Capítulo 1
O som distante do despertador me acorda lentamente. Coço os olhos e percebo que, como sempre, eu esqueci de trazer meu celular para a mesa de cabeceira. A claridade suave que permeia a cortina me permite distinguir melhor as formas à minha volta e, quando reconheço meu jaleco estendido sobre a poltrona no canto do quarto, percebo o sutil aviso de que já está na hora de me levantar.
No entanto, ao me espreguiçar, meu braço acerta algo sólido e viro-me para observar sem nenhuma surpresa, mas com grande satisfação, o indivíduo que dorme serenamente ao meu lado. Seu peito sobe e desce acompanhando sua respiração tranquila enquanto eu afago seu cabelo macio. Sorrio, pois ele é a pessoa que eu mais amo no mundo.
- O que vai querer para o café da manhã? – pergunto, encostando minha cabeça a dele para que possa me ouvir melhor. – Lembre-se de que, por conta do seu aniversário, pode escolher qualquer coisa.
Ele abre os olhos preguiçosamente e esboça um sorriso antes de dizer com a voz sonolenta:
- Panquecas sorridentes.
Assim, meu sorriso se expande com o digno e saboroso pedido de meu irmão que está completando 10 anos.
XXX
Enquanto Mason come suas panquecas, eu termino de me vestir para ir à faculdade. Depois de colocar o moletom azul marinho com o grande “M” amarelo da Universidade de Michigan bordado na frente, e pegar minha mochila devidamente preparada para mais um dia na Escola de Medicina, dou um beijo na testa de meu irmão em uma despedida rápida. Antes de sair, recordo-me de falar as instruções matinais:
- Não vá muito longe. Só porque agora tem duas mãos cheias não significa que pode sair por aí explorando a cidade sem me dar satisfação. – digo, alfinetando-o delicadamente com a lembrança do dia em que ele se perdeu ao tentar chegar ao Museu de História Natural sozinho.
- Como futura cardiologista, você deveria saber que guardar rancor não faz bem ao coração. – ele diz, perspicaz.
- Espertinho. – aperto seu nariz. – De qualquer forma, não se preocupe, vem passar o dia com você.
- Sério?! – Mason se anima instantaneamente já que é o represente adulto do sexo masculino com quem ele tem mais contato. – Obrigado por pedir a ele para ficar comigo no meu aniversário. Você é a melhor irmã do mundo! – ele exclama e me abraça, apoiando a cabeça em minha barriga.
Enquanto acaricio seu cabelo, percebo desolada, o quanto nossa família constituída apenas pelos dois integrantes restantes – no caso, eu e Mason – está se relacionando de forma precária. Não deveria ser assim. Não era para eu estar deixando Mason aos cuidados do meu melhor amigo enquanto vou estudar a fim de garantir um futuro mais próspero para nós dois. Não era para meu irmão de somente dez anos ser capaz de compreender com tanta facilidade as razões que não permitem que eu passe mais um aniversário ao seu lado. Mas Mason, além de entender os porquês, ainda me contempla com o título de melhor irmã do mundo. E, tristemente, ele já vem fazendo isso há muito tempo.
XXX
- Então é isso, turma, acabamos por hoje. Semana que vem continuamos com o estudo clínico e morfológico abordando a etiopatogenia das afecções cardiovasculares. Aproveitem o final de semana.
O Dr. diz ao finalizar a aula, mas eu não sou capaz de afirmar se seu comentário foi honestamente ingênuo ou perversamente irônico, já que, para um estudante do 8° período de medicina, nenhum final de semana é longo o suficiente para ser aproveitado.
A maior parte da turma se esvai rapidamente, mas eu faço parte do parco grupo de pessoas que leva mais do que o tempo médio para organizar o material na mochila. Por isso, quando estou prestes a atravessar a porta em meio aos alunos esparsos, Dr. é capaz de me reconhecer e solicitar que eu aguarde mais um pouco. Quando a sala fica vazia, ele me chama com um meneio de cabeça em direção a sua mesa e eu me aproximo.
- Não sei se você sabe, , mas eu também sou o coordenador do departamento de pesquisa de medicina cardiovascular. – ele diz, com os braços apoiados na mesa atrás dele e com as pernas despojadamente cruzadas. Encara-me, e eu confirmo com um resoluto meneio de cabeça. – Pois bem, estamos desenvolvendo atualmente um projeto particularmente interessante sobre doenças cardíacas hereditárias. A pesquisa está se desenvolvendo muito bem e temos grandes expectativas em relação aos resultados. No entanto, como ela tomou proporções maiores do que havíamos previsto, estamos precisando de novos membros para integrar a equipe.
Engulo em seco e minhas mãos começam a suar em resposta a minha ansiedade. Meus olhos não conseguem se desviar do rosto de em busca de atribuir um significado a todo esse discurso. Contudo, sua expressão não poderia ser mais enigmática.
- Notei que tem um especial interesse pelas disciplinas optativas relacionadas à cardiologia. Na realidade, você cursou quase todas ao longo desses oito períodos; o que é um pouco preocupante já que está limitando seu currículo com matérias voltadas para o estudo do coração humano. – após ele dizer isso, tenho a esmagadora certeza de que seu objetivo é me dar um sermão e não me fazer um convite para me juntar ao grupo de pesquisadores.
- Tudo bem, Dr. , vou tentar diversificar minha grade. Inclusive, vou agora à secretaria para ver se podem me realocar em alguma turma cuja lotação não esteja esgotada. Obrigada pelo conselho. – digo e estou prestes a sair quando ele me chama novamente.
- , eu ainda não terminei. – mordo o lábio, irritada, e me amaldiçoo por gostar tanto de uma coisa a ponto de não desenvolver interesse por estudar mais nada. Volto-me para ele e espero que conclua a amistosa advertência.
- Desculpe, Dr. , achei que já tivesse.
Ele ergue uma sobrancelha, e parece estar analisando cuidadosamente a gravidade do meu ato petulante ao decidir me retirar da sala sem que ele houvesse finalizado sua fala. Balança a cabeça, incrédulo, e esboça um sorriso antes de continuar a falar.
- Apesar de concordar que deva diversificar a sua grade, não é por isso que estamos tendo esta conversa. Estamos aqui, , porque o seu evidente interesse por cardiologia fez de você a pessoa mais apta a ingressar em nossa equipe.
Então, pateticamente, eu fico muda. Dentre todas as falas inteligentes e perspicazes, ou no mínimo agradecidas, que poderiam saltar de minha boca neste momento, nada sai. Estou ocupada demais processando a ideia de que acabo de ter minha participação solicitada em um dos projetos mais concorridos da universidade para ser capaz de enunciar qualquer coisa.
- Então... – ele pergunta lentamente a fim de recuperar minha atenção. - Você aceita?
- Sim! – e finalmente pareço recobrar minha atividade cerebral - Mas é claro que sim! Vai ser uma honra trabalhar com o senhor!
Ele sorri com meu entusiasmo.
- A partir de agora está autorizada a me chamar de . Vamos passar muito tempo juntos e eu vou acabar enlouquecendo com tantos pronomes de tratamento. – ele ri e assinto, concordando com seus termos – Então é isso, está liberada. Nos encontramos na segunda para eu poder te passar as diretrizes sobre a função que irá exercer, tudo bem?
- Mas é claro. Mais uma vez, obrigada.
- Imagina, o mérito é todo seu. – e, antes de sair da sala para seguir para o centro médico e acompanhar seu grupo de internos em mais uma ronda, ele acrescenta: - Na verdade, se quiser mesmo endereçar seu agradecimento a algum destinatário, este é a sua adorável obsessão por entender o funcionamento do coração.
No entanto, ao me espreguiçar, meu braço acerta algo sólido e viro-me para observar sem nenhuma surpresa, mas com grande satisfação, o indivíduo que dorme serenamente ao meu lado. Seu peito sobe e desce acompanhando sua respiração tranquila enquanto eu afago seu cabelo macio. Sorrio, pois ele é a pessoa que eu mais amo no mundo.
- O que vai querer para o café da manhã? – pergunto, encostando minha cabeça a dele para que possa me ouvir melhor. – Lembre-se de que, por conta do seu aniversário, pode escolher qualquer coisa.
Ele abre os olhos preguiçosamente e esboça um sorriso antes de dizer com a voz sonolenta:
- Panquecas sorridentes.
Assim, meu sorriso se expande com o digno e saboroso pedido de meu irmão que está completando 10 anos.
Enquanto Mason come suas panquecas, eu termino de me vestir para ir à faculdade. Depois de colocar o moletom azul marinho com o grande “M” amarelo da Universidade de Michigan bordado na frente, e pegar minha mochila devidamente preparada para mais um dia na Escola de Medicina, dou um beijo na testa de meu irmão em uma despedida rápida. Antes de sair, recordo-me de falar as instruções matinais:
- Não vá muito longe. Só porque agora tem duas mãos cheias não significa que pode sair por aí explorando a cidade sem me dar satisfação. – digo, alfinetando-o delicadamente com a lembrança do dia em que ele se perdeu ao tentar chegar ao Museu de História Natural sozinho.
- Como futura cardiologista, você deveria saber que guardar rancor não faz bem ao coração. – ele diz, perspicaz.
- Espertinho. – aperto seu nariz. – De qualquer forma, não se preocupe, vem passar o dia com você.
- Sério?! – Mason se anima instantaneamente já que é o represente adulto do sexo masculino com quem ele tem mais contato. – Obrigado por pedir a ele para ficar comigo no meu aniversário. Você é a melhor irmã do mundo! – ele exclama e me abraça, apoiando a cabeça em minha barriga.
Enquanto acaricio seu cabelo, percebo desolada, o quanto nossa família constituída apenas pelos dois integrantes restantes – no caso, eu e Mason – está se relacionando de forma precária. Não deveria ser assim. Não era para eu estar deixando Mason aos cuidados do meu melhor amigo enquanto vou estudar a fim de garantir um futuro mais próspero para nós dois. Não era para meu irmão de somente dez anos ser capaz de compreender com tanta facilidade as razões que não permitem que eu passe mais um aniversário ao seu lado. Mas Mason, além de entender os porquês, ainda me contempla com o título de melhor irmã do mundo. E, tristemente, ele já vem fazendo isso há muito tempo.
- Então é isso, turma, acabamos por hoje. Semana que vem continuamos com o estudo clínico e morfológico abordando a etiopatogenia das afecções cardiovasculares. Aproveitem o final de semana.
O Dr. diz ao finalizar a aula, mas eu não sou capaz de afirmar se seu comentário foi honestamente ingênuo ou perversamente irônico, já que, para um estudante do 8° período de medicina, nenhum final de semana é longo o suficiente para ser aproveitado.
A maior parte da turma se esvai rapidamente, mas eu faço parte do parco grupo de pessoas que leva mais do que o tempo médio para organizar o material na mochila. Por isso, quando estou prestes a atravessar a porta em meio aos alunos esparsos, Dr. é capaz de me reconhecer e solicitar que eu aguarde mais um pouco. Quando a sala fica vazia, ele me chama com um meneio de cabeça em direção a sua mesa e eu me aproximo.
- Não sei se você sabe, , mas eu também sou o coordenador do departamento de pesquisa de medicina cardiovascular. – ele diz, com os braços apoiados na mesa atrás dele e com as pernas despojadamente cruzadas. Encara-me, e eu confirmo com um resoluto meneio de cabeça. – Pois bem, estamos desenvolvendo atualmente um projeto particularmente interessante sobre doenças cardíacas hereditárias. A pesquisa está se desenvolvendo muito bem e temos grandes expectativas em relação aos resultados. No entanto, como ela tomou proporções maiores do que havíamos previsto, estamos precisando de novos membros para integrar a equipe.
Engulo em seco e minhas mãos começam a suar em resposta a minha ansiedade. Meus olhos não conseguem se desviar do rosto de em busca de atribuir um significado a todo esse discurso. Contudo, sua expressão não poderia ser mais enigmática.
- Notei que tem um especial interesse pelas disciplinas optativas relacionadas à cardiologia. Na realidade, você cursou quase todas ao longo desses oito períodos; o que é um pouco preocupante já que está limitando seu currículo com matérias voltadas para o estudo do coração humano. – após ele dizer isso, tenho a esmagadora certeza de que seu objetivo é me dar um sermão e não me fazer um convite para me juntar ao grupo de pesquisadores.
- Tudo bem, Dr. , vou tentar diversificar minha grade. Inclusive, vou agora à secretaria para ver se podem me realocar em alguma turma cuja lotação não esteja esgotada. Obrigada pelo conselho. – digo e estou prestes a sair quando ele me chama novamente.
- , eu ainda não terminei. – mordo o lábio, irritada, e me amaldiçoo por gostar tanto de uma coisa a ponto de não desenvolver interesse por estudar mais nada. Volto-me para ele e espero que conclua a amistosa advertência.
- Desculpe, Dr. , achei que já tivesse.
Ele ergue uma sobrancelha, e parece estar analisando cuidadosamente a gravidade do meu ato petulante ao decidir me retirar da sala sem que ele houvesse finalizado sua fala. Balança a cabeça, incrédulo, e esboça um sorriso antes de continuar a falar.
- Apesar de concordar que deva diversificar a sua grade, não é por isso que estamos tendo esta conversa. Estamos aqui, , porque o seu evidente interesse por cardiologia fez de você a pessoa mais apta a ingressar em nossa equipe.
Então, pateticamente, eu fico muda. Dentre todas as falas inteligentes e perspicazes, ou no mínimo agradecidas, que poderiam saltar de minha boca neste momento, nada sai. Estou ocupada demais processando a ideia de que acabo de ter minha participação solicitada em um dos projetos mais concorridos da universidade para ser capaz de enunciar qualquer coisa.
- Então... – ele pergunta lentamente a fim de recuperar minha atenção. - Você aceita?
- Sim! – e finalmente pareço recobrar minha atividade cerebral - Mas é claro que sim! Vai ser uma honra trabalhar com o senhor!
Ele sorri com meu entusiasmo.
- A partir de agora está autorizada a me chamar de . Vamos passar muito tempo juntos e eu vou acabar enlouquecendo com tantos pronomes de tratamento. – ele ri e assinto, concordando com seus termos – Então é isso, está liberada. Nos encontramos na segunda para eu poder te passar as diretrizes sobre a função que irá exercer, tudo bem?
- Mas é claro. Mais uma vez, obrigada.
- Imagina, o mérito é todo seu. – e, antes de sair da sala para seguir para o centro médico e acompanhar seu grupo de internos em mais uma ronda, ele acrescenta: - Na verdade, se quiser mesmo endereçar seu agradecimento a algum destinatário, este é a sua adorável obsessão por entender o funcionamento do coração.
Capítulo 2
- Isso é uma grande conquista, . Estou orgulhoso de você. – diz após engolir o pedaço do hambúrguer que mastigava.
Seus hábitos alimentares são horríveis e seu colesterol deve estar tão alto quanto a taxa de triglicerídeos em seu sangue. Contudo, na última vez que tentei alertá-lo sobre isso, ele disse que eu não era nenhuma nutricionista para dar palpite em sua alimentação.
- Não, . Não é. Pelo menos não para mim. – eu digo após finalizar o primeiro de cinco blocos de leituras da faculdade. – O que eu estava pensando ao aceitar esse cargo quatro meses atrás?
- Estava pensando que era exatamente o que queria. Vamos lá, , você é a maior especialista em gerenciamento de tempo que eu conheço! – ele tenta me animar, mas não é uma tarefa fácil já que o peso de conciliar várias atividades está me matando aos poucos.
- , não se pode gerenciar um tempo que não se tem. Eu estou sobrecarregada. – apoio minha cabeça em minhas mãos, lamentando. – Eu amo o que faço, mas não sei se consigo continuar. Não sei mais o que devo fazer.
- Bem, , a resposta é simples: deve fazer o que faz de melhor.
- E o que seria? Panquecas sorridentes? – pergunto, revirando os olhos em desgosto.
- Não. – pausa na intenção de captar meus olhos para ele. - Lutar.
Então eu arregalo os olhos, pois estamos em uma cafeteria nos arredores da faculdade.
- , aqui não. – repreendo-o.
- O quê? Tem medo de que alguém descubra sobre sua vida dupla? – ele ri, sarcástico. – De qualquer forma, não estava falando sobre o combate corpo a corpo, mas me referindo ao esforço para superar obstáculos e dificuldades.
- Certo, afinal, você é o meu guia motivacional, não é mesmo? – devolvo, irritada.
- Touché. – ele reconhece que foi atingido. – Mas, para você ter pensado nisso, quer dizer que o dinheiro está começando a faltar, não é mesmo?
Assentir em concordância é um dos gestos mais difícies para eu realizar no momento, mas, resignadamente, eu o faço.
- Vai começar um novo torneio de artes marciais mistas. Se você estiver pronta para voltar para o ringue, eu posso te inscrever.
Uma gargalhada desgostosa escapa de minha garganta.
- Esqueceu de acrescentar que o evento se desenrola no circuito clandestino.
- Como se você já não soubesse. Vamos, , você não é mais uma caloura faz tempo. Além disso, sabe que precisa sustentar Mason e suprir os gastos referentes à faculdade.
- Quantas rodadas? – pergunto, cabisbaixa.
- Sete.
- Sete?
- As lutas são semanais e cada uma vale três mil dólares. Há ainda uma bonificação de um mil para os participantes que prosseguirem avançando as etapas. – diz e eu começo a fazer os cálculos em minha cabeça – E adivinha só qual é a novidade da nova temporada? A bonificação é acumulativa. Se chegar à final, já vai ter embolsado quase quarenta mil dólares. Se vencer, são cinquenta mil.
O intervalo entre os torneios dos quais participo tem se tornado cada vez mais curto. No entanto, eu sou franca o suficiente para admitir que eles estão intimamente relacionados aos meus gastos cuja proporção aumentou consideravelmente nos últimos meses. Dolorosamente, sei que está certo ao tentar me convencer a ingressar nessa rotina de madrugadas em espaços apinhados de pessoas sedentas por um combate cujas regras são constantemente violadas. Entretanto, quando comecei a praticar o pugilismo na infância não foi com a pretensão de ter que viver disso. Na verdade, foi devido ao meu ingênuo interesse por aprender a dar socos e me aproximar mais dos personagens de desenhos de ação que eu tanto admirava. Agora, aos 24 anos, eu já carrego uma bagagem bem grande de lutas e de surras. Aprendi, inclusive, que, como na vida, no ringue vale tudo.
- Acho que eu preciso voltar a treinar então.
E essa é a deixa de que precisava, pois, no segundo seguinte, ele já está sustentando um sorriso desafiador:
- Você tem quatro semanas, docinho.
XXX
- Espera, esse é o meu antigo livro de Cálculo I? – Pergunto ao vê-lo sobre a escrivaninha do quarto de .
O espaço que ele tem reservado para dormir é minúsculo, pois mora nos fundos da academia onde treinamos regularmente. O dono concordou que ele passasse as noites aqui, pois é uma espécie de zelador não pago.
- É, como pode ver, eu estou usando ele como porta-copos. – E rapidamente ele coloca uma xícara de café sobre o livro para ilustrar sua prática.
- Mas ele está aberto.
- É porque eu gostei dos desenhos destas páginas. – Ele se defende. E eu observo os gráficos da reta tangente aos quais ele se refere como desenhos.
- Você é desprezível.
- Como se você já não soubesse.
- Vamos, pegue as manoplas enquanto eu começo o aquecimento.
- Pode deixar, docinho.
Enquanto ele vai atrás das manoplas, eu deixo seu quarto e vou para o tatame para me aquecer. Ao invés de dar pulos, socos no saco de porrada ou correr em círculos, eu resolvo me alongar. No primeiro ano da faculdade, conheci uma garota cujo estilo alternativo era contagiante. Ela era vegana e só consumia alimentos orgânicos. Além disso, domina as técnicas da yoga como ninguém, e me ensinou um pouco durante um intervalo e outro. Sendo assim, após decidir que encostar a ponta dos meus dedos nos meus pés é a melhor opção, curvo-me para fazê-lo. Enquanto estou nessa posição, tentando equilibrar os meus chacras e esticar minha coluna, a voz de me desarmoniza com o comentário indigesto:
- Bela bunda. – Ele diz e eu rolo os olhos, repudiando seu comportamento infantil – Você malha?
Ergo-me lentamente, presenteando-o com a breve oportunidade de se afastar. Contudo, ao virar-me, ele permanece lá com as manoplas em posição, pronto para defender-se.
- O que eu vou malhar é a sua cara com tanta porrada.
Digo e no instante seguinte dou um chute alto, desequilibrando-o.
- Bem, acho que você já está pronta. – Ele brinca e recobra a postura inicial.
- Você ainda não viu nada, docinho.
Seus hábitos alimentares são horríveis e seu colesterol deve estar tão alto quanto a taxa de triglicerídeos em seu sangue. Contudo, na última vez que tentei alertá-lo sobre isso, ele disse que eu não era nenhuma nutricionista para dar palpite em sua alimentação.
- Não, . Não é. Pelo menos não para mim. – eu digo após finalizar o primeiro de cinco blocos de leituras da faculdade. – O que eu estava pensando ao aceitar esse cargo quatro meses atrás?
- Estava pensando que era exatamente o que queria. Vamos lá, , você é a maior especialista em gerenciamento de tempo que eu conheço! – ele tenta me animar, mas não é uma tarefa fácil já que o peso de conciliar várias atividades está me matando aos poucos.
- , não se pode gerenciar um tempo que não se tem. Eu estou sobrecarregada. – apoio minha cabeça em minhas mãos, lamentando. – Eu amo o que faço, mas não sei se consigo continuar. Não sei mais o que devo fazer.
- Bem, , a resposta é simples: deve fazer o que faz de melhor.
- E o que seria? Panquecas sorridentes? – pergunto, revirando os olhos em desgosto.
- Não. – pausa na intenção de captar meus olhos para ele. - Lutar.
Então eu arregalo os olhos, pois estamos em uma cafeteria nos arredores da faculdade.
- , aqui não. – repreendo-o.
- O quê? Tem medo de que alguém descubra sobre sua vida dupla? – ele ri, sarcástico. – De qualquer forma, não estava falando sobre o combate corpo a corpo, mas me referindo ao esforço para superar obstáculos e dificuldades.
- Certo, afinal, você é o meu guia motivacional, não é mesmo? – devolvo, irritada.
- Touché. – ele reconhece que foi atingido. – Mas, para você ter pensado nisso, quer dizer que o dinheiro está começando a faltar, não é mesmo?
Assentir em concordância é um dos gestos mais difícies para eu realizar no momento, mas, resignadamente, eu o faço.
- Vai começar um novo torneio de artes marciais mistas. Se você estiver pronta para voltar para o ringue, eu posso te inscrever.
Uma gargalhada desgostosa escapa de minha garganta.
- Esqueceu de acrescentar que o evento se desenrola no circuito clandestino.
- Como se você já não soubesse. Vamos, , você não é mais uma caloura faz tempo. Além disso, sabe que precisa sustentar Mason e suprir os gastos referentes à faculdade.
- Quantas rodadas? – pergunto, cabisbaixa.
- Sete.
- Sete?
- As lutas são semanais e cada uma vale três mil dólares. Há ainda uma bonificação de um mil para os participantes que prosseguirem avançando as etapas. – diz e eu começo a fazer os cálculos em minha cabeça – E adivinha só qual é a novidade da nova temporada? A bonificação é acumulativa. Se chegar à final, já vai ter embolsado quase quarenta mil dólares. Se vencer, são cinquenta mil.
O intervalo entre os torneios dos quais participo tem se tornado cada vez mais curto. No entanto, eu sou franca o suficiente para admitir que eles estão intimamente relacionados aos meus gastos cuja proporção aumentou consideravelmente nos últimos meses. Dolorosamente, sei que está certo ao tentar me convencer a ingressar nessa rotina de madrugadas em espaços apinhados de pessoas sedentas por um combate cujas regras são constantemente violadas. Entretanto, quando comecei a praticar o pugilismo na infância não foi com a pretensão de ter que viver disso. Na verdade, foi devido ao meu ingênuo interesse por aprender a dar socos e me aproximar mais dos personagens de desenhos de ação que eu tanto admirava. Agora, aos 24 anos, eu já carrego uma bagagem bem grande de lutas e de surras. Aprendi, inclusive, que, como na vida, no ringue vale tudo.
- Acho que eu preciso voltar a treinar então.
E essa é a deixa de que precisava, pois, no segundo seguinte, ele já está sustentando um sorriso desafiador:
- Você tem quatro semanas, docinho.
- Espera, esse é o meu antigo livro de Cálculo I? – Pergunto ao vê-lo sobre a escrivaninha do quarto de .
O espaço que ele tem reservado para dormir é minúsculo, pois mora nos fundos da academia onde treinamos regularmente. O dono concordou que ele passasse as noites aqui, pois é uma espécie de zelador não pago.
- É, como pode ver, eu estou usando ele como porta-copos. – E rapidamente ele coloca uma xícara de café sobre o livro para ilustrar sua prática.
- Mas ele está aberto.
- É porque eu gostei dos desenhos destas páginas. – Ele se defende. E eu observo os gráficos da reta tangente aos quais ele se refere como desenhos.
- Você é desprezível.
- Como se você já não soubesse.
- Vamos, pegue as manoplas enquanto eu começo o aquecimento.
- Pode deixar, docinho.
Enquanto ele vai atrás das manoplas, eu deixo seu quarto e vou para o tatame para me aquecer. Ao invés de dar pulos, socos no saco de porrada ou correr em círculos, eu resolvo me alongar. No primeiro ano da faculdade, conheci uma garota cujo estilo alternativo era contagiante. Ela era vegana e só consumia alimentos orgânicos. Além disso, domina as técnicas da yoga como ninguém, e me ensinou um pouco durante um intervalo e outro. Sendo assim, após decidir que encostar a ponta dos meus dedos nos meus pés é a melhor opção, curvo-me para fazê-lo. Enquanto estou nessa posição, tentando equilibrar os meus chacras e esticar minha coluna, a voz de me desarmoniza com o comentário indigesto:
- Bela bunda. – Ele diz e eu rolo os olhos, repudiando seu comportamento infantil – Você malha?
Ergo-me lentamente, presenteando-o com a breve oportunidade de se afastar. Contudo, ao virar-me, ele permanece lá com as manoplas em posição, pronto para defender-se.
- O que eu vou malhar é a sua cara com tanta porrada.
Digo e no instante seguinte dou um chute alto, desequilibrando-o.
- Bem, acho que você já está pronta. – Ele brinca e recobra a postura inicial.
- Você ainda não viu nada, docinho.
Capítulo 3
- Essa é a minha garota! – vem ao meu encontro ainda batendo palmas, o sorriso orgulhoso estampando seu rosto.
A multidão continua a vibrar enlouquecida com o meu desempenho. Felizmente, meus ouvidos já estão familiarizados com a celebração acalorada. O suor escorre por minha testa e meus punhos ainda latejam quando eu abraço em comemoração.
- A sua sorte é que eu não tenho tempo para ver você tomando uma surra. – alfineto-o.
- Outch! Parece que o ego subiu à cabeça de alguém. – ele diz enquanto esfrega os nós dos dedos no topo de minha cabeça como se ele estivesse me dando uns cascudos pelo meu mau comportamento.
- Foi um nocaute no primeiro round. – eu o recordo de minha proeza.
- Sim, e da primeira etapa também. Ainda faltam seis, , não se gabe antes da hora.
- Está certo. Foi mal, a adrenalina ainda está correndo no meu sangue.
- Interessante. Não sabia que um dos efeitos da adrenalina era deixar as pessoas metidas. – ele brinca.
- É porque você não sabe de nada, bobão.
- Tudo bem, posso não cursar uma faculdade de renome como você, mas as lições mais importantes são apreendidas na rua, então, é o seu nível de escolaridade que deve ser questionado.
- Certo, se algum dia seu coração resolver falhar, prometo não estar por perto.
- Cretina. – ele semicerra os olhos e abre um sorriso esperto. – Vem tendo aulas extras de como ser um canalha?
- Não preciso, você já me ensinou o bastante.
- Tudo bem, , já pode parar. Eu vou te levar para casa.
E, após colocar protetoramente o braço ao redor do meu ombro, eu sigo até o carro com aquela antiga sensação de que este é apenas o início de uma longa jornada.
XXX
- ?
A voz do Dr. me sobressalta e eu levanto o meu olhar do microscópio para observá-lo.
- Desculpa tirar sua concentração, mas preciso te fazer uma proposta.
- Pois não, Dr. ?
- Dr. ? Já fazem cinco meses! Você é capaz de listar todas as doenças que acometem o sistema cardiovascular e seus respectivos sintomas e prognósticos, mas não consegue me chamar de ?
- Perdoe-me. É que, apesar de prezar pela informalidade, você não parou de me chamar de . É um reflexo hierárquico me referir a você como Dr. .
- Justo. Mas eu gosto como seu sobrenome soa, por isso não te chamo de . Mas se quiser, eu o faço.
- Pode se referir a mim como preferir, eu não me importo.
- Ok, mas eu, estritamente, prefiro ser tratado por .
- Tudo bem, . – rendo-me e ele sorri satisfeito.
- Muito melhor.
- Então, o que tem para me dizer?
- Semana que vem será realizado um evento na Universidade de Toronto. Algumas das mentes mais brilhantes da ciência médica se reunirão lá para uma conferência e subsequentes apresentações de projetos revolucionários que estão sendo desenvolvidos por indivíduos dos quatro cantos do mundo. – fala com a voz repleta de entusiasmo.
- Uau, isso é incrível! – eu digo e ele assente em concordância.
- O evento vai durar a semana toda, mas eu não posso me ausentar por tanto tempo em uma fase tão importante do nosso projeto. No entanto, também não posso deixar de contemplar uma mostra tão fantástica. Sendo assim, eu reservei a próxima quarta-feira para ir para lá, já que, além da programação diária ser voltada especialmente para questões cardiovasculares, é também quando ocorrerá o jantar beneficente para arrecadar fundos para a continuação das pesquisas.
- Mas é véspera de Ação de Graças!
- Sim, nos EUA. No Canadá, o “Dia do Peru” foi comemorado na 2ª segunda-feira de outubro.
- Mas você não celebra esse dia?
- É incrível como não sabemos nada um sobre o outro. – ele lamenta, balançando a cabeça, decepcionado. - Eu sou britânico, .
- Engraçado, você não tem sotaque. – avalio, intrigada.
- Lamarck costumava dizer que o ambiente é o principal fator que provoca modificações nos organismos. Talvez ele não estivesse certo a respeito das girafas, mas, sobre o comportamento do ser humano, ele acertou em cheio.
- Gosto mais da teoria evolucionista de Darwin sobre a sobrevivência do mais apto.
- Meritocrática? – ele questiona, astuto.
- Medroso? – revido, e acabo me esquecendo da distinção hierárquica que nos separa.
- Está aí um lado seu que eu não conhecia. – ele aponta, mas não parece estar irritado com a minha audácia. – É por isso que eu quero que vá comigo à conferência no Canadá na próxima semana.
- Mas é o feriado de Ação de Graças. E eu tenho um irmão de dez anos me esperando em casa para o jantar.
- Não sei até que ponto essa tradição é importante para vocês, mas acho que ele pode passar a data com seus pais. – sugere, amigável.
- Poderia, mas ele só tem a mim agora.
Abaixo a cabeça, angustiada. É uma oportunidade incrível, mas eu não posso deixar Mason sozinho em uma data tão significativa quanto esta.
- Eu sinto muito, . Não fazia ideia. – enuncia, e seu tom de voz revela uma reação emocional diferente de todas as que eu já percebi antes.
Levanto meus olhos para e o encaro, admirada. Sua expressão nada mais é do que uma genuína empatia. não sente pena de mim ou de meu irmão por não termos mais pais. O que ele sente é pura compaixão. Aquele sentimento completamente desprovido de qualquer convicção de que o outro não é capaz de superar as dificuldades que a situação lhe impõe. Ele reconhece meu sofrimento, mas não se arrasta para sofrer junto comigo. Pois ele compreende que isso faz parte do meu aprendizado e que tenho condições de vencer qualquer combate.
- Tudo bem. – eu digo, com um honesto sorriso despontando em meu rosto. – De qualquer forma, provavelmente deve haver outro membro da equipe que vai adorar acompanhá-lo ao evento.
- A maioria dos membros é de outros estados, por isso voltarão para rever os familiares.
- Ah, eu sou sua última opção.
- Não, você não é. Eu realmente quero que você vá. Sua contribuição tem sido imensamente satisfatória e não seria justo chamar mais ninguém. Você se ofereceu para trabalhar durante suas férias de verão! Então, você vai ao Canadá nem que para isso eu tenha que atravessar duas vezes, no mesmo dia, a fronteira com você.
- Está falando sério? – Pergunto com o brilho esperançoso em meus olhos a ponto de me cegar.
- Com toda certeza.
A multidão continua a vibrar enlouquecida com o meu desempenho. Felizmente, meus ouvidos já estão familiarizados com a celebração acalorada. O suor escorre por minha testa e meus punhos ainda latejam quando eu abraço em comemoração.
- A sua sorte é que eu não tenho tempo para ver você tomando uma surra. – alfineto-o.
- Outch! Parece que o ego subiu à cabeça de alguém. – ele diz enquanto esfrega os nós dos dedos no topo de minha cabeça como se ele estivesse me dando uns cascudos pelo meu mau comportamento.
- Foi um nocaute no primeiro round. – eu o recordo de minha proeza.
- Sim, e da primeira etapa também. Ainda faltam seis, , não se gabe antes da hora.
- Está certo. Foi mal, a adrenalina ainda está correndo no meu sangue.
- Interessante. Não sabia que um dos efeitos da adrenalina era deixar as pessoas metidas. – ele brinca.
- É porque você não sabe de nada, bobão.
- Tudo bem, posso não cursar uma faculdade de renome como você, mas as lições mais importantes são apreendidas na rua, então, é o seu nível de escolaridade que deve ser questionado.
- Certo, se algum dia seu coração resolver falhar, prometo não estar por perto.
- Cretina. – ele semicerra os olhos e abre um sorriso esperto. – Vem tendo aulas extras de como ser um canalha?
- Não preciso, você já me ensinou o bastante.
- Tudo bem, , já pode parar. Eu vou te levar para casa.
E, após colocar protetoramente o braço ao redor do meu ombro, eu sigo até o carro com aquela antiga sensação de que este é apenas o início de uma longa jornada.
- ?
A voz do Dr. me sobressalta e eu levanto o meu olhar do microscópio para observá-lo.
- Desculpa tirar sua concentração, mas preciso te fazer uma proposta.
- Pois não, Dr. ?
- Dr. ? Já fazem cinco meses! Você é capaz de listar todas as doenças que acometem o sistema cardiovascular e seus respectivos sintomas e prognósticos, mas não consegue me chamar de ?
- Perdoe-me. É que, apesar de prezar pela informalidade, você não parou de me chamar de . É um reflexo hierárquico me referir a você como Dr. .
- Justo. Mas eu gosto como seu sobrenome soa, por isso não te chamo de . Mas se quiser, eu o faço.
- Pode se referir a mim como preferir, eu não me importo.
- Ok, mas eu, estritamente, prefiro ser tratado por .
- Tudo bem, . – rendo-me e ele sorri satisfeito.
- Muito melhor.
- Então, o que tem para me dizer?
- Semana que vem será realizado um evento na Universidade de Toronto. Algumas das mentes mais brilhantes da ciência médica se reunirão lá para uma conferência e subsequentes apresentações de projetos revolucionários que estão sendo desenvolvidos por indivíduos dos quatro cantos do mundo. – fala com a voz repleta de entusiasmo.
- Uau, isso é incrível! – eu digo e ele assente em concordância.
- O evento vai durar a semana toda, mas eu não posso me ausentar por tanto tempo em uma fase tão importante do nosso projeto. No entanto, também não posso deixar de contemplar uma mostra tão fantástica. Sendo assim, eu reservei a próxima quarta-feira para ir para lá, já que, além da programação diária ser voltada especialmente para questões cardiovasculares, é também quando ocorrerá o jantar beneficente para arrecadar fundos para a continuação das pesquisas.
- Mas é véspera de Ação de Graças!
- Sim, nos EUA. No Canadá, o “Dia do Peru” foi comemorado na 2ª segunda-feira de outubro.
- Mas você não celebra esse dia?
- É incrível como não sabemos nada um sobre o outro. – ele lamenta, balançando a cabeça, decepcionado. - Eu sou britânico, .
- Engraçado, você não tem sotaque. – avalio, intrigada.
- Lamarck costumava dizer que o ambiente é o principal fator que provoca modificações nos organismos. Talvez ele não estivesse certo a respeito das girafas, mas, sobre o comportamento do ser humano, ele acertou em cheio.
- Gosto mais da teoria evolucionista de Darwin sobre a sobrevivência do mais apto.
- Meritocrática? – ele questiona, astuto.
- Medroso? – revido, e acabo me esquecendo da distinção hierárquica que nos separa.
- Está aí um lado seu que eu não conhecia. – ele aponta, mas não parece estar irritado com a minha audácia. – É por isso que eu quero que vá comigo à conferência no Canadá na próxima semana.
- Mas é o feriado de Ação de Graças. E eu tenho um irmão de dez anos me esperando em casa para o jantar.
- Não sei até que ponto essa tradição é importante para vocês, mas acho que ele pode passar a data com seus pais. – sugere, amigável.
- Poderia, mas ele só tem a mim agora.
Abaixo a cabeça, angustiada. É uma oportunidade incrível, mas eu não posso deixar Mason sozinho em uma data tão significativa quanto esta.
- Eu sinto muito, . Não fazia ideia. – enuncia, e seu tom de voz revela uma reação emocional diferente de todas as que eu já percebi antes.
Levanto meus olhos para e o encaro, admirada. Sua expressão nada mais é do que uma genuína empatia. não sente pena de mim ou de meu irmão por não termos mais pais. O que ele sente é pura compaixão. Aquele sentimento completamente desprovido de qualquer convicção de que o outro não é capaz de superar as dificuldades que a situação lhe impõe. Ele reconhece meu sofrimento, mas não se arrasta para sofrer junto comigo. Pois ele compreende que isso faz parte do meu aprendizado e que tenho condições de vencer qualquer combate.
- Tudo bem. – eu digo, com um honesto sorriso despontando em meu rosto. – De qualquer forma, provavelmente deve haver outro membro da equipe que vai adorar acompanhá-lo ao evento.
- A maioria dos membros é de outros estados, por isso voltarão para rever os familiares.
- Ah, eu sou sua última opção.
- Não, você não é. Eu realmente quero que você vá. Sua contribuição tem sido imensamente satisfatória e não seria justo chamar mais ninguém. Você se ofereceu para trabalhar durante suas férias de verão! Então, você vai ao Canadá nem que para isso eu tenha que atravessar duas vezes, no mesmo dia, a fronteira com você.
- Está falando sério? – Pergunto com o brilho esperançoso em meus olhos a ponto de me cegar.
- Com toda certeza.
Capítulo 4
- Que palestra foi aquela! – eu exclamo encantada. – Um coração totalmente artificial que funciona! O primeiro paciente a receber um transplante tinha expectativa de vida de um mês e, 19 meses depois, ele ainda continua vivo!
- Nesse caso você precisa tomar cuidado com o conceito de se estar vivo. Afinal, a pulsação que é utilizada para definir se uma pessoa está viva ou não. E a dele, , já parou há 19 meses.
- E essa é provavelmente a principal dificuldade encontrada para estabelecer um implante de um órgão biônico como viável. – aponto decepcionada. - As pessoas se agarram à moralidade sacra para afastar aquilo que não compreendem.
- Concordo que a moralidade não deve nos impedir de inovar em certos aspectos, mas ela também nos impõe limites necessários para não perdermos nossa humanidade. – ele diz paciente - Todo mundo morre, . Tentar mudar isso é interferir na ordem natural das coisas.
- , eu sei muito bem como a maldita Terra funciona. – ao dizer, acho que soo mais grossa do que pretendo. – No entanto, acho que ninguém deveria ser condenado por querer viver mais. – meus olhos acompanham o trajeto das folhas que se soltam dos galhos da árvore mais próxima por conta do vento impetuoso. – Só um pouco mais. – completo e meu pensamento já está voltado aos meus pais.
Foi no inverno de 2010. Mais precisamente às 23h39 do dia 24 de dezembro que uma ligação mudou minha vida para sempre.
O chefe do departamento de polícia do estado do Michigan estava me contatando para informar que houvera um crime mais cedo naquele dia em Detroit. Um casal, a caminho de casa, havia sido assassinado e as razões para o homicídio ainda permaneciam desconhecidas. A polícia sustentava a ideia de que havia sido um crime de oportunidade.
Eu estava na Itália, no meio do meu intercâmbio cultural, e precisei voltar às pressas. Dezembro foi o mês mais doloroso da minha vida, e eu ainda continuo a voltar para ele o tempo todo. Depois de enterrar meus pais, ainda tive que lutar na justiça para poder ficar com a guarda de Mason, que tinha apenas 4 anos na época. Assim, eu precisei comprovar que exercia uma atividade remunerada regular e que minha renda era suficiente ao meu próprio sustento e ao de meu irmão.
Inicialmente, usamos a herança de nossos pais para nos mantermos. Nos mudamos para Ann Arbor, pois eu não tinha mais condições de permanecer em Detroit já que tudo me lembrava dos meus pais e daquela tragédia. Comecei a trabalhar em vários lugares diferentes, desde cafeterias até teatros, mas não conseguia me encaixar em lugar algum. Para descontar a minha raiva, voltei para a academia de luta, usando agora não só mais os punhos como arma, mas também as pernas. E foi lá que, aos 19 anos, conheci . Após um tempo, ele me apresentou ao submundo das lutas clandestinas. Então, aos 20 e já tendo conseguido juntar um bom montante, eu entrei para a faculdade.
Não sei ao certo o que despertou o meu interesse pela cardiologia. Mas eu sei que não foi súbito, era uma atração que sempre esteve enraizada em mim. Quando comecei a praticar o pugilismo na infância, eu sempre ficava observando minha mão fechada, em punho, antes de dormir. Eu pensava que ela era a minha fonte de força, mas, na verdade, acho que aquilo era uma metáfora para a vida. Certa vez, meu pai me disse que o tamanho do coração humano é aproximadamente o de sua própria mão fechada.
- Então quer dizer que eu dou socos com amor? – eu perguntei, confusa.
- Não. – ele riu – Mas você dá socos para proteger quem ama. No entanto, é sempre melhor prezar pela paz do que pela violência.
Então, no fim das contas, acho que escolher a cardiologia foi a minha forma de proteger quem amo prezando pela paz.
XXX
Esta noite eu fiz uma importante descoberta: salto alto é uma invenção do demônio. E isso quando somado a um vestido elegante que não tem nada a ver com você torna tudo ainda pior. Combinei de encontrar no hall do hotel onde estamos hospedados para irmos ao jantar beneficente. E, ao sair do elevador, vejo que ele já está lá trajando um smoking impecável. Era como se eu estivesse indo à formatura pela segunda vez. Ao virar-se para me ver, ele sorri com satisfação, apesar do fato de eu estar me remexendo desconfortavelmente dentro do longo vestido vermelho que ele gentilmente alugou para eu usar no evento desta noite – já que ingenuamente pensei que usar meu jeans seria uma boa ideia.
- Então... – eu suspiro, sem ter certeza de como perguntar o que ele acha do meu visual. – Dá para uma suburbana enganar a alta sociedade de Toronto? – passo a mão apressadamente no cabelo que está ordenado por cima de um único ombro. Olho para baixo, desconcertada, e ele deve estar me achando uma boba.
- Não vá enfiar toda a comida no decote do vestido. – ele brinca para tentar amenizar o fato de eu estar me sentindo uma idiota em um traje tão refinado. Lanço a ele um olhar debochado, mas, na verdade, estou imensamente aliviada.
Ele engaja seu braço ao meu e caminhamos em direção à rua.
- Pode deixar. Metade eu vou guardar na sua calça.
- Isso foi inapropriado. – ele ri, e eu concordo ligeiramente envergonhada por estar cruzando todos os limites. – O céu está lindo esta noite. – ele diz, tentando melhorar as coisas e eu o agradeço mentalmente por isso.
- Prefiro quando há estrelas.
- Mas você tem estrelas, . – vinco a testa com o comentário e me observa profundamente. – Elas estão em seus olhos.
E, curiosamente, a minha reação para sua fala é socar-lhe o ombro gentilmente. E, naquele momento, eu percebi que talvez meu pai estivesse errado. Talvez fosse possível, sim, dar socos com amor.
XXX
- O que foi isso?
- Acho que um dos pneus furou.
Alarmo-me. Tudo estava dando errado. O nosso vôo de volta para Michigan havia sido cancelado devido ao mau tempo. Com isso, foi obrigado a alugar um carro para voltarmos para casa em tempo para o jantar de Ação de Graças. Agora, com um pneu furado preocupo-me com a possibilidade de que talvez não consiga chegar em casa ainda esta noite. E eu prometi a Mason que chegaria.
- Por favor, me diga que há um step no porta-malas. – eu rezo enquanto ambos saímos do carro para conferir o estrago.
- É óbvio que eu tenho um pneu reserva. – diz e abre o porta-malas para pegá-lo. – O que eu não tenho é um macaco.
E então eu me martirizo por ter que quebrar mais uma promessa feita ao meu irmão.
- Espera, . Não precisa entrar em pânico. Eu vou ligar para o reboque.
realiza a ligação, mas sua expressão não é nada boa.
- Como assim vocês não realizam remoções após 18h no Dia de Ações de Graças? Eu vou escrever uma carta reclamando para o superior de vocês. Espero que se engasguem comendo o peru e morram, caso contrário vocês estarão encrencados.
- O que foi isso?
- Eu me sentindo péssimo por arruinar a sua noite e a do seu irmão. Desculpe-me, . Estamos presos no meio de uma estrada deserta e a culpa é toda minha.
- , você não tinha como prever isso, você não é a garota do tempo. Acho que passamos por uma pousada há pouco. Talvez devêssemos caminhar até lá e descansar um pouco.
- E o seu irmão?
- Mason vai entender. – suspiro em um misto de tristeza e conformação – Ele sempre entende.
XXX
- Vejo que alguém está precisando de óculos. – zomba e eu fico constrangida. Aquele lugar realmente hospedava pessoas, mas os quartos continham camas com colchões d’água e paredes vermelhas, uma banheira pequena e um espelho no teto.
- Eu trouxe meu professor a um motel. – digo, chocada ao ver o letreiro com uma dançarina de cabaré abrindo as pernas sedutoramente. – No mínimo, serei processada por assédio sexual.
- Tudo bem, . Eu vou encarar toda essa situação como um grande elogio. – ele ri e eu tento acompanhá-lo, mas é difícil soar honesta com as minhas bochechas escarlates. – Vamos pegar quartos diferentes, fique tranquila.
Contudo, ao chegarmos à recepção e solicitar dois quartos, descobrimos que só há um disponível e que os outros estão ocupados. Aparentemente, o feriado de Ação de Graças é um dos dias mais movimentados do ano.
- O casal que acabou de sair ficou com o penúltimo quarto. Agora só temos esse. E, então, vão querer?
me olha em busca de consentimento. Sei que ele está cansado, sei que essa é a única hospedaria (se é que pode ser chamada assim) em um raio de 7 km e sei que será impossível dormir confortavelmente em um carro na beira da estrada. Sendo assim, eu estendo a minha mão em direção à recepcionista e ainda com alguma relutância pergunto:
- Qual é o número do quarto?
XXX
- Pode deixar que eu atendo! – diz depois das batidas na porta. Estou terminando de me vestir depois de ter tomado um merecido banho.
Ao fim do processo, retorno para o quarto e pergunto a o que queriam.
- Foi um convite para um ménage à trois.
- Oh. Bem, você pode ir se quiser. O seu expediente já acabou. – Digo enquanto confirmo, ao olhar o relógio, que já passou de meia-noite.
- Eu adoraria, mas o convite foi para você.
- E você se incomodaria se eu fosse? – pergunto, implicando.
- Imagina. Eu adoraria não ter que dormir no chão. – ele revida.
- Você está com inveja. – acuso-o.
- Você não sabe aquilo que não conhece. – ele diz, sério.
- Isso é uma reprimenda?
- Não, . Isso é um convite.
XXX
- Então você tem 39 anos, estudou no MIT e não consegue ficar sem cantar “Bennie and the Jets” quando toca. – eu listo o que já sei - Perfil interessante.
- E você passou sua infância no subúrbio de Oak Park, sua fruta favorita é kiwi e não sabe andar de bicicleta. – ele me copia - Não é muito impressionante.
Jogo um travesseiro nele.
- Tem namorado?
- Não.
- Não estou surpreso.
- Desde quando você deixou de ser meu professor favorito e se tornou um babaca?
- Receio que sempre fui, mas acho que você só descobriu a partir do momento em que aceitou o meu convite.
- Você era melhor como desconhecido. – aponto – E, olha, apesar de estar solteira agora, eu já tive alguns namorados.
- E por que não deu certo?
- Porque eles não entendiam nada de ciência. Terminei com o primeiro porque ele me disse que me amava com todas as forças, e, poxa, eu bem sei que a soma de todas as forças é igual à zero. – digo e ri – A minha incompatibilidade com o segundo era clara, mas o que me fez terminar com ele foi o fato dele querer me convencer cientificamente de que daria certo. “Toda partícula tem sua antipartícula”, ele disse.
- O problema é que, quando se encontram, elas se aniquilam. – capta a ideia. – Eu também fiz grandes usos da ciência para conquistar as garotas, só que do jeito certo. Não há nada melhor do que cantadas de cardiologista.
- Não brinca.
- Sério. Durante a faculdade disse a uma garota: eu ainda não sou cardiologista, mas adoraria cuidar do seu coração.
- E o que conseguiu com isso?
- Casei-me com ela.
- Então você é casado? – olho para suas mãos em busca de uma aliança, mas não há nada nelas.
- Não, eu fui casado.
- Aposto que o que os separou foram suas cantadas péssimas.
- Na verdade, foi câncer. – ele pausa e, para eu não me sentir um monstro, atenua - Mas as cantadas são realmente ruins.
- Desculpa, eu sou a pessoa mais indelicada do planeta. – mordo o lábio, constrangida.
- Não tinha como você saber.
- É... Acho que eu não deveria ter ido com você ao Canadá.
- É, eu também acho.
- Por quê? – pergunto, pois apesar de achar uma má ideia não quero que ele concorde com isso.
- Porque eu estou a ponto de fazer algo ruim.
- Vai me expulsar do quarto, não é mesmo?
- Não, , eu vou beijá-la.
- Nesse caso você precisa tomar cuidado com o conceito de se estar vivo. Afinal, a pulsação que é utilizada para definir se uma pessoa está viva ou não. E a dele, , já parou há 19 meses.
- E essa é provavelmente a principal dificuldade encontrada para estabelecer um implante de um órgão biônico como viável. – aponto decepcionada. - As pessoas se agarram à moralidade sacra para afastar aquilo que não compreendem.
- Concordo que a moralidade não deve nos impedir de inovar em certos aspectos, mas ela também nos impõe limites necessários para não perdermos nossa humanidade. – ele diz paciente - Todo mundo morre, . Tentar mudar isso é interferir na ordem natural das coisas.
- , eu sei muito bem como a maldita Terra funciona. – ao dizer, acho que soo mais grossa do que pretendo. – No entanto, acho que ninguém deveria ser condenado por querer viver mais. – meus olhos acompanham o trajeto das folhas que se soltam dos galhos da árvore mais próxima por conta do vento impetuoso. – Só um pouco mais. – completo e meu pensamento já está voltado aos meus pais.
Foi no inverno de 2010. Mais precisamente às 23h39 do dia 24 de dezembro que uma ligação mudou minha vida para sempre.
O chefe do departamento de polícia do estado do Michigan estava me contatando para informar que houvera um crime mais cedo naquele dia em Detroit. Um casal, a caminho de casa, havia sido assassinado e as razões para o homicídio ainda permaneciam desconhecidas. A polícia sustentava a ideia de que havia sido um crime de oportunidade.
Eu estava na Itália, no meio do meu intercâmbio cultural, e precisei voltar às pressas. Dezembro foi o mês mais doloroso da minha vida, e eu ainda continuo a voltar para ele o tempo todo. Depois de enterrar meus pais, ainda tive que lutar na justiça para poder ficar com a guarda de Mason, que tinha apenas 4 anos na época. Assim, eu precisei comprovar que exercia uma atividade remunerada regular e que minha renda era suficiente ao meu próprio sustento e ao de meu irmão.
Inicialmente, usamos a herança de nossos pais para nos mantermos. Nos mudamos para Ann Arbor, pois eu não tinha mais condições de permanecer em Detroit já que tudo me lembrava dos meus pais e daquela tragédia. Comecei a trabalhar em vários lugares diferentes, desde cafeterias até teatros, mas não conseguia me encaixar em lugar algum. Para descontar a minha raiva, voltei para a academia de luta, usando agora não só mais os punhos como arma, mas também as pernas. E foi lá que, aos 19 anos, conheci . Após um tempo, ele me apresentou ao submundo das lutas clandestinas. Então, aos 20 e já tendo conseguido juntar um bom montante, eu entrei para a faculdade.
Não sei ao certo o que despertou o meu interesse pela cardiologia. Mas eu sei que não foi súbito, era uma atração que sempre esteve enraizada em mim. Quando comecei a praticar o pugilismo na infância, eu sempre ficava observando minha mão fechada, em punho, antes de dormir. Eu pensava que ela era a minha fonte de força, mas, na verdade, acho que aquilo era uma metáfora para a vida. Certa vez, meu pai me disse que o tamanho do coração humano é aproximadamente o de sua própria mão fechada.
- Então quer dizer que eu dou socos com amor? – eu perguntei, confusa.
- Não. – ele riu – Mas você dá socos para proteger quem ama. No entanto, é sempre melhor prezar pela paz do que pela violência.
Então, no fim das contas, acho que escolher a cardiologia foi a minha forma de proteger quem amo prezando pela paz.
Esta noite eu fiz uma importante descoberta: salto alto é uma invenção do demônio. E isso quando somado a um vestido elegante que não tem nada a ver com você torna tudo ainda pior. Combinei de encontrar no hall do hotel onde estamos hospedados para irmos ao jantar beneficente. E, ao sair do elevador, vejo que ele já está lá trajando um smoking impecável. Era como se eu estivesse indo à formatura pela segunda vez. Ao virar-se para me ver, ele sorri com satisfação, apesar do fato de eu estar me remexendo desconfortavelmente dentro do longo vestido vermelho que ele gentilmente alugou para eu usar no evento desta noite – já que ingenuamente pensei que usar meu jeans seria uma boa ideia.
- Então... – eu suspiro, sem ter certeza de como perguntar o que ele acha do meu visual. – Dá para uma suburbana enganar a alta sociedade de Toronto? – passo a mão apressadamente no cabelo que está ordenado por cima de um único ombro. Olho para baixo, desconcertada, e ele deve estar me achando uma boba.
- Não vá enfiar toda a comida no decote do vestido. – ele brinca para tentar amenizar o fato de eu estar me sentindo uma idiota em um traje tão refinado. Lanço a ele um olhar debochado, mas, na verdade, estou imensamente aliviada.
Ele engaja seu braço ao meu e caminhamos em direção à rua.
- Pode deixar. Metade eu vou guardar na sua calça.
- Isso foi inapropriado. – ele ri, e eu concordo ligeiramente envergonhada por estar cruzando todos os limites. – O céu está lindo esta noite. – ele diz, tentando melhorar as coisas e eu o agradeço mentalmente por isso.
- Prefiro quando há estrelas.
- Mas você tem estrelas, . – vinco a testa com o comentário e me observa profundamente. – Elas estão em seus olhos.
E, curiosamente, a minha reação para sua fala é socar-lhe o ombro gentilmente. E, naquele momento, eu percebi que talvez meu pai estivesse errado. Talvez fosse possível, sim, dar socos com amor.
- O que foi isso?
- Acho que um dos pneus furou.
Alarmo-me. Tudo estava dando errado. O nosso vôo de volta para Michigan havia sido cancelado devido ao mau tempo. Com isso, foi obrigado a alugar um carro para voltarmos para casa em tempo para o jantar de Ação de Graças. Agora, com um pneu furado preocupo-me com a possibilidade de que talvez não consiga chegar em casa ainda esta noite. E eu prometi a Mason que chegaria.
- Por favor, me diga que há um step no porta-malas. – eu rezo enquanto ambos saímos do carro para conferir o estrago.
- É óbvio que eu tenho um pneu reserva. – diz e abre o porta-malas para pegá-lo. – O que eu não tenho é um macaco.
E então eu me martirizo por ter que quebrar mais uma promessa feita ao meu irmão.
- Espera, . Não precisa entrar em pânico. Eu vou ligar para o reboque.
realiza a ligação, mas sua expressão não é nada boa.
- Como assim vocês não realizam remoções após 18h no Dia de Ações de Graças? Eu vou escrever uma carta reclamando para o superior de vocês. Espero que se engasguem comendo o peru e morram, caso contrário vocês estarão encrencados.
- O que foi isso?
- Eu me sentindo péssimo por arruinar a sua noite e a do seu irmão. Desculpe-me, . Estamos presos no meio de uma estrada deserta e a culpa é toda minha.
- , você não tinha como prever isso, você não é a garota do tempo. Acho que passamos por uma pousada há pouco. Talvez devêssemos caminhar até lá e descansar um pouco.
- E o seu irmão?
- Mason vai entender. – suspiro em um misto de tristeza e conformação – Ele sempre entende.
- Vejo que alguém está precisando de óculos. – zomba e eu fico constrangida. Aquele lugar realmente hospedava pessoas, mas os quartos continham camas com colchões d’água e paredes vermelhas, uma banheira pequena e um espelho no teto.
- Eu trouxe meu professor a um motel. – digo, chocada ao ver o letreiro com uma dançarina de cabaré abrindo as pernas sedutoramente. – No mínimo, serei processada por assédio sexual.
- Tudo bem, . Eu vou encarar toda essa situação como um grande elogio. – ele ri e eu tento acompanhá-lo, mas é difícil soar honesta com as minhas bochechas escarlates. – Vamos pegar quartos diferentes, fique tranquila.
Contudo, ao chegarmos à recepção e solicitar dois quartos, descobrimos que só há um disponível e que os outros estão ocupados. Aparentemente, o feriado de Ação de Graças é um dos dias mais movimentados do ano.
- O casal que acabou de sair ficou com o penúltimo quarto. Agora só temos esse. E, então, vão querer?
me olha em busca de consentimento. Sei que ele está cansado, sei que essa é a única hospedaria (se é que pode ser chamada assim) em um raio de 7 km e sei que será impossível dormir confortavelmente em um carro na beira da estrada. Sendo assim, eu estendo a minha mão em direção à recepcionista e ainda com alguma relutância pergunto:
- Qual é o número do quarto?
- Pode deixar que eu atendo! – diz depois das batidas na porta. Estou terminando de me vestir depois de ter tomado um merecido banho.
Ao fim do processo, retorno para o quarto e pergunto a o que queriam.
- Foi um convite para um ménage à trois.
- Oh. Bem, você pode ir se quiser. O seu expediente já acabou. – Digo enquanto confirmo, ao olhar o relógio, que já passou de meia-noite.
- Eu adoraria, mas o convite foi para você.
- E você se incomodaria se eu fosse? – pergunto, implicando.
- Imagina. Eu adoraria não ter que dormir no chão. – ele revida.
- Você está com inveja. – acuso-o.
- Você não sabe aquilo que não conhece. – ele diz, sério.
- Isso é uma reprimenda?
- Não, . Isso é um convite.
- Então você tem 39 anos, estudou no MIT e não consegue ficar sem cantar “Bennie and the Jets” quando toca. – eu listo o que já sei - Perfil interessante.
- E você passou sua infância no subúrbio de Oak Park, sua fruta favorita é kiwi e não sabe andar de bicicleta. – ele me copia - Não é muito impressionante.
Jogo um travesseiro nele.
- Tem namorado?
- Não.
- Não estou surpreso.
- Desde quando você deixou de ser meu professor favorito e se tornou um babaca?
- Receio que sempre fui, mas acho que você só descobriu a partir do momento em que aceitou o meu convite.
- Você era melhor como desconhecido. – aponto – E, olha, apesar de estar solteira agora, eu já tive alguns namorados.
- E por que não deu certo?
- Porque eles não entendiam nada de ciência. Terminei com o primeiro porque ele me disse que me amava com todas as forças, e, poxa, eu bem sei que a soma de todas as forças é igual à zero. – digo e ri – A minha incompatibilidade com o segundo era clara, mas o que me fez terminar com ele foi o fato dele querer me convencer cientificamente de que daria certo. “Toda partícula tem sua antipartícula”, ele disse.
- O problema é que, quando se encontram, elas se aniquilam. – capta a ideia. – Eu também fiz grandes usos da ciência para conquistar as garotas, só que do jeito certo. Não há nada melhor do que cantadas de cardiologista.
- Não brinca.
- Sério. Durante a faculdade disse a uma garota: eu ainda não sou cardiologista, mas adoraria cuidar do seu coração.
- E o que conseguiu com isso?
- Casei-me com ela.
- Então você é casado? – olho para suas mãos em busca de uma aliança, mas não há nada nelas.
- Não, eu fui casado.
- Aposto que o que os separou foram suas cantadas péssimas.
- Na verdade, foi câncer. – ele pausa e, para eu não me sentir um monstro, atenua - Mas as cantadas são realmente ruins.
- Desculpa, eu sou a pessoa mais indelicada do planeta. – mordo o lábio, constrangida.
- Não tinha como você saber.
- É... Acho que eu não deveria ter ido com você ao Canadá.
- É, eu também acho.
- Por quê? – pergunto, pois apesar de achar uma má ideia não quero que ele concorde com isso.
- Porque eu estou a ponto de fazer algo ruim.
- Vai me expulsar do quarto, não é mesmo?
- Não, , eu vou beijá-la.
Capítulo 5
- Onde você está, ? – pergunta assim que eu atendo ao telefone. Uma mão segurando o aparelho e a outra mexendo a sopa que estou preparando para Mason.
- Desculpe, . Não poderei ir à luta de hoje à noite. Mason está doente e eu não posso deixá-lo sozinho.
- O quê? - ele está igualmente exasperado e incrédulo. – É a penúltima luta! Você precisa do dinheiro.
- É meu irmão, . E ele tem 10 anos. Família em primeiro lugar.
Ouço-o suspirar lentamente do outro lado da linha. fica mudo por tanto tempo que chego a cogitar que ele tenha se esquecido de mim.
- ? – pergunto para me certificar de que ele ainda está ali.
- Arrume suas coisas, . Eu vou cuidar de Mason para você vir lutar.
- Mas você também tem uma luta marcada para esta noite. Não posso deixar você fazer isso.
- Tudo bem, . Ambos sabemos que eu não teria a mínima chance contra o Cabeça-de-Bigorna.
Uma risada aliviada escapa e eu estou extremamente agradecida.
- Obrigada, . Se eu ganhar, te dou metade do dinheiro.
- Não precisa, . Eu que tenho que agradecer por me livrar de uma surra sem parecer um covarde.
XXX
- , por que você vai ficar aqui comigo? Por que todo sábado à noite minha irmã precisa sair? – ouço a voz baixa de Mason perguntando, e meu coração se aperta. Não acredito que vou deixá-lo ardendo em febre para bater em alguém por dinheiro.
- Eu vou ficar aqui porque sou seu melhor amigo e, sejamos sinceros, uma companhia bem melhor do que a chata da sua irmã. – ele diz, mas não sabe que eu estou ouvindo – E, respondendo a sua pergunta, sua irmã sai porque ela o ama.
- Isso não faz o menor sentido. Se ela me ama, deveria ficar.
- Mason, poucas coisas fazem sentindo nesta vida. E o amor não é uma delas.
- Certo. Mas o que ela faz?
E então fica mudo, provavelmente sem saber o que dizer. Não quero interromper esse momento dos dois, mas também não posso deixar Mason saber que a irmã dele é uma valentona.
- Mason, descrever o que sua irmã faz é tão difícil quanto unificar a Física Quântica com a Teoria da Relatividade Geral.
- E o que isso significa?
- Não faço ideia, mas é o sonho de todo físico. Sua irmã quem me contou. Apesar de eu não admitir na frente dela, acho que ela é a pessoa mais brilhante que eu já conheci.
Não me lembro de quando contei isso a , mas fico feliz por ele lembrar. Sorrio involuntariamente, mas permaneço escondida atrás da parede.
- Ela é mesmo.
- Então, sobre o que ela faz. Todo sábado à noite, através do fio, eu a vejo dançar. Seu vestido está captando a luz e em seus olhos não há mentiras, não há dúvidas. Ela não está em um disfarce.
E então eu preciso conter as lágrimas que ameaçam escorrer por meu rosto. A metáfora que utiliza para me descrever quando estou no ringue é adorável. Mason agora pensa que sou uma dançarina fenomenal. E sustenta a ideia de que minha forma mais honesta tem os punhos erguidos e está pronta para o ataque. Não sei até que ponto isso é um elogio, mas eu gosto.
- Vocês podiam namorar. – Mason enuncia e deixa uma risada escapar.
- Sempre que eu a vejo através do fio, eu imagino que ela é minha. – ele diz, sincero, e eu estou chocada por nunca ter percebido - Mas eu acho que cheguei muito tarde. Eu estou atrasado, Mason.
- Você sempre pode correr contra o tempo. – ele lembra, e acrescenta - Todo mundo precisa de alguém por perto.
- É, mas eu não posso mantê-la tão perto agora.
E, logo em seguida, eu entro no quarto, fingindo que nada daquela conversa eu ouvi. Despeço-me de Mason e , e, após sair de casa, percebo que nada mais está igual.
XXX
- O que aconteceu, ? – pergunta ao me encontrar na manhã seguinte com um pedaço de carne na cara dormindo sobre o sofá.
- Um soco na cara. Foi isso o que aconteceu. – respondo, irritada.- Mas eu ganhei.
Dentre todas as marcas provindas do combate corpo a corpo, as piores são aquelas que ficam estampadas no seu rosto. Digo isso porque uma blusa de manga cobre um hematoma no braço, mas você não pode sair por aí vestindo uma touca de ski sem parecer um criminoso.
- Você já foi melhor em se desviar.
- É, parece que eu não estou mais acompanhando o ritmo da música. – e então eu percebo que fiz referência ao que supostamente era uma conversa secreta.
- Comparação curiosa. – ele observa, desconfiado.
- Nietzsche, . Nietzsche disse que não poderia acreditar em um Deus que não soubesse dançar. Acho que estou começando a acreditar que não posso mais lutar.
- Tsc, não precisa se comparar a Deus para isso.
- Com 320 microgramas de saxitoxina eu posso te matar sem deixar nenhum vestígio. Ela é tipo umas 250 vezes mais eficaz do que o cianeto.
- Você só ameaça, mas não tem coragem de dar fim a um cara que tenha esse rosto. – ele diz e faz menção à própria face. Rolo os olhos. – Venha, deixe-me ver isso.
Ele observa meu rosto. O enorme hematoma roxo em volta do meu olho é impossível de ser escondido com as minhas míseras habilidades com maquiagem.
- Eu estou horrível.
- Nem que você quisesse. – diz e eu engulo em seco. Ele está me observando de perto demais e isso me deixa desconfortável.
- Quando eu aparecer no laboratório hoje, vai achar que eu levei uma surra.
- Bem, você levou.
- Mas ele não pode saber disso.
- Por que você acha que seu namorado vai deixar de amá-la se souber que está envolvida com atividades ilegais?
- Ele não é meu namorado.
- Tá. – ele revira os olhos e eu detecto o rancor.
- Você está com ciúmes.
- Você não sabe disso.
- Eu sei tudo sobre você.
- Há muitas coisas que você não sabe sobre mim. – ele diz e me encara intensamente. – O gosto do meu beijo principalmente.
- Não faça nenhuma besteira, seu idiota. – ordeno.
- Tem razão. Você ainda não escovou os dentes.
E então ele se afasta enquanto eu confiro meu próprio hálito.
- Desculpe, . Não poderei ir à luta de hoje à noite. Mason está doente e eu não posso deixá-lo sozinho.
- O quê? - ele está igualmente exasperado e incrédulo. – É a penúltima luta! Você precisa do dinheiro.
- É meu irmão, . E ele tem 10 anos. Família em primeiro lugar.
Ouço-o suspirar lentamente do outro lado da linha. fica mudo por tanto tempo que chego a cogitar que ele tenha se esquecido de mim.
- ? – pergunto para me certificar de que ele ainda está ali.
- Arrume suas coisas, . Eu vou cuidar de Mason para você vir lutar.
- Mas você também tem uma luta marcada para esta noite. Não posso deixar você fazer isso.
- Tudo bem, . Ambos sabemos que eu não teria a mínima chance contra o Cabeça-de-Bigorna.
Uma risada aliviada escapa e eu estou extremamente agradecida.
- Obrigada, . Se eu ganhar, te dou metade do dinheiro.
- Não precisa, . Eu que tenho que agradecer por me livrar de uma surra sem parecer um covarde.
- , por que você vai ficar aqui comigo? Por que todo sábado à noite minha irmã precisa sair? – ouço a voz baixa de Mason perguntando, e meu coração se aperta. Não acredito que vou deixá-lo ardendo em febre para bater em alguém por dinheiro.
- Eu vou ficar aqui porque sou seu melhor amigo e, sejamos sinceros, uma companhia bem melhor do que a chata da sua irmã. – ele diz, mas não sabe que eu estou ouvindo – E, respondendo a sua pergunta, sua irmã sai porque ela o ama.
- Isso não faz o menor sentido. Se ela me ama, deveria ficar.
- Mason, poucas coisas fazem sentindo nesta vida. E o amor não é uma delas.
- Certo. Mas o que ela faz?
E então fica mudo, provavelmente sem saber o que dizer. Não quero interromper esse momento dos dois, mas também não posso deixar Mason saber que a irmã dele é uma valentona.
- Mason, descrever o que sua irmã faz é tão difícil quanto unificar a Física Quântica com a Teoria da Relatividade Geral.
- E o que isso significa?
- Não faço ideia, mas é o sonho de todo físico. Sua irmã quem me contou. Apesar de eu não admitir na frente dela, acho que ela é a pessoa mais brilhante que eu já conheci.
Não me lembro de quando contei isso a , mas fico feliz por ele lembrar. Sorrio involuntariamente, mas permaneço escondida atrás da parede.
- Ela é mesmo.
- Então, sobre o que ela faz. Todo sábado à noite, através do fio, eu a vejo dançar. Seu vestido está captando a luz e em seus olhos não há mentiras, não há dúvidas. Ela não está em um disfarce.
E então eu preciso conter as lágrimas que ameaçam escorrer por meu rosto. A metáfora que utiliza para me descrever quando estou no ringue é adorável. Mason agora pensa que sou uma dançarina fenomenal. E sustenta a ideia de que minha forma mais honesta tem os punhos erguidos e está pronta para o ataque. Não sei até que ponto isso é um elogio, mas eu gosto.
- Vocês podiam namorar. – Mason enuncia e deixa uma risada escapar.
- Sempre que eu a vejo através do fio, eu imagino que ela é minha. – ele diz, sincero, e eu estou chocada por nunca ter percebido - Mas eu acho que cheguei muito tarde. Eu estou atrasado, Mason.
- Você sempre pode correr contra o tempo. – ele lembra, e acrescenta - Todo mundo precisa de alguém por perto.
- É, mas eu não posso mantê-la tão perto agora.
E, logo em seguida, eu entro no quarto, fingindo que nada daquela conversa eu ouvi. Despeço-me de Mason e , e, após sair de casa, percebo que nada mais está igual.
- O que aconteceu, ? – pergunta ao me encontrar na manhã seguinte com um pedaço de carne na cara dormindo sobre o sofá.
- Um soco na cara. Foi isso o que aconteceu. – respondo, irritada.- Mas eu ganhei.
Dentre todas as marcas provindas do combate corpo a corpo, as piores são aquelas que ficam estampadas no seu rosto. Digo isso porque uma blusa de manga cobre um hematoma no braço, mas você não pode sair por aí vestindo uma touca de ski sem parecer um criminoso.
- Você já foi melhor em se desviar.
- É, parece que eu não estou mais acompanhando o ritmo da música. – e então eu percebo que fiz referência ao que supostamente era uma conversa secreta.
- Comparação curiosa. – ele observa, desconfiado.
- Nietzsche, . Nietzsche disse que não poderia acreditar em um Deus que não soubesse dançar. Acho que estou começando a acreditar que não posso mais lutar.
- Tsc, não precisa se comparar a Deus para isso.
- Com 320 microgramas de saxitoxina eu posso te matar sem deixar nenhum vestígio. Ela é tipo umas 250 vezes mais eficaz do que o cianeto.
- Você só ameaça, mas não tem coragem de dar fim a um cara que tenha esse rosto. – ele diz e faz menção à própria face. Rolo os olhos. – Venha, deixe-me ver isso.
Ele observa meu rosto. O enorme hematoma roxo em volta do meu olho é impossível de ser escondido com as minhas míseras habilidades com maquiagem.
- Eu estou horrível.
- Nem que você quisesse. – diz e eu engulo em seco. Ele está me observando de perto demais e isso me deixa desconfortável.
- Quando eu aparecer no laboratório hoje, vai achar que eu levei uma surra.
- Bem, você levou.
- Mas ele não pode saber disso.
- Por que você acha que seu namorado vai deixar de amá-la se souber que está envolvida com atividades ilegais?
- Ele não é meu namorado.
- Tá. – ele revira os olhos e eu detecto o rancor.
- Você está com ciúmes.
- Você não sabe disso.
- Eu sei tudo sobre você.
- Há muitas coisas que você não sabe sobre mim. – ele diz e me encara intensamente. – O gosto do meu beijo principalmente.
- Não faça nenhuma besteira, seu idiota. – ordeno.
- Tem razão. Você ainda não escovou os dentes.
E então ele se afasta enquanto eu confiro meu próprio hálito.
Capítulo 6
- Boa sorte. – me deseja assim que eu estou prestes a entrar no ringue para a última luta da temporada.
- Obrigada. – abraço-o e ele sente o meu receio.
- Seja qual for as correntes que estão prendendo você, não deixe que elas te deixem para baixo. Seja qual forem as correntes que estão prendendo você, me diga que você acredita nisso. Que acredita que pode ganhar, . Porque não vale a pena entrar no ringue se você não tem confiança em si mesma.
- É minha última luta, . Para sempre. No próximo ano eu vou começar o internato rotatório e medicina vai ser a minha única ocupação.
- , você está se despedindo de mim ou da luta?
- Da luta. Você é como uma doença, e eu sou hipocondríaca. O que significa que não tem como eu me livrar de você porque eu te vejo mesmo quando não está lá.
- Embora eu não saiba distinguir se isso foi perversamente adorável ou adoravelmente perverso, eu gostei de ouvir. – ele ri. – Agora vai lá e dance para mim, garota. – ele pisca e de repente eu percebo que ele sabia que eu estava ouvindo sua conversa com Mason.
Contudo, agora eu não tenho tempo de confrontá-lo, pois estou através do fio.
XXX
Subitamente, o céu cai.
Eu estou lá, prestes a dar o golpe final, quando eu vejo os sintomas se manifestarem nele. Uma mão está sobre o peito, no lugar onde a dor está instalada. A outra está sobre a perna, as costas curvadas e a cabeça abaixada em uma tentativa de absorver o ar que lhe falta nos pulmões.
Então, sem precisar pensar muito, eu abandono o ringue no meio da luta e corro até , que está tendo um ataque cardíaco fulminante.
- Chamem uma ambulância agora! – eu grito e o cara mais perto parece me ouvir, pois saca o celular e tenta ligar para a emergência.
- Você precisa levá-lo para fora daqui. – um dos organizadores do evento fala e impede a ligação. – Ou seremos todos presos.
- Mas ele vai morrer se não for rapidamente atendido.
- Então acho que você precisa correr.
XXX
está deitado sobre o banco de trás da caminhonete de um desconhecido, que está nos levando ao hospital mais próximo, enquanto eu estou posicionada com as minhas pernas em volta de seu quadril, fazendo uma intensa massagem cardíaca desde que seu coração deixou de bater a 2 minutos.
- Não se atreva a morrer, seu idiota. – digo enquanto continuo massageando seu tórax com as lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
Quando chegamos ao hospital, os socorristas já estão a postos, esperando para levá-lo. Minhas mãos suam frio, as batidas do meu coração estão descompassadas e tudo o que eu consigo é pedir em uma prece silenciosa e sem fim para que não morra.
Eles o levam na maca e eu acompanho todo o procedimento de estabilização do paciente de perto. Estou tão confusa que só percebo que estou no Hospital Universitário quando ouço a voz de me chamando.
- ? O que está fazendo aqui?
- Você precisa salvá-lo. Por favor, , você precisa salvá-lo. não pode morrer. – e eu estou desesperada, chorando sem cessar.
hesita brevemente sobre o fazer, se é tentar controlar meu ataque ou verificar o paciente, mas é rápido na escolha. inicia o tratamento de com a administração de medicações e realização do cateterismo cardíaco. Em seguida, está encaminhando para o centro cirúrgico, pois optou por realizar uma cirurgia cardíaca a uma angioplastia. Enquanto isso, eu espero sentada no chão de algum corredor pouco movimentado. Aparentemente, tudo, de alguma maneira, na minha vida é destinado a morrer.
Eu me sinto presa em uma montanha russa. Sem saída e em uma longa e eterna descida. Eu queria poder estar lá agora. Eu queria poder ser útil de alguma forma. Mas tudo o que eu lembro é da sensação de estar ao lado de quando seu coração já não batia, segurando-o em meus braços. E é tão dolorosa quanto a ideia de começar a correr loucamente quando não há ar algum para respirar. Algo está faltando em meu peito. E eu espero que seja só por esta noite, pois não sei se conseguirei continuar com esse vazio durante a vida toda.
- Obrigada. – abraço-o e ele sente o meu receio.
- Seja qual for as correntes que estão prendendo você, não deixe que elas te deixem para baixo. Seja qual forem as correntes que estão prendendo você, me diga que você acredita nisso. Que acredita que pode ganhar, . Porque não vale a pena entrar no ringue se você não tem confiança em si mesma.
- É minha última luta, . Para sempre. No próximo ano eu vou começar o internato rotatório e medicina vai ser a minha única ocupação.
- , você está se despedindo de mim ou da luta?
- Da luta. Você é como uma doença, e eu sou hipocondríaca. O que significa que não tem como eu me livrar de você porque eu te vejo mesmo quando não está lá.
- Embora eu não saiba distinguir se isso foi perversamente adorável ou adoravelmente perverso, eu gostei de ouvir. – ele ri. – Agora vai lá e dance para mim, garota. – ele pisca e de repente eu percebo que ele sabia que eu estava ouvindo sua conversa com Mason.
Contudo, agora eu não tenho tempo de confrontá-lo, pois estou através do fio.
Eu estou lá, prestes a dar o golpe final, quando eu vejo os sintomas se manifestarem nele. Uma mão está sobre o peito, no lugar onde a dor está instalada. A outra está sobre a perna, as costas curvadas e a cabeça abaixada em uma tentativa de absorver o ar que lhe falta nos pulmões.
Então, sem precisar pensar muito, eu abandono o ringue no meio da luta e corro até , que está tendo um ataque cardíaco fulminante.
- Chamem uma ambulância agora! – eu grito e o cara mais perto parece me ouvir, pois saca o celular e tenta ligar para a emergência.
- Você precisa levá-lo para fora daqui. – um dos organizadores do evento fala e impede a ligação. – Ou seremos todos presos.
- Mas ele vai morrer se não for rapidamente atendido.
- Então acho que você precisa correr.
- Não se atreva a morrer, seu idiota. – digo enquanto continuo massageando seu tórax com as lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
Quando chegamos ao hospital, os socorristas já estão a postos, esperando para levá-lo. Minhas mãos suam frio, as batidas do meu coração estão descompassadas e tudo o que eu consigo é pedir em uma prece silenciosa e sem fim para que não morra.
Eles o levam na maca e eu acompanho todo o procedimento de estabilização do paciente de perto. Estou tão confusa que só percebo que estou no Hospital Universitário quando ouço a voz de me chamando.
- ? O que está fazendo aqui?
- Você precisa salvá-lo. Por favor, , você precisa salvá-lo. não pode morrer. – e eu estou desesperada, chorando sem cessar.
hesita brevemente sobre o fazer, se é tentar controlar meu ataque ou verificar o paciente, mas é rápido na escolha. inicia o tratamento de com a administração de medicações e realização do cateterismo cardíaco. Em seguida, está encaminhando para o centro cirúrgico, pois optou por realizar uma cirurgia cardíaca a uma angioplastia. Enquanto isso, eu espero sentada no chão de algum corredor pouco movimentado. Aparentemente, tudo, de alguma maneira, na minha vida é destinado a morrer.
Eu me sinto presa em uma montanha russa. Sem saída e em uma longa e eterna descida. Eu queria poder estar lá agora. Eu queria poder ser útil de alguma forma. Mas tudo o que eu lembro é da sensação de estar ao lado de quando seu coração já não batia, segurando-o em meus braços. E é tão dolorosa quanto a ideia de começar a correr loucamente quando não há ar algum para respirar. Algo está faltando em meu peito. E eu espero que seja só por esta noite, pois não sei se conseguirei continuar com esse vazio durante a vida toda.
Capítulo 7
- Ele vai ficar bem. – a voz de me faz abrir o maior dos sorrisos e eu o abraço, agradecida.
- Obrigada por salvá-lo.
- É isso o que médicos fazem.
Sorrio.
- Posso vê-lo?
- Pode, sim. Mas precisamos conversar sobre algumas coisas depois. O fato de você aparecer constantemente machucada é um dos tópicos que quero discutir. Você pode ter se apresentado apenas recentemente com o olho roxo, mas eu venho reparando em suas feridas há muito tempo. Você é jovem demais para ter tanta dor nos ossos e anda agasalhada mesmo quando não se está frio.
E é quando demonstra sua genuína preocupação que eu constato um fato importante:
- Eu estou apaixonada por você.
- O quê? – ele fica confuso com a minha declaração repentina.
- Eu disse que amo você.
- É muito bom saber disso. Sinto-me aliviado por ser correspondido. Mas não foi essa a minha pergunta. O que eu quero saber é: o que você faz, ?
E, como um amigo havia me ensinado, eu respondo:
- Eu danço através do fio.
XXX
- E o que você vai fazer a partir de agora?
- Comer frutas e legumes.
- Por quê?
- Para evitar que haja obstrução do fluxo sanguíneo por ruptura de uma placa de gordura que se encontra aderida à parede interna do vaso. – ele repete roboticamente o que eu havia lhe ensinado.
- E o que acontece quando essa placa se rompe?
- Ela libera substâncias inflamatórias que são capazes de resultar em entupimento total do vaso sanguíneo, de forma a impedir a passagem do sangue que leva o oxigênio para as paredes do coração.
- E se o músculo cardíaco ficar sem oxigênio? – cutuco-o amigavelmente e ele rola os olhos, pois sabe que eu o relembrarei disso para sempre.
- Ele morre.
- Muito bom, . – digo e afago seus cabelos como se estivesse parabenizando um cachorro bem adestrado.
- Agradeça ao seu namorado por mim. Ele tipo salvou minha vida, não é? Acho que não posso mais odiá-lo por ter roubado a minha garota.
- Você poderia ter falado que gostava de mim. Assim não precisaria ficar desgostoso por eu estar namorando outro cara.
- Desgostoso? Eu? – ele vinca a testa – Impossível.
- Sou obrigada a concordar. Seus músculos peitorais são incríveis. – digo, recordando-o da massagem cardíaca. Juntos, nós rimos.
- De qualquer forma, nunca daria certo entre nós, . Eu não faço o seu tipo. Eu sou jovem, bonito e legal.
- E qual é o meu tipo? Os velhos, feios e sem humor? - pergunto e nesse momento entra para conferir a alta a .
- Acho que não gostei de saber disso. – diz, brincalhão. – Gostou de passar esta semana conosco, senhor ?
- Por Deus, não. Mas agradeço por me salvarem.
- Está liberado para ir.
- Finalmente.
- Será que preciso lhe passar as recomendações?
-Não, não, já se encarregou disso. Agora a tire daqui, por favor.
XXX
- O que são essas coisas? – observo, curiosa, os pequenos grãos que acabou de depositar em minhas mãos - Sementes? As pessoas normalmente mandam flores.
confirma com um meneio de cabeça.
- Achei que você precisava ver algo nascer, pra variar.
- Você estava tentando ser sensível ou objetivamente cruel? – questiono, pois não sei como classificar o gesto.
- Não quero ser cruel, . Quero te mostrar que há outras perspectivas. Você que escolhe se vai olhar para o fim ou para o começo. – ele diz, e segura minhas mãos. – Eu, particularmente, quero olhar para o nosso começo e esperar que ele não tenha fim.
- Você está querendo sugerir alguma coisa? – faço-me de desentendida. E acho que entende o que eu estou querendo que ele faça, pois solta uma risada.
- Com a falência do cérebro, uma pessoa é declarada clinicamente morta, embora outros órgãos possam continuar funcionando com a ajuda de equipamentos. No entanto, se o coração para, nada mais funciona no organismo. Então, por mais que as emoções estejam intimamente ligadas ao nosso tálamo – ele aponta com o indicador sua têmpora – eu a amo irracionalmente.
Então ele pega minha mão e a posiciona sobre o lado esquerdo de seu peito. Dizem que o coração da mulher tem oito batidas/minuto a mais que o do homem. Mas naquele momento, contrariando a ciência, seguíamos o mesmo compasso.
- Obrigada por salvá-lo.
- É isso o que médicos fazem.
Sorrio.
- Posso vê-lo?
- Pode, sim. Mas precisamos conversar sobre algumas coisas depois. O fato de você aparecer constantemente machucada é um dos tópicos que quero discutir. Você pode ter se apresentado apenas recentemente com o olho roxo, mas eu venho reparando em suas feridas há muito tempo. Você é jovem demais para ter tanta dor nos ossos e anda agasalhada mesmo quando não se está frio.
E é quando demonstra sua genuína preocupação que eu constato um fato importante:
- Eu estou apaixonada por você.
- O quê? – ele fica confuso com a minha declaração repentina.
- Eu disse que amo você.
- É muito bom saber disso. Sinto-me aliviado por ser correspondido. Mas não foi essa a minha pergunta. O que eu quero saber é: o que você faz, ?
E, como um amigo havia me ensinado, eu respondo:
- Eu danço através do fio.
- Comer frutas e legumes.
- Por quê?
- Para evitar que haja obstrução do fluxo sanguíneo por ruptura de uma placa de gordura que se encontra aderida à parede interna do vaso. – ele repete roboticamente o que eu havia lhe ensinado.
- E o que acontece quando essa placa se rompe?
- Ela libera substâncias inflamatórias que são capazes de resultar em entupimento total do vaso sanguíneo, de forma a impedir a passagem do sangue que leva o oxigênio para as paredes do coração.
- E se o músculo cardíaco ficar sem oxigênio? – cutuco-o amigavelmente e ele rola os olhos, pois sabe que eu o relembrarei disso para sempre.
- Ele morre.
- Muito bom, . – digo e afago seus cabelos como se estivesse parabenizando um cachorro bem adestrado.
- Agradeça ao seu namorado por mim. Ele tipo salvou minha vida, não é? Acho que não posso mais odiá-lo por ter roubado a minha garota.
- Você poderia ter falado que gostava de mim. Assim não precisaria ficar desgostoso por eu estar namorando outro cara.
- Desgostoso? Eu? – ele vinca a testa – Impossível.
- Sou obrigada a concordar. Seus músculos peitorais são incríveis. – digo, recordando-o da massagem cardíaca. Juntos, nós rimos.
- De qualquer forma, nunca daria certo entre nós, . Eu não faço o seu tipo. Eu sou jovem, bonito e legal.
- E qual é o meu tipo? Os velhos, feios e sem humor? - pergunto e nesse momento entra para conferir a alta a .
- Acho que não gostei de saber disso. – diz, brincalhão. – Gostou de passar esta semana conosco, senhor ?
- Por Deus, não. Mas agradeço por me salvarem.
- Está liberado para ir.
- Finalmente.
- Será que preciso lhe passar as recomendações?
-Não, não, já se encarregou disso. Agora a tire daqui, por favor.
confirma com um meneio de cabeça.
- Achei que você precisava ver algo nascer, pra variar.
- Você estava tentando ser sensível ou objetivamente cruel? – questiono, pois não sei como classificar o gesto.
- Não quero ser cruel, . Quero te mostrar que há outras perspectivas. Você que escolhe se vai olhar para o fim ou para o começo. – ele diz, e segura minhas mãos. – Eu, particularmente, quero olhar para o nosso começo e esperar que ele não tenha fim.
- Você está querendo sugerir alguma coisa? – faço-me de desentendida. E acho que entende o que eu estou querendo que ele faça, pois solta uma risada.
- Com a falência do cérebro, uma pessoa é declarada clinicamente morta, embora outros órgãos possam continuar funcionando com a ajuda de equipamentos. No entanto, se o coração para, nada mais funciona no organismo. Então, por mais que as emoções estejam intimamente ligadas ao nosso tálamo – ele aponta com o indicador sua têmpora – eu a amo irracionalmente.
Então ele pega minha mão e a posiciona sobre o lado esquerdo de seu peito. Dizem que o coração da mulher tem oito batidas/minuto a mais que o do homem. Mas naquele momento, contrariando a ciência, seguíamos o mesmo compasso.
Alternativo
- Ele está te esperando.
- Mais uma vez, obrigada por salvá-lo.
- É isso o que médicos fazem.
Sorrio.
- Então, eu já vou indo.
- Não, . Precisamos conversar sobre algumas coisas. O fato de você aparecer constantemente machucada é um dos tópicos que quero discutir. Você pode ter se apresentado apenas recentemente com o olho roxo, mas eu venho reparando em suas feridas há muito tempo. Você é jovem demais para ter tanta dor nos ossos e anda agasalhada mesmo quando não se está frio. E eu me lembro muito bem do que você estava usando quando trouxe até aqui na outra noite. O que significa tudo isso?
E é quando demonstra sua genuína preocupação que eu constato que ele é o cara certo.
- Eu estou apaixonada por você.
- Não. – ele ri, consternado. - Você está apaixonada, mas não é por mim.
- Como é?
- Você lida com o amor de uma forma estranha, eu demorei para perceber isso. Você racionaliza que o amor é o que lhe fornece maior proteção, mais segurança. Mas amar é correr perigo, .
- O quê? – pergunto, completamente confusa.
- Você ama aquele rapaz.
- Não! – eu grito, incrédula - O é meu irmão.
- Ele não parece ter dez anos.
- Não é meu irmão de sangue, mas é de consideração. – tento explicar.
- Porque você tenta camuflar o amor romântico através de uma irmandade.
- Já entendi. Você está me dando o fora e está arranjando um motivo para eu sentir que é justo.
- Não, . Você que me deu o fora.
- Eu jamais fiz isso! Eu sempre o admirei, pois você é a pessoa mais incrível que eu já conheci.
- Exatamente. O que você nutre por mim não passa de pura admiração. Com uma dose generosa de piedade. – ele acrescenta, transtornado.
- Não tenho pena de você.
- Ah, você tem, sim. Você me beijou depois que eu falei da minha esposa morta.
-Você me beijou.
- E você não me afastou ou recuou. Era o que você deveria fazer. Os fantasmas assustam, . Você deveria ter medo de eu ainda estar tão vinculado ao meu passado.
- , por favor. Isso é ridículo. – eu alego, irritada com essas acusações. – Você não pode prever o que eu deveria ou não sentir.
- Justo, mas se o não tivesse sobrevivido à cirurgia, você estaria me odiando agora? – ele pergunta, a sobrancelha erguida, desafiadora.
- Mas é claro que sim! Você teria o matado. – a minha resposta sai em um impulso. - Merda.
- Exatamente. – ele abaixa a cabeça, e ri da própria desgraça - Merda.
- Ah, , eu juro que não tinha ideia.
- O pior de tudo é que eu acredito em você. O que me torna incapaz de odiá-la.
- Como eu posso amar aquele idiota e não amar você? Isso não é nem um pouco razoável.
- Eu sei. – ele admite. – Mas, se não é capaz de interpretar os seus próprios sentimentos e já que a sua mente é uma bagunça, preste atenção aos sinais que o seu corpo lhe dá. – ele diz, amigavelmente. – Agora, eu tenho que ir. Tenho uns corações para cuidar.
E é quando percebo que não estou triste pelo coração que vai cuidar não ser o meu.
Então eu volto para o quarto de , correndo. Da última vez eu não pude, mas esta noite eu vou salvar seu coração.
XXX
- O que está fazendo aqui, ? Achei que fosse te manter ocupada pelas próximas duas horas, mas veja só: não durou nem 30 minutos. – ele diz, enquanto termina de organizar as coisas na mochila. – Vocês pularam as preliminares ou algo assim?
está de costas para mim, devidamente vestido com a roupa para deixar o hospital, mas com o cabelo ainda bagunçado. Ele não vê o meu sorriso ao constatar um fato pertinente.
- Nunca lhe falei sobre o sonho dos físicos.
- O quê? – ele pergunta e vira a cabeça em minha direção. – Do que está falando?
- Você disse a Mason que eu havia lhe contado que unificar a Física Quântica com a Relatividade Geral era o sonho de todo físico.
- E não é verdade?
- Sim, é verdade. Mas eu nunca lhe disse isso.
- Devo ter ouvido em outro lugar então. – ele dá de ombros.
- Não, você não ouviu. – constato – Você leu.
Ele permanece calado e eu sigo até ele. Encaro seu rosto e é difícil admitir que eu estava muito cega para não ter percebido o quanto apenas olhá-lo mexia comigo.
- Você não pode provar isso.
- Tem razão, não posso provar. Mas eu sei. E também aposto que você pegou meu livro de Cálculo I para estudar e não para repousar seus copos sobre ele.
- Foi logo assim que você me contou sobre seus namorados que não sabiam nada sobre ciência. Fui a sua casa e pedi a Mason que me emprestasse. Sabe, eu meio que queria ser seu namorado, então eu comecei a estudar para não parecer estúpido perto de você.
- Você não é estúpido, seu idiota!
- Você é totalmente contraditória.
- Uma vez eu ouvi que poucas coisas na vida fazem sentido, e o amor não é uma delas.
- O cara que disse isso deveria ser uma pessoa muito inteligente. – ele diz sacana.
- Sim, ele é. E muito convencido também. – aproximo-me de na intenção de beijá-lo, mas, para minha surpresa, ele recua.
- Não! – diz e segura meus ombros olhando em meus olhos – Eu estudei muito pra esse momento, . Não o destrua.
- Do que você está...
- Se a derivada de uma função existe, ela é única. Não importa que caminhos nós tomemos, sempre chegaremos ao mesmo lugar. – e então ele me encara, o sorriso astuto despontando dos lábios convidativos e os braços ao redor de minha cintura. – Você é a minha derivada.
E um “eu te amo” não poderia ter sido mais esclarecedor.
- Mais uma vez, obrigada por salvá-lo.
- É isso o que médicos fazem.
Sorrio.
- Então, eu já vou indo.
- Não, . Precisamos conversar sobre algumas coisas. O fato de você aparecer constantemente machucada é um dos tópicos que quero discutir. Você pode ter se apresentado apenas recentemente com o olho roxo, mas eu venho reparando em suas feridas há muito tempo. Você é jovem demais para ter tanta dor nos ossos e anda agasalhada mesmo quando não se está frio. E eu me lembro muito bem do que você estava usando quando trouxe até aqui na outra noite. O que significa tudo isso?
E é quando demonstra sua genuína preocupação que eu constato que ele é o cara certo.
- Eu estou apaixonada por você.
- Não. – ele ri, consternado. - Você está apaixonada, mas não é por mim.
- Como é?
- Você lida com o amor de uma forma estranha, eu demorei para perceber isso. Você racionaliza que o amor é o que lhe fornece maior proteção, mais segurança. Mas amar é correr perigo, .
- O quê? – pergunto, completamente confusa.
- Você ama aquele rapaz.
- Não! – eu grito, incrédula - O é meu irmão.
- Ele não parece ter dez anos.
- Não é meu irmão de sangue, mas é de consideração. – tento explicar.
- Porque você tenta camuflar o amor romântico através de uma irmandade.
- Já entendi. Você está me dando o fora e está arranjando um motivo para eu sentir que é justo.
- Não, . Você que me deu o fora.
- Eu jamais fiz isso! Eu sempre o admirei, pois você é a pessoa mais incrível que eu já conheci.
- Exatamente. O que você nutre por mim não passa de pura admiração. Com uma dose generosa de piedade. – ele acrescenta, transtornado.
- Não tenho pena de você.
- Ah, você tem, sim. Você me beijou depois que eu falei da minha esposa morta.
-Você me beijou.
- E você não me afastou ou recuou. Era o que você deveria fazer. Os fantasmas assustam, . Você deveria ter medo de eu ainda estar tão vinculado ao meu passado.
- , por favor. Isso é ridículo. – eu alego, irritada com essas acusações. – Você não pode prever o que eu deveria ou não sentir.
- Justo, mas se o não tivesse sobrevivido à cirurgia, você estaria me odiando agora? – ele pergunta, a sobrancelha erguida, desafiadora.
- Mas é claro que sim! Você teria o matado. – a minha resposta sai em um impulso. - Merda.
- Exatamente. – ele abaixa a cabeça, e ri da própria desgraça - Merda.
- Ah, , eu juro que não tinha ideia.
- O pior de tudo é que eu acredito em você. O que me torna incapaz de odiá-la.
- Como eu posso amar aquele idiota e não amar você? Isso não é nem um pouco razoável.
- Eu sei. – ele admite. – Mas, se não é capaz de interpretar os seus próprios sentimentos e já que a sua mente é uma bagunça, preste atenção aos sinais que o seu corpo lhe dá. – ele diz, amigavelmente. – Agora, eu tenho que ir. Tenho uns corações para cuidar.
E é quando percebo que não estou triste pelo coração que vai cuidar não ser o meu.
Então eu volto para o quarto de , correndo. Da última vez eu não pude, mas esta noite eu vou salvar seu coração.
está de costas para mim, devidamente vestido com a roupa para deixar o hospital, mas com o cabelo ainda bagunçado. Ele não vê o meu sorriso ao constatar um fato pertinente.
- Nunca lhe falei sobre o sonho dos físicos.
- O quê? – ele pergunta e vira a cabeça em minha direção. – Do que está falando?
- Você disse a Mason que eu havia lhe contado que unificar a Física Quântica com a Relatividade Geral era o sonho de todo físico.
- E não é verdade?
- Sim, é verdade. Mas eu nunca lhe disse isso.
- Devo ter ouvido em outro lugar então. – ele dá de ombros.
- Não, você não ouviu. – constato – Você leu.
Ele permanece calado e eu sigo até ele. Encaro seu rosto e é difícil admitir que eu estava muito cega para não ter percebido o quanto apenas olhá-lo mexia comigo.
- Você não pode provar isso.
- Tem razão, não posso provar. Mas eu sei. E também aposto que você pegou meu livro de Cálculo I para estudar e não para repousar seus copos sobre ele.
- Foi logo assim que você me contou sobre seus namorados que não sabiam nada sobre ciência. Fui a sua casa e pedi a Mason que me emprestasse. Sabe, eu meio que queria ser seu namorado, então eu comecei a estudar para não parecer estúpido perto de você.
- Você não é estúpido, seu idiota!
- Você é totalmente contraditória.
- Uma vez eu ouvi que poucas coisas na vida fazem sentido, e o amor não é uma delas.
- O cara que disse isso deveria ser uma pessoa muito inteligente. – ele diz sacana.
- Sim, ele é. E muito convencido também. – aproximo-me de na intenção de beijá-lo, mas, para minha surpresa, ele recua.
- Não! – diz e segura meus ombros olhando em meus olhos – Eu estudei muito pra esse momento, . Não o destrua.
- Do que você está...
- Se a derivada de uma função existe, ela é única. Não importa que caminhos nós tomemos, sempre chegaremos ao mesmo lugar. – e então ele me encara, o sorriso astuto despontando dos lábios convidativos e os braços ao redor de minha cintura. – Você é a minha derivada.
E um “eu te amo” não poderia ter sido mais esclarecedor.