Capítulo Único
’s POV
Acordei com a luz do sol invadindo meus olhos e observei a cama de areia (se é que aquilo podia ser chamado de cama) ser levada pelo vento selvagem à medida que eu me levantava e ia em direção a um cavalo preto, com asas, que estava mais um pouco à frente.
— Oi. — Estendi minha mão em sua direção para tentar cumprimentá-lo e ele respondeu com um tipo de reverência. Aquele sonho se tornava cada vez mais frequente e eu já sabia até onde o cavalo me levaria. Ou Blackjack, como eu havia começado a chamá-lo depois dos diversos encontros. Seguimos pela praia até parar em frente a uma garota loira e desci do meu cavalo, me aproximando de onde ela estava parada.
— . — Seus olhos, que eram uma mistura da cor das rochas e do mar que as atingiam com força, me transmitiam calma, ao mesmo tempo em que eu ficava cada vez mais curioso para saber quem era ela, como sabia meu nome e se ela sequer existia. — Estamos ficando sem tempo. Acorda, ! — Levantei da cama em um pulo e engoli em seco ao ver que não tinha mais ninguém no quarto. Por que aqueles sonhos pareciam ser tão reais?
— Pelo menos o vento frio tem uma explicação — falei para mim mesmo, ao notar a janela do meu quarto escancarada, mesmo não me lembrando de tê-la deixado assim. Cerrei os olhos ao ver uma silhueta enorme no céu, que se aproximava cada vez mais de onde eu estava, e me belisquei para saber se aquilo era real. — Ai! — À medida que ela chegava mais perto, ia tomando a forma de um cavalo… com asas? — Blackjack? — questionei ao ver o animal parado em frente à minha janela e ele apenas assentiu com a cabeça. — Louco com dezoito anos, que ótimo.
— ? — Ouvi uma voz vindo da direção do cavalo à minha frente e pulei para trás.
— No sonho você não falava.
— Não é o cavalo. Atrás dele. — Blackjack se afastou e consegui visualizar uma forma estranha, feita de água, com um rosto dentro. — Eu me chamo Teseu.
— Moço, você é um tipo de alienígena?
— , eu sou seu irmão. — Arregalei os olhos ao escutar aquela frase, me perguntando mentalmente o motivo de meu irmão ser uma bolha de água.
— Podia ser pior, você poderia ser o meu pai… — Soltei um risinho, mas percebi que o meu suposto novo irmão permanecia sério.
— Me esqueci que você não conhece nada do nosso mundo. Eu estou falando por meio da água, porque não pude ir até você. Tenho que cuidar de tudo por aqui no fundo do oceano.
— Onde? — falei incrédulo ao que estava ouvindo.
— Escute, , estamos ficando sem tempo. — A mesma frase que a garota dos meus sonhos falou. — Pensei que os avisos que eu havia mandado eram suficientes, mas não, nosso pai fez questão de não falar nada pra você.
— Os sonhos? Você quer dizer…
— Sim, eu os controlava.
— Nosso pai? Você o conhece?
— E você também. Quem não conhece Poseidon?
— O quê?
— , você é um semideus. Nunca se perguntou o motivo de ser mais forte do que as outras crianças?
— Não, eu pensava que era a puberdade chegando. Mas peraí, você acabou de falar que o meu pai é o Poseidon. Por que minha mãe nunca mencionou isso?
— Isso são perguntas para outro momento. Escute, tem uma profecia…
— Tem o quê?
— Dá para você me deixar terminar?
— Desculpa, é porque eu meio que acabei de descobrir que sou filho de um deus.
— Não tenho muito tempo, mas você vai precisar de ajuda para desvendar a profecia.
— Tá legal, e qual é?
— Cronos irá buscar reerguer-se e, se isso acontecer, consequências terríveis atingirão a Terra e todos que nela residem. Somente um dos filhos dos três grandes poderá detê-lo.
— Tenho várias perguntas.
— Que serão respondidas depois. Prepare-se, você terá que partir logo.
— O quê? Eu pensei que poderia pedir ajuda à minha mãe.
— Os sonhos, . Lembre deles.
— A garota? Ela é a chave? — Eu pensei que apenas ia vê-la nos sonhos, mas pelo visto ela era real. Quer dizer, se tudo isso ainda não fosse um sonho.
— O pegasus te levará até ela.
— O Blackjack? Então ele é meu?
— Isso. Gostei do nome. — Teseu sorriu levemente, mas logo a feição séria voltou. — Ele cuidará de você. Boa sorte, . — A água evaporou rapidamente, me deixando sozinho com várias dúvidas e um cavalo voador enorme do lado de fora.
— Não, eu devo ser sonâmbulo. — Ri para mim mesmo, saindo do meu quarto sem nem olhar para checar se aquele cavalo ainda estava parado na minha janela. — Deuses e cavalos voadores não existem. Profecia, isso é coisa de filme. Leite quente é o que eu preciso. — Respirei fundo, abrindo a geladeira e pegando o galão enorme de leite, mas, ao tentar pegar alguma panela para esquentar, acabei derrubando tudo. — Merda!
— , que barulheira toda é essa? — Observei minha mãe surgir no breu da cozinha e se aproximar de onde eu estava.
— Foi mal, eu vim tomar um leite e acabei derrubando tudo. Mãe, sabe me dizer se eu sou sonâmbulo ou algo assim?
— Não que eu saiba, por quê?
— Eu acho que tô ficando louco, então. Acredita que eu acabei de sonhar que Poseidon era meu pai? — Comecei a rir ao me lembrar da veracidade com que eu estava tratando tudo aquilo, mas percebi que minha mãe não fez o mesmo. — Até porque isso seria impossível, né?
— Filho…
— Mãe… é impossível, não é?
— Precisa saber que tudo o que eu fiz foi para te proteger.
— Me proteger? Você sabia esse tempo todo e não me contou? Eu pensei que não tínhamos segredos!
— E não temos! Eu fiz isso para nossa segurança. — Senti sua mão encostar levemente no meu rosto. — Como você descobriu?
— Aparentemente o meu irmão, que eu nem sabia que existia e que vive no fundo do mar, veio falar comigo.
— E o que ele queria?
— Que eu partisse em uma missão…
— Não! É muito perigoso.
— Mãe, não é como se eu pudesse escolher. Se tudo isso que eu ouvi for real, se deuses realmente existirem… eu não tenho escolha, preciso ajudar. — Agora seria uma boa hora para verificar se Blackjack ainda estava parado na janela do meu quarto.
— Não, não precisa. , você não conhece nada desse mundo novo.
— Eu ser filho dele já é um começo. — Entrei no quarto e segui para onde o cavalo estava, aproximando minha mão de seu rosto. — Então você é real. — Consegui sentir a pelagem macia e molhada dele à medida que passeava a mão por seu focinho longo.
— Que coisa é essa na minha janela? — Minha mãe chegou ao quarto e pulou para trás ao ver o animal.
— Meu pegasus. O nome dele é Blackjack. — Ela se aproximou de onde nós estávamos e fez o mesmo que eu. — Mãe, há dez minutos eu nem sabia que isso existia… você sabe que eu tenho que partir.
— Não vou deixar o meu filho sozinho.
— Eu não vou estar sozinho. — Dei um sorriso reconfortante para tentar acalmá-la. — Posso ao menos saber como vocês se conheceram?
— Ah, meu amor. Os deuses gostam de descer e satisfazer suas vontades, às vezes. Com o seu pai foi diferente. Ele queria ficar, mas não tem como você abandonar o cargo de deus dos mares assim do nada. Não por uma mortal como eu. — Ela me encarou, um sorriso melancólico em seu rosto. — Ele disse que sempre nos protegeria, mesmo de longe, e me fez prometer que eu não te contaria a verdade, para a sua própria segurança.
— Então, se ele não queria que eu soubesse, por que Teseu veio falar comigo?
— Nem mesmo os deuses podem controlar uma profecia. Algo importante vai acontecer e talvez você seja o único que possa deter isso.
— Então você entende que eu tenho que partir?
— Não apoio, mas eu tenho que entender. Não se trata só de mim, . Se trata do nosso lar. Eu entendi isso a partir do momento em que conheci seu pai. Deveria se preparar para essa missão, não é? — Ela enxugou algumas lágrimas, se levantando rapidamente, e eu assenti com a cabeça. — Então eu vou separar alguns lanches para a viagem.
— Tá legal, Blackjack. Por onde começar? — Andei de um lado para o outro após minha mãe sair do quarto, parando ao perceber que eu não havia anotado a tal profecia em nenhum canto, e ri ao imaginar o mundo acabando simplesmente por eu não lembrar de umas palavras soltas. Peguei um papel e uma caneta e comecei a escrever tudo o que eu lembrava que havia sido dito por Teseu. — Cronos quer voltar e, se isso acontecer, vai dar merda. Só pode ser parado por um filho dos três gigantes. — Ao menos estava parecido com o que ele falou. Dei de ombros e guardei o papelzinho numa mochila, além de jogar várias roupas aleatórias e me deparar na cozinha com vários potinhos de comida feitos pela minha mãe. — Fome eu não vou passar.
— Só para prevenir. — Ela deu um beijo em minha testa e eu enxuguei algumas lágrimas soltas em suas bochechas.
— Eu vou ficar bem.
— Eu sei, mas volta o mais rápido possível.
— Eu vou.
— E me ligue todos os dias.
— Pode deixar. — Fomos juntos até a entrada do prédio e consegui visualizar Blackjack descendo do andar de cima.
— Você tem certeza de que não quer que eu vá com você?
— Mãe, não posso arriscar te levar, eu consigo me cuidar. Além disso, tem uma garota…
— Uma garota?
— Sim, ela vai me ajudar a desvendar toda essa história de profecia.
— E ela é bonita?
— Mui… um pouco. — Soltei um pigarro e voltei minha atenção para Blackjack.
— Tá legal, mas toma cuidado. — Ela me deu um último abraço antes de eu partir com meu novo companheiro.
— Tem certeza de que estamos indo pelo caminho certo? — perguntei a Blackjack, algum tempo após adentrarmos a mata densa da floresta e ele permaneceu em silêncio. — Claro, , um cavalo falante já é loucura demais em um mundo onde existem deuses e semideuses.
Após mais alguns passos, um jato de fogo surgiu do nada, assustando Blackjack e fazendo com que eu caísse.
— Que ótimo, dragões também existem agora. Blackjack, que merda! — Tentei me recompor da queda e do susto, enquanto limpava meus braços melados de terra, e o pegasus fez um gesto como se estivesse pedindo desculpas. — Tá desculpado, só não faz mais isso, tá? — Antes que eu conseguisse me recompor da queda, algo, ou alguém, caiu na minha frente, mas eu apenas visualizei uma espada apontada para o meu rosto. — Ei!
— Me responda, o que está fazendo aqui? — Uma voz feminina fez com que eu levantasse a cabeça em sua direção. Era ela. A menina do sonho.
— Você? — Ela me olhou confusa, mas mudou seu semblante assim que algo se aproximou por trás dela.
— , essa não é a forma correta de recepcionar os novatos. , sinto muito se te assustamos, mas os monstros estão mais agressivos ultimamente, então tivemos que reforçar a nossa segurança e apelar para os lança chamas. — Permaneci calado, ainda tentando associar o que era aquela criatura na minha frente. Deuses, semideuses, cavalos alados e agora um homem misturado com um cavalo? — Ah, que deselegância a minha. Me chamo Quíron. Caso esteja se perguntando, eu sou um centauro. Vamos, conversamos melhor lá dentro.
— Vem, eu te ajudo. — A garota loira estendeu a mão e, depois de eu ficar longos segundos a encarando, ajudou a me levantar.
— Valeu… eu sou . — Fechei os olhos, me xingando mentalmente enquanto ia para perto de Blackjack.
— É, eu tô ligada…
— Aquele papo de monstros não é verdade, né?
— Por qual outra razão teríamos um lança chamas? — Ela riu sarcástica, indo na direção que o centauro havia ido.
— Tem razão, mas é que eu ainda tô me acostumando com isso, sabe? É tudo muito novo.
— Achei que os filhos do grande Poseidon aprendiam rápido.
— Isso era pra ser sério, ou…
— Claro que não, cabeça de alga. — revirou os olhos cinza-azulados, que contrastavam com a escuridão da noite.
— Ah, saquei. Mas então, que monstros são esses que ele falou?
— Você quer que eu fale por ordem alfabética ou por periculosidade?
— Bom, pode ser por… você tá sendo sarcástica de novo, né?
— Óbvio que sim. Se eu fosse listar todos os monstros existentes, ficaríamos aqui até amanhã… mas tem o Minotauro…
— Minotauro tipo o do mito?
— Tem outro Minotauro que não seja esse? Também tem os ciclopes…
— E já ocorreu algum acidente com algum desses monstros?
— Várias vezes. — Quíron, que estava calado até agora, se virou e ficou de frente para mim. — O último foi uns anos atrás. Os ciclopes conseguiram passar por nossa defesa e atacaram um de nossos alunos.
— Thalia — falou, com a voz baixa, seu olhar vago indo em direção à floresta.
— Ela era a filha de Zeus. Então ele a transformou em um pinheiro e é ele que delimita uma barreira de proteção ao redor do nosso acampamento, para que não ocorram incidentes iguais a esse novamente. — Ele voltou a andar e avistei uma luz do que parecia ser uma fogueira mais à frente.
— Você a conhecia? — perguntei para , que me olhou com raiva.
— Não é da sua conta.
— Você é meio esquentadinha, né? É filha do Hades ou algo assim? — Senti seu olhar me penetrar como se fossem dois lasers.
— Muito bem, chegamos. Bem-vindo ao acampamento meio-sangue, . , está liberada. Depois vocês terão mais tempo para se conhecerem melhor, mas agora temos assuntos a tratar. — A garota me direcionou mais um olhar de ódio antes de se afastar de onde estávamos. — Ah, e peça para alguém levar o pegasus para o nosso estábulo.
— Ela é adorável. — Dei um sorriso cínico, enquanto Quíron me guiava até uma casa enorme feita de madeira.
— Digamos que os filhos de Poseidon e os de Atena não têm um relacionamento muito bom.
— Então basicamente ela me odeia por algo premeditado?
— Exatamente isso. Seu irmão me avisou da sua chegada. Não imaginei que você viesse algum dia, mas tem algo muito importante em jogo, não é? — ele perguntou e eu apenas afirmei com a cabeça. — E o que te trouxe até aqui?
— Tem uma profecia… e acho que aquela garota, , é a chave para desvendá-la.
— Ah, por que não falou antes? Vamos atrás dela, então. — Quíron foi em direção à saída do casarão e voltou a andar pelo acampamento comigo em seu encalço até parar em frente a um chalé de mármore. — , precisamos conversar!
— Eu to aqui. — A garota surgiu por trás da gente, tirando um boné azul da cabeça. Espera aí, ela estava invisível?
— Você poderia ter nos poupado o tempo de vir até aqui, sabia? — O centauro a olhou com um sorriso divertido, enquanto a garota se aproximava.
— Foi mal, eu queria ter certeza se ele é quem eu pensava que era. O cara dos meus sonhos.
— Então você sonhou comigo, sabidinha?
— Não enche. Eu presumo que você também sonhou comigo, por isso me reconheceu na floresta, não foi?
— Exatamente. No sonho você era mais gentil.
— Crianças, sem brigar. , por que não leva o até seu chalé? Aí vocês podem conversar sobre essa profecia.
— Espera, você não vem? — Me virei para Quíron, que já estava um pouco distante de nós.
— Não, a profecia não diz respeito a mim. Mas eu vou cuidar do seu treinamento durante sua estadia aqui.
— Tá legal, filho de Poseidon, me siga. — saiu na frente e eu comecei a segui-la até um chalé enorme. — Esse é o dos descendentes de Poseidon, ou seja, seu.
— Quer dizer que isso tudo é meu? — perguntei perplexo ao ver o tamanho daquele lugar. Era maior do que o apartamento em que eu morava. — E meus irmãos? Eu só conheço o Teseu, mas tenho certeza de que devem ter outros.
— Apenas os semideuses podem vir para cá e como o seu pai, Zeus e Hades fizeram o acordo de que nenhum dos três iria ter mais filhos, você não tem outros irmãos.
— Espera aí, que acordo foi esse?
— Eu to com cara de professora de história? Primeiro a profecia, depois você estuda sobre tudo o que quiser.
— Tá bom, sabidinha. Só me deixa terminar de ver. — Continuei prestando atenção na atmosfera do lugar e consegui ouvir um ‘cabeça de alga’ vindo da boca da garota. Tirei o papel e o posicionei de frente para ela na mesa. — Ah, eu meio que resumi na hora, porque estava com pressa.
— Cronos quer voltar e, se isso acontecer, vai dar merda. Só pode ser parado por um filho dos três gigantes. É sério isso? — me olhou impaciente, botando a mão na cabeça para tentar se acalmar.
— Foi mal, eu tenho TDAH, fiquei com medo de não lembrar e anotei na pressa. Mas estranhamente eu lembro de tudo o que ele disse.
— Claro que você lembra, é a droga de uma profecia!
— Tá, antes que você me mate… Cronos irá buscar reerguer-se e, se isso acontecer, consequências terríveis atingirão a Terra e todos que nela residem. Somente um dos filhos dos três grandes poderá detê-lo. — repetia diversas vezes cada palavra do que eu havia dito e seus olhos, que focavam na vista exuberante que a janela exibia, estavam mais acinzentados que o normal. Ela ficava linda assim. — E aí?
— Shh, me deixa pensar… Ahá! Cronos ainda está muito fraco para agir sozinho, mas não significa que ele não consiga corromper algo ou alguém para agir indiretamente… Quíron disse que não esperava te ver aqui e você tinha dito antes que era tudo muito novo, então não tinha conhecimento de nada disso, não é? — Ela se levantou da cadeira e aguardou por uma confirmação minha para prosseguir.
— Isso, mas o que tem a ver?
— Você sabe o motivo para não conhecer?
— Bom, minha mãe disse que Poseidon a pediu para não me contar a verdade.
— Então ele não pretendia te contar. Você disse que tem um irmão, certo? Teseu? — Afirmei com a cabeça e começou a andar de um lado para o outro. — Como conheceu ele?
— Ele literalmente apareceu no meu quarto como uma bolha de água enorme.
— Ele falou algo sobre seu pai?
— Não, só disse que tinha que cuidar de tudo lá no fundo do mar.
— Então onde será que está Poseidon?
— Se você não sabe, imagina eu.
— Me deixa terminar!
— Tá, foi mal.
— Para o seu irmão ter que arriscar te mandar em uma missão sem você nunca ter nem ouvido falar desse mundo, significa que algo aconteceu ou vai acontecer com Poseidon. Meu palpite? Cronos vai utilizar ele para nos atingir.
— Tá certo, e aí?
— Lembra que eu falei de Poseidon, Zeus e Hades? — Ela se virou para mim e eu assenti, me sentando numa grande poltrona azul e prestando atenção em cada palavra que era dita pela garota, a admirando à medida que ela desvendava mais a profecia. — Esses são os três grandes deuses. Cronos só pode ser derrotado pelo filho de um dos três e, como o seu pai vai ser o alvo de Cronos, você foi o escolhido.
— Tá, mas e os meus irmãos? Teseu deve ser bem mais forte do que eu, por que ele não vai lá e derrota esse tal de Cronos?
— Não é assim que as profecias funcionam, cabeça de alga.
— Então eu, que não sei nem como pegar numa espada, vou derrotar esse super vilão que vai possuir o meu pai para acabar com o nosso planeta?
— Na teoria, sim.
— Sem chances, eu já tô morto.
— A profecia é para impedir isso, ou seja, seu pai ainda não deve ter sido totalmente corrompido e Cronos ainda está fraco. Por isso temos que agir rápido. Você tem que começar a treinar agora para poder aprimorar suas habilidades.
— Posso dormir primeiro?
— Tá bom, mas amanhã esteja de pé. — Ela se dirigiu para a saída e me olhou uma última vez antes de sair do chalé.
— Boa noite pra você também.
Uma semana havia se passado desde que eu cheguei ao acampamento meio-sangue e consegui aprimorar habilidades que eu sequer sabia que existiam.
— Eu já comecei a praticar o arco e flecha, corrida e até esgrima, acredita? — falei para minha mãe, do outro lado da linha, enquanto estava jogado na cama. — Mas eu ainda prefiro a canoagem.
— Mas como está se saindo? Tem que aprender tudo para saber se defender quando precisar.
— Tô aprendendo incrivelmente rápido. Quem diria que conduzir a água seria mais fácil do que aprender matemática?
— Você consegue conduzir a água?
— Bem… — Ouvi batidas do lado de fora e me apressei para atender, já sabendo quem seria. — Mãe, eu preciso ir. Vou ter aula de grego antigo com a .
— Grego antigo? É a garota que você…
— Não, falo com você depois. Tchau, mãe. — Desliguei antes que ela falasse algo que fosse me comprometer e abri a porta para receber uma raivosa.
— Eu nem deveria estar aqui, mas decidiram botar o destino do mundo nas suas mãos…
— Me desculpa, eu acabei me distraindo.
— Que seja, senta aí.
— Não vamos para a biblioteca? — perguntei, me virando para onde a garota estava e ela apenas jogou um livro enorme na mesa. — Tá legal, você quem manda.
— Você revisou o que nós estudamos ontem?
— Com certeza. — Me encolhi na cadeira, com medo de sua reação. Não é como se eu não me importasse, mas acabei ficando distraído com os meus novos poderes. Não que eu tivesse passado o dia fazendo redemoinhos no rio.
— Não tá levando isso a sério.
— Eu to… mas olha, agora que eu sei que consigo aprender rápido as coisas deste mundo, não tem problema.
— Aprender grego antigo definitivamente não é a mesma coisa que aprender a empunhar uma espada, cabeça de alga.
— Tá, desculpa, sabidinha. Prometo que agora eu vou me esforçar mais. Podemos começar?
— Abre na página 245, sexto parágrafo.
— Abri, mas não tô conseguindo achar. Certeza que é essa página?
— Não consegue achar um parágrafo?
— Eu já contei e não tô conseguindo achar. Olha aqui, um parágrafo, dois… — Fui surpreendido quando a garota aproximou sua cadeira da minha, sentando do meu lado, e pegou em minha mão com a mesma delicadeza de um coice, a guiando entre as palavras do livro gigantesco. Mesmo assim, eu não conseguia tirar meus olhos dela. Nossas mãos continuavam encostadas, mesmo após a ação feita por ela já ter acabado, e nossos olhares se encontraram por milésimos de segundos.
— Tá aqui. Da próxima vez, presta mais atenção. — Ela se afastou e voltou para seu lugar inicial.
Ficamos estudando por várias horas, até precisar sair e me deixar sozinho no quarto novamente. Não demorou para que eu pegasse no sono e acordasse numa praia bastante conhecida. Desde que eu cheguei ao acampamento, esses sonhos haviam cessado, então permanecia confuso à medida que fazia o caminho já conhecido com Blackjack até onde se encontrava Teseu, onde deveria estar.
— Teseu, o que tá fazendo aqui? — perguntei, indo até onde ele estava.
— Soube que está melhorando bastante suas habilidades.
— Melhorando não é bem a palavra, eu tô mais aprendendo.
— Mas está indo bem, não é?
— Não que eu seja egocêntrico, mas o Quíron disse que eu fui um dos que aprendeu mais rápido.
— Fico feliz em ouvir isso. Escute, , o tempo está encurtando. Prevejo que já decifrou a profecia com a ajuda da garota, não foi?
— Isso, ela tem um pavio curto, mas nós conseguimos.
— Os filhos de Atena são meio complicados mesmo. — Podia jurar que havia um pouco de desprezo em sua voz. — Enfim, acha que já está pronto para partir?
— Eu não tenho certeza.
— Nosso pai está tentando segurar, mas não teremos muito tempo. Use esses últimos dias antes de partir em sua missão para aprimorar mais ainda suas habilidades. Lembre-se, nós somos filhos do deus dos mares. Use os poderes que herdamos a seu favor. — Um clarão começou a borrar toda minha visão à medida que eu fui perdendo Teseu do meu campo de vista e acabei acordando, dessa vez de verdade.
No dia seguinte, fui até o refeitório em busca de , que estava sentada em uma das mesas com outros semideuses, provavelmente todos os filhos de Atena.
— Ei, preciso falar com você. — Me afastei, esperando que ela me seguisse, e senti o olhar fuzilador de todos na mesa.
— O que foi? Não podia esperar?
— Na verdade, não. Eu tive outro sonho, mas dessa vez quem apareceu foi Teseu. Ele disse que o tempo tá se esgotando e falou para nos apressarmos.
— Então o que está fazendo aqui? Você tem que treinar!
— Eu sei, eu só… queria falar com você antes. Tchau, sabidinha.
— Espera… me encontra daqui há uns quinze minutos — ela pediu e voltou para a mesa onde estava.
Passamos horas treinando em um local longe de todos, afinal, ela não arriscaria ser vista com o filho de Poseidon por um de seus irmãos, até chegar a hora de todos irem para seus chalés.
— Olha, acho que já estou pronto. Eu vou partir essa noite — falei, enquanto brincava com a água da beira do rio e ela me olhou confusa.
— Você quer dizer, nós vamos.
— Você não vai, é muito perigoso.
— Ah, faça-me o favor. Você começou a lutar agora, eu luto desde os dez anos.
— Ainda acho que eu consigo vencer de você em uma luta.
— Só se for debaixo d’água. — riu convencida e se dirigiu para onde eu estava. — Mas eu falei sério, eu vou com você.
— Bom, sendo assim, quanto mais ajuda melhor, não é?
— É o que dizem. — Ela deu de ombros antes de se despedir e seguir em direção aos chalés. — Te vejo mais tarde.
Algumas horas haviam se passado e o acampamento estava tomado pelo silêncio. Então, arrumei algumas coisas soltas pelo quarto que eu julgava serem necessárias e saí do local, esperando no local combinado.
— E aí? — Ela surgiu do nada ao tirar aquele maldito chapéu e eu dei um pulo do banco em que havia sentado, me recompondo após algum tempo. — Você quer enfrentar Cronos com esse coração?
— Você chegou do nada, o que queria que eu fizesse?
— Enfim, eu já volto, vou buscar seu pegasus para podermos sair daqui. — Assenti com a cabeça e aguardei a garota voltar, sendo surpreendido por Quíron um tempo depois.
— Realmente pensou que eu não iria descobrir?
— Eu…
— , por que não avisou que seu pegasus tem pavio curto? — chegou, carregando Blackjack com uma corda e se assustou ao olhar para a frente e ver Quíron. — Quer dizer… professor, eu ia exatamente brigar com o …
— Tudo bem, . Eu não vim repreender vocês. — O semblante da garota mudou para um mais calmo ao ouvir as palavras do centauro. — Eu sei que essa missão é muito importante para vocês e suponho que estejam prontos para o que vão enfrentar… bom, não totalmente — ele continuou, pegando uma bolsa e pondo na minha frente. — Trouxe algumas coisas que vocês podem precisar. Dinheiro mortal, caso precisem, dracmas de ouro, apenas para transações não mortais, néctar e ambrosia, para a recuperação, e… a Anaklusmos. Foi o Teseu quem enviou para você. É uma espada feita de bronze celestial. Ela se transforma em caneta, então não é capaz de ferir mortais, e ainda volta para o seu bolso, caso a perca. — Ele me entregou a caneta-espada e eu a guardei no meu bolso, me levantando logo em seguida.
— Obrigado. — Sorri e fui na direção de e Blackjack.
— Ah, tem mais uma coisa… isso pertencia a Zeus. — O centauro entregou uma espécie de bracelete estranho para , que, ao colocá-lo em seu pulso, se transformou em um escudo enorme, com o rosto da Medusa no centro. — Aegis… era da…
— Thalia. — deu um sorriso melancólico ao encarar o objeto, que já havia se transformado em bracelete novamente. — Obrigada.
— Bom, acho que é isso. Boa sorte, crianças. — Montamos no pegasus e nos despedimos de Quíron.
— Segura firme. — Olhei para , que estava sentada atrás de mim, e senti seus braços envolverem minha cintura e sua cabeça ir de encontro às minhas costas, como se estivesse apertando o mais forte que ela conseguisse. — Ah, você tem medo de voar?
— Não é como se eu fosse acostumada… se contar para alguém, eu te mato.
— Pode deixar, madame. — Dei o sinal para Blackjack, que, após uma corrida inicial, tirou as patas do chão, seguindo para o nosso próximo destino.
Passamos por cima de toda New York e do encontro do rio Hudson com o Oceano Atlântico, atravessando grande parte dele depois até pararmos numa ilha escondida, que parecia desabitada. Quase me joguei no chão ao pousarmos. A garupa de um cavalo não era nada parecida com um assento de avião.
— Algo me diz que temos que entrar naquela caverna enorme e assustadora. — Apontei para o local que havia acabado de ver, após me alongar durante algum tempo para tentar tirar a dormência do meu corpo.
— Não me diga, gênio. — revirou os olhos e tirou um objeto de sua mochila, que se transformou em espada. — Vamos logo, eu espero por isso há oito anos. — Ela avançou para a caverna e eu a segui, deixando Blackjack na parte de fora.
Passei na frente de , adentrando a caverna, que se iluminava sozinha à medida que íamos para as profundezas dela, com a espada dada por Teseu em minha mão. Não demorou muito até ouvirmos passos por todos os lados da caverna, e eu comecei a imaginar uma centopeia gigante nos atacando. Devia ser um tipo de guardião. Eu devia ter imaginado que a tumba de Cronos deveria ser guardada por algo e que a missão não seria simplesmente entrar lá e pedir gentilmente para que ele não tentasse possuir meu pai. Bom, agora já era tarde demais.
— Você sabe de onde está vindo esse barulho? — perguntei para , em um sussurro, com medo de que o monstro nos escutasse.
— Está vindo de todo lugar — ela sussurrou de volta, mas gritou por conta de algo que apareceu atrás dela, me forçando a virar e ver um escorpião gigante vindo em nossa direção. E, em um movimento que parecia ser simples, mas preciso, enfiou a espada no animal, o matando. — Escorpiões de Tártaro. Que ótimo — ela bufou e se virou para mim, que ainda me encontrava estático atrás dela. — , deve ter muito mais deles. Temos que ser cuidadosos, pois o veneno é mortal e eu não acho que apenas néctar e ambrosia resolverão.
— Tem razão. — Respirei fundo, tentando me lembrar de todos os treinamentos. — Vamos, antes que venham mais deles.
Seguimos adentrando a caverna e matando mais daqueles bichos até chegarmos a um ponto em que a caverna se expandia.
— Aquele é… — comecei a perguntar, ao avistar alguém gigantesco parado em frente a uma caixa entreaberta.
— Poseidon… — completou, empunhando sua espada e armando o escudo ao perceber que ele nos encarava. — E eu acho que vamos ter que lutar contra ele. — Assim que ela terminou de falar, surgiram diversos escorpiões gigantes ao redor de onde estávamos.
— Tá, o que fazemos agora? — Tentei não parecer tão apavorado quanto eu aparentava ao olhar para a garota ao meu lado.
— Temos que distraí-los para você ter a chance de fechar a caixa…
— Eu? Mas…
— , tem que ser você. A profecia mostra que é você.
— E se eu falhar? — Senti um arrepio ao pegar em minha mão. Ótimo momento para sentir borboletas no estômago, .
— Você não vai. Eu confio em você e, vendo pela profecia, até o Olimpo todo confia. — Ela sorriu e podia jurar que aquela era a primeira vez que a via sendo legal comigo. Por algum motivo, aquelas palavras haviam me dado a coragem necessária para ir em direção à caixa, matando o máximo de monstros possíveis até ficar de frente para meu próprio pai.
— Sempre quis saber como você era, mas acho que esse não é um bom momento para falar da nossa relação de pai e filho. — Chamei sua atenção e ele se virou para mim, a fúria estampada em seu rosto.
— E o que um mero semideus acha que pode fazer para me deter? — Cronos, no corpo de Poseidon, riu freneticamente, enquanto vários daqueles escorpiões se aproximavam de onde eu estava. — Não preciso usar os poderes dele, minhas criaturas vão acabar com você em segundos.
— É o que vamos ver. — Tentei correr em direção à caixa, mas um dos escorpiões pulou na minha frente, quase enfiando o ferrão em mim. E, de repente, já estava cercado por vários deles. — , dá uma ajuda aqui! — Olhei para a garota, que estava numa situação parecida com a minha, e ela jogou o bracelete em minha direção.
Inacreditavelmente eu consegui pegar o objeto e, ao transformá-lo em escudo, percebi que os escorpiões começaram a fugir dele, o que permitiu que eu avançasse para a caixa, mas fui atingido por um jato d’água, que me jogou com força na parede gelada de pedra, fazendo com que minha espada pulasse da minha mão. Ainda com dificuldade para me levantar, procurei pelo objeto, à medida que mais escorpiões avançavam em minha direção, mas lembrei que do Quíron tinha falado e procurei a caneta no meu bolso, transformando-a a tempo de conseguir matar um dos monstros que já estava em cima de mim.
— Tem que ser agora. — Vi o caminho para a caixa livre e, ao perceber a presença de um tipo de lago, atingi alguns escorpiões que tentavam me impedir com vários jatos de água, conseguindo ficar cara a cara com o objeto não tão grande que abrigava Cronos.
Eu só tinha que fechar aquela caixa para impedir o fim do mundo. Parecia ser tão fácil depois do que eu havia acabado de enfrentar. Então assim eu o fiz, observando Poseidon cair ao ter o canal entre sua mente e a de Cronos fechado. Aparentemente tudo tinha se resolvido, apesar da grande quantidade de escorpiões que ainda avançavam na minha direção. prosseguia matando vários deles e parecia estar se divertindo ao fazer isso, afinal, não deveria ser tão difícil para ela. Então, comecei a ir em sua direção, matando todos os escorpiões que ficavam em meu caminho, até conseguir ficar ao seu lado.
— Você estava certa, eu… — Antes que eu pudesse terminar a frase, senti uma pontada em minhas costas, e vi matar o escorpião que havia me picado. Minha visão estava ficando turva e minhas pernas enfraqueciam à medida que eu tentava me equilibrar nas paredes úmidas do local.
— !
— , eu não tô muito bem. — Me apoiei na garota, que murmurava algo em meu ouvido, mas a única coisa que eu conseguia ouvir era um zumbido que ficava cada vez mais forte. Eu sabia que estava morrendo. Afinal, tinha me dito que o veneno desses escorpiões era venenoso momentos atrás. As últimas coisas que eu lembro de ver enquanto minha visão ia e voltava foram me carregando para fora da caverna e Poseidon.
— , acorda! — Abri os olhos e dei de cara com sorrindo. Estávamos na areia, assim como em meus sonhos, mas não via Blackjack. Éramos apenas eu e ela.
— Eu… morri?
— Sim, cabeça de alga. — Ela riu, pondo uma mecha de seu cabelo para trás.
— Então eu estou tipo no paraíso?
— Também não…
— Então onde eu estou?
— Ué, pensei que você já estava acostumado com isso aqui.
— Estou num sonho?
— Tipo isso…
— E por que você está aqui? Morreu também?
— Talvez porque você queira que eu esteja…
— Bom, não posso negar que você é um belo anjo. — Dei um sorriso tímido, mas ela se aproximou de mim.
— E o que você vai fazer quanto a isso? — À medida que aproximei meu rosto do dela, uma luz branca começou a aparecer por todo canto, até que eu acabei acordando, dessa vez aparentemente de verdade.
— Olha quem acordou! — Teseu se levantou de onde estava sentado e se aproximou de mim com um sorriso.
— Tinha que ser agora? — perguntei frustrado, mas percebi algo sobre mim ao me sentar na cama, analisando o manto de ouro. — O que é isso?
— O velocino de ouro… utilizamos junto ao néctar e à ambrosia para te curar. Se não fosse pela garota, , você provavelmente não estaria vivo. Tenho que admitir, que, para uma filha de Atena, ela é interessante.
— Cadê ela?
— Blackjack a levou de volta ao acampamento.
— Então quem me trouxe até aqui?
— Eu, . — Poseidon se aproximou de onde nós estávamos em passos lentos. — Era o mínimo que eu podia fazer depois de você ter salvado a humanidade.
— Ah, sem problemas. Foi molezinha… Quanto tempo eu fiquei desacordado?
— Algumas semanas.
— Semanas?
— Voltar dos mortos é um pouco complexo. É um processo que exige tempo… Teseu, poderia deixar eu e seu irmão a sós? — nosso pai pediu para o meu irmão, que assentiu com a cabeça e se afastou.
— É um prazer ter você aqui, — ele falou, antes de sair do local, nos deixando sozinhos.
— Eu queria dizer para você ficar o quanto quiser, mas…
— É meio complicado, eu entendo.
— Eles abriram uma exceção depois que expliquei o que você havia feito para que você pudesse se recuperar aqui. Foi muita coragem de sua parte, . Quando eu pedi para Teseu se comunicar com você, não pensei que fosse aceitar tão bem.
— Foi meio estranho no começo, mas eu consegui me adaptar.
— Eu sinto muito por não poder estar com você e com a sua mãe. Mas, mesmo não sendo permitido nos encontrarmos, eu sempre te observava de longe.
— Sério? — perguntei surpreso e ele assentiu com a cabeça.
— Eu sempre vou estar com você. E sempre vou amar vocês dois.
Depois daquelas palavras eu consegui sentir Poseidon nas ondas que acompanhavam eu e Blackjack durante a volta pelo Oceano Atlântico até New York. Antes de voltar para o acampamento meio sangue, achei melhor passar no apartamento e dar algum sinal de vida para minha mãe, que devia estar extremamente preocupada nessa medida do campeonato.
— Ah, . Eu estava tão preocupada.
— E eu morrendo de saudades… desculpa não ter ligado, é porque eu estava meio morto. — Ri e ela me deu tapinhas de reprovação como resposta.
— Nunca mais saia de perto de mim. — Minha mãe me abraçou com os olhos marejados e eu retribuí o gesto.
— Na verdade, vou ter que passar lá no acampamento… eu gostei de lá, acho que eu poderia ficar durante o verão, o que acha?
— Por mim, tudo bem, contanto que não se meta em mais roubadas como essa. — Passei mais algumas horas lá, explicando como havia sido a aventura e tudo o que ocorreu no encontro com meu pai. Porém, eu precisava voltar para o acampamento e saber como estava. Nem que fosse só por algumas horas, mas eu queria vê-la. Me aproximei da entrada do acampamento, sendo encarado por todos à medida que eu adentrava o local.
— ? — Ouvi uma voz conhecida chamar meu nome e me virei, sendo recepcionado por um abraço longo da garota loira, que nem se importou de ser vista com um filho de Poseidon.
— Calma aí, sabidinha. Eu acabei de ressuscitar.
— E como você está se sentindo?
— Eu nunca me senti tão vivo. — Sorri e percebi algo atrás dela se aproximando de onde estávamos.
— Você voltou! — Quíron vibrou, com um sorriso animado no rosto. — E conseguiu… eu sempre acreditei em você, .
— Obrigado pela ajuda.
— Vem, temos muito o que conversar! — me puxou e fomos para uma parte do lago afastada de todos.
— O que acha de dar um pulo nesse lago? Eu sempre tive vontade de fazer isso — sugeri, me virando para a garota.
— Com roupa e tudo?
— Sim! Eu consigo te enxugar depois.
— Convencido. — Ela riu e, após alguns segundos de hesitação, saiu correndo para o lago e deu um pulo.
— Ei, espera aí! — Fiz o mesmo que ela, a procurando embaixo d’água e, após conseguir achá-la, criei uma bolha de ar para que ela conseguisse respirar.
— Que louco. — olhava perplexa para todos os lados.
— Eu consegui surpreender a sabidinha?
— Vai ficar se achando agora? — ela perguntou, rindo e, encarando o cinza-azulado de seus olhos, senti um tipo de impulso interno, como se meu corpo tivesse que dizer aquilo. Não era uma escolha.
— Eu sonhei com você… antes de acordar dos mortos.
— Sério? Porque eu também meio que sonhei com você. — Era incrível como seus olhos contrastavam com a água ao redor de nós. Ela era tão linda. — E o que acontecia no seu sonho? Quer dizer, o que nós fazíamos?
— Bom, a gente… quer dizer, não chegamos a fazer isso, porque eu acordei antes da hora... não que eu quisesse que acontecesse… mas a gente meio que se… você sabe… — Ela me puxou para mais perto, unindo nossos lábios, e eu sabia o quão vermelho meu rosto havia ficado após sentir não só ele, mas todo o meu corpo queimar.
— Você é meio covarde, então eu decidi tomar a atitude…
— E fez muito bem… esse foi o melhor beijo subaquático de todos.
Acordei com a luz do sol invadindo meus olhos e observei a cama de areia (se é que aquilo podia ser chamado de cama) ser levada pelo vento selvagem à medida que eu me levantava e ia em direção a um cavalo preto, com asas, que estava mais um pouco à frente.
— Oi. — Estendi minha mão em sua direção para tentar cumprimentá-lo e ele respondeu com um tipo de reverência. Aquele sonho se tornava cada vez mais frequente e eu já sabia até onde o cavalo me levaria. Ou Blackjack, como eu havia começado a chamá-lo depois dos diversos encontros. Seguimos pela praia até parar em frente a uma garota loira e desci do meu cavalo, me aproximando de onde ela estava parada.
— . — Seus olhos, que eram uma mistura da cor das rochas e do mar que as atingiam com força, me transmitiam calma, ao mesmo tempo em que eu ficava cada vez mais curioso para saber quem era ela, como sabia meu nome e se ela sequer existia. — Estamos ficando sem tempo. Acorda, ! — Levantei da cama em um pulo e engoli em seco ao ver que não tinha mais ninguém no quarto. Por que aqueles sonhos pareciam ser tão reais?
— Pelo menos o vento frio tem uma explicação — falei para mim mesmo, ao notar a janela do meu quarto escancarada, mesmo não me lembrando de tê-la deixado assim. Cerrei os olhos ao ver uma silhueta enorme no céu, que se aproximava cada vez mais de onde eu estava, e me belisquei para saber se aquilo era real. — Ai! — À medida que ela chegava mais perto, ia tomando a forma de um cavalo… com asas? — Blackjack? — questionei ao ver o animal parado em frente à minha janela e ele apenas assentiu com a cabeça. — Louco com dezoito anos, que ótimo.
— ? — Ouvi uma voz vindo da direção do cavalo à minha frente e pulei para trás.
— No sonho você não falava.
— Não é o cavalo. Atrás dele. — Blackjack se afastou e consegui visualizar uma forma estranha, feita de água, com um rosto dentro. — Eu me chamo Teseu.
— Moço, você é um tipo de alienígena?
— , eu sou seu irmão. — Arregalei os olhos ao escutar aquela frase, me perguntando mentalmente o motivo de meu irmão ser uma bolha de água.
— Podia ser pior, você poderia ser o meu pai… — Soltei um risinho, mas percebi que o meu suposto novo irmão permanecia sério.
— Me esqueci que você não conhece nada do nosso mundo. Eu estou falando por meio da água, porque não pude ir até você. Tenho que cuidar de tudo por aqui no fundo do oceano.
— Onde? — falei incrédulo ao que estava ouvindo.
— Escute, , estamos ficando sem tempo. — A mesma frase que a garota dos meus sonhos falou. — Pensei que os avisos que eu havia mandado eram suficientes, mas não, nosso pai fez questão de não falar nada pra você.
— Os sonhos? Você quer dizer…
— Sim, eu os controlava.
— Nosso pai? Você o conhece?
— E você também. Quem não conhece Poseidon?
— O quê?
— , você é um semideus. Nunca se perguntou o motivo de ser mais forte do que as outras crianças?
— Não, eu pensava que era a puberdade chegando. Mas peraí, você acabou de falar que o meu pai é o Poseidon. Por que minha mãe nunca mencionou isso?
— Isso são perguntas para outro momento. Escute, tem uma profecia…
— Tem o quê?
— Dá para você me deixar terminar?
— Desculpa, é porque eu meio que acabei de descobrir que sou filho de um deus.
— Não tenho muito tempo, mas você vai precisar de ajuda para desvendar a profecia.
— Tá legal, e qual é?
— Cronos irá buscar reerguer-se e, se isso acontecer, consequências terríveis atingirão a Terra e todos que nela residem. Somente um dos filhos dos três grandes poderá detê-lo.
— Tenho várias perguntas.
— Que serão respondidas depois. Prepare-se, você terá que partir logo.
— O quê? Eu pensei que poderia pedir ajuda à minha mãe.
— Os sonhos, . Lembre deles.
— A garota? Ela é a chave? — Eu pensei que apenas ia vê-la nos sonhos, mas pelo visto ela era real. Quer dizer, se tudo isso ainda não fosse um sonho.
— O pegasus te levará até ela.
— O Blackjack? Então ele é meu?
— Isso. Gostei do nome. — Teseu sorriu levemente, mas logo a feição séria voltou. — Ele cuidará de você. Boa sorte, . — A água evaporou rapidamente, me deixando sozinho com várias dúvidas e um cavalo voador enorme do lado de fora.
— Não, eu devo ser sonâmbulo. — Ri para mim mesmo, saindo do meu quarto sem nem olhar para checar se aquele cavalo ainda estava parado na minha janela. — Deuses e cavalos voadores não existem. Profecia, isso é coisa de filme. Leite quente é o que eu preciso. — Respirei fundo, abrindo a geladeira e pegando o galão enorme de leite, mas, ao tentar pegar alguma panela para esquentar, acabei derrubando tudo. — Merda!
— , que barulheira toda é essa? — Observei minha mãe surgir no breu da cozinha e se aproximar de onde eu estava.
— Foi mal, eu vim tomar um leite e acabei derrubando tudo. Mãe, sabe me dizer se eu sou sonâmbulo ou algo assim?
— Não que eu saiba, por quê?
— Eu acho que tô ficando louco, então. Acredita que eu acabei de sonhar que Poseidon era meu pai? — Comecei a rir ao me lembrar da veracidade com que eu estava tratando tudo aquilo, mas percebi que minha mãe não fez o mesmo. — Até porque isso seria impossível, né?
— Filho…
— Mãe… é impossível, não é?
— Precisa saber que tudo o que eu fiz foi para te proteger.
— Me proteger? Você sabia esse tempo todo e não me contou? Eu pensei que não tínhamos segredos!
— E não temos! Eu fiz isso para nossa segurança. — Senti sua mão encostar levemente no meu rosto. — Como você descobriu?
— Aparentemente o meu irmão, que eu nem sabia que existia e que vive no fundo do mar, veio falar comigo.
— E o que ele queria?
— Que eu partisse em uma missão…
— Não! É muito perigoso.
— Mãe, não é como se eu pudesse escolher. Se tudo isso que eu ouvi for real, se deuses realmente existirem… eu não tenho escolha, preciso ajudar. — Agora seria uma boa hora para verificar se Blackjack ainda estava parado na janela do meu quarto.
— Não, não precisa. , você não conhece nada desse mundo novo.
— Eu ser filho dele já é um começo. — Entrei no quarto e segui para onde o cavalo estava, aproximando minha mão de seu rosto. — Então você é real. — Consegui sentir a pelagem macia e molhada dele à medida que passeava a mão por seu focinho longo.
— Que coisa é essa na minha janela? — Minha mãe chegou ao quarto e pulou para trás ao ver o animal.
— Meu pegasus. O nome dele é Blackjack. — Ela se aproximou de onde nós estávamos e fez o mesmo que eu. — Mãe, há dez minutos eu nem sabia que isso existia… você sabe que eu tenho que partir.
— Não vou deixar o meu filho sozinho.
— Eu não vou estar sozinho. — Dei um sorriso reconfortante para tentar acalmá-la. — Posso ao menos saber como vocês se conheceram?
— Ah, meu amor. Os deuses gostam de descer e satisfazer suas vontades, às vezes. Com o seu pai foi diferente. Ele queria ficar, mas não tem como você abandonar o cargo de deus dos mares assim do nada. Não por uma mortal como eu. — Ela me encarou, um sorriso melancólico em seu rosto. — Ele disse que sempre nos protegeria, mesmo de longe, e me fez prometer que eu não te contaria a verdade, para a sua própria segurança.
— Então, se ele não queria que eu soubesse, por que Teseu veio falar comigo?
— Nem mesmo os deuses podem controlar uma profecia. Algo importante vai acontecer e talvez você seja o único que possa deter isso.
— Então você entende que eu tenho que partir?
— Não apoio, mas eu tenho que entender. Não se trata só de mim, . Se trata do nosso lar. Eu entendi isso a partir do momento em que conheci seu pai. Deveria se preparar para essa missão, não é? — Ela enxugou algumas lágrimas, se levantando rapidamente, e eu assenti com a cabeça. — Então eu vou separar alguns lanches para a viagem.
— Tá legal, Blackjack. Por onde começar? — Andei de um lado para o outro após minha mãe sair do quarto, parando ao perceber que eu não havia anotado a tal profecia em nenhum canto, e ri ao imaginar o mundo acabando simplesmente por eu não lembrar de umas palavras soltas. Peguei um papel e uma caneta e comecei a escrever tudo o que eu lembrava que havia sido dito por Teseu. — Cronos quer voltar e, se isso acontecer, vai dar merda. Só pode ser parado por um filho dos três gigantes. — Ao menos estava parecido com o que ele falou. Dei de ombros e guardei o papelzinho numa mochila, além de jogar várias roupas aleatórias e me deparar na cozinha com vários potinhos de comida feitos pela minha mãe. — Fome eu não vou passar.
— Só para prevenir. — Ela deu um beijo em minha testa e eu enxuguei algumas lágrimas soltas em suas bochechas.
— Eu vou ficar bem.
— Eu sei, mas volta o mais rápido possível.
— Eu vou.
— E me ligue todos os dias.
— Pode deixar. — Fomos juntos até a entrada do prédio e consegui visualizar Blackjack descendo do andar de cima.
— Você tem certeza de que não quer que eu vá com você?
— Mãe, não posso arriscar te levar, eu consigo me cuidar. Além disso, tem uma garota…
— Uma garota?
— Sim, ela vai me ajudar a desvendar toda essa história de profecia.
— E ela é bonita?
— Mui… um pouco. — Soltei um pigarro e voltei minha atenção para Blackjack.
— Tá legal, mas toma cuidado. — Ela me deu um último abraço antes de eu partir com meu novo companheiro.
— Tem certeza de que estamos indo pelo caminho certo? — perguntei a Blackjack, algum tempo após adentrarmos a mata densa da floresta e ele permaneceu em silêncio. — Claro, , um cavalo falante já é loucura demais em um mundo onde existem deuses e semideuses.
Após mais alguns passos, um jato de fogo surgiu do nada, assustando Blackjack e fazendo com que eu caísse.
— Que ótimo, dragões também existem agora. Blackjack, que merda! — Tentei me recompor da queda e do susto, enquanto limpava meus braços melados de terra, e o pegasus fez um gesto como se estivesse pedindo desculpas. — Tá desculpado, só não faz mais isso, tá? — Antes que eu conseguisse me recompor da queda, algo, ou alguém, caiu na minha frente, mas eu apenas visualizei uma espada apontada para o meu rosto. — Ei!
— Me responda, o que está fazendo aqui? — Uma voz feminina fez com que eu levantasse a cabeça em sua direção. Era ela. A menina do sonho.
— Você? — Ela me olhou confusa, mas mudou seu semblante assim que algo se aproximou por trás dela.
— , essa não é a forma correta de recepcionar os novatos. , sinto muito se te assustamos, mas os monstros estão mais agressivos ultimamente, então tivemos que reforçar a nossa segurança e apelar para os lança chamas. — Permaneci calado, ainda tentando associar o que era aquela criatura na minha frente. Deuses, semideuses, cavalos alados e agora um homem misturado com um cavalo? — Ah, que deselegância a minha. Me chamo Quíron. Caso esteja se perguntando, eu sou um centauro. Vamos, conversamos melhor lá dentro.
— Vem, eu te ajudo. — A garota loira estendeu a mão e, depois de eu ficar longos segundos a encarando, ajudou a me levantar.
— Valeu… eu sou . — Fechei os olhos, me xingando mentalmente enquanto ia para perto de Blackjack.
— É, eu tô ligada…
— Aquele papo de monstros não é verdade, né?
— Por qual outra razão teríamos um lança chamas? — Ela riu sarcástica, indo na direção que o centauro havia ido.
— Tem razão, mas é que eu ainda tô me acostumando com isso, sabe? É tudo muito novo.
— Achei que os filhos do grande Poseidon aprendiam rápido.
— Isso era pra ser sério, ou…
— Claro que não, cabeça de alga. — revirou os olhos cinza-azulados, que contrastavam com a escuridão da noite.
— Ah, saquei. Mas então, que monstros são esses que ele falou?
— Você quer que eu fale por ordem alfabética ou por periculosidade?
— Bom, pode ser por… você tá sendo sarcástica de novo, né?
— Óbvio que sim. Se eu fosse listar todos os monstros existentes, ficaríamos aqui até amanhã… mas tem o Minotauro…
— Minotauro tipo o do mito?
— Tem outro Minotauro que não seja esse? Também tem os ciclopes…
— E já ocorreu algum acidente com algum desses monstros?
— Várias vezes. — Quíron, que estava calado até agora, se virou e ficou de frente para mim. — O último foi uns anos atrás. Os ciclopes conseguiram passar por nossa defesa e atacaram um de nossos alunos.
— Thalia — falou, com a voz baixa, seu olhar vago indo em direção à floresta.
— Ela era a filha de Zeus. Então ele a transformou em um pinheiro e é ele que delimita uma barreira de proteção ao redor do nosso acampamento, para que não ocorram incidentes iguais a esse novamente. — Ele voltou a andar e avistei uma luz do que parecia ser uma fogueira mais à frente.
— Você a conhecia? — perguntei para , que me olhou com raiva.
— Não é da sua conta.
— Você é meio esquentadinha, né? É filha do Hades ou algo assim? — Senti seu olhar me penetrar como se fossem dois lasers.
— Muito bem, chegamos. Bem-vindo ao acampamento meio-sangue, . , está liberada. Depois vocês terão mais tempo para se conhecerem melhor, mas agora temos assuntos a tratar. — A garota me direcionou mais um olhar de ódio antes de se afastar de onde estávamos. — Ah, e peça para alguém levar o pegasus para o nosso estábulo.
— Ela é adorável. — Dei um sorriso cínico, enquanto Quíron me guiava até uma casa enorme feita de madeira.
— Digamos que os filhos de Poseidon e os de Atena não têm um relacionamento muito bom.
— Então basicamente ela me odeia por algo premeditado?
— Exatamente isso. Seu irmão me avisou da sua chegada. Não imaginei que você viesse algum dia, mas tem algo muito importante em jogo, não é? — ele perguntou e eu apenas afirmei com a cabeça. — E o que te trouxe até aqui?
— Tem uma profecia… e acho que aquela garota, , é a chave para desvendá-la.
— Ah, por que não falou antes? Vamos atrás dela, então. — Quíron foi em direção à saída do casarão e voltou a andar pelo acampamento comigo em seu encalço até parar em frente a um chalé de mármore. — , precisamos conversar!
— Eu to aqui. — A garota surgiu por trás da gente, tirando um boné azul da cabeça. Espera aí, ela estava invisível?
— Você poderia ter nos poupado o tempo de vir até aqui, sabia? — O centauro a olhou com um sorriso divertido, enquanto a garota se aproximava.
— Foi mal, eu queria ter certeza se ele é quem eu pensava que era. O cara dos meus sonhos.
— Então você sonhou comigo, sabidinha?
— Não enche. Eu presumo que você também sonhou comigo, por isso me reconheceu na floresta, não foi?
— Exatamente. No sonho você era mais gentil.
— Crianças, sem brigar. , por que não leva o até seu chalé? Aí vocês podem conversar sobre essa profecia.
— Espera, você não vem? — Me virei para Quíron, que já estava um pouco distante de nós.
— Não, a profecia não diz respeito a mim. Mas eu vou cuidar do seu treinamento durante sua estadia aqui.
— Tá legal, filho de Poseidon, me siga. — saiu na frente e eu comecei a segui-la até um chalé enorme. — Esse é o dos descendentes de Poseidon, ou seja, seu.
— Quer dizer que isso tudo é meu? — perguntei perplexo ao ver o tamanho daquele lugar. Era maior do que o apartamento em que eu morava. — E meus irmãos? Eu só conheço o Teseu, mas tenho certeza de que devem ter outros.
— Apenas os semideuses podem vir para cá e como o seu pai, Zeus e Hades fizeram o acordo de que nenhum dos três iria ter mais filhos, você não tem outros irmãos.
— Espera aí, que acordo foi esse?
— Eu to com cara de professora de história? Primeiro a profecia, depois você estuda sobre tudo o que quiser.
— Tá bom, sabidinha. Só me deixa terminar de ver. — Continuei prestando atenção na atmosfera do lugar e consegui ouvir um ‘cabeça de alga’ vindo da boca da garota. Tirei o papel e o posicionei de frente para ela na mesa. — Ah, eu meio que resumi na hora, porque estava com pressa.
— Cronos quer voltar e, se isso acontecer, vai dar merda. Só pode ser parado por um filho dos três gigantes. É sério isso? — me olhou impaciente, botando a mão na cabeça para tentar se acalmar.
— Foi mal, eu tenho TDAH, fiquei com medo de não lembrar e anotei na pressa. Mas estranhamente eu lembro de tudo o que ele disse.
— Claro que você lembra, é a droga de uma profecia!
— Tá, antes que você me mate… Cronos irá buscar reerguer-se e, se isso acontecer, consequências terríveis atingirão a Terra e todos que nela residem. Somente um dos filhos dos três grandes poderá detê-lo. — repetia diversas vezes cada palavra do que eu havia dito e seus olhos, que focavam na vista exuberante que a janela exibia, estavam mais acinzentados que o normal. Ela ficava linda assim. — E aí?
— Shh, me deixa pensar… Ahá! Cronos ainda está muito fraco para agir sozinho, mas não significa que ele não consiga corromper algo ou alguém para agir indiretamente… Quíron disse que não esperava te ver aqui e você tinha dito antes que era tudo muito novo, então não tinha conhecimento de nada disso, não é? — Ela se levantou da cadeira e aguardou por uma confirmação minha para prosseguir.
— Isso, mas o que tem a ver?
— Você sabe o motivo para não conhecer?
— Bom, minha mãe disse que Poseidon a pediu para não me contar a verdade.
— Então ele não pretendia te contar. Você disse que tem um irmão, certo? Teseu? — Afirmei com a cabeça e começou a andar de um lado para o outro. — Como conheceu ele?
— Ele literalmente apareceu no meu quarto como uma bolha de água enorme.
— Ele falou algo sobre seu pai?
— Não, só disse que tinha que cuidar de tudo lá no fundo do mar.
— Então onde será que está Poseidon?
— Se você não sabe, imagina eu.
— Me deixa terminar!
— Tá, foi mal.
— Para o seu irmão ter que arriscar te mandar em uma missão sem você nunca ter nem ouvido falar desse mundo, significa que algo aconteceu ou vai acontecer com Poseidon. Meu palpite? Cronos vai utilizar ele para nos atingir.
— Tá certo, e aí?
— Lembra que eu falei de Poseidon, Zeus e Hades? — Ela se virou para mim e eu assenti, me sentando numa grande poltrona azul e prestando atenção em cada palavra que era dita pela garota, a admirando à medida que ela desvendava mais a profecia. — Esses são os três grandes deuses. Cronos só pode ser derrotado pelo filho de um dos três e, como o seu pai vai ser o alvo de Cronos, você foi o escolhido.
— Tá, mas e os meus irmãos? Teseu deve ser bem mais forte do que eu, por que ele não vai lá e derrota esse tal de Cronos?
— Não é assim que as profecias funcionam, cabeça de alga.
— Então eu, que não sei nem como pegar numa espada, vou derrotar esse super vilão que vai possuir o meu pai para acabar com o nosso planeta?
— Na teoria, sim.
— Sem chances, eu já tô morto.
— A profecia é para impedir isso, ou seja, seu pai ainda não deve ter sido totalmente corrompido e Cronos ainda está fraco. Por isso temos que agir rápido. Você tem que começar a treinar agora para poder aprimorar suas habilidades.
— Posso dormir primeiro?
— Tá bom, mas amanhã esteja de pé. — Ela se dirigiu para a saída e me olhou uma última vez antes de sair do chalé.
— Boa noite pra você também.
Uma semana havia se passado desde que eu cheguei ao acampamento meio-sangue e consegui aprimorar habilidades que eu sequer sabia que existiam.
— Eu já comecei a praticar o arco e flecha, corrida e até esgrima, acredita? — falei para minha mãe, do outro lado da linha, enquanto estava jogado na cama. — Mas eu ainda prefiro a canoagem.
— Mas como está se saindo? Tem que aprender tudo para saber se defender quando precisar.
— Tô aprendendo incrivelmente rápido. Quem diria que conduzir a água seria mais fácil do que aprender matemática?
— Você consegue conduzir a água?
— Bem… — Ouvi batidas do lado de fora e me apressei para atender, já sabendo quem seria. — Mãe, eu preciso ir. Vou ter aula de grego antigo com a .
— Grego antigo? É a garota que você…
— Não, falo com você depois. Tchau, mãe. — Desliguei antes que ela falasse algo que fosse me comprometer e abri a porta para receber uma raivosa.
— Eu nem deveria estar aqui, mas decidiram botar o destino do mundo nas suas mãos…
— Me desculpa, eu acabei me distraindo.
— Que seja, senta aí.
— Não vamos para a biblioteca? — perguntei, me virando para onde a garota estava e ela apenas jogou um livro enorme na mesa. — Tá legal, você quem manda.
— Você revisou o que nós estudamos ontem?
— Com certeza. — Me encolhi na cadeira, com medo de sua reação. Não é como se eu não me importasse, mas acabei ficando distraído com os meus novos poderes. Não que eu tivesse passado o dia fazendo redemoinhos no rio.
— Não tá levando isso a sério.
— Eu to… mas olha, agora que eu sei que consigo aprender rápido as coisas deste mundo, não tem problema.
— Aprender grego antigo definitivamente não é a mesma coisa que aprender a empunhar uma espada, cabeça de alga.
— Tá, desculpa, sabidinha. Prometo que agora eu vou me esforçar mais. Podemos começar?
— Abre na página 245, sexto parágrafo.
— Abri, mas não tô conseguindo achar. Certeza que é essa página?
— Não consegue achar um parágrafo?
— Eu já contei e não tô conseguindo achar. Olha aqui, um parágrafo, dois… — Fui surpreendido quando a garota aproximou sua cadeira da minha, sentando do meu lado, e pegou em minha mão com a mesma delicadeza de um coice, a guiando entre as palavras do livro gigantesco. Mesmo assim, eu não conseguia tirar meus olhos dela. Nossas mãos continuavam encostadas, mesmo após a ação feita por ela já ter acabado, e nossos olhares se encontraram por milésimos de segundos.
— Tá aqui. Da próxima vez, presta mais atenção. — Ela se afastou e voltou para seu lugar inicial.
Ficamos estudando por várias horas, até precisar sair e me deixar sozinho no quarto novamente. Não demorou para que eu pegasse no sono e acordasse numa praia bastante conhecida. Desde que eu cheguei ao acampamento, esses sonhos haviam cessado, então permanecia confuso à medida que fazia o caminho já conhecido com Blackjack até onde se encontrava Teseu, onde deveria estar.
— Teseu, o que tá fazendo aqui? — perguntei, indo até onde ele estava.
— Soube que está melhorando bastante suas habilidades.
— Melhorando não é bem a palavra, eu tô mais aprendendo.
— Mas está indo bem, não é?
— Não que eu seja egocêntrico, mas o Quíron disse que eu fui um dos que aprendeu mais rápido.
— Fico feliz em ouvir isso. Escute, , o tempo está encurtando. Prevejo que já decifrou a profecia com a ajuda da garota, não foi?
— Isso, ela tem um pavio curto, mas nós conseguimos.
— Os filhos de Atena são meio complicados mesmo. — Podia jurar que havia um pouco de desprezo em sua voz. — Enfim, acha que já está pronto para partir?
— Eu não tenho certeza.
— Nosso pai está tentando segurar, mas não teremos muito tempo. Use esses últimos dias antes de partir em sua missão para aprimorar mais ainda suas habilidades. Lembre-se, nós somos filhos do deus dos mares. Use os poderes que herdamos a seu favor. — Um clarão começou a borrar toda minha visão à medida que eu fui perdendo Teseu do meu campo de vista e acabei acordando, dessa vez de verdade.
No dia seguinte, fui até o refeitório em busca de , que estava sentada em uma das mesas com outros semideuses, provavelmente todos os filhos de Atena.
— Ei, preciso falar com você. — Me afastei, esperando que ela me seguisse, e senti o olhar fuzilador de todos na mesa.
— O que foi? Não podia esperar?
— Na verdade, não. Eu tive outro sonho, mas dessa vez quem apareceu foi Teseu. Ele disse que o tempo tá se esgotando e falou para nos apressarmos.
— Então o que está fazendo aqui? Você tem que treinar!
— Eu sei, eu só… queria falar com você antes. Tchau, sabidinha.
— Espera… me encontra daqui há uns quinze minutos — ela pediu e voltou para a mesa onde estava.
Passamos horas treinando em um local longe de todos, afinal, ela não arriscaria ser vista com o filho de Poseidon por um de seus irmãos, até chegar a hora de todos irem para seus chalés.
— Olha, acho que já estou pronto. Eu vou partir essa noite — falei, enquanto brincava com a água da beira do rio e ela me olhou confusa.
— Você quer dizer, nós vamos.
— Você não vai, é muito perigoso.
— Ah, faça-me o favor. Você começou a lutar agora, eu luto desde os dez anos.
— Ainda acho que eu consigo vencer de você em uma luta.
— Só se for debaixo d’água. — riu convencida e se dirigiu para onde eu estava. — Mas eu falei sério, eu vou com você.
— Bom, sendo assim, quanto mais ajuda melhor, não é?
— É o que dizem. — Ela deu de ombros antes de se despedir e seguir em direção aos chalés. — Te vejo mais tarde.
Algumas horas haviam se passado e o acampamento estava tomado pelo silêncio. Então, arrumei algumas coisas soltas pelo quarto que eu julgava serem necessárias e saí do local, esperando no local combinado.
— E aí? — Ela surgiu do nada ao tirar aquele maldito chapéu e eu dei um pulo do banco em que havia sentado, me recompondo após algum tempo. — Você quer enfrentar Cronos com esse coração?
— Você chegou do nada, o que queria que eu fizesse?
— Enfim, eu já volto, vou buscar seu pegasus para podermos sair daqui. — Assenti com a cabeça e aguardei a garota voltar, sendo surpreendido por Quíron um tempo depois.
— Realmente pensou que eu não iria descobrir?
— Eu…
— , por que não avisou que seu pegasus tem pavio curto? — chegou, carregando Blackjack com uma corda e se assustou ao olhar para a frente e ver Quíron. — Quer dizer… professor, eu ia exatamente brigar com o …
— Tudo bem, . Eu não vim repreender vocês. — O semblante da garota mudou para um mais calmo ao ouvir as palavras do centauro. — Eu sei que essa missão é muito importante para vocês e suponho que estejam prontos para o que vão enfrentar… bom, não totalmente — ele continuou, pegando uma bolsa e pondo na minha frente. — Trouxe algumas coisas que vocês podem precisar. Dinheiro mortal, caso precisem, dracmas de ouro, apenas para transações não mortais, néctar e ambrosia, para a recuperação, e… a Anaklusmos. Foi o Teseu quem enviou para você. É uma espada feita de bronze celestial. Ela se transforma em caneta, então não é capaz de ferir mortais, e ainda volta para o seu bolso, caso a perca. — Ele me entregou a caneta-espada e eu a guardei no meu bolso, me levantando logo em seguida.
— Obrigado. — Sorri e fui na direção de e Blackjack.
— Ah, tem mais uma coisa… isso pertencia a Zeus. — O centauro entregou uma espécie de bracelete estranho para , que, ao colocá-lo em seu pulso, se transformou em um escudo enorme, com o rosto da Medusa no centro. — Aegis… era da…
— Thalia. — deu um sorriso melancólico ao encarar o objeto, que já havia se transformado em bracelete novamente. — Obrigada.
— Bom, acho que é isso. Boa sorte, crianças. — Montamos no pegasus e nos despedimos de Quíron.
— Segura firme. — Olhei para , que estava sentada atrás de mim, e senti seus braços envolverem minha cintura e sua cabeça ir de encontro às minhas costas, como se estivesse apertando o mais forte que ela conseguisse. — Ah, você tem medo de voar?
— Não é como se eu fosse acostumada… se contar para alguém, eu te mato.
— Pode deixar, madame. — Dei o sinal para Blackjack, que, após uma corrida inicial, tirou as patas do chão, seguindo para o nosso próximo destino.
Passamos por cima de toda New York e do encontro do rio Hudson com o Oceano Atlântico, atravessando grande parte dele depois até pararmos numa ilha escondida, que parecia desabitada. Quase me joguei no chão ao pousarmos. A garupa de um cavalo não era nada parecida com um assento de avião.
— Algo me diz que temos que entrar naquela caverna enorme e assustadora. — Apontei para o local que havia acabado de ver, após me alongar durante algum tempo para tentar tirar a dormência do meu corpo.
— Não me diga, gênio. — revirou os olhos e tirou um objeto de sua mochila, que se transformou em espada. — Vamos logo, eu espero por isso há oito anos. — Ela avançou para a caverna e eu a segui, deixando Blackjack na parte de fora.
Passei na frente de , adentrando a caverna, que se iluminava sozinha à medida que íamos para as profundezas dela, com a espada dada por Teseu em minha mão. Não demorou muito até ouvirmos passos por todos os lados da caverna, e eu comecei a imaginar uma centopeia gigante nos atacando. Devia ser um tipo de guardião. Eu devia ter imaginado que a tumba de Cronos deveria ser guardada por algo e que a missão não seria simplesmente entrar lá e pedir gentilmente para que ele não tentasse possuir meu pai. Bom, agora já era tarde demais.
— Você sabe de onde está vindo esse barulho? — perguntei para , em um sussurro, com medo de que o monstro nos escutasse.
— Está vindo de todo lugar — ela sussurrou de volta, mas gritou por conta de algo que apareceu atrás dela, me forçando a virar e ver um escorpião gigante vindo em nossa direção. E, em um movimento que parecia ser simples, mas preciso, enfiou a espada no animal, o matando. — Escorpiões de Tártaro. Que ótimo — ela bufou e se virou para mim, que ainda me encontrava estático atrás dela. — , deve ter muito mais deles. Temos que ser cuidadosos, pois o veneno é mortal e eu não acho que apenas néctar e ambrosia resolverão.
— Tem razão. — Respirei fundo, tentando me lembrar de todos os treinamentos. — Vamos, antes que venham mais deles.
Seguimos adentrando a caverna e matando mais daqueles bichos até chegarmos a um ponto em que a caverna se expandia.
— Aquele é… — comecei a perguntar, ao avistar alguém gigantesco parado em frente a uma caixa entreaberta.
— Poseidon… — completou, empunhando sua espada e armando o escudo ao perceber que ele nos encarava. — E eu acho que vamos ter que lutar contra ele. — Assim que ela terminou de falar, surgiram diversos escorpiões gigantes ao redor de onde estávamos.
— Tá, o que fazemos agora? — Tentei não parecer tão apavorado quanto eu aparentava ao olhar para a garota ao meu lado.
— Temos que distraí-los para você ter a chance de fechar a caixa…
— Eu? Mas…
— , tem que ser você. A profecia mostra que é você.
— E se eu falhar? — Senti um arrepio ao pegar em minha mão. Ótimo momento para sentir borboletas no estômago, .
— Você não vai. Eu confio em você e, vendo pela profecia, até o Olimpo todo confia. — Ela sorriu e podia jurar que aquela era a primeira vez que a via sendo legal comigo. Por algum motivo, aquelas palavras haviam me dado a coragem necessária para ir em direção à caixa, matando o máximo de monstros possíveis até ficar de frente para meu próprio pai.
— Sempre quis saber como você era, mas acho que esse não é um bom momento para falar da nossa relação de pai e filho. — Chamei sua atenção e ele se virou para mim, a fúria estampada em seu rosto.
— E o que um mero semideus acha que pode fazer para me deter? — Cronos, no corpo de Poseidon, riu freneticamente, enquanto vários daqueles escorpiões se aproximavam de onde eu estava. — Não preciso usar os poderes dele, minhas criaturas vão acabar com você em segundos.
— É o que vamos ver. — Tentei correr em direção à caixa, mas um dos escorpiões pulou na minha frente, quase enfiando o ferrão em mim. E, de repente, já estava cercado por vários deles. — , dá uma ajuda aqui! — Olhei para a garota, que estava numa situação parecida com a minha, e ela jogou o bracelete em minha direção.
Inacreditavelmente eu consegui pegar o objeto e, ao transformá-lo em escudo, percebi que os escorpiões começaram a fugir dele, o que permitiu que eu avançasse para a caixa, mas fui atingido por um jato d’água, que me jogou com força na parede gelada de pedra, fazendo com que minha espada pulasse da minha mão. Ainda com dificuldade para me levantar, procurei pelo objeto, à medida que mais escorpiões avançavam em minha direção, mas lembrei que do Quíron tinha falado e procurei a caneta no meu bolso, transformando-a a tempo de conseguir matar um dos monstros que já estava em cima de mim.
— Tem que ser agora. — Vi o caminho para a caixa livre e, ao perceber a presença de um tipo de lago, atingi alguns escorpiões que tentavam me impedir com vários jatos de água, conseguindo ficar cara a cara com o objeto não tão grande que abrigava Cronos.
Eu só tinha que fechar aquela caixa para impedir o fim do mundo. Parecia ser tão fácil depois do que eu havia acabado de enfrentar. Então assim eu o fiz, observando Poseidon cair ao ter o canal entre sua mente e a de Cronos fechado. Aparentemente tudo tinha se resolvido, apesar da grande quantidade de escorpiões que ainda avançavam na minha direção. prosseguia matando vários deles e parecia estar se divertindo ao fazer isso, afinal, não deveria ser tão difícil para ela. Então, comecei a ir em sua direção, matando todos os escorpiões que ficavam em meu caminho, até conseguir ficar ao seu lado.
— Você estava certa, eu… — Antes que eu pudesse terminar a frase, senti uma pontada em minhas costas, e vi matar o escorpião que havia me picado. Minha visão estava ficando turva e minhas pernas enfraqueciam à medida que eu tentava me equilibrar nas paredes úmidas do local.
— !
— , eu não tô muito bem. — Me apoiei na garota, que murmurava algo em meu ouvido, mas a única coisa que eu conseguia ouvir era um zumbido que ficava cada vez mais forte. Eu sabia que estava morrendo. Afinal, tinha me dito que o veneno desses escorpiões era venenoso momentos atrás. As últimas coisas que eu lembro de ver enquanto minha visão ia e voltava foram me carregando para fora da caverna e Poseidon.
— , acorda! — Abri os olhos e dei de cara com sorrindo. Estávamos na areia, assim como em meus sonhos, mas não via Blackjack. Éramos apenas eu e ela.
— Eu… morri?
— Sim, cabeça de alga. — Ela riu, pondo uma mecha de seu cabelo para trás.
— Então eu estou tipo no paraíso?
— Também não…
— Então onde eu estou?
— Ué, pensei que você já estava acostumado com isso aqui.
— Estou num sonho?
— Tipo isso…
— E por que você está aqui? Morreu também?
— Talvez porque você queira que eu esteja…
— Bom, não posso negar que você é um belo anjo. — Dei um sorriso tímido, mas ela se aproximou de mim.
— E o que você vai fazer quanto a isso? — À medida que aproximei meu rosto do dela, uma luz branca começou a aparecer por todo canto, até que eu acabei acordando, dessa vez aparentemente de verdade.
— Olha quem acordou! — Teseu se levantou de onde estava sentado e se aproximou de mim com um sorriso.
— Tinha que ser agora? — perguntei frustrado, mas percebi algo sobre mim ao me sentar na cama, analisando o manto de ouro. — O que é isso?
— O velocino de ouro… utilizamos junto ao néctar e à ambrosia para te curar. Se não fosse pela garota, , você provavelmente não estaria vivo. Tenho que admitir, que, para uma filha de Atena, ela é interessante.
— Cadê ela?
— Blackjack a levou de volta ao acampamento.
— Então quem me trouxe até aqui?
— Eu, . — Poseidon se aproximou de onde nós estávamos em passos lentos. — Era o mínimo que eu podia fazer depois de você ter salvado a humanidade.
— Ah, sem problemas. Foi molezinha… Quanto tempo eu fiquei desacordado?
— Algumas semanas.
— Semanas?
— Voltar dos mortos é um pouco complexo. É um processo que exige tempo… Teseu, poderia deixar eu e seu irmão a sós? — nosso pai pediu para o meu irmão, que assentiu com a cabeça e se afastou.
— É um prazer ter você aqui, — ele falou, antes de sair do local, nos deixando sozinhos.
— Eu queria dizer para você ficar o quanto quiser, mas…
— É meio complicado, eu entendo.
— Eles abriram uma exceção depois que expliquei o que você havia feito para que você pudesse se recuperar aqui. Foi muita coragem de sua parte, . Quando eu pedi para Teseu se comunicar com você, não pensei que fosse aceitar tão bem.
— Foi meio estranho no começo, mas eu consegui me adaptar.
— Eu sinto muito por não poder estar com você e com a sua mãe. Mas, mesmo não sendo permitido nos encontrarmos, eu sempre te observava de longe.
— Sério? — perguntei surpreso e ele assentiu com a cabeça.
— Eu sempre vou estar com você. E sempre vou amar vocês dois.
Depois daquelas palavras eu consegui sentir Poseidon nas ondas que acompanhavam eu e Blackjack durante a volta pelo Oceano Atlântico até New York. Antes de voltar para o acampamento meio sangue, achei melhor passar no apartamento e dar algum sinal de vida para minha mãe, que devia estar extremamente preocupada nessa medida do campeonato.
— Ah, . Eu estava tão preocupada.
— E eu morrendo de saudades… desculpa não ter ligado, é porque eu estava meio morto. — Ri e ela me deu tapinhas de reprovação como resposta.
— Nunca mais saia de perto de mim. — Minha mãe me abraçou com os olhos marejados e eu retribuí o gesto.
— Na verdade, vou ter que passar lá no acampamento… eu gostei de lá, acho que eu poderia ficar durante o verão, o que acha?
— Por mim, tudo bem, contanto que não se meta em mais roubadas como essa. — Passei mais algumas horas lá, explicando como havia sido a aventura e tudo o que ocorreu no encontro com meu pai. Porém, eu precisava voltar para o acampamento e saber como estava. Nem que fosse só por algumas horas, mas eu queria vê-la. Me aproximei da entrada do acampamento, sendo encarado por todos à medida que eu adentrava o local.
— ? — Ouvi uma voz conhecida chamar meu nome e me virei, sendo recepcionado por um abraço longo da garota loira, que nem se importou de ser vista com um filho de Poseidon.
— Calma aí, sabidinha. Eu acabei de ressuscitar.
— E como você está se sentindo?
— Eu nunca me senti tão vivo. — Sorri e percebi algo atrás dela se aproximando de onde estávamos.
— Você voltou! — Quíron vibrou, com um sorriso animado no rosto. — E conseguiu… eu sempre acreditei em você, .
— Obrigado pela ajuda.
— Vem, temos muito o que conversar! — me puxou e fomos para uma parte do lago afastada de todos.
— O que acha de dar um pulo nesse lago? Eu sempre tive vontade de fazer isso — sugeri, me virando para a garota.
— Com roupa e tudo?
— Sim! Eu consigo te enxugar depois.
— Convencido. — Ela riu e, após alguns segundos de hesitação, saiu correndo para o lago e deu um pulo.
— Ei, espera aí! — Fiz o mesmo que ela, a procurando embaixo d’água e, após conseguir achá-la, criei uma bolha de ar para que ela conseguisse respirar.
— Que louco. — olhava perplexa para todos os lados.
— Eu consegui surpreender a sabidinha?
— Vai ficar se achando agora? — ela perguntou, rindo e, encarando o cinza-azulado de seus olhos, senti um tipo de impulso interno, como se meu corpo tivesse que dizer aquilo. Não era uma escolha.
— Eu sonhei com você… antes de acordar dos mortos.
— Sério? Porque eu também meio que sonhei com você. — Era incrível como seus olhos contrastavam com a água ao redor de nós. Ela era tão linda. — E o que acontecia no seu sonho? Quer dizer, o que nós fazíamos?
— Bom, a gente… quer dizer, não chegamos a fazer isso, porque eu acordei antes da hora... não que eu quisesse que acontecesse… mas a gente meio que se… você sabe… — Ela me puxou para mais perto, unindo nossos lábios, e eu sabia o quão vermelho meu rosto havia ficado após sentir não só ele, mas todo o meu corpo queimar.
— Você é meio covarde, então eu decidi tomar a atitude…
— E fez muito bem… esse foi o melhor beijo subaquático de todos.
FIM
Nota da autora: Oii. Peguei umas dicas da minha amiga viciada na saga de Percy Jackson e em mitologia para escrever essa fic, por isso, obrigada, Lavínia 💜. Espero que gostem e comentem muito!
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
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