Finalizada em: 12/09/2018

Parte 1

A manhã em Violet Hill estava maravilhosa. A grama estava verde e brilhava do contato da luz do sol com o orvalho, o céu azul estava limpo, sem nenhum sinal de nuvens e era audível o canto feliz dos pássaros, as cigarras acompanhando e o som agradável de água descendo em cascata no chafariz que havia bem no meio do jardim da casa elegante de .
Em sua mente fértil, ela imaginava que ninfas adorariam o seu jardim, assim como as borboletas que formavam um arco-íris de cores diversificadas no meio de suas flores.
Naquela propriedade, era feliz. A casa toda trabalhada em madeira lhe trazia uma sensação de conforto, o cheiro que sentia sempre que caminhava por seu gramado pela manhã era como ser criança de novo. Lembrar da sua infância sempre a deixava alegre. Sentia falta da família, das visitas, de quando aquela parte da cidade era onde as pessoas queriam morar. Sentia falta principalmente de sua mãe, já fazia tempo desde a última vez que a Sra. visitara a filha.
Era solitária, mas não era como se estivesse de fato sozinha.
era seu vizinho há alguns meses, gostava da paz do interior e do dia que parecia durar mais. Era ele que ajudava a deixar o jardim bonito e bem cuidado. Era ele que lhe dera de presente dias felizes. E também era ele que despertara sentimentos que ela pensou que nunca sentiria na vida.
andava calmamente pelo gramado, em dias como aquele ela demorava mais tempo para entrar na trilha e chegar ao lago, era essa a forma que encontrou de não ser uma sedentária. Mas ir até o lago também tinha mais vantagens, como se refrescar em um dia quente e ler um livro na sombra das árvores. No inverno, ela costumava se perder em pensamentos, às vezes cantava para si mesma.
a chamou, vindo correndo em sua direção.
Ele era uma mistura de cores, vermelho, azul e cáqui. Nos pés, alpargatas confortáveis, que o fazia parte essencial de um dia de verão. Provavelmente não seria verão sem por ali. Ela se perguntava quando ele passou a ser o sol no universo onde ela era mera lua.
– Quantas vezes vou ter que pedir para você me chamar de ? – Colocou as mãos na cintura, parando para esperar por ele.
– Seu nome é tão bonito – respondeu, um pouco ofegante ao alcançá-la. – Fora que já estou te fazendo um grande favor em não te chamar de e não Srta. .
– Srta. ? Não estamos em um livro da Jane Austen. – sorriu. – Senão, acho melhor você beijar a minha mão.
Ela estendeu a mão com a brincadeira e , também com um sorriso divertido e brilho nos olhos, pegou a sua mão, logo deixando um beijo suave.
– Mas, por favor, não me chame de Sr. Darcy.
riu, voltando a andar em direção a trilha com ao seu lado.
– A que devo a honra de sua companhia? – Ela continuou na brincadeira e ele sorriu.
– Você gosta muito desse lago, né?! – indagou, mas avaliando a sua postura, percebeu que ele parecia pouco relaxado, como sempre estava, e diria até que ele estava ansioso.
– Gosto – ela decidiu responder, esperando onde aquilo iria dar –, é como se fosse um lago de emoções e você só se deixa fluir.
franziu a testa, já ciente que era como um iceberg, olhando pela superfície ela já parecia algo surpreendente, mas por dentro ela era tão profunda que ele mal conseguia assimilar.
– Você tem emoções fortes, ? – Grudou seus olhos aos dela, como se não quisesse perder nenhum detalhe, mas o rosto dela era sereno como a manhã.
– Às vezes, acho que ninguém tem a mente perfeita, – disse. – O lago me traz paz.
Assim como outras coisas, como a sua companhia. quis acrescentar, mas respirou fundo.
– Você está certa. – Balançou a cabeça. – Olha, eu não sei como eram as coisas antes de eu chegar, mas lembro do seu jardim parecendo uma mata e tudo abandonado.
Falou em um tom tranquilo, como se não fosse grande coisa e se manteve fria.
– Não tinha você para cuidar – murmurou. – Eu até passava o cortador de grama, mas fiquei um tempo doente e quando vi já estava impossível de limpar. Minha mãe até ficou de trazer alguém para limpar, porém isso nunca aconteceu.
, você não pode ficar sozinha aqui. – parecia genuinamente preocupado e ela parou de novo a caminhada, olhando para ele alarmada.
– Para onde você vai? – Foi direta e seu vizinho parou, passando a mão pelos cabelos e suspirando de forma exagerada.
– Vou precisar viajar por alguns dias e você sozinha aqui me deixa preocupado – explicou, esperando qualquer reação de , exceto a que veio a seguir.
– Eu vou ficar bem, de verdade. Não é como se eu não estivesse ficado sozinha aqui antes. – Deu as costas e continuou sua trilha.
ficou para trás por um instante, pensando se deveria mesmo insistir para que ela voltasse para a casa da mãe ou deveria deixá-la ali. Sabia que detestava a vida na cidade, a própria dizia que era como estar enlouquecendo gradativamente, fora que sua relação com a mãe depois que o pai morreu não era das melhores.
Então ele apressou o passo atrás dela e decidiu que ia acompanhá-la até o seu cantinho de paz daquela vez, ia tentar conversar e depois disso ele ia respeitar a escolha dela.


Parte 2

Quando saiu de carro no fim da tarde, assistiu ao pôr do sol sentada na cadeira de balanço antiga. A noite vinha junto com o arrepio que subia pelo seu corpo, aquilo não poderia ser bom.
Já tinha visto e sentido aquelas mesmas coisas antes, mas se negou a acreditar que todo aquele pesadelo se repetiria. Então fechou os olhos, tentando pensar em todas as coisas boas dos últimos meses, a sensação de estar em paz consigo mesma e a de não estar de fato sozinha. Contudo, estar sozinha era exatamente o gatilho que ela não precisava, tinha mentido quando disse que ficaria bem.
Fechou os olhos e sentiu o momento exato em que tudo se perdeu, tinha medo de abri-los de novo e ver o seu mundo de breve felicidade se desfazer bem na sua frente. E de fato, foi exatamente isso que aconteceu, estava escuro lá fora, silencioso, como o início de uma tempestade terrível.
Então entrou em casa, pensando em comer alguma coisa e dormir o quanto antes, não ia deixar que o bicho papão puxasse seu pé e muito menos atrapalhasse seu sono. Mas ao chegar ao armário, estava tudo vazio, não era possível que tudo tinha acabado. Ela abriu todas as portas e só achou algumas ervas para fazer um chá quente, o que a fez colocar uma chaleira no fogão. Ia precisar fazer compras e enquanto esperava, listava mentalmente as coisas que precisava comprar. Morar sozinha tinha dessas coisas, nem sempre ela conseguia controlar direito o estoque de comida… Mas foi perdida em seus próprios pensamentos de dona de casa, que também perdeu o início de uma ventania, que ela só percebeu quando a chaleira começou a chiar em meio ao barulho.
Ela estava completamente arrepiada de novo, mas colocou o chá em uma caneca já lascada pelo uso frequente e subiu até o seu quarto. O que pareceu a decisão mais sensata para alguém que esperava dormir antes da tempestade, então ela deitou encostada na cabeceira da cama, se cobriu com os cobertores e tomou o seu chá enquanto lia O Grande Gatsby.
Não soube dizer em que momento cochilou com o livro no colo ou muito menos o momento em que sentiu alguém a observando, fazendo acordar no pulo e olhar automaticamente para o relógio que estava em cima da mesa de cabeceira. Mas estava tudo escuro e de alguma forma ela sabia que era mais ou menos 3 horas da manhã.
De novo, de novo, de novo.
tentou controlar a respiração descompassada, a luz parecia ter acabado e estava muito, muito escuro. Seus olhos demoraram a se acostumar com a escuridão assustadora, parecia que estava presa em outro lugar e o desespero parecia crescer cada vez mais dentro do seu peito.
A sensação era de que iria morrer.
E a certeza era de que não estava sozinha.
Se enrolou no cobertor, cobrindo a cabeça exatamente como fazia quando era criança e tinha medo de fantasmas. Fez as orações que lhe foram ensinadas e esperou, agora trovões ecoavam, porém, não havia nenhuma luz. Era fora do normal, era sobrenatural e inacreditável. Nunca ousou contar para ninguém o que aconteceu meses atrás, para todos a desculpa era de que estava doente e talvez de fato estivesse, era impossível explicar a escuridão, o vento ensurdecedor, a falta de raios, mas a existência de trovões. A presença.
Ela jurava pela sua vida que tinha algo lá fora.
E sabia que a ida de ia trazer todos os seus pesadelos – reais ou não – de volta, mas se negava a acreditar até o último minuto. Ela amava os dias que passava naquele lugar, um equilíbrio perfeito com as noites que não acabavam nunca e o show de terror perfeito que começava sempre com o pôr do sol. se iludira achando que aquilo nunca voltaria a acontecer e era parte do seu passado.
Então o silêncio veio de novo, contudo, dessa vez ela escutou uma respiração em seguida, uma que não era a sua. Tentou controlar o pânico, a vontade de gritar, tentou se lembrar de continuar respirando, mas foi tudo rápido demais quando levantou da cama, calçando automaticamente as pantufas e instintivamente saindo do quarto. Desceu as escadas correndo, temendo tropeçar e sair rolando, mas para aquele quarto ela não ia voltar.
Ele estava lá.
Continuou correndo até a porta do porão, dessa vez quase tropeçando nos degraus gastos de madeira podre, sentiu o cheiro de velho e mofo. Como não precisava mais se esconder naquele porão, não imaginou que precisaria limpá-lo para uso futuro novamente. tateou a mesa velha em busca dos fósforos e das velas, quando achou a caixinha sua mão tremia ao pegar um palito e quebrá-lo ao tentar acender, não tinha muitos então era bom ela se concentrar em pelo menos ter alguma luz. Pela milésima vez, focou na sua respiração e em acender a droga do fósforo, conseguindo na quinta tentativa e acendendo as velas que tinham ali.
O porão continuava o mesmo, parte de um passado que ela queria esquecer, mas ali estava o seu colchão puído e alguns cobertores velhos e sujos. O barulho típico de água pingando.
ficou alguns minutos ali parada, ouvindo tudo e tremendo, se sentindo miserável pela intensidade com que tudo voltara dessa vez, podia sentir o gosto na sua língua enquanto o medo a corroía lentamente. Não sabia o que aquilo era, não sabia de onde tinha vindo e muito menos tinha uma explicação do por quê ele só aparecia quando estava sozinha.
Cansada de ficar em pé, tremendo e com frio, decidiu se deitar no colchão velho e se cobrir com os cobertores.
Vai embora, vai embora, vai embora…
Ela repetia na sua cabeça, mas podia ouvir a risada ecoando como se ele caçoasse dela, como se a chamasse de covarde por fugir daquele jeito. nunca teve coragem de olhar nos olhos dele, nunca teve coragem de encará-lo, nunca teve coragem de pedir ajudar.
Então agora era a hora que ela se deixava ser consumida, mas ficaria ligada dessa vez.
Não ia fechar os olhos.
Não ia ousar respirar enquanto soubesse que algo estava ali fora e ela só teria pesadelos.


Parte 3

O dia estava lindo quando viu estacionar o carro em frente a casa dele. Estava sentada na mesma cadeira de balanço, tomando sol e sentindo a brisa fresca em seu corpo, se ela não estivesse tão concentrada em observá-lo poderia sentir o pavor tomar conta de si. Mas respirou fundo ao acompanhar o vizinho carregar algumas compras e caixas para dentro de casa, antes de vê-la ali e acenar em sua direção, forçou um sorriso e acenou de volta, decidindo que era melhor entrar antes que ele viesse cumprimentá-la e ela ainda não estava pronta para isso.
Por isso levantou quando ele sumiu dentro de casa, no entanto, gritou seu nome antes que pudesse fechar a porta.
? – chamou de novo ao se aproximar da varanda dela e ela deu um sorriso sem graça.
– Oi.
– Você vai fazer algo importante agora?
Ela o encarou por alguns instantes, vendo que agora ele era uma mistura de vermelho, preto e branco, depois olhou para a bagunça dentro de casa e para ele.
– Não – murmurou em resposta e ele sorriu.
– Vamos dar uma volta, senti sua falta – disse e os lábios dela se levantaram em um sorriso genuíno.
– Também senti – confessou, fechando a porta atrás de si e o seguindo em direção ao jardim de trás.
– A grama tá alta de novo – ele comentou, agora andando ao lado dela e ela apreciava aquelas mesmas características de um lugar que parecia mais uma ilusão de felicidade.
– Choveu muito nos últimos dias, parece que você trouxe o sol de volta. – Brincou.
– A gente pode limpar o gramado juntos mais tarde, se você quiser – ofereceu e balançou a cabeça.
começou a tagarelar sobre sua viagem e ela prestou atenção em algumas partes, em outras se perdia dentro de si mesma.
– Você está bem? – Perguntou e ela de novo respondeu com a cabeça, fazendo-o o parar no meio da trilha para o lago e a segurar pelos ombros. – , você tá pálida e com olheiras imensas, parece que não come e não dorme bem faz uns bons dias.
Ela olhou para ele, sem reação, odiava ser colocada contra a parede e realmente não estava pronta para tentar ao menos se abrir com a única pessoa que ela gostava e confiava. E se ele a chamasse de louca? Dissesse que o lugar dela não era ali e sim em um hospício?
– Será que a gente pode chegar ao lago primeiro? – indagou e dessa vez foi ele quem respondeu com um aceno de cabeça.
Então se permitiu respirar fundo por ter ganhado mais tempo e os dois terminaram a trilha, mas dessa vez em silêncio até que o barulho de água corrente preenchesse por completo o espaço entre eles.
– E então? – Ele colocou as mãos nos bolsos, esperando que lhe desse alguma explicação sobre o estado deplorável dela.
– Você tem que me prometer que não vai me chamar de louca – pediu, deixando transparecer o quanto estava nervosa ao tocar naquele assunto pela primeira vez com alguém.
– Você tá me deixando preocupado.
olhou para ele com os olhos marejados antes de encarar o lago, pedindo silenciosamente que a água levasse suas emoções embora.
– Já tem dias que não durmo de noite porque tem alguma coisa estranha nesse lugar – confessou e escutou atentamente.
– Que coisa?
– Tem alguma coisa aqui fora, tudo fica muito escuro, venta muito, tem trovões, mas não chove, não tem relâmpagos – explicou e engoliu em seco para falar a próxima parte. – E quando me deito eu sinto que…
Um barulho e não se moveu, totalmente apavorada, será que agora seria perseguida de dia também?
Mas olhou para trás como se estivesse possesso e pela visão periférica ela viu o que se passou pelo rosto dele, não soube interpretar direito pelo que ele estava tão fora de si, pela interrupção, por ela estar contando isso só agora ou por ter deixado o homem preocupado. Ela apostava em todas as opções.
– Dr. ? Precisam de você, é uma emergência.
piscou de novo e de repente seu maior pesadelo se tornou sua realidade, piscou mais uma vez e o ar faltou.
olhou para ela, como se estivesse triste por tudo aquilo, como se sentisse muito –, você precisa voltar a tomar os seus remédios.


FIM



Nota da autora: Sem nota.


Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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