10. Shout About It

Finalizada

Capítulo Único

“Estou de saco cheio. Estou de realmente fucking saco cheio. Por que as pessoas não se aceitam? Quer dizer, somos todos iguais, não somos?
Não aguento mais, não quero mais. Para que viver desse jeito? Eu deveria fazer como a null e dar um fim nisso. Mas eu não tenho coragem, nem isso eu tenho. Como pode alguém ser tão inútil? Tão invisível... Eu finjo que não, mas eu me importo que eles não falem comigo, que não gostem de mim, que me critiquem tanto. Eles nem tentaram me conhecer e ver quem é a verdadeira null.”

null. null. Venha gritar sobre isso. Traduzido de: Shout About It. 2015.



Essa é a história de null null e seu dilema entre a vida, a morte e os valores do ser humano. Entre o ser você ou ser a vontade dos outros. Entre a felicidade e a amargura. Entre null e null.

- Ela era uma boa garota. – uma menina loira dos olhos negros chegou perto de null.
- Era. – concordou sem realmente olhá-la.
- Você é...?
- null. Melhor amiga dela.
- Eu sou null, a prima dela. Diria que é um prazer se não fossem as circunstâncias. – estendeu a mão e null virou-se para cumprimentá-la.
- É bom te conhecer também. – respondeu e o silêncio voltou ao ambiente.
- Eu a amava. Sempre vinha visitá-la, levá-la a algum lugar e tentar fazer com que ela se divertisse mais, visse graça nas coisas, em viver.
- Eu a entendo. Entendo seus motivos e o porquê de tudo isso, mas eu daria cada segundo do resto da minha vida para ter tido a oportunidade de fazê-la voltar atrás e não jogar tudo para o alto. – null disse e null assentiu.
- “A vida não é um mar de rosas.
- Mas não precisa ser vista como uma coroa de espinhos. ”
Se olharam e encararam o corpo de null já frio e sem vida.

- Bom dia, segundo ano. – Era Gabriela, a professora de biologia. Uma mulher adorável e muito jovem e bonita.
- Bom para quem?
- Tenho certeza de que, se continuar com suas gracinhas, o seu não será, Thomas. – Thomas? - Acha bonito? Levar bronca da professora no primeiro dia de aula da escola nova? Se eu fosse você, não faria isso.
- Ótimo. Mais um idiota no colégio. – null comentou baixinho.
- Eu sei. Concordo. – a professora piscou para a garota, que se sentara a sua frente. – Aliás, acho que sei de uma garota que adoraria te conhecer e que por sinal deveria estar aqui. – Disse procurando por entre os alunos.
- Não é necessário, Gabriela. Sabe disso.
- Sei que se fechar para o mundo não é necessário. – apagou a lousa toda riscada de bobagens.
- Não me fechei para o mundo. – disse indiferente.
- Não disse que era você, disse? – a olhou de canto com esperteza. – Eu não sou como eles, null. Sabe disso, eu estava com vocês antes, - Disse referindo-se à ela e a null. - estou com você agora e estarei sempre, não para te ajudar porque você não precisa de ajuda, mas para estar com você quando quiser companhia. – abaixou e fitou os olhos da aluna. – Eu sou sua amiga assim como ela era. Não na mesma intensidade, eu sei. Mas sou.
- Não é não. Ninguém nunca vai substituir o que a null foi para mim. Nem você, nem a garota de quem você falou, nem ninguém. Você não vai conseguir preencher o lugar dela e eu agradeceria se você parasse de tentar. – e dirigiu-se à porta, deixando os alunos confusos e Gabriela ferida.
null saiu da sala num rompante e trombou com uma menina, que parecia estar perdida, cheia de livros e os deixou cair imediatamente no chão.
- Nossa, desculpe. – a menina disse recolhendo seus livros e null se pôs a ajudá-la – Eu estou meio perdida.
- Primeiro dia? - null ajudou a garota a se levantar.
- É, eu... Você é null, não? – reconheceu de imediato.
- Sim, sou. E você seria?
- null null, a garota que não pode te dizer é um prazer devido as circunstâncias. É um prazer. – estendeu a mão desajeitada por conta do material.
- O prazer é meu. – cumprimentou-a. – Posso te ajudar? Achando sua sala ou segurando seus livros, quem sabe.
- Ai, pode me ajudar a achar o segundo ano A? – Disse depois de olhar no papel em suas mãos.
- Está na frente dele.
Não sabia se era destino, mas tinha que ser muita coincidência.
Desde então as duas garotas passaram a ser algo como amigas, porque quando null não conseguia mais se manter reclusa, recorria a loira. Ainda que fosse bem diferente do que null tinha com null, ela já não sabia mais se isso era uma perda. A amizade de null a fazia se sentir bem, viva e em alguns momentos até feliz, o que divergia de null que tinha toda aquela aura triste e depressiva.
Os problemas com os garotos do Colégio não cessaram, nem de longe. Nem as broncas, as advertências, os pais eram capazes de pará-los. Mas null chegou a enfrentá-los no meio do intervalo e eles recuaram consideravelmente seus comentários maldosos. Só que null não conseguia se livrar daquele fantasma que insistia em deixá-la para baixo, mesmo com todo o apoio de null que vinha ajudando demais.
- Você sabe que não precisa se preocupar com isso.
- Eu me importo com o que eles falam! – exclamou exasperada
- É esse o problema.
- Eu sou o problema.
- Você não entende.
- Ninguém entende. Ninguém sabe a dor de ver alguém que você ama sucumbir a esses idiotas que só dizem sem medir as consequências e não conseguir fazer nada para impedir e não ser motivo suficiente para fazê-la ficar. Ela escolheu me deixar.
- Você acha que é só você que sofre? Eu sou prima dela! Eu estive com ela desde que me entendo por gente, a amava como se ela fosse minha irmã e ela se foi. Sabe como é pior ainda a sensação de impotência diante de anos tentando fazê-la ver que a vida não é assim tão ruim e que têm coisas pelas quais vale a pena lutar? Agora, eu estou aqui com você, não só porque você é uma garota legal e precisa de ajuda, mas porque eu te amo e sinto que não devo me deixar abater por ter falhado com a null e sim levar isso como um incentivo de fazer diferente, fazer melhor e fazer tudo isso ser suficiente para você me escolher. Lembra como a dor de ser deixada para trás é maçante? Não me deixe para trás, null.
- Por que você tá falando assim? Quem falou em suicídio? – a garota chorava e se sentia frágil sendo observada assim.
- Vai dizer que nunca pensou no assunto? E mesmo que diga, quando eu entrei aqui hoje, tinha uma folha de papel no chão que eu peguei ao acaso e simplesmente li. – apontou para o papel em cima da estante e null foi até lá afobada para ver. - Era uma página do seu diário e tinha algo assim escrito lá. Eu não queria invadir a sua privacidade, me desculpe.
- Tudo bem, só... Não quero falar sobre isso.
- null...
- null, só me deixa. – deitou na cama de costas para a loira.
- Tá bom. Eu te amo, tá? – beijou-lhe a testa e saiu.
- Eu também. – sussurrou baixinho.

Situações assim eram recorrentes e null ficava à beira de um ataque toda vez que deixava null sozinha em momentos assim. Quis fazer mais pela amiga.
- Alô? – atendeu com a voz embargada pelas lágrimas.
- Oi, null. Tá em casa?
- Tô, por quê?
- Posso ir aí?
- Eu... É... Pode. – se deu por vencida depois de tentar achar uma desculpa para evitar que a loira fosse.
- Tá bom. Você tá bem? Parece... Ah, esquece. Já já eu chego ai. Ah, e vou levar alguém que quero que você conheça. – desligou.

Pouco tempo depois a campainha tocou e null foi atender com uma força de vontade surpreendente, para um zumbi.
Ao abrir a porta, deu de cara com um garoto dos olhos null e cabeços desarrumados.
- Oi. Você deve ser a null ou alguém que a conheça, certo? Eu sou o null, mas pode me chamar de null. – Ele era um amigo de null que conheceu null e estava no segundo ano da faculdade. Engenharia Civil.
- Eu sou a null. De onde você saiu? – disse sem saber como usar as palavras pela sua inexperiência com diálogos entre humanos. Ou qualquer outro ser vivo.
- Bem que a null disse que você seria difícil de lidar.
- Ela disse isso?
- Disse. Posso entrar? – null deu passagem. - Então, eu sou amigo dela e ela foi comprar achocolatado e margarina. – Sentou-se no sofá.
- Mas o que você faz aqui?
- Ela disse que queria que eu conhecesse uma amiga diferente.
- Diferente como?
- Geniosa e imprevisível.
- Foi isso que ela te disse? – riu irônica. - Claro, por que ela diria que eu sou uma bomba nuclear?
- Ela disse. Você realmente espera que eu te conte tudo o que sei? É mais do que você imagina, acredite.
- Como...
- Mas agora eu quero brigadeiro. Vem. – disse e se levantou assim que null entrou na casa.

Depois que null se permitiu sentir tudo mudou. A amizade dela e null estava indo as mil maravilhas e agora tinha null que vivia com elas e, mesmo que fosse límpido como água pura, null negava incansavelmente que sentia algo por ele. Viviam juntos e isso estava fazendo muito bem a garota. Às vezes, null nem participava das saídas.
- Oi!
- Oi, null. – a abraçou.
- Cadê a null?
- Não vem hoje. Vamos dar uma volta.
Isso se tornava cada vez mais frequente e até os pais de null estavam mais tranquilos. Depois de tanto tentarem ajudar a filha, viram que só o que ela precisava era de companhia.
Mas algo deu errado.
null não pôde ir à escola porque sua mãe passou mal pela manhã e deixou null sozinha. Os meninos não viram oportunidade melhor e aproveitaram da pior forma. No intervalo, encurralaram a menina atrás do ginásio e a xingaram dos nomes mais baixos, a humilharam, jogaram seu material pelos ares e deram-lhe um banho de suco da máquina da cantina.
- Seus idiotas! O que eu fiz para vocês? – gritou chorando de raiva e indignação.
- É só para você perceber que sem a null você não é nada. Só a mesma vadiazinha de sempre.

Algum tempo depois, a diretoria do Colégio ligou para os pais de null avisando do ocorrido e dizendo que a garota havia sumido. Entraram em desespero e ligaram imediatamente para os pais de null buscando ajuda. null estava com os tios e assim que ficou sabendo o pânico a deixou em um estado deplorável e ela buscou ajuda.
- Alô?
- null, onde você tá? – falou com a voz embargada.
- Em casa. O que foi?
- A null. Os meninos da escola... E ela saiu correndo e sumiu! null, pelo amor de Deus.
- Você sabe onde ela tá? Ou faz ideia? – entrou no carro e colocou a chave na ignição.
- Nem imagino. null...
- Calma.
Ele se colocou no lugar de null e procurou pensar para onde iria se fosse cometer suicídio. Se é que ela ia.
- Onde a null foi enterrada?
- No cemitério do centro.
-Me encontra lá.

- null, eu nunca te entendi tão bem. Não sei por que eu não conseguia fazer isso. – null estava apoiada na lápide vendo seu reflexo na faca que segurava. – Eu sinto tanto a sua falta e espero que você sinta a minha também porque a gente vai se encontrar. Mãe, pai, me perdoem, eu amo vocês. – forçou a lâmina na pele frágil. - null, null... Obrigada por tudo e me desculpem por não conseguir fazer de vocês motivo suficiente para ficar.
- null, PARA. Pelo amor de Deus. – null apareceu correndo por entre os túmulos e null hesitou.
- null, vá embora.
- Não, calma. – abaixou- se na frente dela. – Me deixa te mostrar que você pode ficar. Só uma chance de fazer você ficar. Eu não posso ficar sem você. Lembra do que a null sempre disse? Você tem que gostar de você mesma. Deixa eu te ajudar. – Estendeu a mão para ela e ela segurou.
null vinha correndo na rua quando null entrou no carro e os três seguiram para o apartamento novo de null, onde as duas nunca haviam ido.
- null, vem cá. Quando eu me mudei para cá, a minha irmã fez um quarto especial para mim. Ela disse que ela para eu refletir, essas coisas de psicólogo. – abriu a porta. – Entra.
O quarto era revestido de espelhos em todas as paredes com diferentes reflexos.
- Minha irmã disse que nós podemos nos ver, gostar e odiar de várias formas. – null se viu gorda, magra, alta, baixa, distorcida. – Mas o único reflexo com que nós devemos realmente nos importar. –a virou de frente para um espelho plano. – É esse aqui. E ele tem um defeito singular, não mostra o que tem aqui dentro. – apontou para o coração dela. – Ele só vai te mostrar quem é essa que você vê por dentro, se você deixar. Conta para ele, null. Conta quem é você. Conta como você é.
A essa altura, null já chorava baixinho.
- Eu sou quebrada. – sussurrou.
- Eu não ouvi.
- Eu sou quebrada! – disse mais alto.
- Mais alto, null. Tira isso de você, joga fora, mostra pra ele. Grita! - incentivou-a e ela seguiu.
Deu um grito ensurdecedor e começou a descrever a si mesma em todos os adjetivos possíveis, os bons, os ruins. Falou sobre tudo o que estava cansada e chorou, chorou como nunca. Ao fim de seu monólogo, caiu de joelhos no chão. null e null assistiam a tudo da porta.
- Pronto, princesa? – ela assentiu e ele a ajudou a levantar. – Vem cá. Já disse tudo para ele? – assentiu novamente. – Agora a pergunta que não quer calar. Você gosta do que vê?
- Não.
- Nem eu. Essa ali não é a garota que eu conheci e mal sabia como falar comigo aquele dia, não é a garota que eu levei para sair tantas vezes e pela qual eu me apaixonei. –apontou para o espelho.- Aquela ali, não é a minha null. Mas a minha null é forte o suficiente para decidir ficar e eu quero que você seja aquela garota o tempo todo. Que você seja você. Não vai ser fácil, já aviso, mas você consegue, porque a gente sempre vai estar com você. Tá disposta a mudar?
- Tô.
- E agora, por onde a gente começa. –null sorriu atrás dos dois.
- Eu acho que eu já sei.
Naquele dia, null descobriu coisas sobre si mesma que nem ela sabia. null a levou ao parque, ao shopping, ao cinema e ela foi vendo do que gostava, o que achava bonito e tudo mais.
Desde então tudo melhorou. Após a mudança, null trocou de colégio e isso não foi mais um problema como das outras vezes porque ela estava mais segura de si e não era mais motivo de piada de ninguém. Era só uma garota normal.
A amizade dela e null só se fortaleceu e null... Ah, null era o null. O mais novo namorado de null!
- Oi, loira!
- null! Você pintou esse cabelo de novo? Daqui a pouco cai. – Disse olhando para o tom mais claro e cheio das luzes da amiga.
- Você que disse para eu mudar quando estivesse me sentindo para baixo. Eu mudei.
- É, bendita boca a minha. – riram.
null entrou na casa de null sem nem pedir permissão.
- Nossa, quem é essa garota, null? – disse puxando null pela cintura que riu.
- Uma amiga minha. Linda né.
- Demais. Poderia me apresentar né? – falou brincalhão. – Sou null, mas pode me chamar de null, princesa. É um prazer conhecê-la – pediu a mão dela.
- Sou null, caro null. – estendeu a mão a ele que depositou um beijo leve. – É um prazer.
Os três riram e foram saindo.
- E dessa vez, as circunstâncias não são um problema.


FIM



Nota da autora: Sem nota.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.

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