Capítulo Único
Carta no. 1
De:
Para:
23 de setembro de 2010
À ,
Para começar: desculpa por isso.
Eu não sei como começar para início de conversar. É a primeira carta que escrevo desde a escola, e você sabe melhor do que eu como não sou bom com essas coisas. Parece que estou enrolando, mas não é isso. Estou escrevendo à caneta, é a quarta vez que tento – desta vez, é a última.
Hoje é o vigésimo quarto dia que você não dorme ao meu lado. Não me acostumei com isso ainda e nem pretendo, porque, sei lá, por dentro eu acredito que seja só uma fase. Comecei a estranhar sua ausência na segunda semana, que foi coincidentemente o dia que eu te vi no parque fazendo uma caminhada com o Pingo. Lembrei que você sempre amou caminhadas matinais, e eu sempre fui muito preguiçoso para levantar da cama e acompanhá-la... Disso, eu me arrependi no momento em que te vi tão animada e feliz naquele parque, seu sorriso leve não se abalava nem pelo mau humor do cachorro da sua mãe.
Durante esses dias longe de você, tentei fazer uma lista de todas as coisas (que me lembrei, você sabe como minha memoria é pior que a de um peixe...) que eu precisaria mudar para que pudéssemos viver melhor. Mesmo que eu tentasse fugir, tinha alguma coisa ou alguém que me lembrava, como o porteiro que telefonou na primeira terça-feira perguntando se você não havia se esquecido de descer o lixo separado. Primeiro item da lista: vou separar o lixo reciclável do não reciclável. Eu nem consegui contar para ele que você não estava mais dormindo aqui.
Aliás, até para minha mãe eu não sabia como contar. Ela me ligou na segunda semana me xingando de tudo o quanto era nome, porque tinha falado com você e eu era um tremendo idiota, que só entraria na casa dela quando resolvesse “a porra dessa bagunça”. Não discordo dela. Sempre fui um idiota dos bons. E te confesso que não sei como arrumar essa bagunça, . Sei que pode ser tarde demais, sei que você não quer saber de mim no momento, mas eu não consigo parar de pensar em você. Também sei que você pode me dizer “por que não pensou em mim antes?” e eu estremeço só de imaginar em te ver novamente. Encaro qualquer pergunta, te conto toda a verdade, se eu puder vê-la o mais rápido possível.
Tudo bem. Esta carta tem um propósito. Já tentei ligar no seu celular, na casa dos seus pais, na sua irmã, no seu trabalho e também tentei contato pela Mel e a Rita – a Rita me deu conselhos por cerca de três horas, agradeça a ela por mim quando puder.
Não sei falar sobre meus sentimentos, então espero que você entenda que eu estou escrevendo isso por pura necessidade. Meu orgulho está ferido, meu ego ainda mais. Talvez você não acredite em mim, mas é a verdade. Você sabe que eu falo pouco, mas que você consegue arrancar de mim os meus sentimentos mais puros. Meus receios, meus desapontamentos, minhas paranoias. Erámos (eu ainda acho que somos) uma mão de via dupla: você fala e eu te escuto; você me escuta e eu falo. Lembra dos nossos juramentos de não julgar antes de viver o dia do outro? Me desculpa quando eu quebrei esse juramento. Eu me sinto um merda, e admito, mesmo que isso não faça diferença alguma agora.
Só não queira que você se sentisse mal. Parece que é ego meu, por eu ter sido a causa desse mal, mas até se fosse outro alguém, eu não quero que ninguém lhe faça mal. Infelizmente terei de falar de mim, ser egoísta ainda mais, nesta carta, até porque uma das minhas esperanças é receber outra em resposta. Quero saber como você está através de você, da sua voz ou das suas palavras. Entendo que é pedir muito, , mas me tire essa angústia.
O motivo de eu estar tentando me comunicar com você novamente se dá por vários motivos. Um deles é que na primeira noite em que você voltou para a casa dos seus pais, eu não consegui pregar os olhos. Qualquer detalhe me incomodava. Eu não senti de fato culpa naquele dia, nem nada parecido, só fiquei me sentindo extremamente solitária e pensando o quanto você havia sido machucada por mim. Acredite, fui inconsequente, eu não queria ter feito você se sentir tão mal.
Nesta noite, não chorei nem me emocionei mais. Apenas me senti só e cansado. Talvez cansado pela discussão, mental e emocionalmente. Mas não consegui dormir, nem me deitar. Meus pensamentos passavam por mim e eu não conseguia me concentrar em nada. Foi estranho. Eu fiquei sentado na cama, encostado na parede o tempo inteiro. Não senti a sua falta na primeira noite, porque não senti nada literalmente. Parecia que eu não havia entendido. Até hoje me questiono se entendi de verdade o que aconteceu.
Foi no oitavo dia, num sábado a tarde que eu me senti perturbado com aquela situação. Que eu realmente senti sua falta. Era sábado, o dia em que você geralmente estava em espetáculo, o dia em que a gente costumava sair para comemorar junto com seus amigos do teatro e meus amigos da faculdade. Foi o primeiro sábado que eu voltara direto do escritório para a casa e não tinha nada programado – eu nem fiz questão de deixar o celular ligado, meus (e nossos...) amigos tentaram me animar durante toda a semana, mas o sábado estava terrível. E eu precisava sentir daquilo também.
E senti. Pode crer que eu senti. Nunca chorei tanto num sábado como naquele. Eu acho que nunca havia chorado num sábado à noite, inclusive. Um choro que começou silencioso, calmo, mas que ganhou intensidade de uma maneira que fiquei assustado. Chorei de soluçar, quase fiquei sem ar.
Era o sábado que comemoraríamos a promoção da minha chefe, em uma pizzaria no centro da cidade. Quando o Hariel, aquele cara do TI, me ligou no telefone fixo um pouco depois das 21h perguntando se eu não iria mesmo, meu mundo desabou. Eu fiquei com saudade da sua mania de comer as bordas das minhas fatias de pizza, me lembrei de como no início do terceiro ano a turma se reunia para fazer pizzas às quintas-feiras e quando, numa dessas quintas, demos nosso primeiro beijo.
Tentei dormir naquela noite, mas não deu muito certo. Telefonei para a casa dos seus pais às 23:45 e seu pai me disse que você tinha saído e que estava tudo bem, mas eu não poderia falar com você e que, mesmo com tudo o que tinha acontecido, infelizmente não era por ele. Ainda assim, insisti e pedi para que, quando você voltasse, viesse para a nossa casa porque eu estava te esperando. Ele disse que daria o recado e me mandou descansar a mente. Eu entendi que você não queria falar comigo, mas eu não conseguia parar de chorar. Não estava reagindo bem ao ficar sem ouvir sua voz por mais de uma semana. Voltei para a cama, minhas lágrimas molhando parte do travesseiro.
Fiquei esperando seu retorno. Uma ligação ou o emperrar da sua chave na porta, como de costume. Mas... nada.
Você não voltou para casa naquela noite. Às 3 da manhã, exausto e com o rosto encharcado das lágrimas num estado semi seco, despertei com os latidos do cão do vizinho do andar debaixo. Nem consegui xingá-lo, porque sabia que você não estava ali para dizer “, que culpa tem o cachorro com saudades do seu dono?” e eu não teria como culpar o vizinho que chegava da balada.
O cão latiu por uns dois minutos e estiquei o corpo, cansado. Minhas emoções mexiam com a minha cabeça, que latejava de dor àquela hora. Comecei a chorar e não conseguia parar. Corri para o banheiro e reparei no espelho que meu rosto ainda estava inchado. Abatido, como um reflexo de minha depressão pela madrugada.
Depois daquela noite, todas as noites antes de dormir, eu tenho de me esforçar para não chorar ao não ter seu corpo ao lado do meu. É estranho como uma hora essa sensação nos pega de verdade. Talvez você tenha sentido ela antes de mim, e eu me questiono como não percebi, ou como você não quis me contar.
Não estou escrevendo para que volte a dormir comigo, que volte para a casa ou que me esqueça tudo o que aconteceu. Só escrevo para que saiba que eu estou sentindo essa coisa e que não desejo para ninguém. Você faz falta. Apenas saiba que estou pensando em você ainda, que estou disposto a mudar o rumo das coisas.
Apenas saiba disso e me responda. Você pode rasgar isso aqui e seguir em frente, mas só me diga que está bem.
Não sabia como isso era horrível. Hoje é a vigésima quarta noite que durmo longe de você e que não escuto sua voz. Estou contando para ver se passa, mas parece que só piora... Já vejo o meu fantasma em meu interior.
Desculpe mais uma vez, eu não quis te deixar só.
Com amor e toda a culpa,
.
Carta no. 2
De:
Para:
7 de outubro de 2010
Querida ,
Devo me desculpar novamente pelo incômodo. Eu encontrei com a sua irmã no mercado na semana que enviei a primeira carta e ela disse que chegou até você. Perguntei se você tinha lido e ela não pode responder. “Sigilo absoluto sobre e lá em casa, me perdoa”, ela disse daquele jeitinho fofo dela. Os olhos dela se marejaram quando começamos a conversar e em menos de dez minutos, estávamos eu e ela chorando no meio do mercado. Ela me tranquilizou e disse que você está bem, o que me acalmou um pouco. Não perguntei se eu poderia mandar mais cartas para você, mas sinto que preciso te falar mais.
Eu meio que estou gritando e torcendo para que você me escute. Sei que não vou conseguir expressar tudo o que eu tenho (talvez eu nem conseguisse falar nada na sua frente) para te dizer. Mas só preciso desabafar.
Prometo ser mais direto nesta carta. Você já deve estar cansada.
Me assusta te imaginar com outro alguém. Sei que sou egoísta, que não tenho maturidade, que sou um tremendo babaca. Provavelmente você não vai querer acreditar também, mas não me relacionei com ninguém desde o dia que você voltou para a casa dos seus pais. Quando conversei com a sua irmã no mercado, perguntei se você estava sozinha e ela me deu uma bronca, que eu entendi perfeitamente o argumento que você usava quando dizia “ e o seu próprio umbigo estão controlando a situação”. Eu sei que vai acontecer: você é linda demais, sempre simpática e sorridente, sabe como melhorar o dia de qualquer pessoa e é muito verdadeira.
Mas, ao mesmo tempo, pense comigo: como vou imaginar a mulher que amo com outro alguém?
Eu não quero, isso acaba comigo. Se tem uma palavra que pode me resumir desde a manhã que te vi no parque com o Pingo, aquela última vez, é “acabado”. Me entenda, por favor, parece que seu sorriso e toda sua leveza são coisas negativas eu lhe dizendo assim, mas não é isso. O que acaba comigo é estarmos separados e o fato de você não voltar para a casa.
Chego todos os dias no mesmo horário e quando dá onze da noite ainda estou acordado, esperando sua ligação para que eu possa te buscar no teatro. Quase por impulso, muitas vezes tive de cancelar a chamada para o seu celular. Me desculpe se deixei recado (vazio) na sua caixa postal, duas ou três vezes.
Decidi começar aquele curso de francês aos sábados. Aquele que a gente viu faz uns três meses... Começo semana que vem – você deve estar se perguntando “e daí? O que eu tenho a ver?”, mas sei lá. Só sinto falta de compartilhar as coisas com você. Aliás, um adendo àquela lista, para quando você voltar...
Segundo item da lista: vou te esperar para dormir. Eu me preocupo com você, tudo bem que agora você não quer saber, nem me ouvir. Sei que errei. Tenho que me desculpar por todas as vezes que dormir antes de você chegar; você sai tão tarde do curso e às vezes, eu ficava ressentido por você não estar ali e não te esperava como de costume, o que é ridículo de minha parte, eu sei. E eu me desculpo por isso também.
Terceiro item da lista: vamos voltar a contar sobre nossos dias. Isso era tão saudável. Eu fui tão idiota quando comecei a ser frio e não me importar mais com esses momentos, que mesmo que fossem rápidos, eram importantes demais. Sinto muito se fiz você se recuar e ocultar seus sentimentos.
Lembra aquela agenda de anotações que você me deu no meu aniversário? Comecei a usá-la, toda vez que não consigo dormir. A sua dedicatória “isto é um espaço do , para todos os pensamentos que correrem por sua mente e para seu alívio”. Já passei da página 20.
São para todos os meus pensamentos... Mas não há uma página que seu nome não esteja. Parece que todos os meus pensamentos são seus.
Será que você pensa em mim também? O que será que você pensa sobre mim? E se pensar ainda sobre mim, o que há por trás desse pensamento? O que há por trás de você?
Eu volto a pensar naquele dia que você saiu pela porta do nosso apartamento e, eu não havia me tocado, mas parece que levou parte de mim embora também. Uma parte boa e grande de mim. Ainda assim, custo a querer pensar sobre o fim. Talvez, quando você ler esta carta, se quiser, pode se lembrar do meu aniversário e da agenda de anotações. Eu estou fazendo isso bem agora.
A saudade não me deixa dormir direito. Nem os meus pensamentos que voam até você.
Vê se volta logo para casa, .
Com amor e um pouco de esperança,
.
Carta no. 3
De:
Para:
19 de novembro de 2010
Saudosa ,
Me sinto péssimo por ter ido até a casa de seus pais naquela noite.
Eu estava farto, tão farto de tudo que não respeitei sua decisão. Você falou com todas as letras que eu precisava te deixar em paz. Não há paz em mim, . Eu sei que não justifica eu querer tirar a sua paz, mas... Porra, eu me sinto péssimo.
Me perdoa.
Não sei mais como te pedir desculpas. Nem sei se você aceitou alguma delas.
Na noite em que fui até a casa dos seus pais e você disse que não podia mais me ver, eu só consegui insistir. Sei que foi errado, sei que eu não deveria. Mas foi o que eu fiz. Só o que eu pude pensar no momento.
Por que você não podia mais me ver? Por quê? Na minha cabeça, naquela hora, foi porque ainda existia alguma coisa. Precisamos resolver essa coisa toda, essa bagunça que a minha mãe disse que eu preciso arrumar antes para poder entrar na casa dela de novo. Eu mexo com você em algum aspecto, é algo mais forte do que você também. Eu acho. Eu senti naquela hora que você desviou o olhar de mim e me mandou ir embora. Só que agora eu não sei. Não tenho certeza.
Às vezes, eu acho que a minha mente me sabota. Você pode mesmo ter me esquecido e seguido em frente. Não é a coisa mais difícil do mundo também. Por um lado, eu acredito que você esteja bem e que, sim, acabou; por outro, eu acho que, assim como eu, você ainda sente alguma coisa e é por isso que foge quando eu te procuro. De qualquer jeito, você está certa e eu estou errado. Eu entendi: desde o começo eu estou errado. Minhas ações e meu comportamento já demonstraram mais do que eu queria. E é isso.
Mas as minhas emoções me derrubam. Eu te juro. Por fora, as pessoas até comentam que estou conseguindo lidar bem com a separação, que eu logo, logo vou ter voltado ao normal e que estou no caminho certo. Isso tudo é superficial. Eu sinto vontade de gritar quando me dizem isso. Mas o máximo que eu faço é forçar um meio sorriso amarelo ou assentir com a cabeça.
Você estava certa também quando falava que eu preciso ser eu mesmo. Vou tentar. Saiba que você faz diferença nos meus dias – estou dizendo por que realmente é isso, confesso que eu preferia que não.
Vou te atuar sobre algumas coisas. Por exemplo, desisti do curso de francês; não sirvo para algo com tarefas e compromissos, não consegui acompanhar. Desculpe desapontar você nesse quesito também. Quem sabe mais para frente eu volte.
Tentei deixar de fumar por uma semana. O máximo que consegui foi ficar sem durante três dias. Foi uma vitória, mas nesse meio, assisti ao filme O Guarda-Costas, o seu preferido. Desatei a chorar na cena que a irmã dela conta a verdade e fumei um cigarro. Ou seja, não parei de fumar também. Espero que mais pra frente eu tente de novo, seria muito bom. Lembro a primeira vez que você me viu fumando e disse que seu sonho naquela noite era que as pessoas pararem de fumar, e eu retruquei, dizendo que meu sonho naquela noite era que você aceitasse sair para comer um dogão comigo – você aceitou e ali a gente passou a tentar rear um sonho a cada semana. Nós reamos vários.
Para finar: ainda não consigo dormir. Chego a dormir cerca de três horas por noite, mais por cansaço mesmo. Eu não te culpo. Cada dia que passa, compreendo minhas falhas com mais evidência.
Você ainda mora em meus pensamentos. Durante o trabalho, durante a manhã, durante o jantar. E principalmente durante a madrugada, quando a solidão me domina com maior facilidade, eu penso em você.
Às vezes, eu tenho certeza que a minha mente me sabota. E no meio da noite que eu acordo, sentindo o meu rosto molhado. São as lágrimas. Eu estou chorando, é madrugada quase sempre. Eu estou chorando e eu não sei o por que. Todos me dizem que você está bem, que eu vou ficar bem. Que coisas assim acontecem, mas eu quero é entender como chegamos a esse ponto. É por isso que eu choro, eu acho, porque eu não entendo como chegamos a esse ponto. E eu não consigo parar, não consigo parar. Eu penso em todos os sonhos que tínhamos e me pergunto como deixei isso escapar? Todas as coisas que queríamos fazer juntos... Eu durmo e acordo me perguntando se você ainda se lembra, se pensa sobre isso ou sobre mim.
Seus olhos me vêm. No meio da noite.
E eu sinto calafrios. Eu sinto vontade de te ver, de ter seus olhos a centímetros do meu rosto. Eu sinto vontade de você.
Eu sinto saudade.
Não consigo mais negar. Não consigo me redimir. Não consigo enfiar na minha cabeça que você se foi. Que você não quer mais saber de mim. Que você disse – na verdade, que você gritou – para que eu não voltasse a te procurar.
Nunca mais.
E desde aquele último dia eu sonho com você, quando eu consigo dormir. Pregar os olhos é tão difícil, porque eu não sou capaz de esquecer. Eu volto e volto... Suas lembranças me invadem, sua grandeza expõe minha pequenez e seus olhos me vêm.
Não aceito. Por mais responsável que eu seja de toda a situação. Não aceito que você me deixou só, que se foi e não olhou para trás. Eu entendo e tento continuar. Mas é mais forte do que eu: não posso começar a te esquecer; não, se toda vez que fecho meus olhos, seus olhos me vêm.
É isso. Eu me alimento de ilusões, de lembranças e de uma falsa esperança de que, um dia, vou conseguir resolver tudo e te ter por perto também. Sei lá, eu só estou viajando... A minha mente me sabota.
Não tenho mais coragem de pedir para você voltar. Mas, de coração, espero que esteja bem.
Continuo pensando em você.
Com amor e pouca dignidade,
.
Carta no. 4
De:
Para:
29 de maio de 2011
Feliz nova estação de ano, ,
Eu até pensei em me desculpar pela ausência das cartas. Como se você tivesse chegado a ler. Não tem problema, você anda muito ocupada e eu acho isso bom. Estou escrevendo de novo, e dessa vez tenho muita coisa para te dizer, então me desculpe se ficar muito grande.
Para começar, tenho que dizer o quanto é estranho não passar seu aniversário com você. Os últimos três anos nós passamos juntos. Corta o meu coração pensar que logo será o meu e provavelmente não estaremos juntos também. Mesmo assim, eu espero que tenha recebido meu cartão de feliz aniversário no dia e a mensagem de texto. Sua irmã fez a gentileza de passar seu novo número e eu prometi que não ligaria nem nada, apenas enviaria o SMS e pronto. Foi o que eu fiz. Ando cumprindo com minhas palavras, viu...?
Se você não recebeu meu cartão e minha mensagem de texto: espero que tenha tido um bom aniversário, eu desejo, do fundo do coração, que todos os seus sonhos se realizem e você seja muito feliz.
Queria que você estivesse por perto.
Eu queria acertar.
De todo jeito, eu queria acertar.
Queria que você estivesse comigo naquela tarde ruim depois do trabalho, em que eu não conseguia tirar você da minha cabeça. Eu tentava e tentei mesmo, com firmeza, mas era tão forte. Seu sorriso despertava as melhores lembranças da época da faculdade, da época do primeiro emprego, de mais da metade das duas décadas da minha vida. Tudo. Exatamente tudo que me lembrava de bom, tinha algum toque seu. Se não fosse diretamente, havia alguma referência como indireta. A maior parte delas eram situações simples. Como aquele nosso concurso de assobio no meio da loja de lingeries, como aquele dia vendemos mais de cem brigadeiros para ajudar aquela ONG de gatinhos abandonados da sua prima, que tanto nos enchera o saco – e depois enchera nossos olhos de lágrimas, quando ela nos mostrou um gatinho ruivo que havia chegado todo machucado, mas agora teria uma família.
Estou bem. Quase perdi meu emprego, mas me recuperei. Tudo aconteceu tão rápido que eu mal tive tempo para digerir. Faz mais de oito meses que não estamos mais juntos... Me perdi no tempo muitas vezes nesse período, mas hoje entendo que estar longe às vezes é o mais saudável mesmo. Não acredito ainda que tenha sido o melhor para mim, realmente não soube como terminar de uma maneira boa.
Não sei se términos definitivamente têm algo de bom. Alguém sempre sai com o coração partido. Parece que sempre há um resto de alguma coisa; de alguma lembrança, de alguma chama, de algum sentimento.
Me pergunto: qual seria o seu resto? Ou restos?
Oito meses sem sua presença constante em minha vida. Eu nem acredito que estou escrevendo isso. Meus amigos me consolam, os nossos amigos em comum tentam evitar o assunto. Mas, no fundo, todo mundo sabe que eu ainda não superei. Outra coisa que eu pensei bastante foi a cerca desse “ainda” que parece nunca chegar. Não que eu espere... Eles costumam me alertar para não esperar por toda uma vida você de volta, que talvez – eu acho tão legal da parte deles, quando se lembram de usar hipóteses (‘e se’, ‘talvez’...) para que eu não fique magoado – as coisas precisavam acontecer.
Uma vez, no início do ano, o Luigi do teatro foi beber cerveja com o pessoal e comigo depois do expediente. Ele começou a falar de você e de todo mundo do teatro, falou e falou. Contou que você e aquela menina dos cabelos ruivos cacheados estavam tendo um relacionamento casual e que faziam um casal adorável. Ele disse: “elas são mulheres talentosas, fazem um casal adorável” e quando me olhou na mesa, ficou vermelho. Eu assenti e dei uma risadinha, dizendo que estava tudo bem. Não estava nada bem, era claro, mas eu consegui me manter na mesa por mais meia hora.
Chorei no banheiro, embora estivesse feliz. Aquela menina dos cabelos ruivos cacheados era uma pessoa muito boa e você merecia alguém que se importasse com você e que lhe desse amor.
O Luigi me telefonou, uns três ou quatro dias depois, tentando me consolar. Disse que não era nada sério, que você não estava namorando com ela e que o que importava era sua felicidade. Eu concordei. Desabafei durante uns quinze minutos com ele no telefone, praticamente um desconhecido. Depois desse dia, passei a me comportar de maneira mais discreta. Já estávamos, eu e você, separados há seis meses, eu tinha de seguir em frente.
Não procurei ninguém – não que isso mude algum fato. Mas me sinto bem. Dormi com uma menina nesses últimos meses e ela sabe de toda a situação. Na primeira vez que ficamos juntos, no dia seguinte eu chorei muito durante o café da manhã e ela ficou me dando força. Nós somos bons amigos, mas não conseguimos dormir mais do que três vezes. Ela sempre me diz para voltar a escrever para você.
Minha terapeuta também me aconselha isto. Ah, não te contei. Faz dois meses que estou fazendo terapia, é muito bom. Comecei não por causa de nós, mas pelo emprego. A rotina de escritório realmente me estressava – você, mais uma vez, tinha toda a razão. Aos poucos, tudo está se encaixando. Na terapia, a gente trabalha algumas coisas do passado, e lógico, é normal que você esteja presente ali.
Aliás, estou desviando do assunto. Estou escrevendo por quatro motivos. Na verdade, quatro causas – praticamente as Quatro Causas de Aristóteles... Ou Platão?! Não lembro, você sempre foi melhor em humanas do que eu.
São quatro pontos que se acentuaram quando você saiu da minha vida. Se um dia você ler essa carta e puder pensar sobre, na sua versão, faça. Parece que funciona mesmo.
Lágrimas. É o primeiro ponto que foi acentuado. As lágrimas não eram explicadas simplesmente por sua ausência. Por trás das minhas lágrimas há diversos motivos. Às vezes para meu próprio alívio, às vezes por pura angústia. No meio da noite, no meio do expediente, no meio da rua. Elas vinham de qualquer forma: na miúda, devargarinho, aquele choro com calma e leveza; intensas, fortes, de soluçar. Foi a melhor forma que consegui para lidar com a dor que não entendia.
Fragilidade. Uma característica minha que eu não havia percebido por si. Fragilidade não é ser exatamente fraco. Não fui fraco nesses meses, nem nos primeiros dias. Tentei resistir muito e te respeitar – salvo algumas falhas, que já me desculpei e se necessário, me desculpo de novo –, mas fiquei fragido. Ter você longe de mim me causou certa fragilidade. Eu precisava pensar com cautela, qualquer lembrança mais forte e intensa me deixava mal. Percebi uma sensibilidade tremenda. Isso não foi ruim. Senti a flor da pele. Por trás de toda aquela fragilidade, eu tentava me manter em pé, e não menosprezar meu sentimento que ainda restava.
Adeus. Eu definitivamente não quis dar um último adeus. Não achei e até hoje não acho necessário. Talvez eu esteja ressentido. Talvez eu não queira aceitar que você não precisa mais de mim em sua vida. Talvez seja meu ego. Eu não gosto de pensar da última vez que nós nos despedimos. Não gosto de lembrar. Até porque não é assim que quero me lembrar de você. Por trás do último adeus, eu tenho medo. Tenho tanto medo, é que não entendo o que foi que eu fiz que te fez tão mal. Tenho medo porque me assusta imaginar que nunca mais você vai querer me ver.
Quando o amor acaba. Da minha parte, ainda não houve um fim. Mas uma parte dele se foi. Eu sei que sim. Você disse, uma vez, quando apareci do nada na casa dos seus pais: “não dá pra falar com você, acabou”. As palavras se repetiam em minha mente. Ecoavam. Sua voz gritava, gritava. Você de verdade não gritou, mas na minha cabeça soava como um grito. Um grito alto que me atormentavam ainda mais. Naquela hora as palavras soaram tão frias, mas ao mesmo tempo tão sinceras. Acabou. Você me disse e deixou claro. Mas eu sei lá... Às vezes é foda. Já passaram oito meses, mas de vez em quando é foda.
Oito meses, e eu sobrevivi. Eu me perguntava mentalmente se aquilo poderia ser real. Se tudo o que vivemos não foi apenas impressão minha.
Guardo tudo com tremendo carinho. Minha mãe me ajudou a colocar o resto das suas coisas que estavam lá em casa dentro de algumas caixas. Ela me deixou entrar na casa dela, sim. Acho que ela ficou com um pouco de dó, no final das contas. Mas ambos acreditamos que ainda há muita bagunça para reparar.
Vi um espetáculo de vocês mês passado. Saí antes do final da peça, de propósito, para não causar constrangimento. Você estava ótima. A sua irmã me arrumou um lugarzinho discreto. Eu estava com muitas saudades de assistir alguma atuação sua, fiquei fascinado. Você está cada vez melhor, não tenho dúvidas de que você nasceu mesmo para isso. E espero que você também não tenha mais dúvida.
Sinto sua falta. Das nossas conversas, dos nossos sonhos e de nossos corpos próximos e quentes antes de dormir.
Sei que isso vai passar. Aos poucos, a dor vai amenizando. De vez em quando ela aperta e é difícil, mas eu estou conseguindo lidar. Penso em você ainda, saiba disso. E te desejo toda a luz. Você foi a melhor coisa desde que eu te conheci. Gostaria de ter te dito (e percebido também) antes.
Ainda amo você.
Amo você e não sei o que fazer com isso.
Com amor e muita saudade,
.
Carta no. 5
De:
Para:
24 de junho de 2012
Querido ,
Espero que se lembre de mim.
Minha irmã não jogou suas cartas fora, mesmo que no início eu tenha pedido que ela fizesse tal coisa. Eu pedi porque não queria recair. Houve um tempo que consegui. Eu chegava a tropeçar, a cair, mas me levantava com rapidez.
Como eu achei essas cartas? Minha irmã é desorganizada demais, você deve se lembrar. Um dia arrumando a casa, eu as achei. Guardei por muitos meses, porque qualquer lembrança de ti já bastava para uma possível recaída. Resisti.
Li todas elas hoje. De uma vez. Pois escutei aquela música que você gravou para mim no nosso primeiro aniversário de namoro. Erámos tão novinhos. Você escrevia tão bem, transformava os versos em verdadeiras obras-primas.
Hoje foi a primeira vez que chorei ao me lembrar de você. Chorei pela primeira vez porque foi a primeira vez que me permiti lembrar você.
Não vou voltar para a casa tão cedo. Não vou esquecer tudo de uma vez e correr para os seus braços. Não vou jogar tudo para o alto.
Mas ainda amo você também. Não posso te dizer que nada mudou, ao contrário, tudo mudou. Eu mudei. Anos se passaram. E você com certeza também mudou. Somos outras pessoas. Vivemos outros ares. Mas há algo que nos conecta ainda... Eu não sei o que há por trás disso, mas sei que existe.
Vou ser breve com você. Apenas quero que se lembre. Parece que, pelo que li nas cartas, minhas lembranças perseguem você. Hoje aconteceu comigo. Suas lembranças acabaram comigo e eu precisei reagir e escrever para você. Pode ser que para uma última vez, ou para uma primeira.
Quem sabe?
Minha sombra sobre a parede, até mesmo dela desconfio. Então, te peço calma. Leia minha carta, mas não aja por impulso.
Dia 29 de agosto, 2010. O dia de nossa primeira e última briga. As mensagens das mulheres no seu celular, a sua falta de sentimento em nosso relacionamento, suas saídas, traições e mentiras constantes. Eu desabei naquele dia. Juro que não planejei. Eu pensei em terminar com você, mas fizemos amor durante a noite, era um domingo quente e bonito, e eu não consegui te deixar no dia seguinte. Confiei que conseguiria te amar, apesar dos apesares.
Dia 31 de agosto, 2010. Dois dias depois de uma de nossas melhores noites de amor. Mandei uma mensagem no seu celular e esperei; na mensagem eu disse que queria muito conversar com você, falar do que eu sentia pelo para o . Pedi para que você viesse direto para casa, eu não teria aula naquela noite e havia preparado um jantar para nós. Treinei minha declaração do amor umas quatro vezes em frente ao espelho, toda vez mudando em algum detalhe o finalzinho. Comprei pipoca para fazer, aluguei dois filmes e coloquei um engradado de cerveja no congelador. Eu estava disposta a me declarar para ti, a mudar o rumo de nossas vidas e te convidar para entrar nessa viagem comigo.
“Não posso. Noite com amigos. Se divirta, amor”, você me mandou, dez para as nove da noite. Meu coração se partiu. Não era noite com amigos, porque eu acabara de passar no seu escritório e você havia saído mais cedo. Havia saído mais cedo acompanhado da nova estagiária. Eu nem quis saber do resto, .
Você se lembra do que eu respondi?
“Entendi”.
“Entendi” foi a última coisa que te mandei naquele dia que você se recusou a me ouvir. Falta de tempo, muito compromisso, noite com amigos. Você estava tão ocupado que eu já não cabia nos seus afazeres, no seu dia a dia. Bem a verdade aqui está: não entendi nada, e já fazia um tempo que eu não entendia. Eu te disse que entendi porque não sabia mais como responder a sua falta de correspondência. E foi por isso que decidi ir embora.
Não sei como chegamos aqui, mas eu sei que não foi um mal entendido – a Felippa, a menina dos cachos ruivos com quem eu me relacionei por uns meses no ano passado, foi atrás da tal estagiária e ela confessou que vocês ficaram juntos. Mesmo que tivesse sido só aquela vez, isso não fazia diferença, você sabe o quanto eu era aberta com isso. O problema foi que em algum momento nós nos perdemos. A conexão já não era a mesma. Você também sentiu e, talvez, por isso agiu daquela forma.
Até hoje, eu me pergunto como é que chegamos aqui. Não sei como. Quanto tempo passou desde que estávamos deitados no seu quarto contando sobre nossos medos e incertezas em meio a olhares inseguros e cafunés que aconchegavam minha alma? Quando foi que as coisas mudaram? É isso o que eu menos entendo. Quando foi que te perdi? Se é que já tive um dia.
Escreva para mim, quando quiser.
Com amor, com muita saudade e confusão, mas te desejando sempre o melhor,
.
FIM
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