Capítulo 1 — Rotina
*3 meses depois do término* 23 de abril. Ápice do Outono.
A mensagem ainda piscava como um holofote na tela do celular. Como um aviso que deveria ser lembrado todos os dias.
Número desconhecido:
“Não posso mais continuar com isso, sinto muito”
Um nó se forma em minha garganta.
“Não me ligue mais”.
Meu coração acelera, sinto meus olhos marejando. “De novo, não”, suplico silenciosamente. Faz 3 meses desde que seu nome havia se tornado apenas um número, 3 meses que o rosto por mim beijado fora substituído por uma imagem vazia, cinza, assim como meu peito e o tempo lá fora. Onde havia música, agora há ruído, as fotos na cabeceira foram substituídas por poeira, e eu, antes inebriado por seu toque, me anestesio, sentindo a fumaça preencher o vazio no peito.
Sei que deveria parar, este é apenas um de meus maus hábitos, mas é um dos poucos que me acalmam em momentos como esse. Cada vez mais frequentes, cada vez mais fortes. Cada vez mais densa a névoa de pensamentos sobre o que aconteceu. Estou exausto, mais uma noite assombrada por memórias, memórias doces que azedaram como leite. Amargurado, me perco olhando para o cigarro queimando entre meus dedos, uma lenta fumaça acinzentada que sobe e se perde pelo quarto escuro. De repente, sou trazido à realidade pelo insistente som do despertador. Hora de acordar. Mas como posso acordar se mal dormi? Tenho vivido sonhando acordado, um longo pesadelo, mas não há verbo para isso.
Levanto, sentindo meu corpo exausto, músculos rígidos e uma insistente dor no pescoço. “A falta de sono aos 23 não tem o mesmo efeito que aos 14”, pondero mentalmente.
Tomo um banho rápido, como de costume estou atrasado. Roupa social, sapatos mal engraxados e gravata são colocados às pressas, preciso correr para não perder o ônibus. Pego minha mochila e o molho de chaves. Já no batente da porta, paro rapidamente para me olhar no espelho. Sou encarado por um rosto cansado, de olheiras profundas e pintas salpicadas pelo rosto. Um retrato niilista perfeito, correção, niilista atrasado. Meu ônibus acaba de passar, sujando a rua com uma nuvem preta e malcheirosa. Após um longo suspiro e uma série de xingamentos mentais, tranco a porta, deixando atrás de mim um cubículo centenário que chamo de lar. E isto é segunda feira.
Já no trabalho, apenas o barulho de digitação é ouvido. Teclas e mais teclas por todos os lados, e na frente da tela, sujeitos de cinza, para se misturar, passar despercebido. Até o cheiro deste lugar é monótono, bambu. Vi uma vez quando a moça da limpeza colocava cuidadosamente em todos os dispensers do andar. Enfim, privilégios que as horas extras podem proporcionar. Descoberta de coisas bobas como a “colônia” do lugar, ou o caso secreto do “cara do t.i”. Emprego tão patético que até as fofocas são fracas. Não me entenda mal, o problema em si não é meu cargo, ou minha remuneração, ou o clichê do chefe que deveria odiar, o problema sou eu, o problema é aquela bendita voz que incomoda e clama por liberdade. Estar nesse lugar representa tudo aquilo que sou contra. Desistir dos sonhos, ser conivente ao sistema e o pior, não trabalhar com aquilo que ama. Mas uma hora as contas chegam, a juventude acaba e a fome bate. E aquela bendita voz é sufocada pela mesma gravata que agora uso para me camuflar. Camuflar é um ótimo verbo para caracterizar o meu querido local de trabalho. Um grande prédio, no centro da cidade, ao lado de outros grandes prédios. Uma empresa de contabilidade, assim como 30 outras somente nesta quadra. Um nome genérico assim como todos os outros. E, é claro, seus funcionários não passam muito longe disso. A roupa deve ser social, cabelo sem tintas, a não ser que seja o loiro aguado. Sem tatuagens e “acessórios corporais” a mostra, a não ser que seja um brinco, de pérola, e você, mulher. Aqui não tenho personalidade, sou apenas mais um, ou quem sabe, todos, já que aqui dentro somos todos iguais. Exceto que alguns ganham mais do que outros.
🎤. 🎸. 🎻. 🎷. 🎺
Passei o resto do expediente inerte em pensamentos como aquele. Sempre monótonos e repetitivos, como a rotina. Bater o ponto, descer de elevador e depois uma grande escadaria de pedra, maltratada pelo tempo. Ir ao ponto de ônibus, passando por calçadas antigas, onde o preto e branco se encontram formando desenhos. Passando por banquinhas onde vez ou outra tomo um pingado, passando por mendigos e também por uma fonte. Finalmente no ponto de ônibus, agora me resta um pequeno trajeto até o aconchego de casa. Algumas paradas e uma curta caminhada depois chego ao meu apartamento. Contas na porta que apanho roboticamente. “Banho”, meu corpo e mente suplicam, e sem mais delongas me apresso direto para o banheiro. Roupas voam, o chuveiro esquenta e logo estou debaixo do vapor. Sinto as primeiras gotas, lentas e quentes, caminhando em minhas costas. Respiro profundamente e fecho os olhos. Um dos poucos momentos em que vivo inteiramente o “aqui e agora”. Sinto o ar preencher meus pulmões com facilidade e meus músculos relaxando instantaneamente. As gotas escorrem pelo meu rosto, fazendo cócegas em minhas têmporas. Ali se passam minutos, sinto meu corpo cansado, mas minha mente não tem sono. Um pensamento intrusivo sussurra uma solução. Rápida, prazerosa, mas culpada e pecaminosa. Solto um grunhido de desistência. Fecho meus olhos novamente e me concentro nas sensações em meu corpo. O vapor que me envolve, minha respiração fica cada vez mais pesada e lenta, a água escorre entre minhas pernas, fazendo pressão nas áreas certas. Sinto um leve formigamento abaixo do abdômen. Abro os olhos e instantaneamente reviro-os. “Meu deus, como é difícil fazer isso sem pornô”. Fecho os olhos e tento usar a imaginação, não sou muito bom, então uso memórias antigas. Um contorno de corpo sobre mim, se mexendo ritmadamente e apertando meu pênis, mãos em meus ombros, suas unhas cravadas e gemidos não sequências no meu ouvido. Meu pênis agora ereto. Pernas, uma de cada lado, um corpo curvilíneo, o barulho entre corpos, sons abafados e meus dedos segurando seu pescoço. Minhas mãos envolvendo meu membro, movimentos desesperados e, logo após lembrar do toque de sua boca, sua língua quente e precisa, me esvaio no chuveiro. “Patético, Zion. Batendo uma pra ex. Simplesmente patético”. Puto e cansado, me deito, logo adormeço, e, em meu sonho, sinto novamente o seu cheiro. E esta é a rotina.
A mensagem ainda piscava como um holofote na tela do celular. Como um aviso que deveria ser lembrado todos os dias.
Número desconhecido:
“Não posso mais continuar com isso, sinto muito”
Um nó se forma em minha garganta.
“Não me ligue mais”.
Meu coração acelera, sinto meus olhos marejando. “De novo, não”, suplico silenciosamente. Faz 3 meses desde que seu nome havia se tornado apenas um número, 3 meses que o rosto por mim beijado fora substituído por uma imagem vazia, cinza, assim como meu peito e o tempo lá fora. Onde havia música, agora há ruído, as fotos na cabeceira foram substituídas por poeira, e eu, antes inebriado por seu toque, me anestesio, sentindo a fumaça preencher o vazio no peito.
Sei que deveria parar, este é apenas um de meus maus hábitos, mas é um dos poucos que me acalmam em momentos como esse. Cada vez mais frequentes, cada vez mais fortes. Cada vez mais densa a névoa de pensamentos sobre o que aconteceu. Estou exausto, mais uma noite assombrada por memórias, memórias doces que azedaram como leite. Amargurado, me perco olhando para o cigarro queimando entre meus dedos, uma lenta fumaça acinzentada que sobe e se perde pelo quarto escuro. De repente, sou trazido à realidade pelo insistente som do despertador. Hora de acordar. Mas como posso acordar se mal dormi? Tenho vivido sonhando acordado, um longo pesadelo, mas não há verbo para isso.
Levanto, sentindo meu corpo exausto, músculos rígidos e uma insistente dor no pescoço. “A falta de sono aos 23 não tem o mesmo efeito que aos 14”, pondero mentalmente.
Tomo um banho rápido, como de costume estou atrasado. Roupa social, sapatos mal engraxados e gravata são colocados às pressas, preciso correr para não perder o ônibus. Pego minha mochila e o molho de chaves. Já no batente da porta, paro rapidamente para me olhar no espelho. Sou encarado por um rosto cansado, de olheiras profundas e pintas salpicadas pelo rosto. Um retrato niilista perfeito, correção, niilista atrasado. Meu ônibus acaba de passar, sujando a rua com uma nuvem preta e malcheirosa. Após um longo suspiro e uma série de xingamentos mentais, tranco a porta, deixando atrás de mim um cubículo centenário que chamo de lar. E isto é segunda feira.
Já no trabalho, apenas o barulho de digitação é ouvido. Teclas e mais teclas por todos os lados, e na frente da tela, sujeitos de cinza, para se misturar, passar despercebido. Até o cheiro deste lugar é monótono, bambu. Vi uma vez quando a moça da limpeza colocava cuidadosamente em todos os dispensers do andar. Enfim, privilégios que as horas extras podem proporcionar. Descoberta de coisas bobas como a “colônia” do lugar, ou o caso secreto do “cara do t.i”. Emprego tão patético que até as fofocas são fracas. Não me entenda mal, o problema em si não é meu cargo, ou minha remuneração, ou o clichê do chefe que deveria odiar, o problema sou eu, o problema é aquela bendita voz que incomoda e clama por liberdade. Estar nesse lugar representa tudo aquilo que sou contra. Desistir dos sonhos, ser conivente ao sistema e o pior, não trabalhar com aquilo que ama. Mas uma hora as contas chegam, a juventude acaba e a fome bate. E aquela bendita voz é sufocada pela mesma gravata que agora uso para me camuflar. Camuflar é um ótimo verbo para caracterizar o meu querido local de trabalho. Um grande prédio, no centro da cidade, ao lado de outros grandes prédios. Uma empresa de contabilidade, assim como 30 outras somente nesta quadra. Um nome genérico assim como todos os outros. E, é claro, seus funcionários não passam muito longe disso. A roupa deve ser social, cabelo sem tintas, a não ser que seja o loiro aguado. Sem tatuagens e “acessórios corporais” a mostra, a não ser que seja um brinco, de pérola, e você, mulher. Aqui não tenho personalidade, sou apenas mais um, ou quem sabe, todos, já que aqui dentro somos todos iguais. Exceto que alguns ganham mais do que outros.
Passei o resto do expediente inerte em pensamentos como aquele. Sempre monótonos e repetitivos, como a rotina. Bater o ponto, descer de elevador e depois uma grande escadaria de pedra, maltratada pelo tempo. Ir ao ponto de ônibus, passando por calçadas antigas, onde o preto e branco se encontram formando desenhos. Passando por banquinhas onde vez ou outra tomo um pingado, passando por mendigos e também por uma fonte. Finalmente no ponto de ônibus, agora me resta um pequeno trajeto até o aconchego de casa. Algumas paradas e uma curta caminhada depois chego ao meu apartamento. Contas na porta que apanho roboticamente. “Banho”, meu corpo e mente suplicam, e sem mais delongas me apresso direto para o banheiro. Roupas voam, o chuveiro esquenta e logo estou debaixo do vapor. Sinto as primeiras gotas, lentas e quentes, caminhando em minhas costas. Respiro profundamente e fecho os olhos. Um dos poucos momentos em que vivo inteiramente o “aqui e agora”. Sinto o ar preencher meus pulmões com facilidade e meus músculos relaxando instantaneamente. As gotas escorrem pelo meu rosto, fazendo cócegas em minhas têmporas. Ali se passam minutos, sinto meu corpo cansado, mas minha mente não tem sono. Um pensamento intrusivo sussurra uma solução. Rápida, prazerosa, mas culpada e pecaminosa. Solto um grunhido de desistência. Fecho meus olhos novamente e me concentro nas sensações em meu corpo. O vapor que me envolve, minha respiração fica cada vez mais pesada e lenta, a água escorre entre minhas pernas, fazendo pressão nas áreas certas. Sinto um leve formigamento abaixo do abdômen. Abro os olhos e instantaneamente reviro-os. “Meu deus, como é difícil fazer isso sem pornô”. Fecho os olhos e tento usar a imaginação, não sou muito bom, então uso memórias antigas. Um contorno de corpo sobre mim, se mexendo ritmadamente e apertando meu pênis, mãos em meus ombros, suas unhas cravadas e gemidos não sequências no meu ouvido. Meu pênis agora ereto. Pernas, uma de cada lado, um corpo curvilíneo, o barulho entre corpos, sons abafados e meus dedos segurando seu pescoço. Minhas mãos envolvendo meu membro, movimentos desesperados e, logo após lembrar do toque de sua boca, sua língua quente e precisa, me esvaio no chuveiro. “Patético, Zion. Batendo uma pra ex. Simplesmente patético”. Puto e cansado, me deito, logo adormeço, e, em meu sonho, sinto novamente o seu cheiro. E esta é a rotina.
Capítulo 2 — Dia D
*5 meses depois do término.* 16 de junho, fim do Outono.
O inverno ainda não havia chegado, mas os ventos já o chamavam. Gélidos e violentos, congelavam minha face como um balde de água fria. Hoje estou motivado, irei reorganizar o apartamento, tirar as tranqueiras, jogar fora as memórias que ainda restavam. É isso que eu preciso. E preciso de produtos de limpeza também. Entre as inúmeras desvantagens de morar no centro, a pior é a falta de mercados, são poucos e caríssimos. Estou indo ao bairro vizinho, mas com aplicativo de caronas, trabalho pra isso. Dentro do carro, com o silêncio presente, olho pela janela sem prestar muita atenção aos detalhes. Até que, com o carro parado no sinal, uma luz me chama atenção. Reconheço-a de imediato, os bastões de luz azulada formavam o desenho de uma clave-de-sol. Era o Moscatel. Costumava tocar aí um Jam com os amigos. Odiava essa palavra, ela havia me ensinado essa palavra. Odiava este bar, conheci ela neste bar. Lembro como se fosse hoje, mais uma das memórias amarguradas. Seria um dia qualquer, tocando um pouco com os amigos hobbistas da música. Um sábado qualquer, que se camuflaria entre muitos outros se não iniciasse a história de um insistente pesadelo.
*Início do flashback* 24 de maio do ano anterior.
Senti um cegante holofote, se virando para mim. Seguido de um interlocutor gritando no microfone:
— Obrigado, pessoal, esse foi o Red Pills.
No momento seguinte, eu já havia sido levemente empurrado para fora do palco, dando espaço para um outro grupo que tocava alguma música genérica dos anos 80, não consegui distinguir qual.
Decidimos nos sentar em uma mesa mais afastada do palco para recuperar as energias e conseguir manter uma conversa longe do agudo e forçado vocal da banda, que agora cantava Smells like teen Spirit. Nós éramos uma banda “experimental”, um pouco de jazz, rock clássico e uma pitada de todo o resto. Eu tocava Saxofone, Thomas e Gloria tocavam, respectivamente, baixo e guitarra; às vezes Glória participava dos vocais, junto ao Laurence, vocalista da banda, que se arriscava no sintetizante. Não tínhamos baterista, sem um a disputa pelo maior ego já era bem acirrada. Já na quarta ou quinta bebida, Thom e eu decidimos dar uma volta pelo espaço, tomar um ar e abandonar a conversa casual sobre qual editora de quadrinhos era melhor. Os shows já haviam acabado, agora tocavam nas estridentes caixas de som playlists de pop alternativo. Para chegar ao bar, teríamos que passar pela, agora lotada, pista de dança. Thomas já me arrastava entre as pessoas, conversando animadamente sobre algo que não estava prestando atenção, tinha meus olhos em outra coisa, ou melhor, alguém. Há cinco pessoas à frente, pulava animadamente a coisa mais bonita, endeusada, gostosa, cheirosa, provavelmente todos os adjetivos não eram suficientes. Seus olhos castanhos amadeirados eram iluminados ritmadamente pela luz branca que piscava ao ritmo da música, e eu estava chegando cada vez mais perto, mesmo que não sentisse meus pés se moverem. O vestido tubinho de oncinha acentuava deliciosamente suas curvas, batia nas coxas, deixando pecaminosas amostras de pele, pernas, meus deuses que pernas. Seus braços estavam cobertos por uma fina e transparente blusa, que cobria, mas não escondia uma grande tatuagem de dragão, este subia de seu antebraço até a clavícula. Seu pescoço tinha o tamanho certo para depositar meus lábios e língua, ou quem sabe as mãos.
Mas, antes que eu pudesse apreciar o resto, Thom me puxou, caçoando:
— Você tá parecendo um São Bernardo.
Olhei para ele sem entender.
— Bobão e se babando.
Confirmei com uma risada nasalada.
— Também, deveria ser proibido ser tão bonita.
— E você deveria ser obrigado a parar de encarar os outros, é bizarro. E ainda vai te render um nariz sangrando qualquer dia desses.
— Ela vale um nariz sangrando.
Meu companheiro de banda encerrou a conversa em sinal de desistência:
— Elas nunca vão saber se você não tomar uma atitude. Agora PARE DE ENCARAR.
Ele finalizou seu shot e me deixou sozinho, embriagado de pensamentos. “Óbvio que não falo, o não já tenho, não quero buscar a humilhação”. Virei aquele líquido transparente, mas quente como fogo. “É fácil pra ele, maldito loiro”. Senti alguém se sentando na banqueta ao lado. Um perfume doce como baunilha, mas maduro como carvalho. Virei-me para olhar.
— Parece que alguém teve uma conversa de bar.
Disse a dona dos lábios que estava desejando cinco minutos atrás. De perto era ainda mais bonita, as pintas escuras em seu rosto a deixavam mais real, agora não parecia uma pintura grega e sim a própria deusa. Os cabelos com cachos artificiais estavam presos por um único nó, dando a ela o visual perfeito de patricinhas de Beverly Hills, ou melhor, da Augusta. Bom, ela poderia facilmente bater em mim com um pompom ou uma bolsa pink de pooddle.
— Vi você me encarando antes.
Completou ela, ainda falando sozinha, afinal, eu estava sem palavras. Sentia um buraco no meu estômago, minhas mãos frias e eu por inteiro sob seu olhar com sobrancelhas arqueadas.
— Definitivamente, sua atitude ficou reservada pro palco, né, Red Pills.
Fruto de um soco invisível no estômago, minha voz saiu um pouco mais afetada do que deveria:
— Desculpa, eu....
Não achei palavras para completar. Suspirei rapidamente e finalizei, sorrindo.
— Desculpa, eu não estou acostumado a tanta beleza.
Ela gargalhou, mostrando seus dentes frontais com um pequeno espaçamento. “Céus, queria ter uma câmera” pensei.
— Agora, sim, você mostrou o músico dentro de você. Quase caí no papinho.
Ela disse brincando, com um sorriso no rosto e eu completei indignado:
— Tô falando sério.
Ela estava olhando para o cardápio de drinks. Virou-se novamente para mim e, olhando dentro dos meus olhos, disse:
— Eu sei.
Senti os pelos do braço se arrepiarem, aquela mulher me convenceria a pular de um penhasco. Agora ela falava com o bartender, não pude ouvir devido à gritaria generalizada, então apenas apreciei a visão de seus lábios brilhantes se moverem. “Zion, bota essa cabeça pra funcionar, pensa em um assunto, qualquer coisa” a voz da minha cabeça implorava desesperada, e acredite, era o que eu mais queria.
— Então..., Red Pills?
Ela questionou, me tirando do desespero.
— Isso, inspirado em Matrix.
Disse casualmente.
— E seu nome artístico é Neo.
Ironizou ela.
E eu a respondi com um sorriso sapeca balançando em meu rosto
— Não, mas meu nome é Zion.
E vendo sua cara surpresa e assustada, completei: Minha mãe é uma grande fã do Keanu Reeves.
Ela acenou em compreensão e pegando seu drink colorido disse:
— E o saxofone? Veio de quem?
— Meu avô sempre foi fã do blues, ele me ensinou.
Declarei.
— Dizem que pra tocar Saxofone tem que ter dedos ágeis.
Disse ela, tomando a bebida lentamente enquanto apertava suavemente sua mão com garras cor de ébano sobre meu braço em cima da mesa.
*Fim do flashback*
O motorista anuncia o destino, me tirando de terríveis devaneios que uma simples memória me deu. Desço do carro e sigo em rumo ao meu destino roboticamente. Não sinto nada, como se meu cérebro tivesse se desligado temporariamente. Às vezes sinto demais. Às vezes sinto de menos. Encaro o céu cinza escuro antes de entrar no mercado. “Vem tempestade por aí.”
Cruzando corredores com o carrinho, faço um checklist mental, “Cigarros, no caixa, desinfetante, ok, desodorante, ok.” Só me falta a janta e estou pronto para ir. Penso, refazendo meu caminho para um corredor anterior. Em momentos assim queria ser minha mãe, rápida, ágil e organizada, praticamente uma compradora nata. Sou péssimo em compras para casa, esqueço coisas essenciais e sempre acabo tendo que voltar. Sem falar que não sei fazer compras mensais.
No corredor de massas, opto pelo macarrão instantâneo, fácil de fazer, estatisticamente letal e barato. Uma morte lenta por menos de cinco reais e de brinde uma fácil refeição. Tudo que o jovem adulto gosta em poucas gramas.
Após finalizar a compra, decido voltar a pé para casa, uma caminhada de vinte minutos, me fará bem e deixará minha mente limpa. Ando por quadras conhecidas, quadras desconhecidas e quadras as quais não gostaria de lembrar. Quadras que caminhamos juntos, quadras com depósitos de paredes pichadas e grama alta. Paredes as quais a empurrei gentilmente enquanto trocávamos carícias. Suspiro profundamente, sinto ar preenchendo meus pulmões, a adrenalina correndo em minhas veias. Começo a caminhar mais rápido, meus músculos enrijecem e meu olhar se perde em um ponto no horizonte. Com o tempo, sinto o suor escorrendo pelo meu rosto e minhas pernas ficando cansadas. Já perto de casa, começo a sentir uma leve brisa que me refresca e leva ar fresco aos pulmões. Sinto meu coração se acalmando dentro do peito, minha caminhada volta ao ritmo normal e de longe já vejo a esquina de casa. Nunca serei um defensor de vício em exercício físico, mas, porra, como caminhadas assim me fazem bem. Sinto um gélido vento bater em meu rosto, um delicioso choque térmico. Deus, como é bom estar vivo. E no som de uma trovoada entro para me refugiar em casa. Exausto fisicamente e mentalmente tomo um rápido banho, guardo as compras e adormeço no sofá. Algumas horas depois, acordo com as finas batidas da garoa na minha janela. Levanto-me rapidamente, sentindo tonturas na cabeça. Visto um moletom e me preparo psicologicamente para a limpeza. Não me entenda mal, eu limpo meu espaço com certa regularidade. Mas tem coisas que sou covarde demais para encarar, para relembrar, mesmo que momentaneamente, entre o tirar do fundo da gaveta e o jogar no saco plástico. Já esperei o suficiente, posterguei mais do que deveria, então começo. Arrasto minha cama, recolhendo o que restara de uma bebedeira, garrafas vazias, bitucas de cigarro. Um pequeno pedaço de embalagem brilhosa, fruto de um presente que ganhei dela. Jogo no lixo, desviando o olhar para o banheiro. Sinto meu sangue aquecendo, minha respiração pesada e o maxilar travado. Raiva, uma velha amiga, que me leva a abrir brutalmente o espelho-armário pendurado na desbotada do banheiro. Jogo tudo dentro do saco. Uma segunda escova, há muitos dias amanhecida e sem uso, dela. Um creme hidratante de cheiro que agora me enjoa, dela. Batom, dela. No apartamento, o silêncio reina pela próxima hora, só é interrompido pelo som dos objetos sendo jogados com força dentro do saco preto, que fica cada vez maior. Meu corpo fica cada vez mais agitado, minhas células em ebulição e minha respiração mais rápida. Chego ao meu estopim enquanto arrumo a última gaveta da cômoda. Costumava guardar coisas simbólicas ali, uma palheta de um show, uma foto com meu avô e, bem no canto, escondida, fotos dela, nossas, agora que ninguém. Fotos em lugares que frequentava, dentro da minha rotina, com conhecidos. Mas ela pegou tudo. Queimou. Transformando tudo em memórias e cenários de pena. Um soluço escapa por entre meus lábios trêmulos. Minhas mãos soltam rapidamente e correm até minha boca para evitar mais deste. Porém, já é muito tarde, meus olhos já estão marejados e transbordando lentamente, meu corpo todo em constante calafrio e meu coração acelerado. Solto um grito gutural enquanto me aproximo de joelhos da cama. Minhas mãos puxam de forma síncrona meus cabelos e meu travesseiro que levo diretamente à boca, soltando outro som desesperado. Desesperado como eu. Usado, descartado, sujo, digno de pena. Meus punhos se fecham, trêmulos. E no minuto seguinte, estou socando irracionalmente minha cama de molas, outro grito se forma em minhas cordas vocais, sai em meio a um soluço e se transforma em um choro primitivo assim que toca a atmosfera fora de meus lábios. Meu corpo se curva, ficando em posição fetal, abraçado ao travesseiro que absorve os soluços. Reaprendendo a respirar, escuto a chuva lá fora, grossa e forte. O vento assobia maldosamente pelas frestas das janelas. E da cama vejo o reflexo do tempo na janela. Preto e apocalíptico. O inverno estava chegando.
🎤. 🎸. 🎻. 🎷. 🎺.
Depois de horas, apenas deitado e existindo, em algum momento dentro desse espaço tempo adormeci, acordando somente no outro dia, com uma grande ressaca moral, dor de cabeça e olheiras inchadas como um Pug depressivo. Eu estava acabado, uma bagunça. Uma bagunça assim como a que juntei rapidamente depois de um amargo café preto. Logo após jogar fora meia dúzia de sacos pretos, aproveito o dia para desocupar a cabeça e passar o dia inteiro mergulhado em animes, escapando da minha própria realidade. No momento, meu maior questionamento era qual era verdadeiramente o One Piece. Passei o fim de semana mergulhado em entretenimento barato. Vendo reality shows e comédias malfeitas. Ser manipulado pela grande mídia nunca foi tão gostoso.
O inverno ainda não havia chegado, mas os ventos já o chamavam. Gélidos e violentos, congelavam minha face como um balde de água fria. Hoje estou motivado, irei reorganizar o apartamento, tirar as tranqueiras, jogar fora as memórias que ainda restavam. É isso que eu preciso. E preciso de produtos de limpeza também. Entre as inúmeras desvantagens de morar no centro, a pior é a falta de mercados, são poucos e caríssimos. Estou indo ao bairro vizinho, mas com aplicativo de caronas, trabalho pra isso. Dentro do carro, com o silêncio presente, olho pela janela sem prestar muita atenção aos detalhes. Até que, com o carro parado no sinal, uma luz me chama atenção. Reconheço-a de imediato, os bastões de luz azulada formavam o desenho de uma clave-de-sol. Era o Moscatel. Costumava tocar aí um Jam com os amigos. Odiava essa palavra, ela havia me ensinado essa palavra. Odiava este bar, conheci ela neste bar. Lembro como se fosse hoje, mais uma das memórias amarguradas. Seria um dia qualquer, tocando um pouco com os amigos hobbistas da música. Um sábado qualquer, que se camuflaria entre muitos outros se não iniciasse a história de um insistente pesadelo.
*Início do flashback* 24 de maio do ano anterior.
Senti um cegante holofote, se virando para mim. Seguido de um interlocutor gritando no microfone:
— Obrigado, pessoal, esse foi o Red Pills.
No momento seguinte, eu já havia sido levemente empurrado para fora do palco, dando espaço para um outro grupo que tocava alguma música genérica dos anos 80, não consegui distinguir qual.
Decidimos nos sentar em uma mesa mais afastada do palco para recuperar as energias e conseguir manter uma conversa longe do agudo e forçado vocal da banda, que agora cantava Smells like teen Spirit. Nós éramos uma banda “experimental”, um pouco de jazz, rock clássico e uma pitada de todo o resto. Eu tocava Saxofone, Thomas e Gloria tocavam, respectivamente, baixo e guitarra; às vezes Glória participava dos vocais, junto ao Laurence, vocalista da banda, que se arriscava no sintetizante. Não tínhamos baterista, sem um a disputa pelo maior ego já era bem acirrada. Já na quarta ou quinta bebida, Thom e eu decidimos dar uma volta pelo espaço, tomar um ar e abandonar a conversa casual sobre qual editora de quadrinhos era melhor. Os shows já haviam acabado, agora tocavam nas estridentes caixas de som playlists de pop alternativo. Para chegar ao bar, teríamos que passar pela, agora lotada, pista de dança. Thomas já me arrastava entre as pessoas, conversando animadamente sobre algo que não estava prestando atenção, tinha meus olhos em outra coisa, ou melhor, alguém. Há cinco pessoas à frente, pulava animadamente a coisa mais bonita, endeusada, gostosa, cheirosa, provavelmente todos os adjetivos não eram suficientes. Seus olhos castanhos amadeirados eram iluminados ritmadamente pela luz branca que piscava ao ritmo da música, e eu estava chegando cada vez mais perto, mesmo que não sentisse meus pés se moverem. O vestido tubinho de oncinha acentuava deliciosamente suas curvas, batia nas coxas, deixando pecaminosas amostras de pele, pernas, meus deuses que pernas. Seus braços estavam cobertos por uma fina e transparente blusa, que cobria, mas não escondia uma grande tatuagem de dragão, este subia de seu antebraço até a clavícula. Seu pescoço tinha o tamanho certo para depositar meus lábios e língua, ou quem sabe as mãos.
Mas, antes que eu pudesse apreciar o resto, Thom me puxou, caçoando:
— Você tá parecendo um São Bernardo.
Olhei para ele sem entender.
— Bobão e se babando.
Confirmei com uma risada nasalada.
— Também, deveria ser proibido ser tão bonita.
— E você deveria ser obrigado a parar de encarar os outros, é bizarro. E ainda vai te render um nariz sangrando qualquer dia desses.
— Ela vale um nariz sangrando.
Meu companheiro de banda encerrou a conversa em sinal de desistência:
— Elas nunca vão saber se você não tomar uma atitude. Agora PARE DE ENCARAR.
Ele finalizou seu shot e me deixou sozinho, embriagado de pensamentos. “Óbvio que não falo, o não já tenho, não quero buscar a humilhação”. Virei aquele líquido transparente, mas quente como fogo. “É fácil pra ele, maldito loiro”. Senti alguém se sentando na banqueta ao lado. Um perfume doce como baunilha, mas maduro como carvalho. Virei-me para olhar.
— Parece que alguém teve uma conversa de bar.
Disse a dona dos lábios que estava desejando cinco minutos atrás. De perto era ainda mais bonita, as pintas escuras em seu rosto a deixavam mais real, agora não parecia uma pintura grega e sim a própria deusa. Os cabelos com cachos artificiais estavam presos por um único nó, dando a ela o visual perfeito de patricinhas de Beverly Hills, ou melhor, da Augusta. Bom, ela poderia facilmente bater em mim com um pompom ou uma bolsa pink de pooddle.
— Vi você me encarando antes.
Completou ela, ainda falando sozinha, afinal, eu estava sem palavras. Sentia um buraco no meu estômago, minhas mãos frias e eu por inteiro sob seu olhar com sobrancelhas arqueadas.
— Definitivamente, sua atitude ficou reservada pro palco, né, Red Pills.
Fruto de um soco invisível no estômago, minha voz saiu um pouco mais afetada do que deveria:
— Desculpa, eu....
Não achei palavras para completar. Suspirei rapidamente e finalizei, sorrindo.
— Desculpa, eu não estou acostumado a tanta beleza.
Ela gargalhou, mostrando seus dentes frontais com um pequeno espaçamento. “Céus, queria ter uma câmera” pensei.
— Agora, sim, você mostrou o músico dentro de você. Quase caí no papinho.
Ela disse brincando, com um sorriso no rosto e eu completei indignado:
— Tô falando sério.
Ela estava olhando para o cardápio de drinks. Virou-se novamente para mim e, olhando dentro dos meus olhos, disse:
— Eu sei.
Senti os pelos do braço se arrepiarem, aquela mulher me convenceria a pular de um penhasco. Agora ela falava com o bartender, não pude ouvir devido à gritaria generalizada, então apenas apreciei a visão de seus lábios brilhantes se moverem. “Zion, bota essa cabeça pra funcionar, pensa em um assunto, qualquer coisa” a voz da minha cabeça implorava desesperada, e acredite, era o que eu mais queria.
— Então..., Red Pills?
Ela questionou, me tirando do desespero.
— Isso, inspirado em Matrix.
Disse casualmente.
— E seu nome artístico é Neo.
Ironizou ela.
E eu a respondi com um sorriso sapeca balançando em meu rosto
— Não, mas meu nome é Zion.
E vendo sua cara surpresa e assustada, completei: Minha mãe é uma grande fã do Keanu Reeves.
Ela acenou em compreensão e pegando seu drink colorido disse:
— E o saxofone? Veio de quem?
— Meu avô sempre foi fã do blues, ele me ensinou.
Declarei.
— Dizem que pra tocar Saxofone tem que ter dedos ágeis.
Disse ela, tomando a bebida lentamente enquanto apertava suavemente sua mão com garras cor de ébano sobre meu braço em cima da mesa.
*Fim do flashback*
O motorista anuncia o destino, me tirando de terríveis devaneios que uma simples memória me deu. Desço do carro e sigo em rumo ao meu destino roboticamente. Não sinto nada, como se meu cérebro tivesse se desligado temporariamente. Às vezes sinto demais. Às vezes sinto de menos. Encaro o céu cinza escuro antes de entrar no mercado. “Vem tempestade por aí.”
Cruzando corredores com o carrinho, faço um checklist mental, “Cigarros, no caixa, desinfetante, ok, desodorante, ok.” Só me falta a janta e estou pronto para ir. Penso, refazendo meu caminho para um corredor anterior. Em momentos assim queria ser minha mãe, rápida, ágil e organizada, praticamente uma compradora nata. Sou péssimo em compras para casa, esqueço coisas essenciais e sempre acabo tendo que voltar. Sem falar que não sei fazer compras mensais.
No corredor de massas, opto pelo macarrão instantâneo, fácil de fazer, estatisticamente letal e barato. Uma morte lenta por menos de cinco reais e de brinde uma fácil refeição. Tudo que o jovem adulto gosta em poucas gramas.
Após finalizar a compra, decido voltar a pé para casa, uma caminhada de vinte minutos, me fará bem e deixará minha mente limpa. Ando por quadras conhecidas, quadras desconhecidas e quadras as quais não gostaria de lembrar. Quadras que caminhamos juntos, quadras com depósitos de paredes pichadas e grama alta. Paredes as quais a empurrei gentilmente enquanto trocávamos carícias. Suspiro profundamente, sinto ar preenchendo meus pulmões, a adrenalina correndo em minhas veias. Começo a caminhar mais rápido, meus músculos enrijecem e meu olhar se perde em um ponto no horizonte. Com o tempo, sinto o suor escorrendo pelo meu rosto e minhas pernas ficando cansadas. Já perto de casa, começo a sentir uma leve brisa que me refresca e leva ar fresco aos pulmões. Sinto meu coração se acalmando dentro do peito, minha caminhada volta ao ritmo normal e de longe já vejo a esquina de casa. Nunca serei um defensor de vício em exercício físico, mas, porra, como caminhadas assim me fazem bem. Sinto um gélido vento bater em meu rosto, um delicioso choque térmico. Deus, como é bom estar vivo. E no som de uma trovoada entro para me refugiar em casa. Exausto fisicamente e mentalmente tomo um rápido banho, guardo as compras e adormeço no sofá. Algumas horas depois, acordo com as finas batidas da garoa na minha janela. Levanto-me rapidamente, sentindo tonturas na cabeça. Visto um moletom e me preparo psicologicamente para a limpeza. Não me entenda mal, eu limpo meu espaço com certa regularidade. Mas tem coisas que sou covarde demais para encarar, para relembrar, mesmo que momentaneamente, entre o tirar do fundo da gaveta e o jogar no saco plástico. Já esperei o suficiente, posterguei mais do que deveria, então começo. Arrasto minha cama, recolhendo o que restara de uma bebedeira, garrafas vazias, bitucas de cigarro. Um pequeno pedaço de embalagem brilhosa, fruto de um presente que ganhei dela. Jogo no lixo, desviando o olhar para o banheiro. Sinto meu sangue aquecendo, minha respiração pesada e o maxilar travado. Raiva, uma velha amiga, que me leva a abrir brutalmente o espelho-armário pendurado na desbotada do banheiro. Jogo tudo dentro do saco. Uma segunda escova, há muitos dias amanhecida e sem uso, dela. Um creme hidratante de cheiro que agora me enjoa, dela. Batom, dela. No apartamento, o silêncio reina pela próxima hora, só é interrompido pelo som dos objetos sendo jogados com força dentro do saco preto, que fica cada vez maior. Meu corpo fica cada vez mais agitado, minhas células em ebulição e minha respiração mais rápida. Chego ao meu estopim enquanto arrumo a última gaveta da cômoda. Costumava guardar coisas simbólicas ali, uma palheta de um show, uma foto com meu avô e, bem no canto, escondida, fotos dela, nossas, agora que ninguém. Fotos em lugares que frequentava, dentro da minha rotina, com conhecidos. Mas ela pegou tudo. Queimou. Transformando tudo em memórias e cenários de pena. Um soluço escapa por entre meus lábios trêmulos. Minhas mãos soltam rapidamente e correm até minha boca para evitar mais deste. Porém, já é muito tarde, meus olhos já estão marejados e transbordando lentamente, meu corpo todo em constante calafrio e meu coração acelerado. Solto um grito gutural enquanto me aproximo de joelhos da cama. Minhas mãos puxam de forma síncrona meus cabelos e meu travesseiro que levo diretamente à boca, soltando outro som desesperado. Desesperado como eu. Usado, descartado, sujo, digno de pena. Meus punhos se fecham, trêmulos. E no minuto seguinte, estou socando irracionalmente minha cama de molas, outro grito se forma em minhas cordas vocais, sai em meio a um soluço e se transforma em um choro primitivo assim que toca a atmosfera fora de meus lábios. Meu corpo se curva, ficando em posição fetal, abraçado ao travesseiro que absorve os soluços. Reaprendendo a respirar, escuto a chuva lá fora, grossa e forte. O vento assobia maldosamente pelas frestas das janelas. E da cama vejo o reflexo do tempo na janela. Preto e apocalíptico. O inverno estava chegando.
Depois de horas, apenas deitado e existindo, em algum momento dentro desse espaço tempo adormeci, acordando somente no outro dia, com uma grande ressaca moral, dor de cabeça e olheiras inchadas como um Pug depressivo. Eu estava acabado, uma bagunça. Uma bagunça assim como a que juntei rapidamente depois de um amargo café preto. Logo após jogar fora meia dúzia de sacos pretos, aproveito o dia para desocupar a cabeça e passar o dia inteiro mergulhado em animes, escapando da minha própria realidade. No momento, meu maior questionamento era qual era verdadeiramente o One Piece. Passei o fim de semana mergulhado em entretenimento barato. Vendo reality shows e comédias malfeitas. Ser manipulado pela grande mídia nunca foi tão gostoso.
Capítulo 3 — Música do Diabo
*5 meses após o término* 29 de junho. Início do Inverno.
Durante esta semana tenho estado bem nostálgico. Trechos de infância que são lembrados em jantares com minha mãe e avó. Registros em foto que são mandados nos grupos de família. As mesmas fotos que ficam guardadas em álbuns amarelados de plástico de segunda mão. Essas fotos que nos dias de chuva, quando a luz acabava e as velas eram acesas, viravam passatempo. Se não fossem pelos traços de Gen Z, este relato poderia facilmente ser de um velho aposentado, dos tempos de outrora, felizmente não sou boomer. No entanto, sentia falta de um. Minha principal e única figura paterna, meu avô, que me criou, me fez rir, me fez chorar, me ensinou, me amou e principalmente me inspirou. Posso não ser o suficiente para o grande homem que ele foi, mas ele me inspira todos os dias a continuar e a viver meus sonhos. Modestos sonhos com música, felicidade e família. Hoje seria seu aniversário, faz 5 anos desde sua morte. A perda, mesmo que dolorosa, mostra a todos membros da família que é possível amar e ensinar mesmo após a morte. Criados dentro do catolicismo, hoje iríamos à igreja, acender uma vela, mas antes levaríamos flores para o seu jazido. Cravos brancos, que eram seus favoritos. No caminho para o cemitério, passo para buscar as duas matriarcas da família. E durante todo trajeto escutamos a estação de Bossa Nova, uma de suas favoritas. No começo da rua, já era possível avistar as pequenas lápides, que aumentavam de tamanho conforme nos aproximávamos, eram dispostas uma ao lado da outra ao longo do grande morro coberto com grama fofa. As lápides que de longe eram indistinguíveis, de perto podiam ser reconhecidas pelas flores que mudavam de cor e forma conforme avançávamos entre as sepulturas. O túmulo ficava abaixo de um grande ipê amarelo, sua árvore favorita, grande e majestosa. Os galhos serpenteavam pelo céu, traçando com as flores amarelas uma pintura renascentista no horizonte e no chão uma sombra fresca, que nos abrigou durante a tarde. Em algum momento, enquanto relembrávamos histórias, minha favorita de todas surgiu. Eu tinha acabado de completar 6 anos e chorava enquanto passeávamos pelo centro. O motivo? Acabara de perder meu primeiro dente de leite e copiosamente chorava com medo de perder todos os outros. Até que escuto o som de notas sopranas, que melodicamente formavam uma bela música que finalmente me acalmou. Ou pelo menos é o que as versões da história dizem. A partir deste dia, fiquei obcecado por instrumentos, mas principalmente obcecado com saxofone, que na época correspondia à metade de meu miúdo corpinho de menino. Finalmente, no meu aniversário de 10 anos, ganhei o instrumento de brilho áureo que reluzia minhas pupilas. Na época, aulas desse tipo de instrumento eram elitizadas, logo, caríssimas. Por isso, durante um ano, meu avô leu livros e mais livros, todos emprestados da grande biblioteca pública. Para aprender e me passar seus conhecimentos sobre o sax. Neste tempo, morávamos todos juntos. Assim como os saberes do meu vô cresciam conforme o tempo, nossa relação com a música crescia e se multiplicava. Juntos aprendemos a tocar, e assim tocávamos. Ecoando música por todos os cômodos da casa, tocando as favoritas da vovó, enquanto minha mãe estudava e trabalhava em período integral. Passei boa parte da minha infância ao lado dos meus avós, escutando músicas antigas na radiola, fazendo bolos e pães, e não só tocando, mas vivendo saxofone com meu avô. A primeira música que aprendi a tocar inteiramente foi Azul da cor do Mar do Tim Maia, e como uma póstuma homenagem, hoje tocaria novamente. Por isso trouxe comigo a maleta que guardava com zelo o instrumento desgastado pelo tempo e uso. Não tocava este instrumento há mais de 3 meses, mas tocaria por ele. E assim toquei. As notas se soltavam naturalmente como gotas de chuva em uma grande tempestade. Meus dedos dedilhavam com precisão os botões amarelados, enquanto minha mãe e avó assistiam emocionadas eu tocando o ritmo da música do diabo. Salmos, canções, leituras, histórias e mais histórias, preencheram o dia emocionalmente intenso. E eu estava exausto. A cada dia que passa tenho plena certeza de que possuo a capacidade emocional de uma batata. Meu cérebro já havia adormecido antes de chegar em casa, deitado na cama, completamente preenchido por gratidão, por ensinamentos e muito amor dado por meu antepassado. Durmo, descansando em uma linda noite, cheia de estrelas como ele gostava.
Durante esta semana tenho estado bem nostálgico. Trechos de infância que são lembrados em jantares com minha mãe e avó. Registros em foto que são mandados nos grupos de família. As mesmas fotos que ficam guardadas em álbuns amarelados de plástico de segunda mão. Essas fotos que nos dias de chuva, quando a luz acabava e as velas eram acesas, viravam passatempo. Se não fossem pelos traços de Gen Z, este relato poderia facilmente ser de um velho aposentado, dos tempos de outrora, felizmente não sou boomer. No entanto, sentia falta de um. Minha principal e única figura paterna, meu avô, que me criou, me fez rir, me fez chorar, me ensinou, me amou e principalmente me inspirou. Posso não ser o suficiente para o grande homem que ele foi, mas ele me inspira todos os dias a continuar e a viver meus sonhos. Modestos sonhos com música, felicidade e família. Hoje seria seu aniversário, faz 5 anos desde sua morte. A perda, mesmo que dolorosa, mostra a todos membros da família que é possível amar e ensinar mesmo após a morte. Criados dentro do catolicismo, hoje iríamos à igreja, acender uma vela, mas antes levaríamos flores para o seu jazido. Cravos brancos, que eram seus favoritos. No caminho para o cemitério, passo para buscar as duas matriarcas da família. E durante todo trajeto escutamos a estação de Bossa Nova, uma de suas favoritas. No começo da rua, já era possível avistar as pequenas lápides, que aumentavam de tamanho conforme nos aproximávamos, eram dispostas uma ao lado da outra ao longo do grande morro coberto com grama fofa. As lápides que de longe eram indistinguíveis, de perto podiam ser reconhecidas pelas flores que mudavam de cor e forma conforme avançávamos entre as sepulturas. O túmulo ficava abaixo de um grande ipê amarelo, sua árvore favorita, grande e majestosa. Os galhos serpenteavam pelo céu, traçando com as flores amarelas uma pintura renascentista no horizonte e no chão uma sombra fresca, que nos abrigou durante a tarde. Em algum momento, enquanto relembrávamos histórias, minha favorita de todas surgiu. Eu tinha acabado de completar 6 anos e chorava enquanto passeávamos pelo centro. O motivo? Acabara de perder meu primeiro dente de leite e copiosamente chorava com medo de perder todos os outros. Até que escuto o som de notas sopranas, que melodicamente formavam uma bela música que finalmente me acalmou. Ou pelo menos é o que as versões da história dizem. A partir deste dia, fiquei obcecado por instrumentos, mas principalmente obcecado com saxofone, que na época correspondia à metade de meu miúdo corpinho de menino. Finalmente, no meu aniversário de 10 anos, ganhei o instrumento de brilho áureo que reluzia minhas pupilas. Na época, aulas desse tipo de instrumento eram elitizadas, logo, caríssimas. Por isso, durante um ano, meu avô leu livros e mais livros, todos emprestados da grande biblioteca pública. Para aprender e me passar seus conhecimentos sobre o sax. Neste tempo, morávamos todos juntos. Assim como os saberes do meu vô cresciam conforme o tempo, nossa relação com a música crescia e se multiplicava. Juntos aprendemos a tocar, e assim tocávamos. Ecoando música por todos os cômodos da casa, tocando as favoritas da vovó, enquanto minha mãe estudava e trabalhava em período integral. Passei boa parte da minha infância ao lado dos meus avós, escutando músicas antigas na radiola, fazendo bolos e pães, e não só tocando, mas vivendo saxofone com meu avô. A primeira música que aprendi a tocar inteiramente foi Azul da cor do Mar do Tim Maia, e como uma póstuma homenagem, hoje tocaria novamente. Por isso trouxe comigo a maleta que guardava com zelo o instrumento desgastado pelo tempo e uso. Não tocava este instrumento há mais de 3 meses, mas tocaria por ele. E assim toquei. As notas se soltavam naturalmente como gotas de chuva em uma grande tempestade. Meus dedos dedilhavam com precisão os botões amarelados, enquanto minha mãe e avó assistiam emocionadas eu tocando o ritmo da música do diabo. Salmos, canções, leituras, histórias e mais histórias, preencheram o dia emocionalmente intenso. E eu estava exausto. A cada dia que passa tenho plena certeza de que possuo a capacidade emocional de uma batata. Meu cérebro já havia adormecido antes de chegar em casa, deitado na cama, completamente preenchido por gratidão, por ensinamentos e muito amor dado por meu antepassado. Durmo, descansando em uma linda noite, cheia de estrelas como ele gostava.
Capítulo 4 — Saia Xadrez
*6 meses após o término* 07 de Agosto. Meio do Inverno.
Após o aniversário de meu avô, o sax voltou a reinar. Tocava em casa aos sábados e folgas, uma atividade solitária, que enchia o apartamento com sons de todos os tipos. Praticar me deixava mais calmo, relaxado e menos existencialista. Andara experimentando novas músicas para que futuramente viesse tocar com a banda. Os Red Pills não se reuniam por completo há quase 6 meses, mas, vez ou outra, falava com meus queridos amigos. Especialmente Thom, meu amigo de mais longa data. Ele, desde que eu havia parado de frequentar o bar, era quem me incentivava, assim como na adolescência, onde ele era meu ombro amigo para dilemas românticos e notas baixas. Nada mais doce do que os jovens, despreocupados e sem boletos, problemas juvenis. E claro, nada melhor do que um ombro amigo.
🎤. 🎸. 🎻. 🎷. 🎺
Agosto sempre foi um mês estranho, uma espécie de limbo anual. Os dias são longos, os finais de semana nunca chegam e os queridos feriados simplesmente não existem. Este ano não seria assim, bom, pelo menos não pra mim. Minhas amadas férias remuneradas, queridinhas da CLT, haviam sido marcadas para agosto, e eu, ansioso clássico, já havia preparado inúmeras listas com objetivos mirabolantes a serem concluídos. Por isso, em plena terça-feira, estou pegando um ônibus vazio, indo em direção ao shopping. Enfim, os privilégios do ócio. Para chegar ao shopping, vou descer no ponto final do ônibus, no mesmo terminal que frequentei durante meus anos de ensino médio. Chegando ao meu destino, já enxergo as banquinhas onde comprava balas, chiclete e paçoquita. Os vendedores ambulantes que trabalham pelo centro e dentro dos ônibus, e já na plataforma, avisto nas calçadas de pedra, pombas de todos os tamanhos ciscando entre os passageiros. O som de uma trovoada me faz espiar rapidamente o céu. Nuvens pretas, concentradas em um único ponto. E, ao descer o olhar, avisto uma silhueta conhecida, do outro lado da rua. Meu estômago afunda, todas as borboletas dentro dele haviam sido mortas, mortas pela pessoa vestida com uma saia xadrez, que do outro lado da rua me encarava rapidamente antes de entrar em um ônibus velho e alaranjado. Fico sem reação por alguns segundos, ou minutos, não sei ao certo. Rodeado por pensamentos rápidos e desconexos. Ela. Eu. Aqui. Ela aqui. E eu também. Saia xadrez. Aquela bendita saia xadrez. Neste vendaval de sentimentos confusos, desperto ao sentir as primeiras gotas geladas em minhas costas. E instantaneamente corro em busca de abrigo dentro do shopping. Gosto de sair sozinho, ficar em silêncio, compensar os estrondosos pensamentos em minha cabeça. Ficar sozinho, apenas observando a movimentação, comer sem pressa, com uma música suave como trilha sonora deste passatempo solitário. Passar em frente às vitrines e ter como destino final a cheirosa biblioteca. Nem mesmo um incidente como o que acabou de acontecer mudaria meus planos, estava determinado e também com fome, afinal já passava das duas da tarde. Me dirijo à praça de alimentação, com seu característico cheiro de comida velha. Faço meu pedido e poucos minutos depois estou abocanhando um grande hambúrguer. Deus abençoe o fast-food. Comendo em silêncio, aprecio brevemente o momento. Este é o grande problema do silêncio, abre espaço para barulhentos e intrusivos pensamentos. Como: “Por que eu tive que encontrá-la?”, “Por que hoje?”, neste lugar e com aquela maldita saia sexy. Me odeio por me fazer pensar sobre isso, mas também não possuo nenhum controle sobre estes pensamentos que me invadem, tomando conta de tudo, como um mar em ressaca. Se molhar é inevitável, assim como pensar no jeito que arranquei aquela belíssima saia. Caminho até a livraria com a cabeça nas nuvens. Assim que entro na loja, sinto o característico e confortável cheiro de livros novos. Percorrendo as imensas estantes, dedilhado livros de diferentes cores e tamanhos, assim como dedilhei aquele corpo em um, agora infernal, dia de verão.
*Início do flashback* 27 de Dezembro do ano anterior. Começo do Verão.
Não a via desde antes do Natal. E mal podia esperar pelo momento que a campainha tocasse, cessando o frio na minha barriga. Já havia começado a arrumar o apartamento pela manhã. Roupas dobradas e guardadas, louça lavada e até mesmo pano no chão passei. Minha casa estava arrumada e cheirosa, e agora bastava um longo banho para que eu obtivesse o mesmo resultado. Lavo meus cabelos recém cortados com shampoo de damasco. O corpo com sabonete de cacau. E após o longo banho, finalizei com hidratante de coco, deixando minhas tatuagens contrastadas. Estava me transformando inconscientemente em sobremesa. E, sinceramente, torcia para que aquela mulher de olhos vorazes me devorasse por inteiro. Para vestir, opto por roupas leves, afinal o verão já castigava lá fora. Bermuda de malha cinza escuro, confortável e fácil de tirar, e uma camiseta genérica de heavy metal. Passo também um perfume amadeirado que impregna como fumaça em minhas roupas. Satisfeito, me sento no sofá, colocando a série que havíamos começado para assistir enquanto a espero.
🎤. 🎸. 🎻. 🎷. 🎺
Alguns bons minutos depois, ela havia chegado, afobada e um pouco suada por conta do tempo que clareava todo o apartamento. Hoje, ao contrário do usual, vestia roupas claras e quentes, que contrastavam com o tom frio de sua pele. Uma blusa cor de gelo com um colarinho que escondia seu pescoço, pescoço que estava doido para beijar há semanas. Uma saia xadrez vermelha, que deixava seu corpo em formato de ampulheta, saia que eu contava os minutos para arrancar às pressas. Agora, aninhados no sofá, trocamos carícias com as mãos, enquanto nossos olhos não se encontram. Minha mão acaricia sua cintura macia por baixo da fina blusa, enquanto a sua repousa em volta do meu braço. Com o rosto encaixado entre seu ombro, deixo meus lábios beijarem atrás de sua orelha, ao mesmo tempo sua pele se contraí por inteiro, arrepiada. Com um impulso intencional, sinto nossos quadris se chocando, enquanto sou pressionado contra o sofá. Ela tira seus cabelos do caminho, deixando a passagem para o seu pescoço limpa. Sinto seu cheiro lentamente, tão perto que posso ouvir sua respiração lenta. Minha língua resolve se divertir, caminha lentamente entre o pedaço de pele aparente, até chegar ao seu lóbulo, que mordisco de maneira sapeca. Sinto suas coxas se movimentarem, esquentando meu ventre. Ao virar seu rosto pra mim, consigo ver suas pupilas escuras em desejo. Também sentiu minha falta. Suas mãos deslizam para o meu pescoço, me guiando em um lascivo beijo. Sua língua quente, em contato com meu hálito fresco, o choque térmico perfeito. Minhas mãos entrelaçam suas madeixas, enquanto você senta sobre mim, deixando uma perna de cada lado, me encurralando como uma viúva negra. A sala fica mais quente e o som da tv vira plano de fundo para a música de nossos lábios. Beijos molhados, gemidos e grunhidos a cada movimento de seus quadris em meu colo. Sua blusa logo vai ao chão, expondo seu colo decorado com a já conhecida tatuagem de dragão e seus seios guardados com uma lingerie vermelha e preta, que formava desenhos com tecido, mas não escondia seus mamilos. Dentro da bermuda, ainda coberto por muito tecido, sinto meu membro clamar por movimento, mas meus olhos estão presos em seus seios. Eu me sento, ela passa seu dedo autoritariamente em meu pescoço, segurando meu queixo para encará-la. Dá um sorriso de lado e diz:
— Sabe o seu presente de Natal?
Acenei com a cabeça em concordância. E ela, em meio a uma risada sedutora, finalizou:
— O meu eu já ganhei. Hoje é sua vez de receber o seu.
— Por isso que você está vestida de vermelho, mamãe Noel?
— Estava pensando mais em presente mesmo, que você desembrulha, mas o que você preferir.
Ela disse, finalizando o diálogo, roçando o nariz em meu pescoço ao mesmo tempo que dá uma longa rebolada sobre mim. Aperto sua cintura com minhas mãos, intensificando o movimento. Em aprovação, ela aperta meus ombros e tira minha camisa. Meu dedos apertam seu seio enquanto recebo beijos e unhas arranhando suavemente meu pescoço. Flexiono meu quadril embaixo do seu e ela tira o sutiã, exibindo os bicos de seus seios enrijecidos. Sem mais delongas, minha língua se apressa, cobrindo cada pedaço de pele recém-descoberta. Roço levemente meus dentes entre seu mamilo e ela solta um gemido baixo em aprovação. Nosso ritmo começa a tomar forma quando nossos quadris começam a se mexer instintivamente, um sobre o outro. Desligo a tv rapidamente, não quero nenhum som atrapalhando nosso desejo. Minha mão sobe, segurando seu pescoço, enquanto fricciono minha pélvis contra sua intimidade. Olhando em meus olhos, ela desce de meu colo, suas mãos passeiam sobre minha bermuda, meu pênis se contrai quando ela o aperta sobre o grosso tecido. Engulo seco, apreensivo pelo momento. Ajoelhando-se, leva minha bermuda ao chão e entre as minhas pernas começa a beijar o volume coberto pela boxer. Suas pernas cruzadas e a cabeça baixa, só sua saia atrapalhava a visão do paraíso. Puxo-a sob seu olhar confuso, retirando a peça que faltava, revelando o último laço do presente. Paro para olhar, mordendo meu lábio inferior, enquanto ela retira também sua calcinha, me olhando com a sobrancelha arqueada em sinal de desafio. Ao abaixar novamente, leva ao chão minha cueca. Deixando meu pênis, que goteja em desejo, à mostra. Então, arranhando levemente uma de minhas coxas, começa a traçar um caminho com a língua entre a coxa e a base de meu membro, deixando para trás a pele em chamas, e eu ardendo em desejo. Masturbando-me lentamente com uma das mãos, sua boca entra em contato com minha glande, contornando-a com a língua. Suspiro exasperado. E seus lábios terminam o caminho, lambuzando meu pênis por completo. Seus movimentos são lentos e provocativos. Como uma tortura sexual. Se apoiando em minhas pernas, ela leva meu membro inteiro à boca, quente e molhada. Solto um gemido, que a incentiva a chupar cada vez mais rápido. Aproveito o momento, sentindo ondas de choque invadirem meu corpo e tensionando meus quadris. Em um ato instintivo, seguro seus cabelos, intensificando os movimentos, seu olhar concentrado me deixa cada vez mais excitado. E sentindo sensações familiares em meu corpo, paro, pois estava prestes a gozar. Ela sobe novamente no sofá, com um olhar sapeca, e se deita do outro lado. Me convidando com os olhos para se aproximar. E eu me aproximo, roçando nossas intimidades enquanto avanço diretamente para a sua clavícula, beijando-a enquanto sinto nossas peles se tocando, ficando ao seu lado, junto nosso lábios enquanto meu dedo desliza entre seus grandes lábios. Molhando-se lentamente enquanto meu dedo acaricia sua intimidade, ela deixa escapar gemidos baixos, que me arrepiam os pelos da nuca. Suas pernas se abrem, dando mais espaço para meus movimentos. Agora com dois dedos, me concentro em seu clitóris e ela segurando em meu pescoço se contorce com os olhos fechados. Seus quadris começam a se movimentar em sincronia com meus dedos, que finalmente penetram sua boceta, suas pernas se fecham e suas cordas vocais soltam um gemido mais alto e grave que revira meu interior. Revezando entre seu clitóris e vagina, deixo ela usar meus dedos como um brinquedo, enquanto seu quadril movimenta-se livremente e sua respiração torna-se descompassada. Agora, completamente molhada, ela me puxa, ficando por baixo, meu membro, mais duro do que nunca, roça sua entrada, totalmente lubrificada. Ela geme, me lançando um olhar 43. Com suas mãos em meu pescoço, alcanço o preservativo no bolso da bermuda e, me desvencilhando rapidamente, visto-o sobre meu membro ereto. Começo esfregando lentamente a cabeça do meu pênis sobre seu clitóris sensível. Nossos olhos vidrados se encaram durante este momento, então a penetro por completo, acabando com espaço restante entre nossos corpos pegando fogo. Solto um grunhido baixo, antes de retirá-lo novamente, os movimentos começam lentos, provocando nossa libido. Seu interior quente é preenchido lentamente, a mesma medida que aperta e envolve deliciosamente meu membro. Ela entrelaça suas pernas em minha cintura, enquanto eu a penetro cada vez mais fundo. Os sons de nossos gemidos ecoam pelo apartamento, enquanto eu aperto gentilmente seu pescoço. Seus olhos rolam em luxúria antes de mudar de posição. Agora de quatro, nossos movimentos são mais velozes, selvagens. Minha mão aperta sua bunda enquanto ela se mexe intensificando meus movimentos. Seus cabelos grudam em suas costas suadas, seus olhos fechados e seus lábios pressionados controlando um gemido. Sem poder me conter, puxo seus cabelos, trazendo-a para perto, e ela repousa sua cabeça em meu ombro, enquanto adentro seu interior ferozmente. O choque entre nossos corpos fica cada vez mais rápido e barulhento. Solto um gemido grave, sentindo uma sensação de formigamento em meu baixo-abdome. Com os cabelos suados, sabia que iria gozar a qualquer momento. Guio sua mão, antes presa em minha nuca em direção ao seu ponto mais sensível. E meu polegar aperta seus mamilos enquanto ela se masturba freneticamente, soltando sons descompassados. À medida que nossos movimentos se tornam mais intensos, seu corpo tomba, afundando a cabeça no tecido do sofá. E só ouço palavras desconexas como “rápido” e “forte”. Meus músculos começam a tensionar em desejo e prazer que seus gemidos me trazem e, em uma súplica, me esvaio dentro de sua boceta que contrai, levando suas coxas a terem pequenos tremores epiléticos e um grunhido abafado pelo sofá. Ela também atingiu o clímax. Retirando a camisinha, deito-me ao lado do corpo nu exposto no sofá, deixando minha cabeça descansar sobre suas costas que se movem rapidamente em busca de fôlego.
*Fim do flashback*
— Senhor, senhor, pode vir aqui.
Escuto a moça do caixa me chamando e me tirando de profanas lembranças que um quase relacionamento me proporcionou. Após pagar o livro, me despeço do shopping, indo para casa a pé, evitando caminhos conhecidos. Curiosamente, o título do livro que havia comprado era “Não se auto atrapalhe”. Uma leitura que eu vigorosamente precisava.
Após o aniversário de meu avô, o sax voltou a reinar. Tocava em casa aos sábados e folgas, uma atividade solitária, que enchia o apartamento com sons de todos os tipos. Praticar me deixava mais calmo, relaxado e menos existencialista. Andara experimentando novas músicas para que futuramente viesse tocar com a banda. Os Red Pills não se reuniam por completo há quase 6 meses, mas, vez ou outra, falava com meus queridos amigos. Especialmente Thom, meu amigo de mais longa data. Ele, desde que eu havia parado de frequentar o bar, era quem me incentivava, assim como na adolescência, onde ele era meu ombro amigo para dilemas românticos e notas baixas. Nada mais doce do que os jovens, despreocupados e sem boletos, problemas juvenis. E claro, nada melhor do que um ombro amigo.
Agosto sempre foi um mês estranho, uma espécie de limbo anual. Os dias são longos, os finais de semana nunca chegam e os queridos feriados simplesmente não existem. Este ano não seria assim, bom, pelo menos não pra mim. Minhas amadas férias remuneradas, queridinhas da CLT, haviam sido marcadas para agosto, e eu, ansioso clássico, já havia preparado inúmeras listas com objetivos mirabolantes a serem concluídos. Por isso, em plena terça-feira, estou pegando um ônibus vazio, indo em direção ao shopping. Enfim, os privilégios do ócio. Para chegar ao shopping, vou descer no ponto final do ônibus, no mesmo terminal que frequentei durante meus anos de ensino médio. Chegando ao meu destino, já enxergo as banquinhas onde comprava balas, chiclete e paçoquita. Os vendedores ambulantes que trabalham pelo centro e dentro dos ônibus, e já na plataforma, avisto nas calçadas de pedra, pombas de todos os tamanhos ciscando entre os passageiros. O som de uma trovoada me faz espiar rapidamente o céu. Nuvens pretas, concentradas em um único ponto. E, ao descer o olhar, avisto uma silhueta conhecida, do outro lado da rua. Meu estômago afunda, todas as borboletas dentro dele haviam sido mortas, mortas pela pessoa vestida com uma saia xadrez, que do outro lado da rua me encarava rapidamente antes de entrar em um ônibus velho e alaranjado. Fico sem reação por alguns segundos, ou minutos, não sei ao certo. Rodeado por pensamentos rápidos e desconexos. Ela. Eu. Aqui. Ela aqui. E eu também. Saia xadrez. Aquela bendita saia xadrez. Neste vendaval de sentimentos confusos, desperto ao sentir as primeiras gotas geladas em minhas costas. E instantaneamente corro em busca de abrigo dentro do shopping. Gosto de sair sozinho, ficar em silêncio, compensar os estrondosos pensamentos em minha cabeça. Ficar sozinho, apenas observando a movimentação, comer sem pressa, com uma música suave como trilha sonora deste passatempo solitário. Passar em frente às vitrines e ter como destino final a cheirosa biblioteca. Nem mesmo um incidente como o que acabou de acontecer mudaria meus planos, estava determinado e também com fome, afinal já passava das duas da tarde. Me dirijo à praça de alimentação, com seu característico cheiro de comida velha. Faço meu pedido e poucos minutos depois estou abocanhando um grande hambúrguer. Deus abençoe o fast-food. Comendo em silêncio, aprecio brevemente o momento. Este é o grande problema do silêncio, abre espaço para barulhentos e intrusivos pensamentos. Como: “Por que eu tive que encontrá-la?”, “Por que hoje?”, neste lugar e com aquela maldita saia sexy. Me odeio por me fazer pensar sobre isso, mas também não possuo nenhum controle sobre estes pensamentos que me invadem, tomando conta de tudo, como um mar em ressaca. Se molhar é inevitável, assim como pensar no jeito que arranquei aquela belíssima saia. Caminho até a livraria com a cabeça nas nuvens. Assim que entro na loja, sinto o característico e confortável cheiro de livros novos. Percorrendo as imensas estantes, dedilhado livros de diferentes cores e tamanhos, assim como dedilhei aquele corpo em um, agora infernal, dia de verão.
*Início do flashback* 27 de Dezembro do ano anterior. Começo do Verão.
Não a via desde antes do Natal. E mal podia esperar pelo momento que a campainha tocasse, cessando o frio na minha barriga. Já havia começado a arrumar o apartamento pela manhã. Roupas dobradas e guardadas, louça lavada e até mesmo pano no chão passei. Minha casa estava arrumada e cheirosa, e agora bastava um longo banho para que eu obtivesse o mesmo resultado. Lavo meus cabelos recém cortados com shampoo de damasco. O corpo com sabonete de cacau. E após o longo banho, finalizei com hidratante de coco, deixando minhas tatuagens contrastadas. Estava me transformando inconscientemente em sobremesa. E, sinceramente, torcia para que aquela mulher de olhos vorazes me devorasse por inteiro. Para vestir, opto por roupas leves, afinal o verão já castigava lá fora. Bermuda de malha cinza escuro, confortável e fácil de tirar, e uma camiseta genérica de heavy metal. Passo também um perfume amadeirado que impregna como fumaça em minhas roupas. Satisfeito, me sento no sofá, colocando a série que havíamos começado para assistir enquanto a espero.
Alguns bons minutos depois, ela havia chegado, afobada e um pouco suada por conta do tempo que clareava todo o apartamento. Hoje, ao contrário do usual, vestia roupas claras e quentes, que contrastavam com o tom frio de sua pele. Uma blusa cor de gelo com um colarinho que escondia seu pescoço, pescoço que estava doido para beijar há semanas. Uma saia xadrez vermelha, que deixava seu corpo em formato de ampulheta, saia que eu contava os minutos para arrancar às pressas. Agora, aninhados no sofá, trocamos carícias com as mãos, enquanto nossos olhos não se encontram. Minha mão acaricia sua cintura macia por baixo da fina blusa, enquanto a sua repousa em volta do meu braço. Com o rosto encaixado entre seu ombro, deixo meus lábios beijarem atrás de sua orelha, ao mesmo tempo sua pele se contraí por inteiro, arrepiada. Com um impulso intencional, sinto nossos quadris se chocando, enquanto sou pressionado contra o sofá. Ela tira seus cabelos do caminho, deixando a passagem para o seu pescoço limpa. Sinto seu cheiro lentamente, tão perto que posso ouvir sua respiração lenta. Minha língua resolve se divertir, caminha lentamente entre o pedaço de pele aparente, até chegar ao seu lóbulo, que mordisco de maneira sapeca. Sinto suas coxas se movimentarem, esquentando meu ventre. Ao virar seu rosto pra mim, consigo ver suas pupilas escuras em desejo. Também sentiu minha falta. Suas mãos deslizam para o meu pescoço, me guiando em um lascivo beijo. Sua língua quente, em contato com meu hálito fresco, o choque térmico perfeito. Minhas mãos entrelaçam suas madeixas, enquanto você senta sobre mim, deixando uma perna de cada lado, me encurralando como uma viúva negra. A sala fica mais quente e o som da tv vira plano de fundo para a música de nossos lábios. Beijos molhados, gemidos e grunhidos a cada movimento de seus quadris em meu colo. Sua blusa logo vai ao chão, expondo seu colo decorado com a já conhecida tatuagem de dragão e seus seios guardados com uma lingerie vermelha e preta, que formava desenhos com tecido, mas não escondia seus mamilos. Dentro da bermuda, ainda coberto por muito tecido, sinto meu membro clamar por movimento, mas meus olhos estão presos em seus seios. Eu me sento, ela passa seu dedo autoritariamente em meu pescoço, segurando meu queixo para encará-la. Dá um sorriso de lado e diz:
— Sabe o seu presente de Natal?
Acenei com a cabeça em concordância. E ela, em meio a uma risada sedutora, finalizou:
— O meu eu já ganhei. Hoje é sua vez de receber o seu.
— Por isso que você está vestida de vermelho, mamãe Noel?
— Estava pensando mais em presente mesmo, que você desembrulha, mas o que você preferir.
Ela disse, finalizando o diálogo, roçando o nariz em meu pescoço ao mesmo tempo que dá uma longa rebolada sobre mim. Aperto sua cintura com minhas mãos, intensificando o movimento. Em aprovação, ela aperta meus ombros e tira minha camisa. Meu dedos apertam seu seio enquanto recebo beijos e unhas arranhando suavemente meu pescoço. Flexiono meu quadril embaixo do seu e ela tira o sutiã, exibindo os bicos de seus seios enrijecidos. Sem mais delongas, minha língua se apressa, cobrindo cada pedaço de pele recém-descoberta. Roço levemente meus dentes entre seu mamilo e ela solta um gemido baixo em aprovação. Nosso ritmo começa a tomar forma quando nossos quadris começam a se mexer instintivamente, um sobre o outro. Desligo a tv rapidamente, não quero nenhum som atrapalhando nosso desejo. Minha mão sobe, segurando seu pescoço, enquanto fricciono minha pélvis contra sua intimidade. Olhando em meus olhos, ela desce de meu colo, suas mãos passeiam sobre minha bermuda, meu pênis se contrai quando ela o aperta sobre o grosso tecido. Engulo seco, apreensivo pelo momento. Ajoelhando-se, leva minha bermuda ao chão e entre as minhas pernas começa a beijar o volume coberto pela boxer. Suas pernas cruzadas e a cabeça baixa, só sua saia atrapalhava a visão do paraíso. Puxo-a sob seu olhar confuso, retirando a peça que faltava, revelando o último laço do presente. Paro para olhar, mordendo meu lábio inferior, enquanto ela retira também sua calcinha, me olhando com a sobrancelha arqueada em sinal de desafio. Ao abaixar novamente, leva ao chão minha cueca. Deixando meu pênis, que goteja em desejo, à mostra. Então, arranhando levemente uma de minhas coxas, começa a traçar um caminho com a língua entre a coxa e a base de meu membro, deixando para trás a pele em chamas, e eu ardendo em desejo. Masturbando-me lentamente com uma das mãos, sua boca entra em contato com minha glande, contornando-a com a língua. Suspiro exasperado. E seus lábios terminam o caminho, lambuzando meu pênis por completo. Seus movimentos são lentos e provocativos. Como uma tortura sexual. Se apoiando em minhas pernas, ela leva meu membro inteiro à boca, quente e molhada. Solto um gemido, que a incentiva a chupar cada vez mais rápido. Aproveito o momento, sentindo ondas de choque invadirem meu corpo e tensionando meus quadris. Em um ato instintivo, seguro seus cabelos, intensificando os movimentos, seu olhar concentrado me deixa cada vez mais excitado. E sentindo sensações familiares em meu corpo, paro, pois estava prestes a gozar. Ela sobe novamente no sofá, com um olhar sapeca, e se deita do outro lado. Me convidando com os olhos para se aproximar. E eu me aproximo, roçando nossas intimidades enquanto avanço diretamente para a sua clavícula, beijando-a enquanto sinto nossas peles se tocando, ficando ao seu lado, junto nosso lábios enquanto meu dedo desliza entre seus grandes lábios. Molhando-se lentamente enquanto meu dedo acaricia sua intimidade, ela deixa escapar gemidos baixos, que me arrepiam os pelos da nuca. Suas pernas se abrem, dando mais espaço para meus movimentos. Agora com dois dedos, me concentro em seu clitóris e ela segurando em meu pescoço se contorce com os olhos fechados. Seus quadris começam a se movimentar em sincronia com meus dedos, que finalmente penetram sua boceta, suas pernas se fecham e suas cordas vocais soltam um gemido mais alto e grave que revira meu interior. Revezando entre seu clitóris e vagina, deixo ela usar meus dedos como um brinquedo, enquanto seu quadril movimenta-se livremente e sua respiração torna-se descompassada. Agora, completamente molhada, ela me puxa, ficando por baixo, meu membro, mais duro do que nunca, roça sua entrada, totalmente lubrificada. Ela geme, me lançando um olhar 43. Com suas mãos em meu pescoço, alcanço o preservativo no bolso da bermuda e, me desvencilhando rapidamente, visto-o sobre meu membro ereto. Começo esfregando lentamente a cabeça do meu pênis sobre seu clitóris sensível. Nossos olhos vidrados se encaram durante este momento, então a penetro por completo, acabando com espaço restante entre nossos corpos pegando fogo. Solto um grunhido baixo, antes de retirá-lo novamente, os movimentos começam lentos, provocando nossa libido. Seu interior quente é preenchido lentamente, a mesma medida que aperta e envolve deliciosamente meu membro. Ela entrelaça suas pernas em minha cintura, enquanto eu a penetro cada vez mais fundo. Os sons de nossos gemidos ecoam pelo apartamento, enquanto eu aperto gentilmente seu pescoço. Seus olhos rolam em luxúria antes de mudar de posição. Agora de quatro, nossos movimentos são mais velozes, selvagens. Minha mão aperta sua bunda enquanto ela se mexe intensificando meus movimentos. Seus cabelos grudam em suas costas suadas, seus olhos fechados e seus lábios pressionados controlando um gemido. Sem poder me conter, puxo seus cabelos, trazendo-a para perto, e ela repousa sua cabeça em meu ombro, enquanto adentro seu interior ferozmente. O choque entre nossos corpos fica cada vez mais rápido e barulhento. Solto um gemido grave, sentindo uma sensação de formigamento em meu baixo-abdome. Com os cabelos suados, sabia que iria gozar a qualquer momento. Guio sua mão, antes presa em minha nuca em direção ao seu ponto mais sensível. E meu polegar aperta seus mamilos enquanto ela se masturba freneticamente, soltando sons descompassados. À medida que nossos movimentos se tornam mais intensos, seu corpo tomba, afundando a cabeça no tecido do sofá. E só ouço palavras desconexas como “rápido” e “forte”. Meus músculos começam a tensionar em desejo e prazer que seus gemidos me trazem e, em uma súplica, me esvaio dentro de sua boceta que contrai, levando suas coxas a terem pequenos tremores epiléticos e um grunhido abafado pelo sofá. Ela também atingiu o clímax. Retirando a camisinha, deito-me ao lado do corpo nu exposto no sofá, deixando minha cabeça descansar sobre suas costas que se movem rapidamente em busca de fôlego.
*Fim do flashback*
— Senhor, senhor, pode vir aqui.
Escuto a moça do caixa me chamando e me tirando de profanas lembranças que um quase relacionamento me proporcionou. Após pagar o livro, me despeço do shopping, indo para casa a pé, evitando caminhos conhecidos. Curiosamente, o título do livro que havia comprado era “Não se auto atrapalhe”. Uma leitura que eu vigorosamente precisava.
Capítulo 5 — Limbo
*6 meses após o término* 15 de Agosto. Meio do Inverno.
Após meu “acidente” na livraria, estava evitando ficar com a cabeça vazia. E por isso havia começado vários hobbies. Já tinha tentado corrida e caminhada, mas meu físico de fumante não colaborou e esta ideia foi para a gaveta. Agora estava começando práticas do yoga, que se resumem a alongamentos que deixam relaxado e também flexível. Junto à meditação e o sono em dia, eu estava me sentindo o próprio Dalai Lama. Todos os meus compromissos estavam em dia e eu havia organizado minha “agenda” para que aproveitasse o tempo de hiato. Quarta iria à feira de orgânicos que acontecia na praça central. Sexta, seria preenchida com um almoço em família, na casa da minha mãe. E, por fim, no sábado, iria atrás de peças novas para meu querido saxofone. E hoje me restava maratonar séries enquanto devorava uma comida japonesa. Deslizando meu dedo despreocupadamente pelo feed do Instagram, me deparo com uma foto de uma roda gigante, que iluminava a rua em uma foto noturna. Consigo me lembrar deste lugar, uma vista linda da cidade, alguns pipoqueiros e uma enorme fila. O belíssimo monumento da foto já havia sido visitado por mim e por ela.
*Início do flashback* 31 de Outubro do ano anterior. Ápice da Primavera.
O halloween havia chegado. Mesmo sendo um feriado tradicionalmente estadunidense, nós tínhamos um grande apreço por essa data. Por isso, eu e ela havíamos combinado de ir, junto aos meus amigos da banda, a uma roda gigante perto do shopping. Aqueles que estivessem fantasiados, teriam entrada franca, por isso fomos de “Lost in translation” eu de blazer e camisa amarela e ela com uma peruca chanel rosa chiclete. O local já estava cheio. Pessoas fantasiadas de grandes clássicos, maquiagem e purpurina. Balões e pipoca eram vendidos por ambulantes por metro quadrado e as luzes coloridas que saíam da roda gigante iluminavam a rua toda, pintando a face de todos com a cor refletida. Neste momento, sinto um flash de luz. Ela havia tirado uma foto, e comigo sorrindo, tira uma segunda. As guardaria para sempre, no fundo da carteira.
*Fim do flashback*
Minha boca havia se curvado em um bico de contragosto. Tentando não pensar no lapso de memória tido há pouco, peço comida japonesa. E pela madrugada à frente me concentrei em maratonar os filmes da MCU.
🎤. 🎸. 🎻. 🎷. 🎺
Quarta-feira havia chegado. E o céu azulado não fazia jus ao frio que batia em meu rosto. Era de manhã, e eu caminhava em direção à feira de orgânicos. Carregando minha ecobag, passeava entre bancas com frutas e verduras de todas as cores. Em meio às compras, aceno para conhecidos que também moram nas redondezas. Na seção de leguminosas, escolhi uma alaranjada abóbora que levaria para o almoço na sexta-feira. Após a compra de vegetais, volto para casa, abarrotado de frutas coloridas e pinhão, característico do inverno. Sentado em frente à mesa, me lembro de um curto diálogo que tive na primeira vez que fomos ao mercado juntos.
*Início do flashback* 22 de Setembro do ano anterior. Começo da Primavera.
Coloco o último pacote de miojo no carrinho de supermercado, já lotado com alimentos processados e de fácil preparo. A semana seria agitada e eu estava sem tempo. Caminho preguiçosamente até o caixa até que a voz dela me desperta:
— Não vai levar nada verde?
Respondo com um olhar confuso e ela completa:
— Verdura, fruta, sei lá, qualquer comida de verdade.
Rindo do rumo que a conversa estava tomando, respondo:
— Não, tô sem tempo irmão essa semana.
Balançando a cabeça em sinal de desistência, ela finaliza:
— Melhor começar a ter, desse jeito não vou cuidar de você velhinho.
E logo depois encostou sua cabeça em meu ombro.
*Fim do flashback*
Estava começando a perder a paciência comigo mesmo. Achei que memórias assim estavam enterradas, mas na verdade estavam se tornando cada vez mais frequentes. Ao contrário do começo do dia, o tempo agora estava cinzento, como todos os outros. E eu, absorto em pensamentos, tinha pegado o saxofone e tocava ritmos lentos e saudosistas, encarando as nuvens lá fora pela janela do quarto.
🎤. 🎸. 🎻. 🎷. 🎺
A semana passara se arrastando, mas finalmente sexta-feira tinha chegado. Passei o final da manhã testando uma receita especial. Abóbora Cabotiá recheada com carne seca. Um dos pratos preferidos de minha mãe, que descia apressada as escadas para abrir o portão de sua casa. Antigamente, nossa. Fora isso, nada havia mudado. As escadas cercadas por muretas floridas, que trocavam de cores e flores conforme avançamos. As grades cor de terra que cercavam a casa, evitavam que pitchuca, nossa vira-lata caramelo, fugisse para os jardins. E a memorável porta amarela, que destoa de todas da rua. Dentro de casa, samambaias e outras plantas verdes fazem parte da decoração, junto às fotos de toda a família, da infância à velhice. Na mesa posta, uma variedade de pratos, comidas de todos os gostos, para todos os gostos. Como é bom ir à casa de minha mãe. Sentada na ponta da mesa, com os cabelos encaracolados presos em um coque, minha vó me aguarda e eu peço benção, sentando ao seu lado. Sendo seu único neto, era o favorito e sempre muito mimado. Olhando pela cozinha, recordo-me de minha infância, solitária sem primos ou irmãos, mas ao mesmo tempo repleta de memórias com meus avós, que cuidavam de mim enquanto minha mãe trabalhava. Mãos sujas de farinha, fazendo pão. Ou sujas de terra, cuidando do jardim. Assim eram minhas tardes, já a noite, o ritual era diferente. Todos os dias elas, minha mãe e avó, sentavam-se no sofá e escutavam a mim e meu avô tocando o querido saxofone. Comendo ao som da animada conversa entre as duas mulheres, observava tudo calado, aproveitando o momento de calma. Percebendo a oportunidade, minha vó começa a me bombardear de perguntas relacionadas a trabalho e sobre como eu precisava de um novo corte de cabelo, que deveria comer mais e que deveria me cuidar mais. Respondi a todas essas perguntas o mais educadamente possível. Se fosse outra pessoa, senão da minha querida família, já teria dado o dedo. Ao chegar ao tópico de relacionamentos, as perguntas da matriarca foram ainda mais duras:
— Você tá com uma cara de cansado meu filho, aconteceu alguma coisa?
— Não, vó.
— Tá com uma carinha de triste, você tá passando muito tempo sozinho. E a menina lá?
— Que menina?
Questiono, engolindo seco e me fazendo de desentendido. Mas minha avó, muito astuta, percebe e complementa:
— Aquela educada, que vivia sorrindo. Não deu certo?
Fingindo casualidade, para camuflar meu evidente desconforto, respondo tentando finalizar a conversa:
— A gente nunca teve nada, vó. Era só uma amiga.
E com as sobrancelhas arqueadas, mas com um olhar de pena, ela conclui:
— Mas pareciam ter.
E aquela frase foi meu estopim. O problema de ser discreto quanto a relacionamentos, é que a qualquer sinal de um, pessoas próximas a você levam aquilo como um grande compromisso, algo promissor e com futuro. E, quando dá errado, elas sentem pena, tratam como o fim do mundo, e talvez fosse. Mas se ela soubesse. Se a mulher ao meu lado soubesse o que me foi dito, feito e escrito por aquela que ela chama de “educada”, seus cabelos brancos ficariam em pé, e em vez de pena, sentiria raiva, a mesma que estou sentindo agora.
*Início do flashback* 22 de janeiro. Ápice do Verão.
O sol queimava minha nuca enquanto ouvia, aquela que chamava de namorada queimar meus neurônios com palavras mais afiadas que facas:
— Você quer acabar como seu avô? Amargurado, sem ter conquistado nada na vida!
Meus olhos se arregalaram, ouvindo as palavras proferidas pela morena.
— Não se faça de inocente, Zion, eu sei que você se demitiu, ouvi o telefonema.
— Você prefere que eu viva infeliz? Sem tocar, em um emprego de merda que ainda por cima paga pouco.
— Com certeza é melhor do que dizer para os meus pais que está desempregado.
— Não sou desempregado, sou músico.
— Alguns dizem que é a mesma coisa.
Ela disse, batendo a porta logo em seguida. Mas o que ela não sabia era que amanhã iríamos tocar na frente de vários agentes, que iam a bares, como o Moscatel, em busca de bandas em ascensão.
*Fim do flashback*
Prometi para mim mesmo que não lembraria mais daquela noite. Era covarde demais para isso, covarde demais para assumir o que havia acontecido. Estava preso em um limbo de memórias.
🎤. 🎸. 🎻. 🎷. 🎺
A loja de instrumentos estava lotada, afinal era sábado, e músicos de todas as idades testavam e compravam diversos aparatos. Eu havia escolhido um kit de limpeza e manutenção, meu velho instrumento já estava precisando de reparos e cuidado. No meio da fila para realizar o pagamento, me encontro com Thom, que não via presencialmente há alguns meses. Tivemos uma longa conversa até o caminho para o caixa. Ele finaliza nosso rápido encontro me chamando para o parque com os outros membros da banda. Antes que pudesse contestar, ele me tranquiliza, se despedindo:
— Não se preocupa, cara, tá todo mundo com saudades. Te mando os detalhes por mensagem.
E me deixou assistindo-o partir pela porta de vidro.
Após meu “acidente” na livraria, estava evitando ficar com a cabeça vazia. E por isso havia começado vários hobbies. Já tinha tentado corrida e caminhada, mas meu físico de fumante não colaborou e esta ideia foi para a gaveta. Agora estava começando práticas do yoga, que se resumem a alongamentos que deixam relaxado e também flexível. Junto à meditação e o sono em dia, eu estava me sentindo o próprio Dalai Lama. Todos os meus compromissos estavam em dia e eu havia organizado minha “agenda” para que aproveitasse o tempo de hiato. Quarta iria à feira de orgânicos que acontecia na praça central. Sexta, seria preenchida com um almoço em família, na casa da minha mãe. E, por fim, no sábado, iria atrás de peças novas para meu querido saxofone. E hoje me restava maratonar séries enquanto devorava uma comida japonesa. Deslizando meu dedo despreocupadamente pelo feed do Instagram, me deparo com uma foto de uma roda gigante, que iluminava a rua em uma foto noturna. Consigo me lembrar deste lugar, uma vista linda da cidade, alguns pipoqueiros e uma enorme fila. O belíssimo monumento da foto já havia sido visitado por mim e por ela.
*Início do flashback* 31 de Outubro do ano anterior. Ápice da Primavera.
O halloween havia chegado. Mesmo sendo um feriado tradicionalmente estadunidense, nós tínhamos um grande apreço por essa data. Por isso, eu e ela havíamos combinado de ir, junto aos meus amigos da banda, a uma roda gigante perto do shopping. Aqueles que estivessem fantasiados, teriam entrada franca, por isso fomos de “Lost in translation” eu de blazer e camisa amarela e ela com uma peruca chanel rosa chiclete. O local já estava cheio. Pessoas fantasiadas de grandes clássicos, maquiagem e purpurina. Balões e pipoca eram vendidos por ambulantes por metro quadrado e as luzes coloridas que saíam da roda gigante iluminavam a rua toda, pintando a face de todos com a cor refletida. Neste momento, sinto um flash de luz. Ela havia tirado uma foto, e comigo sorrindo, tira uma segunda. As guardaria para sempre, no fundo da carteira.
*Fim do flashback*
Minha boca havia se curvado em um bico de contragosto. Tentando não pensar no lapso de memória tido há pouco, peço comida japonesa. E pela madrugada à frente me concentrei em maratonar os filmes da MCU.
Quarta-feira havia chegado. E o céu azulado não fazia jus ao frio que batia em meu rosto. Era de manhã, e eu caminhava em direção à feira de orgânicos. Carregando minha ecobag, passeava entre bancas com frutas e verduras de todas as cores. Em meio às compras, aceno para conhecidos que também moram nas redondezas. Na seção de leguminosas, escolhi uma alaranjada abóbora que levaria para o almoço na sexta-feira. Após a compra de vegetais, volto para casa, abarrotado de frutas coloridas e pinhão, característico do inverno. Sentado em frente à mesa, me lembro de um curto diálogo que tive na primeira vez que fomos ao mercado juntos.
*Início do flashback* 22 de Setembro do ano anterior. Começo da Primavera.
Coloco o último pacote de miojo no carrinho de supermercado, já lotado com alimentos processados e de fácil preparo. A semana seria agitada e eu estava sem tempo. Caminho preguiçosamente até o caixa até que a voz dela me desperta:
— Não vai levar nada verde?
Respondo com um olhar confuso e ela completa:
— Verdura, fruta, sei lá, qualquer comida de verdade.
Rindo do rumo que a conversa estava tomando, respondo:
— Não, tô sem tempo irmão essa semana.
Balançando a cabeça em sinal de desistência, ela finaliza:
— Melhor começar a ter, desse jeito não vou cuidar de você velhinho.
E logo depois encostou sua cabeça em meu ombro.
*Fim do flashback*
Estava começando a perder a paciência comigo mesmo. Achei que memórias assim estavam enterradas, mas na verdade estavam se tornando cada vez mais frequentes. Ao contrário do começo do dia, o tempo agora estava cinzento, como todos os outros. E eu, absorto em pensamentos, tinha pegado o saxofone e tocava ritmos lentos e saudosistas, encarando as nuvens lá fora pela janela do quarto.
A semana passara se arrastando, mas finalmente sexta-feira tinha chegado. Passei o final da manhã testando uma receita especial. Abóbora Cabotiá recheada com carne seca. Um dos pratos preferidos de minha mãe, que descia apressada as escadas para abrir o portão de sua casa. Antigamente, nossa. Fora isso, nada havia mudado. As escadas cercadas por muretas floridas, que trocavam de cores e flores conforme avançamos. As grades cor de terra que cercavam a casa, evitavam que pitchuca, nossa vira-lata caramelo, fugisse para os jardins. E a memorável porta amarela, que destoa de todas da rua. Dentro de casa, samambaias e outras plantas verdes fazem parte da decoração, junto às fotos de toda a família, da infância à velhice. Na mesa posta, uma variedade de pratos, comidas de todos os gostos, para todos os gostos. Como é bom ir à casa de minha mãe. Sentada na ponta da mesa, com os cabelos encaracolados presos em um coque, minha vó me aguarda e eu peço benção, sentando ao seu lado. Sendo seu único neto, era o favorito e sempre muito mimado. Olhando pela cozinha, recordo-me de minha infância, solitária sem primos ou irmãos, mas ao mesmo tempo repleta de memórias com meus avós, que cuidavam de mim enquanto minha mãe trabalhava. Mãos sujas de farinha, fazendo pão. Ou sujas de terra, cuidando do jardim. Assim eram minhas tardes, já a noite, o ritual era diferente. Todos os dias elas, minha mãe e avó, sentavam-se no sofá e escutavam a mim e meu avô tocando o querido saxofone. Comendo ao som da animada conversa entre as duas mulheres, observava tudo calado, aproveitando o momento de calma. Percebendo a oportunidade, minha vó começa a me bombardear de perguntas relacionadas a trabalho e sobre como eu precisava de um novo corte de cabelo, que deveria comer mais e que deveria me cuidar mais. Respondi a todas essas perguntas o mais educadamente possível. Se fosse outra pessoa, senão da minha querida família, já teria dado o dedo. Ao chegar ao tópico de relacionamentos, as perguntas da matriarca foram ainda mais duras:
— Você tá com uma cara de cansado meu filho, aconteceu alguma coisa?
— Não, vó.
— Tá com uma carinha de triste, você tá passando muito tempo sozinho. E a menina lá?
— Que menina?
Questiono, engolindo seco e me fazendo de desentendido. Mas minha avó, muito astuta, percebe e complementa:
— Aquela educada, que vivia sorrindo. Não deu certo?
Fingindo casualidade, para camuflar meu evidente desconforto, respondo tentando finalizar a conversa:
— A gente nunca teve nada, vó. Era só uma amiga.
E com as sobrancelhas arqueadas, mas com um olhar de pena, ela conclui:
— Mas pareciam ter.
E aquela frase foi meu estopim. O problema de ser discreto quanto a relacionamentos, é que a qualquer sinal de um, pessoas próximas a você levam aquilo como um grande compromisso, algo promissor e com futuro. E, quando dá errado, elas sentem pena, tratam como o fim do mundo, e talvez fosse. Mas se ela soubesse. Se a mulher ao meu lado soubesse o que me foi dito, feito e escrito por aquela que ela chama de “educada”, seus cabelos brancos ficariam em pé, e em vez de pena, sentiria raiva, a mesma que estou sentindo agora.
*Início do flashback* 22 de janeiro. Ápice do Verão.
O sol queimava minha nuca enquanto ouvia, aquela que chamava de namorada queimar meus neurônios com palavras mais afiadas que facas:
— Você quer acabar como seu avô? Amargurado, sem ter conquistado nada na vida!
Meus olhos se arregalaram, ouvindo as palavras proferidas pela morena.
— Não se faça de inocente, Zion, eu sei que você se demitiu, ouvi o telefonema.
— Você prefere que eu viva infeliz? Sem tocar, em um emprego de merda que ainda por cima paga pouco.
— Com certeza é melhor do que dizer para os meus pais que está desempregado.
— Não sou desempregado, sou músico.
— Alguns dizem que é a mesma coisa.
Ela disse, batendo a porta logo em seguida. Mas o que ela não sabia era que amanhã iríamos tocar na frente de vários agentes, que iam a bares, como o Moscatel, em busca de bandas em ascensão.
*Fim do flashback*
Prometi para mim mesmo que não lembraria mais daquela noite. Era covarde demais para isso, covarde demais para assumir o que havia acontecido. Estava preso em um limbo de memórias.
A loja de instrumentos estava lotada, afinal era sábado, e músicos de todas as idades testavam e compravam diversos aparatos. Eu havia escolhido um kit de limpeza e manutenção, meu velho instrumento já estava precisando de reparos e cuidado. No meio da fila para realizar o pagamento, me encontro com Thom, que não via presencialmente há alguns meses. Tivemos uma longa conversa até o caminho para o caixa. Ele finaliza nosso rápido encontro me chamando para o parque com os outros membros da banda. Antes que pudesse contestar, ele me tranquiliza, se despedindo:
— Não se preocupa, cara, tá todo mundo com saudades. Te mando os detalhes por mensagem.
E me deixou assistindo-o partir pela porta de vidro.
Capítulo 6 — Pílula Vermelha
*8 meses após o término* 7 de Setembro. Fim do Inverno.
O inverno estava chegando ao fim, deixando temperaturas amenas, flores que desabrochavam aos pares e principalmente insetos que pousavam insistentemente em meu caldo de cana. Cana, gelo, limão e abelhas, o drink mais pedido no parque. As últimas semanas vem sendo cada vez mais agradáveis, talvez seja o clima, ou as férias que me descontraíram de tamanha rotina, descontentamento e solidão. Passei a tocar todos os dias, clássicos, jazz, blues e até mesmo pop. Passei a ver família e amigos com mais frequência. E até exercícios físicos andara fazendo. Mas o que verdadeiramente importa é a retomada de antigos e bons hábitos. Como este, a vinda ao parque com amigos da banda, que não se reunia há alguns meses. Sentindo o Sol tocar a pele, esquentando-a. Ouvindo a conversa furada invadir a cabeça, divertindo os neurônios. Tomando álcool em bebidas adocicadas, embebedando-me suavemente. A primavera estava chegando, e eu me permitia florescer. O primeiro desafio da frutificação já havia surgido. Em meio a conversas descontraídas sob o Sol, um convite “inocente”, mas puramente ensaiado, vindo daqueles a quem chamo de amigos me fez suar frio e repensar tudo o que havia passado. Queriam reunir a banda para tocar, como de costume, no velho Moscatel. Tantas preparações, metas e objetivos mirabolantes que já havia concluído para poder chegar aqui certamente não haviam me preparado para o soco no estômago que levei desta pergunta. Pensar no assunto me faria desistir de imediato, por isso, irracionalmente disse um sim trêmulo. Este sussurro em concordância ecoou em minha cabeça durante toda a semana, contudo, isso não a impediu de se despedir rapidamente. Os dias passaram, como um rápido rio, e nada, nem mesmo as mais monótonas tarefas do trabalho, os impediram de seguir seu curso. A deriva de pensamentos, e ansiedade generalizada, o grande dia chegou, e eu ainda encarava meu reflexo, vestido de camisa jeans e calça skinny preta com correntes laterais. Nem mesmo a melhor roupa me daria segurança para hoje. Queria me esconder, queria ficar o dia inteiro abraçado com o travesseiro, pensando no que poderia ter sido. Afinal os “e se” soam muito menos dolorosos do que se arriscar novamente quando já se tem cicatrizes. Mas o tempo para desistir passara, pois o barulho da campainha já era escutado por todo o apartamento. Minha mãe e avó haviam chegado, convidei-as para assistir de camarote, nas banquetas de metal, meu glow-up, minha volta por cima, ou quem sabe, minha ruína mais profunda. Isso descobriríamos apenas às dezessete horas do dia de hoje. Ao contrário do resto da semana, as últimas horas passaram arrastando-se lentamente, como uma tortura chinesa. O almoço em família durou horas. A comida mal toquei e todas as perguntas ansiosas de minha família foram respondidas roboticamente. Afinal minha cabeça estava concentrada em dilemas mais profundos.
🎤. 🎸. 🎻. 🎷. 🎺
Os ponteiros do relógio em meu pulso já marcavam 16:45. E eu estava em frente à vermelha e irreconhecível porta do backstage. Um pouco desgastada pelo tempo, mas facilmente reconhecida por quem já esteve aqui. O acesso ao palco e espaço dos artistas, chamar de camarim seria uma grande hipérbole, se dá pela rua lateral do bar, dentro de um pequeno beco entre o Moscatel e outro estabelecimento. A fachada de tijolos vermelho-terrosos não absorve todo o som, e de longe é possível ouvir vozes, gritarias e o inconfundível som de ritmo, presença no palco, energia na plateia, ou seja, o inconfundível som de música. Antes de abrir a porta, lembro de todos os momentos que me levaram até aqui, não que este fosse um grande show, mas seria um grande passo para todas as minhas inseguranças. Desde as minhas primeiras aulas com meu avô, minha adolescência como “o músico” da turma, minhas apresentações com o Red Pills. Infelizmente, qualquer que fosse o ponto de partida, o acontecimento daquele fatídico dia seria inevitável.
*Início do flashback* 23 de janeiro. Ápice do Verão.
Depois da discussão, minha amada não entrou em contato comigo. Mas eu ainda ligava, sempre caindo na caixa postal. Hoje era um grande dia para o Red Pills, e queria que ela estivesse presente. Não deixaria uma discussão, acalorada pelo momento, estragar isso. Após inúmeras ligações, deixo uma mensagem pedindo para que entrasse em contato comigo:
“Desculpe se fui grosso ontem, estou nervoso pela apresentação. Vem pro Moscatel, está cheio de agente musical aqui hoje, preciso de você. Vou pra lá as 15:00”.
Ansioso demais para esperar a resposta, fui diretamente para o bar, encontrar os amigos que já instalavam seus respectivos instrumentos. O backstage estava lotado de fios e caixas de som, e em meio à bagunça, muitos músicos iam e vinham. Hoje teriam mais de 20 bandas tocando aqui, tudo por causa de um evento de música que faria seletivas no bar. E antes de entrarmos no palco, um dos booking managers veio nos cumprimentar pessoalmente, dizendo que estava em busca de bandas diferentes do usual, como a nossa. Dito isso, precisávamos elevar o nível, afinal seria uma das poucas chances que teríamos de sair do anonimato. Absorto por este pensamento, não sinto o celular vibrar no bolso no momento em que subo no palco. A luz amarelada não permite que eu veja a plateia, não consigo saber se ela veio ao show. Por isso me posiciono na lateral, sem me importar com o que acontece à volta. Glória faz nossa apresentação e o solo de bateria inicial se inicia. As luzes começaram a enfraquecer e adquirir um tom azulado, o bar estava escuro, e o palco era iluminado pelas cores primárias. Antes de me juntar aos meus amigos na música, dou uma rápida olhada na plateia e neste momento minha ruína estava escrita, feita, e eu havia acabado de ser castigado por um Deus antigo e desconhecido. Minhas mãos perdem força, solto o saxofone, que não caí por estar preso em meu pescoço. Sinto meu suor frio escorrer lentamente, enquanto observo a cena. Ela estava com outro. Ela estava com outro em meu show, olhando nos meus olhos, mas de mãos dadas com um desconhecido. A banda percebe meu estado e finaliza apenas uma música. Saindo do palco rapidamente e me levando arrastado. De volta ao camarote, sinto a luz machucar minha vista e o ar começa a faltar nos pulmões. Ando de um lado para o outro, respirando rapidamente, em busca de oxigênio, mas ele me falta, meus pulmões falham e eu caio sentado na cadeira. Ouço o som de muitas perguntas, mas não sou capaz de assimilar nenhuma delas. Solto um soluço desesperado enquanto as lágrimas escorrem em meu rosto. Ela estava com outro e nem havia me avisado. Soluço mais alto. Ela estava com outra pessoa e ainda assim veio aqui. Lágrimas escorrem. Minhas mãos trêmulas alcançam o copo d'água que Glória me serve. E de longe consigo ouvir a voz do agente que conheci mais cedo:
— Como vou contratar uma banda que um dos integrantes tem medo de palco? Nada feito, viver de música não é para amadores.
Ele bateu a porta antes que nós pudéssemos dizer alguma coisa. E naquele momento eu descobri, havia fodido a maior oportunidade de todos os meus amigos. Consternado, tento me levantar para ir atrás do homem que havia deixado o camarim. Mas antes que chegasse à porta, minha visão escureceu.
🎤. 🎸. 🎻. 🎷. 🎺
Acordo subitamente, mas não estou no palco, no camarim, nem mesmo no Moscatel. Estou em casa, sendo observado por Thomas. E desesperado falo desconexamente, tentando manter o ar nos pulmões:
— A banda, ela, o cara foi embora, eu fodi tudo.
— Relaxa, cara, tá tudo bem. A gente toca outro dia.
— Mas era única, nossa única oportunidade.
— Zion, a vida não é feita de oportunidades únicas, e sim de erros e acertos. Tá tudo bem, ninguém está te culpando. Menos a Glória, melhor não falar com ela agora.
Deito no sofá, esfregando o rosto, e meu amigo já na porta finaliza antes de sair:
— Descansa e dá uma olhada no seu telefone, acho que sua mãe te ligou, deve estar preocupada sem notícias suas.
Nos cumprimentamos com um aceno e, quando ele sai, alcanço o aparelho que ainda estava no bolso da calça. A mensagem não havia sido enviada por minha mãe, mas sim por ela. Que acabou de foder com meu role. Seu perfil estava sem foto, ou horário de visualização e continha uma única e longa mensagem: “Não queria ter que terminar deste jeito, mas você não me deu outra opção. Não tenho saúde mental pra lidar com sua baixa autoestima, não sou a pessoa que você precisa. Achei que isso ia mudar com o tempo, mas cada dia que passava sua impaciência ficava mais irritante. Preciso de alguém que me dê segurança, que queira construir alguma coisa na vida, que almeja algo, sabe. Sei que você não é assim, gosta das coisas simples, que nem sua família. Você acha que pode seguir seus sonhos e tá tudo bem, mas eu vivo no mundo real. E não precisa se preocupar, ele é legal, politizado, você iria gostar dele. Estávamos conversando há um tempo e acabou rolando. Ele me pediu em namoro ontem, coisa que você nunca mostrou interesse em fazer. Ele é atencioso, me responde rápido, trabalha no banco e eu gosto muito dele. Agora vejo isso.” O denso conteúdo da mensagem foi finalizado com outras frases curtas. “Não posso mais continuar com isso, sinto muito”, “Não me ligue mais”, “Me desculpe qualquer coisa”. Lendo tudo aquilo, me senti culpado, menosprezado e usado. Como não havia percebido sua frieza? Por que ela não me falou sobre suas queixas? Como ela ousou falar com desdém sobre minha família que sempre foi gentil com ela? Esta e inúmeras outras perguntas rondavam minha cabeça, enquanto eu quebrava todos os pratos da casa, fumando um maço de cigarro. E o som que tocava era um completo vazio, como meu peito. E cinza, como o tempo lá fora.
*Fim do flashback*
Hiperventilando, sentia a adrenalina correndo em minhas veias, não deixaria ela estragar minha vida. De novo. Não perderia outra chance. Determinado, escancaro a porta, assustando meus amigos que já estavam lá dentro. Sobre o olhar confuso de todos, anuncio:
— Vou começar sozinho, com um cover que aprendi recentemente.
Glória, revirando os olhos, disse:
— Só não fode tudo, de novo.
Sem tempo para suas reclamações, já havia subido sozinho no palco sob os olhares atentos da plateia. E após um suspiro profundo, anuncio no microfone central:
— Eu faço parte do Red Pills, vou começar o show sozinho hoje. Esse cover é dedicado a todos os erros que cometi na vida e para todos aqueles que ainda vou cometer, porque a vida é sobre isso. Erros e acertos, e tudo aquilo que a gente aprende no meio deles. Obrigado.
*Coloque esta música para tocar agora*
As luzes se apagam e nota por nota a música toma conta do local, meus olhos se fecham em calmaria e minhas mãos encontram segurança, tocando os botões certos. Nada transmitiria tanta paz quanto este momento.
🎤. 🎸. 🎻. 🎷. 🎺
A apresentação terminou após tocarmos 4 ou 5 músicas autorais. Independente de tudo, me sentia feliz e satisfeito. E, pela primeira vez, livre de culpa. Livre de vozes que me apontavam o dedo. Conversando descontraidamente em uma das mesas, sinto uma mão em meu ombro e olho para ver quem é. O agente com aspecto senhorio sorri para todos e diz:
— Meus jovens, que belo show. O que acham de tocar no festival de blues da cidade?
Uma simples frase que arrancou sorrisos de todos os presentes na mesa.
*Fim do flashback*
02 de abril, 38 anos depois.
Essas lembranças estavam confusas, com o aumento da idade e com o passar do anos. Como uma névoa, que eu desvendava para acertar o caminho. Caminho que levava para o começo de minha carreira, novos amores e a criação de velhos hábitos. O local em que estava era claro, paredes brancas, com alguns cartazes informativos colados sem um padrão definido. Uma placa, acima de todas as outras dizia Centro de oncologia do hospital de clínicas. Lembrei-me do motivo de estar aqui e por isso solto um pesaroso suspiro. Antes que pudesse pensar em qualquer outra coisa, sou tirado de meus pensamentos por uma voz:
— Senhor Zion, está me ouvindo?
Olho para a dona da voz. Uma mulher, na casa dos trinta anos, sentada no meio da roda. Depois de um longo silêncio, confirmo com a cabeça e ela continua:
— Já faz um ano que o senhor vem aqui, o que acha de se abrir com a gente hoje?
— Meu nome é Zion, tenho 61 anos e perdi minha esposa neste lugar há 1 ano. O motivo de eu frequentar este lugar? Acho que nunca lidei muito bem com perdas.
— Muito bem, Zion, e tem alguma coisa que você gostaria de dizer para sua mulher?
— Faz 1 ano que seu lado da cama esfriou, 1 ano que o rosto por mim beijado foi substituído por uma imagem vazia, sem vida, assim como meu peito e o tempo lá fora. Onde havia música, agora tem silêncio. As fotos na cabeceira foram substituídas por poeira, e eu, antes inebriado por seu toque, sofro todos os dias por não poder te dizer o quanto eu te amei, Glória.
O inverno estava chegando ao fim, deixando temperaturas amenas, flores que desabrochavam aos pares e principalmente insetos que pousavam insistentemente em meu caldo de cana. Cana, gelo, limão e abelhas, o drink mais pedido no parque. As últimas semanas vem sendo cada vez mais agradáveis, talvez seja o clima, ou as férias que me descontraíram de tamanha rotina, descontentamento e solidão. Passei a tocar todos os dias, clássicos, jazz, blues e até mesmo pop. Passei a ver família e amigos com mais frequência. E até exercícios físicos andara fazendo. Mas o que verdadeiramente importa é a retomada de antigos e bons hábitos. Como este, a vinda ao parque com amigos da banda, que não se reunia há alguns meses. Sentindo o Sol tocar a pele, esquentando-a. Ouvindo a conversa furada invadir a cabeça, divertindo os neurônios. Tomando álcool em bebidas adocicadas, embebedando-me suavemente. A primavera estava chegando, e eu me permitia florescer. O primeiro desafio da frutificação já havia surgido. Em meio a conversas descontraídas sob o Sol, um convite “inocente”, mas puramente ensaiado, vindo daqueles a quem chamo de amigos me fez suar frio e repensar tudo o que havia passado. Queriam reunir a banda para tocar, como de costume, no velho Moscatel. Tantas preparações, metas e objetivos mirabolantes que já havia concluído para poder chegar aqui certamente não haviam me preparado para o soco no estômago que levei desta pergunta. Pensar no assunto me faria desistir de imediato, por isso, irracionalmente disse um sim trêmulo. Este sussurro em concordância ecoou em minha cabeça durante toda a semana, contudo, isso não a impediu de se despedir rapidamente. Os dias passaram, como um rápido rio, e nada, nem mesmo as mais monótonas tarefas do trabalho, os impediram de seguir seu curso. A deriva de pensamentos, e ansiedade generalizada, o grande dia chegou, e eu ainda encarava meu reflexo, vestido de camisa jeans e calça skinny preta com correntes laterais. Nem mesmo a melhor roupa me daria segurança para hoje. Queria me esconder, queria ficar o dia inteiro abraçado com o travesseiro, pensando no que poderia ter sido. Afinal os “e se” soam muito menos dolorosos do que se arriscar novamente quando já se tem cicatrizes. Mas o tempo para desistir passara, pois o barulho da campainha já era escutado por todo o apartamento. Minha mãe e avó haviam chegado, convidei-as para assistir de camarote, nas banquetas de metal, meu glow-up, minha volta por cima, ou quem sabe, minha ruína mais profunda. Isso descobriríamos apenas às dezessete horas do dia de hoje. Ao contrário do resto da semana, as últimas horas passaram arrastando-se lentamente, como uma tortura chinesa. O almoço em família durou horas. A comida mal toquei e todas as perguntas ansiosas de minha família foram respondidas roboticamente. Afinal minha cabeça estava concentrada em dilemas mais profundos.
Os ponteiros do relógio em meu pulso já marcavam 16:45. E eu estava em frente à vermelha e irreconhecível porta do backstage. Um pouco desgastada pelo tempo, mas facilmente reconhecida por quem já esteve aqui. O acesso ao palco e espaço dos artistas, chamar de camarim seria uma grande hipérbole, se dá pela rua lateral do bar, dentro de um pequeno beco entre o Moscatel e outro estabelecimento. A fachada de tijolos vermelho-terrosos não absorve todo o som, e de longe é possível ouvir vozes, gritarias e o inconfundível som de ritmo, presença no palco, energia na plateia, ou seja, o inconfundível som de música. Antes de abrir a porta, lembro de todos os momentos que me levaram até aqui, não que este fosse um grande show, mas seria um grande passo para todas as minhas inseguranças. Desde as minhas primeiras aulas com meu avô, minha adolescência como “o músico” da turma, minhas apresentações com o Red Pills. Infelizmente, qualquer que fosse o ponto de partida, o acontecimento daquele fatídico dia seria inevitável.
*Início do flashback* 23 de janeiro. Ápice do Verão.
Depois da discussão, minha amada não entrou em contato comigo. Mas eu ainda ligava, sempre caindo na caixa postal. Hoje era um grande dia para o Red Pills, e queria que ela estivesse presente. Não deixaria uma discussão, acalorada pelo momento, estragar isso. Após inúmeras ligações, deixo uma mensagem pedindo para que entrasse em contato comigo:
“Desculpe se fui grosso ontem, estou nervoso pela apresentação. Vem pro Moscatel, está cheio de agente musical aqui hoje, preciso de você. Vou pra lá as 15:00”.
Ansioso demais para esperar a resposta, fui diretamente para o bar, encontrar os amigos que já instalavam seus respectivos instrumentos. O backstage estava lotado de fios e caixas de som, e em meio à bagunça, muitos músicos iam e vinham. Hoje teriam mais de 20 bandas tocando aqui, tudo por causa de um evento de música que faria seletivas no bar. E antes de entrarmos no palco, um dos booking managers veio nos cumprimentar pessoalmente, dizendo que estava em busca de bandas diferentes do usual, como a nossa. Dito isso, precisávamos elevar o nível, afinal seria uma das poucas chances que teríamos de sair do anonimato. Absorto por este pensamento, não sinto o celular vibrar no bolso no momento em que subo no palco. A luz amarelada não permite que eu veja a plateia, não consigo saber se ela veio ao show. Por isso me posiciono na lateral, sem me importar com o que acontece à volta. Glória faz nossa apresentação e o solo de bateria inicial se inicia. As luzes começaram a enfraquecer e adquirir um tom azulado, o bar estava escuro, e o palco era iluminado pelas cores primárias. Antes de me juntar aos meus amigos na música, dou uma rápida olhada na plateia e neste momento minha ruína estava escrita, feita, e eu havia acabado de ser castigado por um Deus antigo e desconhecido. Minhas mãos perdem força, solto o saxofone, que não caí por estar preso em meu pescoço. Sinto meu suor frio escorrer lentamente, enquanto observo a cena. Ela estava com outro. Ela estava com outro em meu show, olhando nos meus olhos, mas de mãos dadas com um desconhecido. A banda percebe meu estado e finaliza apenas uma música. Saindo do palco rapidamente e me levando arrastado. De volta ao camarote, sinto a luz machucar minha vista e o ar começa a faltar nos pulmões. Ando de um lado para o outro, respirando rapidamente, em busca de oxigênio, mas ele me falta, meus pulmões falham e eu caio sentado na cadeira. Ouço o som de muitas perguntas, mas não sou capaz de assimilar nenhuma delas. Solto um soluço desesperado enquanto as lágrimas escorrem em meu rosto. Ela estava com outro e nem havia me avisado. Soluço mais alto. Ela estava com outra pessoa e ainda assim veio aqui. Lágrimas escorrem. Minhas mãos trêmulas alcançam o copo d'água que Glória me serve. E de longe consigo ouvir a voz do agente que conheci mais cedo:
— Como vou contratar uma banda que um dos integrantes tem medo de palco? Nada feito, viver de música não é para amadores.
Ele bateu a porta antes que nós pudéssemos dizer alguma coisa. E naquele momento eu descobri, havia fodido a maior oportunidade de todos os meus amigos. Consternado, tento me levantar para ir atrás do homem que havia deixado o camarim. Mas antes que chegasse à porta, minha visão escureceu.
Acordo subitamente, mas não estou no palco, no camarim, nem mesmo no Moscatel. Estou em casa, sendo observado por Thomas. E desesperado falo desconexamente, tentando manter o ar nos pulmões:
— A banda, ela, o cara foi embora, eu fodi tudo.
— Relaxa, cara, tá tudo bem. A gente toca outro dia.
— Mas era única, nossa única oportunidade.
— Zion, a vida não é feita de oportunidades únicas, e sim de erros e acertos. Tá tudo bem, ninguém está te culpando. Menos a Glória, melhor não falar com ela agora.
Deito no sofá, esfregando o rosto, e meu amigo já na porta finaliza antes de sair:
— Descansa e dá uma olhada no seu telefone, acho que sua mãe te ligou, deve estar preocupada sem notícias suas.
Nos cumprimentamos com um aceno e, quando ele sai, alcanço o aparelho que ainda estava no bolso da calça. A mensagem não havia sido enviada por minha mãe, mas sim por ela. Que acabou de foder com meu role. Seu perfil estava sem foto, ou horário de visualização e continha uma única e longa mensagem: “Não queria ter que terminar deste jeito, mas você não me deu outra opção. Não tenho saúde mental pra lidar com sua baixa autoestima, não sou a pessoa que você precisa. Achei que isso ia mudar com o tempo, mas cada dia que passava sua impaciência ficava mais irritante. Preciso de alguém que me dê segurança, que queira construir alguma coisa na vida, que almeja algo, sabe. Sei que você não é assim, gosta das coisas simples, que nem sua família. Você acha que pode seguir seus sonhos e tá tudo bem, mas eu vivo no mundo real. E não precisa se preocupar, ele é legal, politizado, você iria gostar dele. Estávamos conversando há um tempo e acabou rolando. Ele me pediu em namoro ontem, coisa que você nunca mostrou interesse em fazer. Ele é atencioso, me responde rápido, trabalha no banco e eu gosto muito dele. Agora vejo isso.” O denso conteúdo da mensagem foi finalizado com outras frases curtas. “Não posso mais continuar com isso, sinto muito”, “Não me ligue mais”, “Me desculpe qualquer coisa”. Lendo tudo aquilo, me senti culpado, menosprezado e usado. Como não havia percebido sua frieza? Por que ela não me falou sobre suas queixas? Como ela ousou falar com desdém sobre minha família que sempre foi gentil com ela? Esta e inúmeras outras perguntas rondavam minha cabeça, enquanto eu quebrava todos os pratos da casa, fumando um maço de cigarro. E o som que tocava era um completo vazio, como meu peito. E cinza, como o tempo lá fora.
*Fim do flashback*
Hiperventilando, sentia a adrenalina correndo em minhas veias, não deixaria ela estragar minha vida. De novo. Não perderia outra chance. Determinado, escancaro a porta, assustando meus amigos que já estavam lá dentro. Sobre o olhar confuso de todos, anuncio:
— Vou começar sozinho, com um cover que aprendi recentemente.
Glória, revirando os olhos, disse:
— Só não fode tudo, de novo.
Sem tempo para suas reclamações, já havia subido sozinho no palco sob os olhares atentos da plateia. E após um suspiro profundo, anuncio no microfone central:
— Eu faço parte do Red Pills, vou começar o show sozinho hoje. Esse cover é dedicado a todos os erros que cometi na vida e para todos aqueles que ainda vou cometer, porque a vida é sobre isso. Erros e acertos, e tudo aquilo que a gente aprende no meio deles. Obrigado.
*Coloque esta música para tocar agora*
As luzes se apagam e nota por nota a música toma conta do local, meus olhos se fecham em calmaria e minhas mãos encontram segurança, tocando os botões certos. Nada transmitiria tanta paz quanto este momento.
A apresentação terminou após tocarmos 4 ou 5 músicas autorais. Independente de tudo, me sentia feliz e satisfeito. E, pela primeira vez, livre de culpa. Livre de vozes que me apontavam o dedo. Conversando descontraidamente em uma das mesas, sinto uma mão em meu ombro e olho para ver quem é. O agente com aspecto senhorio sorri para todos e diz:
— Meus jovens, que belo show. O que acham de tocar no festival de blues da cidade?
Uma simples frase que arrancou sorrisos de todos os presentes na mesa.
*Fim do flashback*
02 de abril, 38 anos depois.
Essas lembranças estavam confusas, com o aumento da idade e com o passar do anos. Como uma névoa, que eu desvendava para acertar o caminho. Caminho que levava para o começo de minha carreira, novos amores e a criação de velhos hábitos. O local em que estava era claro, paredes brancas, com alguns cartazes informativos colados sem um padrão definido. Uma placa, acima de todas as outras dizia Centro de oncologia do hospital de clínicas. Lembrei-me do motivo de estar aqui e por isso solto um pesaroso suspiro. Antes que pudesse pensar em qualquer outra coisa, sou tirado de meus pensamentos por uma voz:
— Senhor Zion, está me ouvindo?
Olho para a dona da voz. Uma mulher, na casa dos trinta anos, sentada no meio da roda. Depois de um longo silêncio, confirmo com a cabeça e ela continua:
— Já faz um ano que o senhor vem aqui, o que acha de se abrir com a gente hoje?
— Meu nome é Zion, tenho 61 anos e perdi minha esposa neste lugar há 1 ano. O motivo de eu frequentar este lugar? Acho que nunca lidei muito bem com perdas.
— Muito bem, Zion, e tem alguma coisa que você gostaria de dizer para sua mulher?
— Faz 1 ano que seu lado da cama esfriou, 1 ano que o rosto por mim beijado foi substituído por uma imagem vazia, sem vida, assim como meu peito e o tempo lá fora. Onde havia música, agora tem silêncio. As fotos na cabeceira foram substituídas por poeira, e eu, antes inebriado por seu toque, sofro todos os dias por não poder te dizer o quanto eu te amei, Glória.
FIM
Nota da autora: Sem nota.
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