso. — ele respondeu depois que ela insistiu.
— Isso é uma mentira. Você cantou uma frase e já consegui notar que sua voz é incrível. Além do mais, você todo o porte de um idol!
— Está dizendo que sou bonito? — ele sorriu de canto e a viu revirar os olhos.
— É uma coisa óbvia para qualquer garota ou garoto. — respondeu e percebeu as bochechas do rapaz corarem levemente. Ela disparou a rir com o embaraço de . — Como assim? Você não tem consciência da própria beleza, não é?
— Como eu poderia?! Não sou ninguém especial, só sou um cara normal.
— Todos os idols foram caras normais algum dia, . — ela respondeu.
Mais silêncio. olhava o pacote de frango frito vazio, as cervejas estavam quase acabando, mas ele não queria que aquela noite acabasse. Também não fazia ideia do horário e nem queria olhar o relógio. Aquele tinha sido o melhor dia da sua vida em muito tempo, e não queria pensar que logo teria um fim. Sentiu a cabeça dela se encostar em seu braço e fitou . Estava de olhos fechados, segurava o copo de cerveja na mão esquerda, e as pernas curtas se aconchegavam no sofá.
— Por que me ajudou naquele dia do mercado? — ela perguntou com a voz baixa, quase um miado.
— Eu já respondi a essa pergunta. — ele soltou um suspiro e bebeu o último gole de cerveja no copo. Fitou as poucas garrafas fechadas no chão e soube que não as pegaria, pois não queria que ela tirasse a cabeça de seu braço. — Porque você me pediu.
— Por que não pediu nada em troca? — ela perguntou sem ainda abrir os olhos.
— Eu não sou assim, .
— Mesmo assim, insiste em dizer que é um cara normal… — a garota soltou um suspiro longo antes de erguer o corpo durante um momento curto. Colocou o copo pela metade na mesa e voltou a se encostar no corpo de , como se aquele fosse seu lugar de origem.
Ela ainda tinha muitas perguntas em sua mente, mas desistiu de todas elas quando sentiu o sono vir. Dormiu se perguntando o motivo de não sentir o toque de . Ele nunca a tinha tocado. E ela não precisava ficar acordada para saber que poderia confiar naquele homem. No outro dia, ela acordou em uma cama estranha, lençóis que cheiravam a um amaciante diferente. Um quarto limpo, com poucos móveis e nenhum adorno, diferente do dela, que tinha diversos livros e enfeites por todo canto. Também não se lembrava de ter comprado um violão, sequer de ter o posicionado no canto do quarto. Aos poucos, se lembrou de onde estava. Só poderia ser o quarto de . Ela se levantou vagarosamente, a cabeça levemente dolorida. não tinha o costume de beber cerveja, mas era a bebida que pensou combinar com o rapaz. Respirou fundo ao sair da cama com um pequeno salto e caminhou até a sala, apenas para encontrar o jovem deitado no sofá. O desconforto era visível, e a garota conseguia sentir as dores no pescoço do rapaz.
Aproximou-se devagar, não queria despertá-lo. Apesar da péssima posição, encontrou um rosto sereno. Sorriu boba ao se lembrar que o próprio não acreditava que era bonito o suficiente para conquistar uma legião de fãs. De qualquer forma, ela seria a primeira. Fez o café da manhã em silêncio com as poucas coisas que encontrou na cozinha. Deixou tudo em cima da bancada e deixou o apartamento com um coração saltitante e borboletas no estômago. Ele acordou horas depois, como sempre fazia. Olhou em volta e já sabia que estava sozinho.
, no entanto, não contava com a surpresa em seu balcão.


Capítulo II

Três meses, ele pensou.
Há três meses, virou a única visitante regular daquele apartamento. Ele mesmo não sabe dizer o que aconteceu. Uma hora, estava vivendo sua vida patética normalmente e, em outra, andava lado a lado com a mulher mais incrível que já conhecera em toda sua vida.
era um acontecimento. Andava de um lado para o outro citando filósofos e sociólogos enquanto ouvia as bandas de K-Pop que tanto amava, fazia o almoço e o acordava quando dormia além da conta. Ele, então, fazia as compras de ambos os apartamentos e nunca mais deixou que ela fosse ao mercado sozinha. conheceu o casal de velhinhos do andar de baixo quando quis fazer um bolo e precisava de uma mísera xícara de açúcar. Eles lhe sorriram, contando que a garota sempre pedia a ajuda deles para lhes retornar com saborosas fatias de bolos e tortas. Ela encheu o apartamento de alegria quando o presenteou com um singelo cacto, agora exposto na janela da sala. Era o seu primeiro presente em anos.
Como agradecimento, ele lhe comprou um colar simples com um pequeno ponto brilhante pendurado. Desde então, ele nunca a viu sem o enfeite. Não havia rotina. Havia surpresas, favores e gestos preciosos de bondade que achou que já não conhecia mais. Havia também borboletas no estômago todas as vezes que ela cruzava aquela porta com o ar calmo e despojado que sempre pairava em sua volta.
— Encontrei aquele idiota do mercado na rua hoje, acho que ainda se sente ameaçado por você. — ela disse, entre risos, enquanto ia até a cozinha do apartamento. Pegou um copo e o encheu de água como se estivesse em seu próprio lar. Não que se importasse.
— Não consigo entender o motivo pelo qual ele acharia que você estaria remotamente interessado nele… — comentou, revirando os olhos. Irritava-se apenas em se lembrar do olhar mal encarado do tal homem.
, a maior parte dos homens simplesmente não aceita "não" como resposta. — a garota falou, como se fosse a coisa mais normal do mundo. — E, por favor, não se sinta ofendido por isso.
— Sei que não é um ataque direto. — jogou a cabeça para trás no sofá e fechou os olhos, podendo sentir a presença de se aproximando para se sentar ao seu lado. — Além do mais, também não tenho boas experiências com figuras masculinas.
Ele esperou uma pergunta, mas não veio. se limitou a acompanhá-lo em silêncio no sofá enquanto assistiam qualquer besteira na televisão. Estava ficando tarde, e logo teria que se arrumar para o trabalho. Olhou-a de canto e percebeu a expressão apreensiva da garota.
— No que está pensando? — ele perguntou, tentando decifrá-la, mas sabia que era algo fora de seu alcance.
— No quanto somos sozinhos. — ela respondeu, voltando o olhar para o jovem. — No quanto ninguém sabe sobre nossas dores, nossos sofrimentos.
— Sabe que pode dividi-los comigo, não é, ? — perguntou, engolindo seco. Sabia que era mais reservado e não ligava para ter que carregar os fardos sozinhos, mas não queria que ela passasse pelo mesmo.
— Sei, . — respondeu com um sorriso pequeno e melancólico. — Esse é o problema.
Antes que ele pudesse questionar o significado daquilo, se levantou do sofá.
— Você tem que ir daqui a pouco. — disse, caminhando para a porta. — Até amanhã.
O rapaz suspirou fundo, o nó na garganta e o aperto no peito pareciam mais do que meros sinais de desconfortos. Talvez insinuassem a grande fantasia que ele estava vivendo nos últimos três meses. A esperança de que aquela amizade caminharia para algo maior. Sentiu-se um idiota, um idiota apaixonado e, naquele momento, era exatamente o que era.

(...)


— SUA VADIA!
acordou em um pulo com o grito masculino, que vinha diretamente do corredor. Logo em seguida, assustou-se ainda mais com os barulhos ensurdecedores de tapas na madeira da porta do apartamento em frente. . Foi a única palavra que brotou em sua mente antes de ele simplesmente pular da cama e sair porta a fora. Encontrou um homem enfurecido. A roupa social denunciava que não era alguém comum, mas os cabelos muito negros e bagunçados combinavam com sua fúria.
— O que está acontecendo aqui? — falou dois tons mais alto do que falaria normalmente. Era um pouco mais alto do que o outro homem e, por isso, viu-se em vantagem, apesar de perceber o porte truculento. — O que você quer com a ?!
— Ah… Então, você conhece a vadiazinha enxerida que quer acabar com a minha vida? — o homem debochou. — Fique longe de mim, garoto, ou vai se arrepender.
Garoto.
Espero que não esteja pensando em desistir, garoto.
A última vez que ouvira essa palavra, sangue escorria de sua boca. Apenas uma pessoa o chamava assim, e ele não queria se lembrar daquilo. fechou os punhos, raiva e adrenalina correndo pelas veias. Não tinha medo, sabia por experiência que não poderia apanhar de um sujeito daqueles. Por isso, não disse nada, somente enfiou um soco no rosto do homem, que caiu estatelado no chão do corredor. O mais novo sequer notou que a porta do apartamento de estava aberta até que a própria garota gritou em horror.
! — ela correu até ele, segurando um dos braços. — O que está acontecendo aqui?!
— Ahh, agora a vadia resolveu aparecer, não é… — o homem se levantou, cambaleando dois passos para trás e retomando sua postura. Respirou fundo. — Arrumou um guarda-costas?
— Céus! Junho! O que está fazendo aqui? — gritou de volta. Pelo aperto em seu braço, sabia que ela sentia medo, os dedos gelados em sua pele, a respiração ofegante. Por isso, pôs-se na frente da garota como um escudo. Jamais deixaria um cara como aquele chegar perto.
Cerrou os olhos quando o homem se aproximou ainda mais.
— Escuta aqui, garoto! O meu papo é com ela, não se intrometa ou…
— Vou me arrepender? — riu com gosto. — Você já disse isso, mas não me sinto nada ameaçado. Fique longe dela se não quiser apanhar.
, para com isso! — disse, quase como uma súplica. — Esse cara é perigoso!
— Você devia ouvir a garota… — Junho comentou antes de partir para cima do rapaz.
A surpresa veio nos movimentos rápidos de . Desviou do soco e segurou o braço do homem. Com força e destreza, empurrou-o para baixo, arrancando um gemido de dor. Lançou-o para o chão e o imobilizou.
— E você deveria saber com quem está brincando. — o jovem cuspiu as palavras e voltou o olhar para o terror estampado nos olhos de . — Você está bem?
E, antes que ela pudesse responder, foram surpreendidos pelos três policiais armados, que subiram pela escada de incêndio e deram de cara com a cena lamentável.

(...)


Sentado em frente aos policiais entre e o tal Junho Shin, pensou na cara de desgosto que seu pai faria se o visse ali. Não que se importasse, até sorriria onde seu filho estava, após todos os problemas que o fez passar. Naquele momento, o que mais temia era o olhar de julgamento e pavor que lhe lançava vez ou outra. Fitou o colo por vergonha dela.
— Quem quer começar a se explicar? — o policial mais velho perguntou, soltando o ar. Tinha o rosto fino e corpo esguio para a idade, os cabelos eram grisalhos, porém longos, e caíam sobre a testa enrugada. Tinha o olhar suspeito, principalmente quando correu o olho pela mulher ao seu lado. não pensou muito, abriu a boca, mas, antes que pudesse dizer algo, foi interrompido pela irritante voz do tal Junho.
— É tudo culpa dessa mulher enxerida! — o homem bradou, fazendo revirar os olhos.
— E o que ela fez de tão grave que explica invasão de domicílio e atos de violência? — outro policial perguntou, com uma das sobrancelhas arqueadas. Este mantinha a serenidade no olhar, parecia ser jovem, na casa dos 30 anos, mas tinha a segurança de quem trabalhava há anos ali. olhou para , que abriu um sorriso vitorioso nos lábios.
— Ela… Ela tirou fotos. — respondeu o homem, se encolhendo no assento.
— Bem, esse é o meu trabalho. — debochou a garota. — Mas acho que seria uma ótima ideia mostrar aos policiais as fotos que eu queria, certo, senhor Shin?
— Ela está tentando me caluniar! — Junho quase se levantou, mas foi impedido pelos olhares ameaçadores dos dois policiais.
— Muito pelo contrário. As imagens que tenho são verdadeiras e logo seriam publicadas no Jornal Central, mas não ligo de deixá-las com os senhores policiais. Podem averiguar o fato por mim. — disse enquanto abria a bolsa. sequer notara que ela carregava algo consigo durante todo o tempo. De lá, saiu um envelope pardo lacrado.
podia sentir o desespero de Junho quando os dois policiais pegaram o envelope e o abriram. As fotos foram espalhadas sobre a mesa, deixando claro o real motivo de todo aquele alvoroço. Provas concretas que o homem sentado ao seu lado havia furtado uma série de pequenas lojas no bairro. Tudo o que passou pela cabeça de era como diabos conseguiu aquelas imagens.
— Olha se não descobrimos a identidade do assaltante que estávamos procurando! — o policial mais velho comemorou, enquanto o mais novo logo se levantava para algemar Junho, que, por sua vez, se posicionou para fugir. — Você fez um ótimo trabalho, senhorita. Quando pretendia entregar tudo isso para nós?
— Hoje mesmo, mas não dessa forma. — sorriu mais uma vez. — Vocês sabem que sou meticulosa na reunião de provas.
— Certo, senhorita . — o outro policial comentou. — Você e o jovem estão liberados por hoje, mas não se meta em mais confusões.
apenas assentiu enquanto ouvia os palavrões proferidos por Junho. Pegou pelo braço e o puxou para que se levantasse. Ele obedeceu em silêncio, mudo do início ao fim, ainda replicandi o olhar assustado da garota ao presenciar sua brutalidade. Sentiu-se exposto, como se seu maior segredo tivesse sido contado para a única pessoa que não poderia descobri-lo. Em modo automático, ele a seguiu, como um cachorro sem dono, e quase não percebeu quando o policial mais velho os seguia.
— Mudou de ideia em relação à minha proposta, ? — só acordou de seus devaneios porque sentiu os dedos da garota gelarem em seu braço. Ela parou quase roboticamente e virou o seu corpo para encarar a testa enrugada e o olhar estranho do policial. reconheceu luxúria naquele olhar e sentiu a garganta seca.
— Não, senhor. — ouviu-a responder com a voz baixa, porém firme. escorregou a mão que segurava o braço do rapaz até entrelaçar os seus dedos gélidos. segurou a mão da menina com delicadeza. Queria mostrar que não era o bruto que aparentou ser mais cedo.
— Seu orgulho não vai levá-la a lugar algum. — o homem disse com desdém, e sentiu ser analisado pelos olhos caídos do velho policial. — Além do mais, esse garoto não pode te dar o que eu posso.
podia ser jovem e um pouco imaturo, mas não era idiota. Sabia muito bem que tipo de insinuações aquelas palavras poderiam significar. Seu sangue ruim ferveu pela segunda vez naquele dia, e o temperamento, que tanto tentava controlar, pulsava no fundo de sua mente. Teve que respirar fundo e talvez tenha apertado demais a mão da garota na sua. A saída para aquela situação era um ensinamento da pessoa que mais odiava no mundo, mas não ligou. Engoliu o ódio e abriu um sorriso de canto, aquele que o fazia parecer com ele.
— Com todo o respeito, senhor. — disse em sua voz mais firme e grossa. — Acho que já tem sua resposta. E, em relação à senhorita , não se preocupe. Posso cuidar muito bem dela. Se ainda tem dúvidas, pode perguntar ao homem que acabou de prender.
se surpreendeu com as palavras, e o policial se limitou a rir baixo com a insolência do mais jovem.
— Não preciso de nada que venha do senhor. — completou e, enfim, decidiu por abandonar aquele lugar sem olhar para trás.
não soltou a mão de durante todo o caminho. No táxi, ela olhava a janela em silêncio enquanto segurava a mão do rapaz em seu colo. Ele a olhou por todo tempo, preocupado, confuso, nervoso, mas também não disse nada. Quando voltaram ao prédio, encontram o casal de velhinhos do piso de baixo. Estavam preocupados pela confusão e se mostraram solidários.
— Você precisa parar de se colocar em perigo, menina. — a senhora disse em um suspiro longo. — Chamamos a polícia porque não sabíamos o que estava acontecendo.
— Tudo bem, senhora Kim. Fizeram o certo. — respondeu, carinhosa, mas não quis render assunto. Estava exausta. via pelos ombros caídos e o olhar perdido demais.
Despediram-se e subiram pelo elevador. Somente ali ele deixou de sentir os dedos dela em sua mão. Ainda assim, ela o seguiu até o apartamento dele e entrou silenciosa, cabisbaixa. ficou em pé enquanto a observava caminhar para o sofá de sua sala. Ela se deitou ali, os pés ficaram de fora, balançando suavemente. Levou o antebraço até os olhos e respirou fundo algumas vezes. Como o idiota que era, se moveu apenas para se sentar no chão ao lado do sofá. Pela primeira vez, não segurou o seu impulso de tocá-la. Mesmo que tivesse passado tanto tempo sob o toque daquela pele, não era suficiente. Seus dedos foram até o antebraço que cobria os olhos da garota, e, suavemente, o levantou apenas para encarar os olhos marejados de . Limpou as poucas lágrimas e mordeu o lábio inferior.
estava completamente apaixonado por .
— É a primeira vez que você me toca. — ela sussurrou, como se fosse uma confidência.
— Desculpe. — ele respondeu, se afastando, e a menina sorriu.
— Não peça desculpas por isso. — ela se levantou apenas para pegar a mão dele de volta. — Por favor, não por isso.
Ele concordou com a cabeça e entrelaçou os dedos nos delas mais uma vez em um ato de coragem. Enquanto olhava para a garota, pensou nas coisas que aqueles olhos tão profundos escondiam. Olhos arredondados, grandes e brilhantes, que pareciam afundar qualquer um que tentasse navegar por ali. Pensou na sua solidão e na dela, que se acabavam ali, entre os dedos entrelaçados, no calor do toque, na textura da pele.
Assim como ninguém sabia das dores, era impossível perceber a sensibilidade e delicadeza daquela relação que se construía entre corações solitários.

(...)


Quase uma semana depois, não tinha comentado nada sobre o ocorrido, deixando a cabeça de fervilhando em suposições. Decidiu que sua curiosidade seria sanada naquela noite de quarta, sua folga naquela semana. Como sempre, ela tocou a campainha pouco tempo depois do rapaz ter despertado. Sacolas nas mãos, ela tinha prometido um almoço decente para o rapaz. Assistiu-a estalar o pescoço e colocar as mãos na massa.
— Essa é uma especialidade da minha falecida mãe. — comentou enquanto preparava os ingredientes. — Penne ao sugo e manjericão. Bem italiano.
Ela riu, nostálgica. sorriu pequeno e triste. Não se lembrava da última vez que uma mulher querida lhe preparou algo.
— Por que está fazendo essa cara? — perguntou, o olhar preocupado. — Eu disse algo errado?
— Não! Jamais! — ele bradou, assustado. Coçou a parte de trás da cabeça e desviou o rosto para que ela não lesse a mágoa em sua expressão. — Só estava pensando… há quanto tempo eu não como uma "comida de mãe".
— Oh… A sua mãe também já faleceu? — ela perguntou com curiosidade.
— Não. Ela me abandonou. — o silêncio dominou o ambiente por alguns segundos.
— Sinto muito. — ela disse baixo. — Irei fazer a melhor comida que você já comeu para compensar a minha mancada.
apenas riu e esperou, apreciando o clima doméstico que a situação criava. Assistiu a garota montar a pequena mesa de jantar e pensou que tudo ficaria perfeitamente romântico se colocasse algumas velas ou comprasse algum vinho. Quase se esqueceu de que havia perguntas para fazer naquela tarde de folga. Ele esperou que dessem a primeira garfada para que perguntasse.
— Quando vamos conversar sobre o que aconteceu? — fitou-a nos olhos e notou o desconforto passar por eles.
— Por que você quer falar sobre isso agora? — respondeu, desviando o olhar e repousando os talheres nas laterais do prato. Estava visivelmente irritada.
— Eu só achei que merecia entender o que aconteceu… — ele sustentou o olhar e esperou que ela dissesse algo.
— Não… Não é nada demais. — suspirou e voltou a encará-lo. — Sou apenas uma péssima fotógrafa, que vive de denunciar pequenos infratores da região. Não era isso o que eu queria fazer da vida, mas é o que paga as minhas contas. Vendo minhas descobertas para jornais e policiais preguiçosos. Quando nos encontramos pela primeira vez, estava investigando casos de roubos de algumas casas da região. Deparei-me com Junho Shin, um velho conhecido, e tive que fugir antes que ele pudesse me ver. Acabei caindo no chão e me machucando deploravelmente. Um pouco depois, consegui as fotos que você viu na delegacia, e Junho não demorou muito para descobrir o que eu estava fazendo.
— Parece perigoso… — o rapaz comentou baixo, e viu a menina revirar os olhos.
— Perigoso…Éé lamentável. Não era isso que eu queria para minha vida quando escolhi comprar uma máquina fotográfica e decidir tirar meu sustento disso. — riu, triste. — Aposto que está cheio de pena agora… Como uma garota como eu pode viver assim…
— Do que está falando, ? Por que eu faria isso?
— Será que podemos voltar ao nosso almoço?
Contrariado, ele apenas se calou. Comeram em silêncio absoluto. Ao final, ele retirou a mesa e lavou os pratos enquanto se sentou no sofá. Não a viu ligar a televisão nem nada do tipo. Da cozinha, apenas via o olhar concentrado que ela lançava para as próprias mãos deitadas no colo da garota. Ele se perguntou por que era tão impossível saber o que ela estava pensando. Quando terminou, caminhou vagarosamente para se sentar ao lado da garota. Não demorou muito para que ele sentisse o olhar dela em seu rosto, queimando como lava. Ela respirou fundo e soltou as palavras de uma só vez.
— Desculpe. Eu sou uma idiota, sei que você merece saber sobre tudo, mas é que… — encarava a expressão confusa da garota. — Eu só não queria que você pensasse menos de mim por causa dessa história patética.
A garota olhou novamente para baixo, envergonhada. sentiu o rubor subir pelas orelhas e fazer seu caminho pelo rosto. A pele queimando expunha ainda mais os reais significados daquelas palavras. Não pensou que sua confissão seria assim. A garota sempre desenhava algo bonito e elegante em cabeça, digno do rapaz pelo qual vinha se apaixonando nos últimos meses. Por isso, surpreendeu-se com o toque suave em seu rosto, a mão quente e grande tapando quase toda sua bochecha.
— Não seja boba. É impossível que eu tenha pensado algo ruim de você, . Não quando estou tão apaixonado. — ele disse com sinceridade, quase a deixando completamente muda.
ainda se sentia uma idiota, mas, depois de ouvir aquelas palavras e ver a verdade cintilando nos olhos do rapaz, decidiu que seria a idiota mais feliz da cidade. Por isso, acabou com a distância que existia entre os dois e selou os lábios do rapaz em um beijo simples, vagaroso e romântico. não pensou muito, apenas correspondeu ao que ele podia jurar ser um sonho, mesmo que a carne latejasse sob seus dedos, a respiração quente em seu rosto, o encostar tímido das línguas, que ainda haveriam de explorar muito do gosto mágico que brotava ali.
— Ainda bem que esta boba aqui também está apaixonada por você. — foi o que ouviu quando pararam minimamente.
Naquele singelo momento, tinha a felicidade no calor dos dedos e o amor na ponta da língua.


Capítulo III

Depois de meses de paixão silenciosa e poucas semanas do que ele, orgulhosamente, chamava de namoro, finalmente foi apresentado ao apartamento de . Assim que colocou os pés na casa de sua vizinha e, agora, namorada, entendeu o motivo de tanta relutância para que visitasse o lugar, que estava a tão poucos passos de si. O lugar parecia um outro mundo dentro daquele prédio antigo e sem graça em que viviam. Cheio de cores, a sala já era uma experiência a parte. se sentiu em uma exposição de artes repleta de objetos diferentes, únicos. No canto da sala, um abajur vermelho e em formato de duende iluminava apenas uma parte do imenso varal de polaroids, que descia como cascata na parede. tinha pequenos quadros de madeira com expressões divertidas e uma orgulhosa coleção de cactos e suculentas na janela.
— Uau! É incrível! — olhou para a namorada (ele jamais iria se cansar de se referir a ela daquela forma) e sorriu colocando as duas mãos nas laterais do rosto. — Você é uma artista.
riu envergonhada. As bochechas levemente avermelhadas denunciavam o sentimento de excitação quase adolescente que aquele rapaz a fazia sentir.
— Essa é só a minha sala, você tem que ver o que fiz com um cômodo vazio dos fundos. Escolhi esse apartamento exatamente porque teria espaço para revelar minhas fotos. — ela comentou, pegando a mão do rapaz e arrastando-o para mais afundo no apartamento.
Ela também tinha pintado as paredes, anteriormente brancas, de um verde claro e agradável. Um lugar tão cheio de vida quanto a própria garota. Passou por duas portas, que deveriam ser o quarto e o banheiro, e chegaram a uma pequena salinha no fim do corredor. abriu a porta, revelando a escuridão avermelhada. Depois da era digital, sabia da raridade de alguém ainda conservar a atenção em revelar filmes negativos.
— Você gosta do método analógico. Nunca pensei que ainda existiriam pessoas interessadas nisso. — o rapaz disse, voltando sua atenção às fotos penduradas, já completamente secas e reveladas. Aquele parecia o verdadeiro ofício da garota, seu dom, seu destino. Não havia denúncia ou nada das coisas perigosas que, ele sabia, ela continuava fazendo para viver. Havia ali o olhar da fotógrafa, que captura a vida e alma de um minuto precioso. Entre rostos e paisagens, se viu ainda mais encantado por .
— Sempre fui apaixonada por isso. Pela delicadeza da imagem e pelo método que devemos tratar a nossa arte. Esse processo é como um ritual que concretiza o trabalho e carimba a singularidade. — disse com carinho. Observava o olhar admirado de e se sentia orgulhosa de seu trabalho como há muito não sentia.
— Além de uma artista fotográfica incrível, você também é poeta? Céus, como consegui que alguém assim olhasse para um bobo como eu. — se virou para e a trouxe para o seu corpo, virando de costas e passando os braços por sua cintura. Se antes ele jamais tomava a iniciativa em tocá-la, agora ela não poderia reclamar da infinidade de abraços (e amassos) que ele dedicava à mulher.
— Você tem sorte porque é tão bonito quanto um modelo, senão poderia te trocar. — brincou, entre risos. Ouviu a língua dele estalar em seu ouvido e quase não conteve o impulso de arrastá-lo para o quarto.
— Devo me preocupar?
— Claro que não! — ela respondeu, rindo ainda mais. Virou-se para encontrar a expressão levemente carrancuda e enciumada. — Talvez você possa se igualar a mim quando deixar que eu tire algumas fotos suas.
— Agora, estou definitivamente preocupado. — falou, rindo. — Não me venha com essa história de idol.
— Ainda assim, acredite. Você seria perfeito. — disse com sinceridade e ergueu os braços para abraçá-lo pelo pescoço. Ele não disse nada, apenas se inclinou para baixo e depositou um pequeno selinho nos lábios dela.
— Acho que se for você a tirar as fotos, tornaria-me uma obra de arte. — comentou, colando a testa na dela. A garota sorriu ainda mais.
Ele não saberia. Mas, dali, acendia-se a fagulha da arte nas veias de , e ela se sentiu poderosa e talentosa novamente. Sentiu que, de fato, poderia tornar qualquer coisa em obra de arte.

(...)


— Quando era criança, o que você desejava ser? — ela perguntou, olhando para o violão encostado no canto do quarto de . Estava deitada ao seu lado, acariciava-lhe a mão vez ou outra.
— Sinceramente, eu sempre quis ser policial. — o rapaz fitava o teto enquanto mantinha o aperto das mãos dela em seus dedos. — Mas desisti com tempo.
— Existe alguma razão para isso? — questionou, um tanto temerosa. Ainda que conversassem mais abertamente sobre a vida de cada um, mantinha a maior parte de suas histórias em segredo. Contou-lhe uma vez algumas peripécias de infância, além de casos do ensino médio, mas nunca falou nada sobre a família.
— Meu pai. — era a primeira vez que falava sobre ele. se ajeitou na cama, virando de lado para escutá-lo melhor. — Ele foi um ótimo policial, o melhor da cidade. Até minha mãe nos abandonar e ele virar um maldito alcoólatra.
sentiu um aperto no peito ao vê-lo erguer a mão esquerda na altura dos olhos. Reparou uma cicatriz, que cruzava toda a extensão da palma. Parecia ser antiga, pois a marca era quase fina o suficiente para ser confundida com uma das linhas naturais das mãos. Talvez por isso ela nunca tivesse notado. Perguntou-se quais outras marcas e cicatrizes ele escondia embaixo de sua pele.
— Sinto muito. — ela disse, passando o braço esquerdo pelo corpo do homem em um abraço desajeitado. Encostou a cabeça em seu peito enquanto sentia as mãos dele segurarem sua cintura carinhosamente.
— Não sinta. Sair de casa, daquela cidade, foi a melhor coisa que me aconteceu até hoje. Foi como eu encontrei você.
— Você está a cada dia mais meloso. — ela sorriu enquanto se afundava ainda mais no corpo daquele homem. — Mas por que desistiu dos seus sonhos? Aposto que pode ser um policial melhor, diferente desses crápulas que ocupam as delegacias de hoje. Além do mais, você ficaria ainda mais bonito de uniforme.
— Boba. — riu baixo, e ela pôde sentir o leve tremor em seu peito. — Eu decidi que não quero nada que venha daquele homem. Não quero lembrá-lo e nem se parecer com ele. Quero fingir que ele não foi meu pai.
, um recomeço não precisa significar o fim de tudo. Você ainda pode seguir seus sonhos sem ficar preso ao fantasma do seu pai. Ele não está aqui mais! — ela ergueu o tronco apenas para fitar seus olhos. — Assim como você me deu esperança de trilhar um outro caminho dentro da fotografia, queria que realizasse seus sonhos!
— Ter você aqui já é o meu maior sonho. — ele disse enquanto subia as mãos pelas costas dela até acariciar os fios de cabelo que caíam sobre a nuca.
— Yah! — ela lhe desferiu um tapa no peito, arrancando um gemido rouco e descontraído do rapaz, que agora ria. — Estou falando sério.
— Eu vou pensar nisso, . Prometo! — ele respondeu em um suspiro, um sorriso ainda ocupava seus lábios. Talvez não se sentia tão motivado quanto a perseguir um sonho tão falido, mas ouvir aquelas palavras era confortante. — Agora, será que podemos aproveitar nosso tempo antes de eu ir para o trabalho?
Ela apenas sorriu maliciosa.

(...)


quase não podia acreditar que estava de pé naquela manhã de domingo. Os óculos escuros escondiam as olheiras de quem trabalhou durante toda a madrugada e não teve tempo suficiente para descansar. O que ele não fazia para arrancar um sorriso daqueles lábios que tanto amava, certo? Estava no sexto mês de namoro, mas o clima de lua de mel sempre prevalecia entre o casal. Ele nunca conseguia negar um pedido da garota, principalmente quando estava relacionado ao seu trabalho. continuava a tirar fotos, as mais belas fotos que ela já viu em toda sua vida. Com a câmera analógica na mão e um tripé recém-comprado em outra, ele assistia caminhar pelo belo parque naquela tarde de verão. A garota queria o lugar perfeito para que pudesse testar o novo equipamento, comprado, a muito custo, com as economias da garota.
viu o rosto da namorada brilhar, os olhos radiantes denunciavam que havia encontrado o lugar perfeito. fez um sinal com as mãos para que ele se aproximasse com o equipamento, e assim o fez.
— O que acha? — ela perguntou quando mostrou a ele a bela vista escondida entre algumas árvores. Dali, via-se pequenos pássaros bicando a grama ou voando por entre as folhas, a brisa balançava as flores, como se estivessem dançando para o sol, que estalava radiante sobre todos.
— É perfeito. — ele concordou, admirado.
assentiu com a cabeça enquanto abria um sorriso de canto a canto. Pegou primeiro o tripé das mãos do rapaz e o estabilizou. Depois, pegou a câmera e arrumou algumas das configurações de luz. não sabia quantas fotos ela tirou naquela tarde, apenas a acompanhava com o olhar enquanto trançava por todos os cantos. Para muito além das paisagens, ela gostava de capturar os momentos. A criança que brinca, as flores que se movem, os pássaros que cantam e pousam suavemente nos pontos mais interessantes. Captou as mãos dadas de um jovem casal e um pai que ensinava futebol ao filho tão pequeno que poderia ser do tamanho da bola. E foi entre devaneios e observações que não ouviu o clique da câmera atrás de si, e reservou apenas para ela a imagem alaranjada de pôr do sol, que emoldurava o perfil belo e calmo do rapaz.
A garota sorriu marota.
Naquela noite, ela o levou novamente para a câmara escura, mostrou todo o processo de revelação. Com cuidado, tratava as imagens. Inspirado pela paixão da namorada, tomou a decisão mais corajosa que poderia tomar naquele momento. Deixou que ela mostrasse cada detalhe de seu trabalho, abraçou-a por trás e lhe desferiu um beijo no pescoço. Com as mãos presas em sua cintura, ouviu a respiração baixa enquanto, aos poucos, desistia de completar a revelação de todas as fotos ainda naquela noite. Largou os materiais para virar seu corpo para o dele. Sob a luz avermelhada, o rosto do rapaz refletia desejo. Ela sorriu de lado enquanto ficava na ponta dos pés para alcançar os lábios do namorado e, quando se deu por si, já era despida a caminho do quarto, que parecia especialmente longe demais naquele momento.
Fizeram amor como nunca tinham feito antes, e, no fim, ele murmurou canções, que ninaram a garota, exausta. a esperou entrar em sono profundo para se levantar. Sem se importar com sua nudez, procurou o celular entre as muitas roupas jogadas no chão do quarto e caminhou para a sala. Sentou-se no sofá e observou aquela decoração tão diversa antes que tomasse coragem para abrir a sessão de contatos. Antes de sair da cidade, ele havia jurado que se esqueceria de tudo, que deixaria para trás todas suas lembranças, não só as tristes, como as mais felizes. Estava quebrando sua promessa ao selecionar o nome “ ” na lista de contatos. Discou e, depois de três toques, foi recebido aos gritos.
— YAH! ! ONDE VOCÊ SE METEU? — a voz do melhor amigo soou desesperada e aliviada ao mesmo tempo.
— Eu estou bem, hyung. Não se preocupe. — disse. Esperou que o amigo destilasse toda a frustração em palavrões e ofensas que podia pensar antes de seguir a fala. — Eu preciso de um favor.

(...)


vestia uma das camisas favoritas de enquanto carregava sua câmera na mão. Posicionou-a em frente aos olhos e tirou a foto. O torso nu do namorado era tampado apenas pelos lençóis, na altura do quadril.
— Hey! O que está fazendo!? — ele reclamou quando ouviu mais um clique, seguido de risadas marotas. Ela abaixou a câmera.
— É o seu primeiro ensaio sensual. — ela disse, confiante. revirou os olhos, mas ainda sorriu. Ouviu o disparo da câmera novamente.
— Primeiro e último, que fique bem claro! — o rapaz disse enquanto se ajeitava na cama, fazendo o possível para se tapar um pouco mais.
— Hey! O que está fazendo! Por que está tampando a melhor parte… — brincou, com um sorriso malicioso nos lábios, e se aproximou mais da cama.
— Vai ter que me pagar por essas fotos. — respondeu, observando a garota.
Colocou um dos joelhos em cima do colchão e focou no rosto um pouco inchado e desordenado de . Ainda assim, ele parecia o homem mais lindo do mundo por frente e por trás das lentes. Quando se cansou, o jovem ergueu o torso e deixou sua nudez ser revelada, apenas para avançar para a garota e pegar a câmera com uma das mãos. Seu toque era firme. Em silêncio, ele depositou o objeto no móvel ao lado da cama. Com o braço livre, enlaçou a cintura da namorada e puxou-a para baixo, rolando-se por cima dela durante o processo.
— Já chega. — ele sussurrou enquanto abaixava-se para beijar o pescoço da garota. Ouviu suspirar entre um riso baixo.
— Eu estava esperando que essa sessão terminasse assim… — ela disse, entre arfadas baixas e contidas, a mão dele deslizando pela sua coxa acima. trouxe o rosto do rapaz para cima, colocando as duas mãos em suas bochechas e encarou seus olhos. — Devia fotografá-lo desse ângulo…
sorriu de lado, malicioso, enquanto via a namorada morder o lábio inferior.
— Gosta tanto assim da minha cara quando estou prestes a te… — ele não completou a frase. O barulho ensurdecedor da campainha fez os músculos de congelarem. Sua mandíbula travou em raiva e frustração.
não aguentou e desatou a rir. Ergueu o corpo quando viu o namorado tombar na cama novamente. A campainha tocou mais uma vez.
— Seja quem for, é melhor eu ir atender. Não acho que queira te ver pelado. — disse, pulando da cama e indo caçar seu short o mais rápido possível. A campainha tocou pela terceira vez.
apenas ouviu os passos da garota em direção à porta e só assim teve coragem para se levantar e se vestir. Estava tão frustrado que sequer estranhou o fato de não estar esperando ninguém. Quando finalmente caminhou para a sala, se deparou com um rosto que não estava planejando encontrar tão cedo.
— Yah! ! Como conseguiu a atenção de uma garota tão bonita. — disse, com o sorriso safado de sempre. As roupas de marca e o cabelo bem penteado estavam presentes como sempre.
olhou para . O rosto corado também denunciava a confusão do que estava acontecendo. O rapaz tomou o ar profundamente e foi para perto da namorada. Abraçou-a como se quisesse proteger do olhar conhecidamente magnético do amigo.
, esse é , meu melhor amigo de infância. — Apontou para o rapaz, que fez uma breve reverência.
— Ao seu dispor, senhorita. — falou, com o sorriso galanteador, que já era sua marca registrada.
— Muito prazer em conhecê-lo. — A garota sorriu com gentileza, e teve que lutar contra a forte vontade de abraçá-la e mordê-la ali mesmo. Sete meses de namoro, e ainda era difícil de acreditar que namorava uma mulher tão incrível. — Bom, acho que vocês querem ficar sozinhos, certo?
apenas sorriu, assentindo a cabeça. Ela sorriu pequeno, concordando em silêncio, e fez um curto carinho em seu braço antes de pegar suas chaves e caminhar até a porta da frente.
— Se precisarem de mim, estarei em casa. — falou antes de se despedir de e, mais uma vez, de . O namorado a acompanhou com o olhar e depois soltou um leve suspiro antes de encarar o melhor amigo.
— O que faz aqui, ? — disse, direcionando uma das mãos para que o amigo se sentasse no sofá. Foi para o seu lado logo depois.
— Ora, depois que descobri seu endereço, achou mesmo que eu não viria? — o rapaz perguntou, como se não fosse óbvio. — Eu estava preocupado com você. Sei que pediu para que ninguém te procurasse, até trocou o número do seu telefone. Mas, quando me ligou, fiquei feliz, empolgado. Achei que pudesse entender o motivo de você ter largado até seus amigos.
não tinha desculpas nem motivos reais para justificar aqueles questionamentos. Tudo o que sentiu ao deixar sua cidade era medo e desejo por liberdade, esquecer-se de tudo o que o lugar representava, principalmente de seu pai.
— Eu precisava ficar longe daquele lugar, … Longe dele. — fechou os olhos e soltou todo o ar que prendia sem ao menos perceber. Apenas ouviu o amigo se remexer no sofá e colocar a mão em seu ombro.
— Eu entendo… Mas queria que soubesse que poderia ter contado comigo. — respondeu. abriu os olhos e finalmente olhou o amigo. Via o semblante preocupado, magoado.
— Desculpe, eu sei que errei…
— Está perdoado, mas só porque você me procurou primeiro.
— Você sabe, é a única pessoa que eu procuraria. — disse em uma risada sem graça, ainda se sentia envergonhado, mas sabia que logo iria passar, afinal, era o seu melhor amigo de infância. Não viu o sorriso largo de , apenas sentiu seu braço passando pelos ombros e trazendo-o para um abraço desajeitado.
— Claro. Não seria seu melhor amigo assim. — o rapaz brincou enquanto bagunçava os cabelos do mais novo. Depois que o soltou, deu leve tapinhas nas costas de um visivelmente irritado. — Falando nisso, consegui o que tinha me pedido. Usei alguns contatos do meu pai para achar uma pequena galeria de arte que está precisando de alguém para tirar fotos dos eventos. Usarei da minha influência para que ela consiga a vaga, caso queira tentar. A única coisa que preciso é de um portfólio.
— Ótimo! Tomarei conta disso, hyung! — sorriu com sinceridade e viu tombar a cabeça, analisando seja o que for que havia dito de diferente.
— Você gosta mesmo dessa garota, não é? Até quebrou uma grande promessa por ela. Vale a pena, ?
olhou para baixo, para o chão limpo, para as prateleiras mal organizadas. Seu olhar clínico apenas encontrava as coisas que carregava por aí. Sorriu.
— Vale a pena, hyung. — o olhar que lançou ao melhor amigo era diferente daquela vez, brilhante, sincero e até angustiado pela ausência. — Vale a pena porque eu a amo.

(...)


— O que você acha? — disse, prendendo o ar. Depois que deixou sua casa, optou por contar o mais rápido possível da oportunidade que o amigo tinha arranjado.
A garota estava em silêncio, sentada na cama do namorado, as pernas cruzadas enquanto fitava o colo sem expressar nenhuma emoção, deixando o rapaz ainda mais nervoso. o olhou novamente depois de alguns segundos. Ele pôde perceber os olhos começarem a lacrimejar. Prendeu o ar e só foi capaz de respirar normalmente quando a garota pulou em seu colo, em um abraço apertado e agradecido. Ele fechou os olhos, encaixando o seu rosto no pescoço da garota. Respirou fundo, sentindo o corpo dela se aninhando mais perto do seu.
— Eu não acredito que você fez isso por mim. — ela disse com a voz abafada, o rosto enfiado no ombro do rapaz. Estava tão emocionada que não conseguia, e nem queria, segurar algumas lágrimas que desciam pelo seu rosto. a afastou de seu abraço apenas para secá-las e depositar um pequeno beijo em sua testa.
— Por que não acreditaria, ? Você merece uma oportunidade muito melhor do que essa. — ele disse com carinho.
— É a primeira vez que sinto que alguém verdadeiramente confia no meu trabalho. — ela confessou com um risinho sem graça.
— Como poderia não confiar, é maravilhoso. — disse e recebeu um beijo nos lábios de volta.
Ela se aninhou novamente ao seu peito, quase não conseguindo conter a própria alegria. ficou ali em seus braços, como se não houvesse lugar melhor ou mais seguro, e, para ela, não havia. Fato esse que ia se confirmando cada dia mais.

(...)


Quando iniciou o trabalho, não poderia pensar em algo melhor. Trabalhar cercada por arte, por tudo que sempre admirou e amou. Via quadros que facilmente colocaria em suas paredes, tirava as fotos que queria, sem medo, sem se esconder atrás de arbustos ou estruturas de concretos. Podia se expressar como a artista que sempre sentiu ser. E voltava para casa para os braços do homem que sempre sonhou em ter. Chegou em casa e sussurrou um “eu te amo” enquanto o abraçava pelo pescoço, trazendo-o para perto. Não era incomum dizer aquelas palavras, e ela sempre o assistia prender o ar, envergonhado. Ele respondia timidamente enquanto sorria e a deitava na superfície mais próxima, apenas para beijar sua boca. sorria de volta, entre beijos e abraços apertados.
Pegou-se passando cada vez mais tempo no apartamento de e acabou por se tornar visitante em sua própria casa. Com o tempo, mudou-se completamente e deixou que o apartamento da frente virasse seu ambiente de trabalho nas horas vagas. Por mais que o novo emprego a tivesse obrigado a adotar o uso da câmera digital, jamais abandonaria sua paixão quase irracional pelas horas na câmara escura.
— Quando vai voltar para o mundo real? — ela ouviu a voz do namorado por de trás da porta. — vai chegar em breve.
— Já estou indo. — gritou em resposta. terminou o que estava fazendo rapidamente, guardou os materiais e saiu do lugar, apenas para encontrar o namorado limpando o cômodo que, um dia, foi sua sala.
Ela notou, ali, que mais de um ano havia se passado desde que se conheceram. Sua vida mudou de cabeça para baixo, e, apesar de tudo, continuava o mesmo. Permanecia no turno da noite da velha loja de conveniência, ainda acordava tarde, mas jamais falhou em fazer o almoço ou arrumar a casa enquanto ela trabalhava. Os dias de folga resumiam-se em escapadas para parques, onde ele a acompanhava suas aventuras fotográficas. Era seu modelo, seu guarda-costas e seu ajudante. Em um suspiro trêmulo, notou que a vida de se resumia a ela e nada mais. Enquanto o rapaz se esforçava para garantir a manutenção de seus sonhos, continuava apenas olhando as manchetes de jornais e suspirando ao ver filmes de ação policial. Por isso, naquele dia, decidiu tentar pensar em ajudá-lo de alguma forma. Aproveitou que estaria por ali durante o final de semana para se aproximar furtivamente do rapaz enquanto saía para comprar mais bebidas.
— Hey, . — Ela soltou enquanto olhava o homem, sentado em uma das cadeiras que havia trazido para a sala após se mudar por definitivo para o apartamento de . O rapaz a olhou de volta com o mesmo sorriso conquistador que carregava para todos os cantos. — Você sabe o que queria ser quando era criança?
— Oh… Sim, quero dizer, ele sempre quis se tornar policial. Mesmo depois que a mãe dele saiu de casa, ele tinha vários pôsteres de filmes desse tipo no quarto. Por que pergunta?
— Bom… Eu queria ajudá-lo da mesma forma que vocês fizeram por mim, sabe… Algum incentivo para fazer com que ele simplesmente supere o passado e vá atrás dos sonhos…
se assustou ao perceber o rosto do jovem se fechar. Era a primeira vez que a garota presenciava o rosto sério de . Viu-o suspirar fundo e olhar para o lado. A desesperança já tomava conta de seu corpo.
— Sabe, … Normalmente, eu acharia essa ideia incrível e seria a primeira pessoa a topar essa empreitada, mas… é mais complicado e cabeça dura do que parece. É a primeira vez que o vejo tão feliz em muitos anos, e não sei se quero arriscar a felicidade dele me intrometendo onde não sou chamado.
acenou com a cabeça e sorriu tristemente.
— Você acha que ele está feliz? — fitou as garrafas vazias no chão da sala. — Quero dizer, se a felicidade dele depende apenas de nossa relação e da distância criada entre ele e o pai… Eu não sinto que isto é felicidade. Eu não sei se ele está realmente feliz, porque o tempo todo sinto que falta algo. Não para mim, mas para ele. Estou no melhor momento da minha vida, tenho um namorado que amo e me ama de volta, o emprego dos sonhos e, finalmente, consigo visualizar algum futuro para minha vida. Mas não sei que tipo de futuro quer para ele…
— Não é como se eu não concordasse com você, , mas, acredite, assim como você, ele está vivendo o melhor momento da vida dele. — sorriu, triste.
A garota viu no olhar do amigo a dor de quem já estivera na mesma situação. Sabia que era o único elo que tinha com sua antiga vida e, por isso, também sabia o quanto eram próximos. Eram como irmãos, e acreditava que não haveria ninguém no mundo que conhecesse mais o seu namorado do que aquele rapaz que tomava os pequenos goles de cerveja em seu sofá. Abaixou a cabeça e concordou com um suspiro. Ainda não estava convencida, sentia o dever de fazer algo, mas não era capaz de dizer que estava errado ou apenas não queria interferir.
Naquela noite, deu-se por vencida.

(...)


— O diretor da galeria elogiou as fotos que tirei de você! — disse, sorrindo besta, enquanto lavava a louça do almoço. Sentiu os braços do namorado circularem sua cintura no mesmo instante em que ele escondia o nariz na curva do seu pescoço.
— Quais fotos? Só espero que eu esteja vestido nelas… — ele sussurrou, arrancando pequenas risadas da garota.
— Não se preocupe, a sua melhor versão é sem roupa. — ela comentou, dando de ombros. — Foram as fotos que tiramos ano passado no parque. Ele quer abrir uma exposição nova de fotografia e me convidou para expor algumas das minhas fotos.
— Uau, ! Isso é demais! — ele a soltou, e a garota largou as vasilhas na pia para se virar. Encarou com um sorriso aberto, mas evitou de abraçá-lo por estar com as mãos molhadas.
— Sim! É a oportunidade que sempre quis! — riu e o olhou com carinho. — E já que você estará presente como modelo… Pensei em te dar algo como retribuição.
— Uau, já estou curioso por isso. — riu e não percebeu o suspiro nervoso que deu. — O que é?
— Bom… Queria que, assim como eu, você realizasse seu sonho de infância… — as feições do rapaz se mudaram quase de imediato. — Eu fiquei sabendo que foi aberta as inscrições para o curso de oficiais da cidade. Claro, não fiz sua inscrição, mas consegui tudo o que é necessário, caso queira participar desse processo…
Os olhos dela não se desviaram nem um segundo do rosto de . Ainda assim, a garota não conseguiu decifrar as emoções do rapaz. O silêncio estarrecedor a incomodava, e ela teve que segurar o choro quando ele apenas se virou. Percebeu o suspiro que ele soltou pelo movimento suave das costas. Ele não se virou quando começou a falar.
, esse sonho… foi só um sonho imbecil de criança. Eu não quero e nem posso me tornar um policial, já desisti disso há muito tempo…
— Eu sinto muito, , mas… só não consigo entender por que eu sinto que você está tão preso à vida que vivemos agora…
Ela confessou, e aquelas palavras tão estranhas fizeram se virar para encará-la. Viu o cansaço e a tristeza estampados no rosto da fotógrafa e tentou não se importar demais, ou acabaria cedendo para qualquer coisa que ela dissesse. Ele amava mais do que tudo em sua vida, e aquelas palavras pareciam uma ameaça de destruição do melhor momento de sua vida.
— O que tem de errado com a nossa vida?
— Honestamente, , não há nada. Para mim, é o melhor momento que estou vivendo. Tudo parece ter saído diretamente de um livro de romance. Eu amo você, você me ama de volta, finalmente posso trabalhar com o que sempre sonhei. — ela disse com toda a sinceridade. — Mas a sensação que eu tenho é que enquanto minha vida se transforma e caminha para frente, você está parado lá trás, paralisado no passado, sem pensar em um futuro que podemos construir juntos como dois adultos. Eu sinto que tudo o que você faz é por mim, mas nada é por você. Você realmente quer trabalhar na loja de conveniência pelo resto da vida? Eu sei que sair de casa não foi fácil, mas, assim como você fez por mim, quero te dar a oportunidade de crescer e ter algo que é somente seu, um trabalho, um sonho, qualquer coisa!
— Uau… Você não pensou que eu também poderia estar vivendo o meu sonho agora, ? Finalmente estou longe do meu pai, não estou preso a ele, encontrei alguém com quem penso em passar o resto da vida. O que mais eu poderia querer?
— Tanta coisa, ! — gritou de volta. Talvez aquela fosse a primeira grande briga do casal, e nenhum dos dois sabia como reagir. — A sua vida não pode se resumir ao seu pai. Está na hora de construir seus próprios sonhos, suas próprias coisas e se esquecer de vez da vida que levava! Eu também penso em passar o resto da vida com você, mas como podemos fazer isso se você não quer sair do lugar?!
Naquele dia, as palavras dela soaram como tambores diretamente em seus ouvidos, ensurdecendo-os. A cabeça do rapaz doeu, e preferiu apenas se afastar com dois passos para trás. Virou as costas e saiu pela porta do apartamento, deixando a garota completamente sozinha com as poucas lágrimas que escorriam de seus olhos.

(...)


— Eu ainda não sei o que fazer, . — disse ao telefone. Ainda usava o avental do trabalho, apesar de ter passado do horário. Não queria ir para casa, mesmo sabendo que aquele era o melhor horário. Era madrugada, e ainda estaria dormindo quando chegasse. Fora assim durante os últimos dois dias que permaneceram brigados.
— O que achou das palavras dela? — A voz do amigo era cansada, praticamente exausta. se surpreendeu ao perceber que atendeu ao seu chamado desesperado no meio da noite.
— Acho que ela está certa. — disse em um suspiro longo. — Mas ainda não estou pronto para dizer isso a .
— E por que não está pronto? — A voz do rapaz era quase um gemido, e pensou que aquela era a melhor forma de conversar com . Seus melhores conselhos vinham na falta de sua sobriedade, ironicamente.
— Eu não sei… Não quero que as coisas mudem… — ele respondeu, olhando para o céu estrelado. Alguns segundos de silêncio se passaram até que ele ouvisse o suspiro profundo do amigo pelo telefone.
— Se ficar parado, as coisas irão mudar sem você, . — falou com o tom de voz ligeiramente lúcido. — Eu sou seu melhor amigo e, por isso, irei lhe dizer algo que jurei manter segredo: recebeu uma proposta do seu chefe para estudar fotografia em uma universidade em Luxemburgo, mas recusou, porque não poderia levar você com ela.
sentiu sua garganta apertar. Sequer conseguiu se despedir antes de correr para casa no meio da noite. Com a falta de ar queimando em seu peito e as pernas trêmulas, ele ainda tentou entrar em casa sem fazer barulho. Caminhou até o quarto onde dormia, os olhos cerrados, o corpo encolhido no canto. Aquela não parecia ser uma boa noite de sono, e ele se sentiu ainda mais culpado. notou que chorava apenas quando viu os pingos úmidos marcando os lençóis. Com cuidado, acariciou o cabelo da garota e respirou fundo, engolindo um engasgo.
— Como eu sou idiota… — ele sussurrou um pouco alto demais, mas logo tratou de calar a boca. Seus esforços foram inúteis ao notar os olhos abertos e assustados de em sua direção.
Amanhecia, e a luz fraca do sol começava a iluminar o quarto, mesmo com as cortinas muito bem fechadas. pensou que seria ótimo fotografar aquele momento, o rosto preocupado e ainda sonolento de iluminado pelo amarelo suave do amanhecer, que pintava todo o cômodo.
— O que houve? — ela levantou em um pulo e levou uma de suas mãos até o rosto do rapaz.
— Por que não me contou da proposta de estudar no exterior? — ele perguntou depois de tomar ar e limpar os vestígios de lágrimas, que ainda resistiam em sua face. Ainda que estivesse magoado, mantinha a expressão carinhosa de sempre.
te contou, não foi? — ela resmungou, se afastando. Virou o rosto envergonhado. — É por isso que estava chorando?
— Não, . Chorei porque você passou um sermão em mim por não ter sonhos enquanto você mesma abdicava do seu.
— Não seja tonto, … — respondeu em um suspiro longo. — Eu não abri mão do meu sonho. Continuarei sendo fotógrafa, e meu chefe insiste em expor minhas fotos na galeria.
disse que você recusou a proposta por minha causa. — o rapaz respondeu, ainda desconfiado.
entendeu errado. — se ajeitou na cama. Eencostou as costas na cabeceira enquanto esticava as pernas e repousava as mãos em suas coxas. — Não fiz por sua causa, eu fiz por mim. Eu disse ao meu chefe que não poderia ir se você não fosse, porque eu não quero ficar longe de você, porque preciso de você ao meu lado… Eu só quero que você viva o sonho que estou vivendo agora, ! Eu quero que você cresça como eu cresci, quero que você se torne um homem ainda mais admirável, assim como estou me tornando uma mulher incrível. E, mais do que nunca, eu quero que você não pense apenas em nós, mas também em você. Somos seres humanos e sempre seremos um pouco sozinhos, mesmo com pessoas maravilhosas ao nosso lado.
— Quer dizer que eu chorei à toa? — brincou com um suspiro baixo. Ouviu a garota rir e sabia que estava perdoado. Ainda assim, tinha que se retratar por ter sido um idiota. — Desculpe por ter brigado com você antes. Na verdade, eu não queria aceitar que estava certa. Sei que preciso dar um passo para frente, mas eu nunca me senti assim por ninguém antes. Não achei que poderia ter certeza de que alguém fosse capaz de me aceitar e me amar sem sequer saber quem eu sou ou quem eu fui. Mas você foi assim. Simplesmente não queria saber de todas as coisas da minha vida e também não queria mostrar as suas coisas para mim. Acho que me reconheci em você e por isso me apaixonei.
— Pois eu me apaixonei por você justamente por me encorajar a mudar e seguir os meus sonhos. E te amo mais todos os dias. — ela se virou para ele e pegou sua mão nas suas. — Quero que você se apaixone pela mulher que também irá te encorajar.
sorriu e se inclinou para beijá-la com a certeza de que já estava apaixonado pela tal mulher.
— Acho que já encontrei o meu sonho… — ele sussurrou ao fim.


Final

— É aqui. — disse ao motorista do táxi ao apontar a fachada brilhante do bar. Os letreiros coloridos escreviam em letras cursivas “The Dream Bar”. O rapaz riu quase escandalosamente.
Pagou o taxista e desceu, ajeitando o paletó antes de escancarar as portas do estabelecimento. O lugar era bonito, grande e bem iluminado, porém o que se destacava era a decoração colorida, intensa e artística. podia dizer com todas as palavras que era a responsável por todos os detalhes estéticos, mesmo que o empreendimento fosse de . O rapaz também notou que o lugar estava consideravelmente cheio para o primeiro dia de funcionamento. Pessoas sentadas às mesas, casais jogando no pequeno fliperama montado em uma sala um pouco isolada e um grupo pequeno de pessoas, que admiravam um corredor de fotografias. estava em pé explicando cada detalhe de suas próprias obras de arte. Pensou em ir cumprimentá-la, mas percebeu que o aguardava atrás do balcão com um sorriso no rosto.
— Olha só se não é o mais novo empresário de sucesso da região. — brincou enquanto se aproximava do melhor amigo.
— Não diria isso tão cedo… — riu, envergonhado, mas não escapava a ninguém o brilho de seus olhos e o reluzir de seu sorriso.
— Você conseguiu, ! Realizou o seu sonho!
— Há cinco anos, eu nem sabia que construir isso tudo seria o meu sonho. — respondeu enquanto olhava em volta. Ainda não podia acreditar que tinha aberto o bar.
Naquela manhã, após correr para casa e chorar feito um idiota, desejou que as pessoas pudessem encontrar um lugar para realizar seus sonhos, conversar sobre eles ou apenas sonhar. Mais tarde, escreveu em um caderno antigo o projeto de montar uma galeria onde poderia fotografar e expor suas obras, mas aquilo não poderia ser seu sonho. Ainda era ligado demais a e, mesmo que quisesse sua presença em cada pedaço do projeto, ainda haveria de fazer algo seu. Então, pensou em um bar. Um local agradável e inspirador que pudesse fazer com que as pessoas sonhassem mais.
Decidiu manter um corredor para exposição de jovens artistas e pensou em uma sala de jogos para aqueles que apenas queriam fugir da realidade e viver em fantasia um pouco mais. O salão principal seria o lugar de encontros, de conversas e de comunhão. Um lugar que acolhesse bem todos aqueles que precisassem de um empurrãozinho para dar o primeiro passo rumo ao resto de suas vidas.
— Tudo o que importa agora é que você conseguiu! — respondeu com um tapinha nas costas. — Você cresceu, . É um homem casado, dono da própria vida. Esse é o recomeço que sempre mereceu.
— Obrigado, ! — sorriu sincero e abraçou o amigo pelo ombro em uma de suas raras demonstrações de afeto.
! Que bom que está aqui! — A voz de ressoou por detrás dos dois homens. — Desculpe por atrapalhar o momento de vocês.
A garota estava linda e arrancava olhares por onde passava. Ainda assim, qualquer um podia ver que ela só tinha olhos para uma só pessoa. se aproximou de apenas para enlaçar a sua mão na dele.
— Minha querida , você nunca atrapalha. A propósito, está encantadora! — disse, pegando a mão esquerda da garota. Reparou no anel de casamento, que reluzia em seu dedo, e sorriu, se lembrando do desespero de para comprá-lo. Deu um beijo suave na mão da mulher apenas para encarar a face enciumada do melhor amigo. Sorriu de lado. — Você também está de parabéns pela decoração, ficou incrível!
— Obrigada! Você sabe que não tem nenhuma veia artística além desse rosto de modelo. — respondeu com risadas baixas.
— Hey, ! Por que não aproveita para deixar de cantar minha esposa e arrumar uma namorada para você? — disse em tom de brincadeira, mesmo que seu rosto estivesse sério.
— Só por hoje, vou seguir o seu conselho, meu amigo. — deu uma piscadela para e se virou de volta para o salão.
— Será que ele irá mudar um dia? — disse, entre um suspiro e uma risada frouxa.
— Sinceramente, espero que não. — confessou, trazendo a esposa para mais perto. Abraçou-a por trás e colocou o queixo encostado em um de seus ombros.
— Como está se sentindo? — ela perguntou enquanto olhava a movimentação do bar. Reparou em um jovem casal sentado em um dos cantos. Seus olhares tímidos escondiam sentimentos, sonhos e desejos que queria presenciar na vida de qualquer pessoa.
— Realizado e, ao mesmo tempo, inspirado. — ele respondeu, estreitando o abraço. — Este é apenas um de meus sonhos. Estamos apenas começando.
— Tem razão. — ela afirmou. — Estamos apenas começando.


Fim



Nota da autora: Olá pessoinhas lindas! Muito obrigada por lerem! Esse ficstape foi um desafio muito grande que, felizmente, consegui concluir com muito amor no coração. Estou em uma vibe de "problemas da vida real" e essa fic reflete um pouco das questões que tenho pensado e enfrentado ultimamente. Espero que gostem!

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


comments powered by Disqus