Capítulo Único
– É claro que estou deslumbrado, esse lugar é incrível. Estou saindo agora do Palácio dos Leões, disseram que o pôr do sol aqui é lindo. – Naquele momento uma grande movimentação e gritos me chamaram atenção. – Eu ‘tô com problemas para te ouvir, te ligo quando chegar no hostel, ok? Beijos.
Encerrando a ligação e saindo por completo do prédio, consegui distinguir a aglomeração. No centro uma jovem de longos cabelos pretos abraçava duas pessoas, de costas para mim, e alguém disparava flashes. As pessoas ao redor, que aguardavam a sua vez, pulavam e registravam cada movimento da garota. O grupo era composto basicamente por jovens, então, certo de que não seria alguém que eu conheceria, me dirigi à vista lateral do palácio, de frente para a foz do rio Anil.
Algumas pessoas se encontravam ali, em sua maioria famílias e casais, admirando a vista colossal. De fato, cada comentário e foto vistas antes da viagem, ainda não conseguiam captar por completo, ou registrar com justiça o pôr do sol. A água refletia logo abaixo, os raios que preguiçosamente se despediam, e com movimento cadenciado acalmavam a alma.
Um tempo depois, me dei conta de que não havia feito registro algum, mas ainda teria tempo e em alguma tarde voltaria para fotografar.
No momento em que decidi ir embora, me virei e trombei com uma garota ao menos uma cabeça mais baixa que eu.
– Desculpa, moça, não foi por mal.
Quando ia saindo ela segurou meu braço.
– Tá tudo bem. Só fica aqui e tira uma foto minha, por favor?
Me estendeu o celular, impulsionou o corpo na mureta do parapeito, se sentou e abriu um sorriso deslumbrante. Fiz alguns cliques e estendi para que ela aprovasse.
– Que lindo! Vem aqui agora tirar uma selfie comigo – Deu uma piscadinha e prosseguiu de modo leve, quase íntimo. – Aproveita que não tem ninguém para ver.
– Precisa não, só suas fotos já ficaram um ótimo registro, moça!
– Maria Kira, ou pode me chamar pelo meu apelido, Maki. – De um jeito atrevido ela anunciou. – De toda forma, eu quero guardar um registro contigo.
E me surpreendendo, puxou-me para perto, e ela mesma fotografou o momento em que olhei para ela, rindo da espontaneidade.
– Te mando no Instagram. Coloca aqui sua conta.
– Não tenho conta lá não. – Expliquei, já aguardando a reação, que geralmente era de incredulidade.
Ela me observou como quem olhava de verdade pela primeira vez. E eu aproveitei para olhar de volta. Era uma menina mulher, com traços delicados, mas numa postura altiva e cheia de confiança. Os cabelos pretos formavam uma cortina espessa em seus ombros e costas. Sua voz me tirou dos devaneios.
– Tu não pareces o tipo de cara que mora numa caverna. – Ela olhou para mim de modo especulativo. – Por acaso se esconde de alguém? Ou qual o motivo plausível para não ter um Insta?
– Eu só não quero uma conta em mais um aplicativo superficial. Quer dizer, não serve para mim, sabe?
Ela riu e mesmo eu achando que deveria ir embora, fiquei.
– E qual seu nome?
– Pedro.
– Prazer, Pedro! – Ela passou a mão no cabelo o prendendo num rabo de cavalo. – ‘Tô presumindo que tu não me conheces, e tudo bem. Vai ver isso é coisa do destino, porque eu vir aqui é uma raridade, e aproveitar a vista é mais raro ainda. Quer aproveitar e me acompanhar num drink?
Mais uma vez eu quis ir embora. Quem era a pessoa que eu deveria estar reconhecendo? Será que era uma atriz? Ou escritora? Talvez fosse a garota que causou um alvoroço na saída do Palácio. Pela segunda vez em menos de cinco minutos decidi ignorar minha vontade e seguir o movimento. Já estava ali e ela era particularmente linda.
– Vamos, tem um lugar lindo aqui perto.
E sem esperar por uma resposta, seguiu caminhando enquanto eu me punha a acompanhá-la.
O centro histórico de São Luís é uma coisa fantástica e rica. As ruas de paralelepípedos abrigam tanta história que é impossível não se deslumbrar. E no entanto, a minha companhia estava alheia a tudo a seu redor, focada num aparelho celular.
Tomei um susto quando ela parou de súbito em frente a um carro preto, algum modelo SUV que eu desconhecia.
– Na verdade, os lugares legais ficam do outro lado. Sobe aí que eu te levo.
Eu estava de férias, num estado totalmente novo para mim. Os lugares que eu conhecia até agora eram todos próximos do hostel onde eu estava me hospedando. No meio de um passeio com ritmo de estudo, me apareceu uma mulher linda e me convidou para tomar um drink. Já tinha uma cota extensa de oportunidades perdidas na vida, então não seria ali que eu perderia outra.
Foi assim que me encontrei atravessando a ponte do São Francisco.
Maria Kira dirigia com uma mão e a outra ela apoiava a cabeça e por vezes ajeitava os óculos escuros. No som do carro tocava um pop conhecido e eu mexia as pernas no ritmo da música.
Alguns minutos rodando por uma parte totalmente diferente da que eu tinha conhecido, onde haviam mais prédios comerciais e restaurantes chiques, Maki finalmente estacionou, de frente a um prédio alto, no qual eu supunha ter uns dez andares. Um residencial incrível.
– Eu moro aqui, e se a minha empregada ainda estiver tu vais beber a melhor caipirinha dessa cidade. Se ela já tiver ido embora vai provar a segunda melhor: a minha.
Passamos na guarita de entrada, onde ela deixou as chaves do carro, e seguimos para o elevador. Quando ela apertou o décimo sexto andar, atestei que minha noção de altura era péssima.
– Tu, além de não estar disponível no universo online, também és mudo?
E rindo devolvi:
– Na verdade eu até falo. Mas com esse episódio meio surreal, ‘tô com receio de falar demais e acordar! Sabe como é? – Soltei uma risada nervosa.
– Está tudo tranquilo, Pedro. – Ela abanou o ar, como quem dissipa as preocupações. – Tu tens uma aura boa e eu gostei! Faz bem sair da rotina, sabe?
Com um sorriso, ela abriu a porta do apartamento onde, eu mal havia dado conta de ter chegado.
– Eu vou trocar de roupa e já volto. Fica à vontade, ok?
E apesar das circunstâncias, realmente relaxei.
A sala, onde ela havia me deixado, era ampla e bem iluminada. Um sofá largo tomava conta do ambiente e tudo ao redor era muito bem organizado: a televisão, uma prateleira repleta de cds e discos de vinil – aos quais dediquei uns bons minutos de deslumbre. Próximo dali, havia uma porta de vidro que dava acesso a uma sacada. Afastando a cortina de tecido leve, abri a porta, e entre algumas plantas e cadeiras eu podia ver o mar.
Ainda não fazia ideia de onde havia me metido, mas não existia a menor possibilidade de não aproveitar aquilo tudo. Quantas vezes na vida eu me arrisquei apenas por arriscar? Ou ainda, quando eu havia me permitido simplesmente seguir o fluxo daquilo que o destino me reservava?
No meio daquelas divagações Maki chegou com passos leves. Se apoiou no parapeito de onde eu partia em pensamentos, e me estendeu uma caipirinha.
– É incrível, né? Às vezes eu faço umas fotos aqui. E as vezes eu só venho para tomar um vento mesmo.
– Sim, tem uma beleza única nesse lugar. Nessa cidade toda para ser bem sincero. Não dá vontade de voltar para casa.
– Não pensa em voltar, só aproveita! – O modo natural e leve com o qual ela falava, fazia parecer que tudo era possível. – Tu estás fazendo o que na minha cidade? Qual a sua história?
Um pouco mais leve com o efeito do álcool comecei a contar sobre mim. Não havia muito o que dizer. Um carioca, estudante de mestrado em História, que estava aproveitando os poucos dias de férias para conhecer um dos centros históricos mais ricos do país.
– Tu estás brincando, que vive de estudar e nas férias vem fazer o mesmo?
– Eu me sinto bem assim! – Eu tentava explicar, mas soava mais como uma justificativa. – E no final não ‘tô fazendo só isso. Olha aqui onde eu estou.
– Verdade, mas isso tem uma hora ou duas! Quantos dias mais tu pretendes ficar na cidade?
– Tem uns quinze dias antes que eu volte.
– Fica comigo? – A pergunta saiu disparada, aparentemente sem filtros ou receios. – Vou te levar por rotas diferentes, não um tour like museum.
– Não tenho nada a perder! São férias, né?
– Sim! O Spring Break que eu aposto que tu nunca fez!
E com um brinde, selamos um contrato do qual eu não fazia ideia do que esperar.
Voltei de Uber até o hostel, com a promessa de que logo cedo sairíamos.
– Levanta e coloca uma roupa, Pedro. Tu és bem gostosinho, mas agora não é hora de sacanagem.
Os olhos que geralmente demoravam a se abrir, foram despertos na velocidade da luz, registrando uma Maria Kira xeretando o meu quarto, enquanto eu ainda deitado, usando apenas uma boxer, tentava entender o que ela fazia ali.
– O que está acontecendo aqui, criatura?
– Eu disse que íamos sair cedo. Já são oito horas. Vai! Levanta ou vamos ter que tomar café no carro a caminho do estúdio!
E vendo que eu não me mexia da cama, me puxou pela mão.
No impulso que usei para erguer meu corpo, nossos corpos se aproximaram consideravelmente rápido.
– É, Pedro... Tu estás bem em forma, hein? – Respirou fundo e chacoalhou a cabeça, como que para se livrar do que quer que povoasse sua mente naquele momento. – Acelera! Ainda temos muito tempo para aproveitar.
E ainda atônito, fui para o canto do quarto onde estava a mala, e de lá me dirigi ao banheiro. Enquanto tomava uma ducha para acordar direito, eu agradecia mentalmente a entidade que me iluminou para alugar um quarto privativo. Um gasto a mais, que somente pelo fato de ter Maki me acordando, fez um mínimo de sentido.
– Pronto, vamos lá tomar café. – Sai do banheiro e a vi já na porta. – Mas me diz, como você encontrou o meu quarto? Aliás, como ‘cê conseguiu acesso?
– Eu sou Maria Kira: eu vejo, eu gosto, eu quero, eu consigo!
E com uma risada seguiu pelo corredor. E eu? Ah, eu estava seguindo tal qual o Rei francês, que teve por homenagem o nome da cidade, mesmo sem ter colocado os pés ali. Mas se minha Daniel de La Touche não se importava em me agradar, então que seguíssemos!
– Vira a cabeça e ergue esse ombro, garota! Cadê aquela pose plena que fizemos no último ensaio?
Já fazia umas três horas que estávamos naquele estúdio fotográfico. A cada quinze segundos, o fotógrafo gritava alguma instrução que resultava numa mudança – mínima aos meus olhos – de Maki. Às vezes era um maquiador que se deslocava e retocava alguma coisa que eu não conseguia identificar, ou simplesmente um cumprimento de quem estava chegando próximo daquilo que queria capturar.
– Quanto tempo mais dessa papagaiada? Essa garota não esfolou nosso tempo o suficiente?
Foi um dos primeiros comentários que capturei no meio daquela movimentação toda.
– Desde que o pai dela pague direitinho, eu não me importo que ela passe o dia todo fotografando. – Com um suspiro um tanto resignado a segunda pessoa complementava. – E até que ela leva jeito, né!
– Leva, claro! O tanto que trabalhamos quando ela chegou aqui, tinha que servir para alguma coisa. E lá se vão quase dois anos, hein?
As vozes foram se distanciando, e supus que deveriam ter voltado para suas funções. Continuei sentado no sofá onde havia me acomodado quando cheguei.
Tirando o tédio de estar sentado, sem ter muito com o que me ocupar, até que não era de todo ruim. Maki tinha tratado de me colocar à disposição um buffet e uma infinidade de bebidas, das quais me contentei com uma long neck.
– Prontinho, princesa! Está liberada. Essa semana eu te envio as prévias, ok?
E com um aceno rápido ela saiu de perto de todos os equipamentos e veio me rebocando do sofá.
– Finalmente! ‘Bora lá, Pedro. Vamos comer alguma coisa porque hoje tem uma festa incrível esperando a gente!
Pegamos seu carro e fomos parar no centro histórico.
– Tem um lugar aqui que serve um arroz de Cuxá que olha, vale cem por cento a pena me deslocar.
– Eu topo qualquer coisa depois de ficar a base de cerveja e queijo!
Era um restaurante pequeno e com um aspecto tão familiar, que quase automaticamente me senti em casa.
Maki preenchia cada espaço de tempo com uma conversa que variava entre coisas bonitas e ricas de suas viagens, e futilidades que defendia com unhas e dentes.
Durante o almoço – quase jantar –, me deixei embalar e dei muita risada, contando pouco da minha vida, que comparada com a sua, talvez até pudesse me considerar um ermitão.
– Tu gostas de fazer compras? Porque essa festa de hoje promete ser um sucesso e agora eu realmente preciso achar um look incrível!
– Não é muito a minha praia. Mas vamos!
Se eu tinha achado que ela tinha alguns pensamentos banais até então, durante o período no shopping tive momentos em que simplesmente me desliguei do seu falatório e concordei com cada peça que experimentou. Sem muito orgulho da minha atitude, mas ciente de que eu não estava ali para levar ninguém para um caminho melhor, aproveitei para deixar a mente viajar.
Durante toda a busca por entre as lojas, pessoas – principalmente crianças e adolescentes – a abordaram e pediram fotos e autógrafos.
Já no carro, rumo ao seu apartamento tentei entender.
– Maki, ‘cê faz o quê exatamente?
– Eu sou digital influencer, ué. Se tu tivesses um Instagram, com toda certeza saberia! – Respondeu com uma risada desdenhosa – Meu pai fica pouco tempo em casa, então eu tive a ideia de fazer uns vídeos para me ocupar quando não estivesse na escola. E daí começou a ganhar popularidade.
– Vídeos sobre o quê?
– Sobre tudo, sobre nada. No início eram sobre as maquiagens que eu fazia para ir nas festas e viagens. Mas aí as pessoas começaram a perguntar sobre esses eventos e lugares todos que eu ia.
O telefone dela tocou e ela levantou a mão, como pedindo por um momento. Com uma mão guiava o volante e com a outra colocava um fone de ouvido e se lançava a conversa.
– Antes que tu me perguntes, sim, eu já estou a caminho!
Eu olhava pela janela tentando dar privacidade a sua conversa, sem de fato conseguir.
– Ok, sei que estará incrível! Nos vemos já, beijos.
Maki retirou os fones e com um suspiro irritado anunciou:
– Eu detesto essa garota. É incrível a capacidade que ela tem de me tirar do sério!
– Quem era?
– A dona da festa a qual vamos hoje.
– Então, porque exatamente nós vamos a festa dela?
Não sei se conseguia esconder a confusão que se passava por minha mente, ao tentar compreender os planos de Maki.
– Patrocínio não cai do céu, Pedro! – Ela respondia num tom como se aquela informação fosse tão essencial quanto o oxigênio contido naquele ar praiano que respirávamos por toda São Luiz. – Como eu te disse, ou não disse, o meu pai é o maior patrocinador que eu tenho, afinal ele quem pagou por todo o processo inicial. E ainda paga.
Ela parou o carro em frente ao prédio e desceu. Foi ao porta-malas, pegou as sacolas das compras que fizemos e deixou comigo, enquanto corria até o porteiro para entregar as chaves de seu carro.
– Vamos, Pedro! Ainda preciso arrumar o cabelo!
Só então desprendi do local onde estava parado junto ao carro. O porteiro já manobrava o carro para dentro da garagem do prédio e nós tomávamos o elevador.
– Meu pai viu em mim a oportunidade de expandir seus negócios, e bem, eu não estava achando ruim. Então, começamos a investir em propagandas publicitárias em conjunto e ele começou a fazer contatos com diversos setores. Eu vou me encaixando, me adaptando, sabe?
– Entendi. – não sabia como perguntar sem soar acusatório, então saiu como veio à mente – Mas você não acha que foi um certo modo do seu pai pagar por sua ausência? Quer dizer, o que a sua família acha disso?
– Claro que é assim que ele e eu vemos, mas não nos importamos de fato com isso. No início, quando comecei os vídeos era um meio de chamar sua atenção. E quando eu a recebi já era tarde, ainda mais por ter vindo com um contrato e promessas de mais investimento. Eu já tinha muitos fãs espalhados e nesse meio se aprende a ser só, Pedro.
Era visível, que em alguma parte de Maria Kira, as coisas desandavam e ela tentava omitir o quanto isso a afetava. E quando se tornava quase palpável, ela botava um sorriso no rosto e como se subisse num pedestal, esquecia-se de tudo isso.
– Tem empresas que me chamam e pagam para que eu viaje em seus aviões e navios, para que eu use suas roupas ou produtos, coma em seus restaurantes ou simplesmente fale deles. Porque no fim, o que eles querem é que uma cara conhecida e querida do público eleve seus patamares e alcance um número maior de interessados. E quem diria não para essas propostas?
Em silêncio refleti suas palavras, enquanto ela me fez acompanhá-la até o segundo andar do apartamento, me apontou seu quarto, onde estaria se arrumando e logo depois me levou até um quarto enorme.
– Tu me perguntastes sobre família. Minha mãe faleceu quando eu era muito pequena, então não tenho muitas memórias. E não tenho irmãos. No fim, sou só eu. – E mais uma vez, com um sorriso, engoliu o que quer que fosse ser dito. – Esse quarto é de hóspede. Quando faço campanhas com produtos masculinos eu vou abastecendo aqui e numa emergência dá para socorrer os amigos.
Já na porta finalizou antes de me deixar sozinho:
– Fique à vontade para usar o que quiser. Tem um banheiro naquela porta. Sinta-se em casa, Pedro!
Quando ela saiu eu fui primeiro até a janela. A vista dali dava para o interior do condomínio. Tinha mais quatro torres e uns bancos espalhados, numa área verde, onde algumas crianças pulavam e corriam.
Do lado de dentro o espaço era de um tom claro de azul e móveis escuros. O guarda-roupa que tomava uma parede inteira, observei ao correr sua porta, acondicionava mais roupas do que jamais imaginei precisar na vida. Tudo com muito estilo e explicitamente caro. Buscando algo básico e pouco chamativo, peguei uma camisa azul-marinho com gola V e uma calça cáqui.
Entrei no banheiro onde a ducha mais parecia um massageador e perdi uns minutos além do recomendado só para aproveitar o efeito relaxante que ela me causou.
Quando sai já vestido, encontrei Maki no meu quarto apenas de lingerie, a qual fez com que minha boca se abrisse e um pequeno assobio saísse um pouco mais alto que o pretendido.
– Gostei da combinação. Precisava saber se tu iria precisar de ajuda para se vestir, mas já vi que tem bom gosto. O sapato social da última prateleira vai cair bem.
E como já era comum entre nós, ela saiu sem que eu respondesse. Seguindo seu conselho, peguei o sapato, que realmente combinava e era extremamente confortável.
Arrumei o cabelo e estendi a toalha que usei no box. Desci para a sala onde encontrei uma mulher baixinha me aguardando com um drink nas mãos.
– Senhor Pedro? Dona Maki me pediu que lhe entregasse. Logo ela estará pronta. Aproveite e se precisar de algo pode chamar que eu o ajudarei.
– Obrigada! – Após um breve gole aprovei a bebida. – Está uma delícia! Qual o seu nome?
– Rosa, senhor. Aproveite seu drink.
E com uma delicadeza e silêncio inacreditáveis, ela saiu do cômodo, por onde esperei quase uma hora. Cada minuto de espera foram recompensados com a visão de Maki deslumbrante e matadora. Ela desceu as escadas, deu uma volta em minha frente, que do sofá fui incapaz de me levantar, olhando com atenção sua blusa preta com um decote que descia até o umbigo e as costas quase completamente nuas, uma calça marrom que valorizava cada aspecto de corpo e um salto que sinceramente, só a deixava ainda mais deslumbrante.
– Espero que não acabe babando, sua roupa está incrível sem se molhar. – Com uma piscadinha me içou do sofá e olhando fixamente, disparou antes de sairmos do apartamento – Ainda.
O trajeto entre sua casa e a festa foi preenchido por música e uma tensão sexual acima do esperado. Hora ou outra Maki soltava um comentário sobre fotos que fizera nos locais por onde passamos, ou sobre pessoas que encontrou, ou pontos turísticos que segundo ela, com meu estilo catedrático, eu gostaria de visitar.
Ao chegarmos na orla de uma praia a velocidade do carro reduziu e ela abaixou o volume da música.
– Olha essa maravilha, Pedro. Tu não gostarias de viver assim por toda a sua vida?
Com uma mão Maki guiava o carro e a outra pendia pela porta como se quisesse tocar a água do mar.
– Seria realmente incrível. Mas ‘tô feliz por poder experimentar por alguns dias, já me renova a alma!
Seus olhos se voltaram para os meus com ímpeto e logo voltaram para o acesso ao local onde possivelmente seria a festa a que estávamos indo.
– Tu tens muito a experimentar, meu bem!
Descemos do carro logo após passar pela portaria e entregar as chaves para o chofer. Maki enganchou seu braço ao meu e subimos pela rampa até a entrada do salão.
– A Tati fechou esse local para a festa de hoje. Vamos aproveitar, ok?
E aproveitamos de fato. Maki não tinha um botão de desligar e sua bateria parecia ser infinita. Seu modo operandis consistia em um sorriso inigualável que jamais a abandonava, uma postura fatal e imponente, e uma presença de espírito que roubava a cena por onde passávamos.
Entre nossos drinks e danças, ela era abordada por desconhecidos, aos quais ela me apresentava a alguns e posava para fotos sem fim.
Em determinada altura da madrugada pedi licença para tomar um ar, ao que ela me acompanhou.
Na área externa havia uma espécie de mirante de onde se via o mar, em seu infinito ir e vir. Seu som e sua brisa me acalmando aos poucos da batida intensa da música que me embalaram a noite toda.
– Quando eu era pequena, meu pai me trouxe a praia. Naquela época ele ainda precisava de alguns momentos comigo para aplacar a saudade da minha mãe. – Maria Kira não olhava para mim enquanto falava, seus olhos fixos na vastidão a nossa frente – Eu estava sentada na areia, onde a espuma das ondas chegavam mansas, somente lambendo meus pés e pernas. – Foi uma das poucas vezes que pude apreciar um momento tão doce com ele. Todas às demais lembranças que tenho na praia são com babás e amigos que me acompanhavam.
Ela suspirou e me encarou.
– Sabe de uma coisa, Pedro? Eu acho que já aproveitamos o suficiente dessa festa e já podemos partir para a nossa própria comemoração.
Estendi a mão para ela e descemos até a entrada, onde pegamos o carro e ela seguiu até a ponta da praia. Onde pensei que ela pegaria o retorno, avançou até a calçada, estacionou o carro e desceu.
– Vamos dar uma volta, Pedro.
Seguimos praia adentro, caminhando em direção a água, e quando alcançamos seguimos andando, acompanhando a faixa de areia e mar. Algumas casas em distâncias espaçadas impediam o acesso pela rua, e de certa forma fiquei grato, quando Maki parou de caminhar e decidiu que gostaria de dar um mergulho.
– E se alguém nos pega aqui?
Com uma risada travessa ela me tranquilizou.
– Quem se importa?
Os saltos ela já havia deixado no carro, então calculadamente lento, ela despiu a calça e se colocando de costas para mim pediu para desatar o nó que prendia sua blusa.
Meus dedos percorreram desde sua nuca até sua cintura, de modo curioso e provocativo. Soltei sua blusa, que ela deixou em meu colo, e saiu rebolando até a água. Pouco antes de a água cobrir suas pernas ela se voltou para mim e balançou um ombro, num meio convite para me juntar a ela.
Em total oposição aos seus movimentos, fui ligeiro em despir a camisa e a calça, e apoiando tudo sobre o sapato que não pensei em deixar no carro. Segui seus passos, mesmo em meio a água gelada que batia de encontro a mim.
Maki, pouco adiante de onde eu estava, ria e brincava com a água como se fosse a primeira vez que estivesse ali.
Aquela cena me fazia esquecer seus momentos absurdos. Ou talvez fosse seu corpo perfeito que me seduzia. Ou ainda quem sabe, seu jeito provocativo de quem sabia que estava sendo observada, e preparava um show que eu assistiria da primeira fila.
– Venha, Pedro, vamos brincar um pouco.
E foi surpreendente fácil me perder em seu corpo, em suas curvas e suas próprias ondas mar a fora. Um corpo quente, que era o único motivo de eu ainda estar ali, navegando em um mar sem ser marinheiro ou sequer saber como fui parar ali.
E entre seus eventos, nossos passeios, nossas escapadas e conversas, os dias e as férias passaram quase num piscar de olhos.
Minhas coisas que foram do hostel para o quarto de hóspede no dia seguinte ao nosso show ao luar, acabaram por ficar sozinhas e bagunçadas, onde eu entrava apenas para pegar roupas limpas, e logo me encontrava na cama ou chuveiro de Maki, cantando e dançando em seu ritmo tão próprio.
– Eu sei que tu queres ficar.
Maki apontou enquanto tomávamos café na varanda de seu apartamento.
– Eu preciso ir. Aliás, as passagens já estão compradas e não têm reembolso, você já sabe disso.
– E tu também já sabes que não precisa se preocupar com isso. Já tem onde ficar e com meus contatos posso te arrumar trabalho onde tu quiseres.
Enquanto tomava seu iogurte, argumentava, tentando me convencer a ficar ali, no pequeno paraíso que nos cercava.
– Os contatos do seu pai você quer dizer? – A intimidade já estabelecida soltava minha língua – Não leva a mal, Maki, mas sabíamos que seria assim desde o início.
– Tu não vais ceder?
– Foi você quem me ofereceu uma versão de Spring Break.
E a relembrando do nosso pequeno trato ela se calou, se mostrando contradita, mas sem vontade de prosseguir debatendo.
Naquela mesma tarde arrumei as malas e me preparei para a partida na madrugada que viria.
Maki deitou-se na cama e alternou entre mexer em seu celular e me observar. No fim da noite, enquanto tomávamos os últimos drinks antes da minha partida ela anunciou.
– Criei um perfil no Insta para ti. Inclusive já postei algumas fotos também. Está logado no seu celular. – E diante da minha cara confusa ela já respondia a pergunta muda – Enquanto tu tomavas banho eu instalei o aplicativo. Mas deixei os dados numa nota do seu celular caso tu queiras acessar de outro aparelho.
– Obrigado?
Rimos e quando chegou a hora de partir ela me levou ao aeroporto.
– Obrigada por todos esses dias, Maki! Foram sem dúvida as melhores férias que já tive! – Com um sorriso genuíno, acariciei seu rosto – Você, Maria Kira, foi uma companhia perfeita para cada segundo delas!
– Não precisa agradecer. Eu realmente sei como fazer o tempo de alguém valer a pena. – E em seu pedestal ela permanecia – A gente ainda vai se ver, Pedro, tenho certeza de que tu voltas!
Com um beijo intenso ela me deixou na sala de embarque e foi embora.
Enquanto não anunciavam o voo e já tendo despachado às bagagens, sentei e fui observar o aplicativo onde eu não pedi para estar.
A foto de perfil era uma onde eu estava sentado na proa da lancha que usamos numa tarde para distrair Maki das fotos que estavam com a entrega atrasada.
No feed tinham três fotos.
A primeira foto era a selfie que ela tirou no mirante no dia em que nos conhecemos. Um cenário lindo e um dia que eu levaria na lembrança com carinho. Apesar dos momentos de Maki, ela era um ser humano incrível. E a partir daquele dia, foi quem me tirou dos trilhos e me proporcionou momentos inesquecíveis.
“Devidamente registrado! #Cool #PalacioDosLeoes #MaKi #InstaUser”
Era a legenda logo abaixo da foto. Sim, agora eu era usuário da rede dela.
A segunda, era uma onde um conhecido dela havia nos capturado enquanto nós riamos, após eu tentar explicar sobre o meu trabalho de mestrado e Maki dizer não entender.
– Não faz mal, você diz que tem um emprego e eu nem sei o que você faz também!
Eu falei de modo provocativo e disparamos a rir. Na foto parecíamos um casal, fotografados tão especificamente que me surpreendi com a naturalidade sob a qual nos encontrávamos. A legenda: “Somos bons no que fazemos” e algumas tags que eu não dei muita atenção.
A última foto que ela havia colocado, era no quarto de hóspedes. Eu estava sentado no chão, rodeado pela minha bagunça, dobrando as roupas e tentando pôr fim ao caos. Ela não aparecia na foto. A legenda “Eu, ainda estou aqui, perdido em mil versões irreais de mim. Eu estou aqui por trás de todo o caos em que a vida se fez.”, o trecho de uma música que eu me recordava ter escutado algum dia. Um emoji pedindo silêncio e algumas tags.
Claramente aquilo era para mim. E não se tratava da bagunça que eu havia criado no quarto, porque me certifiquei de não deixar nada para trás. Se tratava da sua vida e o que minha partida a fez refletir. Talvez eu tivesse subestimado o que eu signifiquei durante minha breve estadia.
Eu já tinha alguns seguidores, likes e muitos comentários perguntando sobre estarmos num relacionamento ou não.
O comissário anunciou o embarque e logo eu estava na aeronave.
Pela janela, ao levantar voo, eu admirava São Luís e mentalizava esquecer Maria Kira. Ali de cima era muito mais fácil do que quando ela aparecia na porta do meu quarto, como quando me acordou no hostel, ou em todas as manhãs onde acordamos juntos em sua cama. Em meio às nuvens ela não estava brincando com a minha mente, assim como abusava de seu corpo para me seduzir ao andar quase nua por seu apartamento, ou com roupas extremamente provocantes ao sairmos. A muitos pés de distância do solo, eu esperava que minha cabeça a esquecesse, já que meu coração não a quis deixar entrar.
Retornar ao mundo real, onde não havia drinks todos os dias, ou sessões de fotos, ou festas, era como acordar de um sonho, no qual eu me envolvi e me aproveitei, e agora retomava a realidade, que cômoda ou não, era a minha opção. Era o lugar onde não havia pompa e dinheiro a perder de vista. Mas ali os ingressos eram meus, e o show, eu mesmo podia escolher.
Encerrando a ligação e saindo por completo do prédio, consegui distinguir a aglomeração. No centro uma jovem de longos cabelos pretos abraçava duas pessoas, de costas para mim, e alguém disparava flashes. As pessoas ao redor, que aguardavam a sua vez, pulavam e registravam cada movimento da garota. O grupo era composto basicamente por jovens, então, certo de que não seria alguém que eu conheceria, me dirigi à vista lateral do palácio, de frente para a foz do rio Anil.
Algumas pessoas se encontravam ali, em sua maioria famílias e casais, admirando a vista colossal. De fato, cada comentário e foto vistas antes da viagem, ainda não conseguiam captar por completo, ou registrar com justiça o pôr do sol. A água refletia logo abaixo, os raios que preguiçosamente se despediam, e com movimento cadenciado acalmavam a alma.
Um tempo depois, me dei conta de que não havia feito registro algum, mas ainda teria tempo e em alguma tarde voltaria para fotografar.
No momento em que decidi ir embora, me virei e trombei com uma garota ao menos uma cabeça mais baixa que eu.
– Desculpa, moça, não foi por mal.
Quando ia saindo ela segurou meu braço.
– Tá tudo bem. Só fica aqui e tira uma foto minha, por favor?
Me estendeu o celular, impulsionou o corpo na mureta do parapeito, se sentou e abriu um sorriso deslumbrante. Fiz alguns cliques e estendi para que ela aprovasse.
– Que lindo! Vem aqui agora tirar uma selfie comigo – Deu uma piscadinha e prosseguiu de modo leve, quase íntimo. – Aproveita que não tem ninguém para ver.
– Precisa não, só suas fotos já ficaram um ótimo registro, moça!
– Maria Kira, ou pode me chamar pelo meu apelido, Maki. – De um jeito atrevido ela anunciou. – De toda forma, eu quero guardar um registro contigo.
E me surpreendendo, puxou-me para perto, e ela mesma fotografou o momento em que olhei para ela, rindo da espontaneidade.
– Te mando no Instagram. Coloca aqui sua conta.
– Não tenho conta lá não. – Expliquei, já aguardando a reação, que geralmente era de incredulidade.
Ela me observou como quem olhava de verdade pela primeira vez. E eu aproveitei para olhar de volta. Era uma menina mulher, com traços delicados, mas numa postura altiva e cheia de confiança. Os cabelos pretos formavam uma cortina espessa em seus ombros e costas. Sua voz me tirou dos devaneios.
– Tu não pareces o tipo de cara que mora numa caverna. – Ela olhou para mim de modo especulativo. – Por acaso se esconde de alguém? Ou qual o motivo plausível para não ter um Insta?
– Eu só não quero uma conta em mais um aplicativo superficial. Quer dizer, não serve para mim, sabe?
Ela riu e mesmo eu achando que deveria ir embora, fiquei.
– E qual seu nome?
– Pedro.
– Prazer, Pedro! – Ela passou a mão no cabelo o prendendo num rabo de cavalo. – ‘Tô presumindo que tu não me conheces, e tudo bem. Vai ver isso é coisa do destino, porque eu vir aqui é uma raridade, e aproveitar a vista é mais raro ainda. Quer aproveitar e me acompanhar num drink?
Mais uma vez eu quis ir embora. Quem era a pessoa que eu deveria estar reconhecendo? Será que era uma atriz? Ou escritora? Talvez fosse a garota que causou um alvoroço na saída do Palácio. Pela segunda vez em menos de cinco minutos decidi ignorar minha vontade e seguir o movimento. Já estava ali e ela era particularmente linda.
– Vamos, tem um lugar lindo aqui perto.
E sem esperar por uma resposta, seguiu caminhando enquanto eu me punha a acompanhá-la.
O centro histórico de São Luís é uma coisa fantástica e rica. As ruas de paralelepípedos abrigam tanta história que é impossível não se deslumbrar. E no entanto, a minha companhia estava alheia a tudo a seu redor, focada num aparelho celular.
Tomei um susto quando ela parou de súbito em frente a um carro preto, algum modelo SUV que eu desconhecia.
– Na verdade, os lugares legais ficam do outro lado. Sobe aí que eu te levo.
Eu estava de férias, num estado totalmente novo para mim. Os lugares que eu conhecia até agora eram todos próximos do hostel onde eu estava me hospedando. No meio de um passeio com ritmo de estudo, me apareceu uma mulher linda e me convidou para tomar um drink. Já tinha uma cota extensa de oportunidades perdidas na vida, então não seria ali que eu perderia outra.
Foi assim que me encontrei atravessando a ponte do São Francisco.
Maria Kira dirigia com uma mão e a outra ela apoiava a cabeça e por vezes ajeitava os óculos escuros. No som do carro tocava um pop conhecido e eu mexia as pernas no ritmo da música.
Alguns minutos rodando por uma parte totalmente diferente da que eu tinha conhecido, onde haviam mais prédios comerciais e restaurantes chiques, Maki finalmente estacionou, de frente a um prédio alto, no qual eu supunha ter uns dez andares. Um residencial incrível.
– Eu moro aqui, e se a minha empregada ainda estiver tu vais beber a melhor caipirinha dessa cidade. Se ela já tiver ido embora vai provar a segunda melhor: a minha.
Passamos na guarita de entrada, onde ela deixou as chaves do carro, e seguimos para o elevador. Quando ela apertou o décimo sexto andar, atestei que minha noção de altura era péssima.
– Tu, além de não estar disponível no universo online, também és mudo?
E rindo devolvi:
– Na verdade eu até falo. Mas com esse episódio meio surreal, ‘tô com receio de falar demais e acordar! Sabe como é? – Soltei uma risada nervosa.
– Está tudo tranquilo, Pedro. – Ela abanou o ar, como quem dissipa as preocupações. – Tu tens uma aura boa e eu gostei! Faz bem sair da rotina, sabe?
Com um sorriso, ela abriu a porta do apartamento onde, eu mal havia dado conta de ter chegado.
– Eu vou trocar de roupa e já volto. Fica à vontade, ok?
E apesar das circunstâncias, realmente relaxei.
A sala, onde ela havia me deixado, era ampla e bem iluminada. Um sofá largo tomava conta do ambiente e tudo ao redor era muito bem organizado: a televisão, uma prateleira repleta de cds e discos de vinil – aos quais dediquei uns bons minutos de deslumbre. Próximo dali, havia uma porta de vidro que dava acesso a uma sacada. Afastando a cortina de tecido leve, abri a porta, e entre algumas plantas e cadeiras eu podia ver o mar.
Ainda não fazia ideia de onde havia me metido, mas não existia a menor possibilidade de não aproveitar aquilo tudo. Quantas vezes na vida eu me arrisquei apenas por arriscar? Ou ainda, quando eu havia me permitido simplesmente seguir o fluxo daquilo que o destino me reservava?
No meio daquelas divagações Maki chegou com passos leves. Se apoiou no parapeito de onde eu partia em pensamentos, e me estendeu uma caipirinha.
– É incrível, né? Às vezes eu faço umas fotos aqui. E as vezes eu só venho para tomar um vento mesmo.
– Sim, tem uma beleza única nesse lugar. Nessa cidade toda para ser bem sincero. Não dá vontade de voltar para casa.
– Não pensa em voltar, só aproveita! – O modo natural e leve com o qual ela falava, fazia parecer que tudo era possível. – Tu estás fazendo o que na minha cidade? Qual a sua história?
Um pouco mais leve com o efeito do álcool comecei a contar sobre mim. Não havia muito o que dizer. Um carioca, estudante de mestrado em História, que estava aproveitando os poucos dias de férias para conhecer um dos centros históricos mais ricos do país.
– Tu estás brincando, que vive de estudar e nas férias vem fazer o mesmo?
– Eu me sinto bem assim! – Eu tentava explicar, mas soava mais como uma justificativa. – E no final não ‘tô fazendo só isso. Olha aqui onde eu estou.
– Verdade, mas isso tem uma hora ou duas! Quantos dias mais tu pretendes ficar na cidade?
– Tem uns quinze dias antes que eu volte.
– Fica comigo? – A pergunta saiu disparada, aparentemente sem filtros ou receios. – Vou te levar por rotas diferentes, não um tour like museum.
– Não tenho nada a perder! São férias, né?
– Sim! O Spring Break que eu aposto que tu nunca fez!
E com um brinde, selamos um contrato do qual eu não fazia ideia do que esperar.
Voltei de Uber até o hostel, com a promessa de que logo cedo sairíamos.
– Levanta e coloca uma roupa, Pedro. Tu és bem gostosinho, mas agora não é hora de sacanagem.
Os olhos que geralmente demoravam a se abrir, foram despertos na velocidade da luz, registrando uma Maria Kira xeretando o meu quarto, enquanto eu ainda deitado, usando apenas uma boxer, tentava entender o que ela fazia ali.
– O que está acontecendo aqui, criatura?
– Eu disse que íamos sair cedo. Já são oito horas. Vai! Levanta ou vamos ter que tomar café no carro a caminho do estúdio!
E vendo que eu não me mexia da cama, me puxou pela mão.
No impulso que usei para erguer meu corpo, nossos corpos se aproximaram consideravelmente rápido.
– É, Pedro... Tu estás bem em forma, hein? – Respirou fundo e chacoalhou a cabeça, como que para se livrar do que quer que povoasse sua mente naquele momento. – Acelera! Ainda temos muito tempo para aproveitar.
E ainda atônito, fui para o canto do quarto onde estava a mala, e de lá me dirigi ao banheiro. Enquanto tomava uma ducha para acordar direito, eu agradecia mentalmente a entidade que me iluminou para alugar um quarto privativo. Um gasto a mais, que somente pelo fato de ter Maki me acordando, fez um mínimo de sentido.
– Pronto, vamos lá tomar café. – Sai do banheiro e a vi já na porta. – Mas me diz, como você encontrou o meu quarto? Aliás, como ‘cê conseguiu acesso?
– Eu sou Maria Kira: eu vejo, eu gosto, eu quero, eu consigo!
E com uma risada seguiu pelo corredor. E eu? Ah, eu estava seguindo tal qual o Rei francês, que teve por homenagem o nome da cidade, mesmo sem ter colocado os pés ali. Mas se minha Daniel de La Touche não se importava em me agradar, então que seguíssemos!
– Vira a cabeça e ergue esse ombro, garota! Cadê aquela pose plena que fizemos no último ensaio?
Já fazia umas três horas que estávamos naquele estúdio fotográfico. A cada quinze segundos, o fotógrafo gritava alguma instrução que resultava numa mudança – mínima aos meus olhos – de Maki. Às vezes era um maquiador que se deslocava e retocava alguma coisa que eu não conseguia identificar, ou simplesmente um cumprimento de quem estava chegando próximo daquilo que queria capturar.
– Quanto tempo mais dessa papagaiada? Essa garota não esfolou nosso tempo o suficiente?
Foi um dos primeiros comentários que capturei no meio daquela movimentação toda.
– Desde que o pai dela pague direitinho, eu não me importo que ela passe o dia todo fotografando. – Com um suspiro um tanto resignado a segunda pessoa complementava. – E até que ela leva jeito, né!
– Leva, claro! O tanto que trabalhamos quando ela chegou aqui, tinha que servir para alguma coisa. E lá se vão quase dois anos, hein?
As vozes foram se distanciando, e supus que deveriam ter voltado para suas funções. Continuei sentado no sofá onde havia me acomodado quando cheguei.
Tirando o tédio de estar sentado, sem ter muito com o que me ocupar, até que não era de todo ruim. Maki tinha tratado de me colocar à disposição um buffet e uma infinidade de bebidas, das quais me contentei com uma long neck.
– Prontinho, princesa! Está liberada. Essa semana eu te envio as prévias, ok?
E com um aceno rápido ela saiu de perto de todos os equipamentos e veio me rebocando do sofá.
– Finalmente! ‘Bora lá, Pedro. Vamos comer alguma coisa porque hoje tem uma festa incrível esperando a gente!
Pegamos seu carro e fomos parar no centro histórico.
– Tem um lugar aqui que serve um arroz de Cuxá que olha, vale cem por cento a pena me deslocar.
– Eu topo qualquer coisa depois de ficar a base de cerveja e queijo!
Era um restaurante pequeno e com um aspecto tão familiar, que quase automaticamente me senti em casa.
Maki preenchia cada espaço de tempo com uma conversa que variava entre coisas bonitas e ricas de suas viagens, e futilidades que defendia com unhas e dentes.
Durante o almoço – quase jantar –, me deixei embalar e dei muita risada, contando pouco da minha vida, que comparada com a sua, talvez até pudesse me considerar um ermitão.
– Tu gostas de fazer compras? Porque essa festa de hoje promete ser um sucesso e agora eu realmente preciso achar um look incrível!
– Não é muito a minha praia. Mas vamos!
Se eu tinha achado que ela tinha alguns pensamentos banais até então, durante o período no shopping tive momentos em que simplesmente me desliguei do seu falatório e concordei com cada peça que experimentou. Sem muito orgulho da minha atitude, mas ciente de que eu não estava ali para levar ninguém para um caminho melhor, aproveitei para deixar a mente viajar.
Durante toda a busca por entre as lojas, pessoas – principalmente crianças e adolescentes – a abordaram e pediram fotos e autógrafos.
Já no carro, rumo ao seu apartamento tentei entender.
– Maki, ‘cê faz o quê exatamente?
– Eu sou digital influencer, ué. Se tu tivesses um Instagram, com toda certeza saberia! – Respondeu com uma risada desdenhosa – Meu pai fica pouco tempo em casa, então eu tive a ideia de fazer uns vídeos para me ocupar quando não estivesse na escola. E daí começou a ganhar popularidade.
– Vídeos sobre o quê?
– Sobre tudo, sobre nada. No início eram sobre as maquiagens que eu fazia para ir nas festas e viagens. Mas aí as pessoas começaram a perguntar sobre esses eventos e lugares todos que eu ia.
O telefone dela tocou e ela levantou a mão, como pedindo por um momento. Com uma mão guiava o volante e com a outra colocava um fone de ouvido e se lançava a conversa.
– Antes que tu me perguntes, sim, eu já estou a caminho!
Eu olhava pela janela tentando dar privacidade a sua conversa, sem de fato conseguir.
– Ok, sei que estará incrível! Nos vemos já, beijos.
Maki retirou os fones e com um suspiro irritado anunciou:
– Eu detesto essa garota. É incrível a capacidade que ela tem de me tirar do sério!
– Quem era?
– A dona da festa a qual vamos hoje.
– Então, porque exatamente nós vamos a festa dela?
Não sei se conseguia esconder a confusão que se passava por minha mente, ao tentar compreender os planos de Maki.
– Patrocínio não cai do céu, Pedro! – Ela respondia num tom como se aquela informação fosse tão essencial quanto o oxigênio contido naquele ar praiano que respirávamos por toda São Luiz. – Como eu te disse, ou não disse, o meu pai é o maior patrocinador que eu tenho, afinal ele quem pagou por todo o processo inicial. E ainda paga.
Ela parou o carro em frente ao prédio e desceu. Foi ao porta-malas, pegou as sacolas das compras que fizemos e deixou comigo, enquanto corria até o porteiro para entregar as chaves de seu carro.
– Vamos, Pedro! Ainda preciso arrumar o cabelo!
Só então desprendi do local onde estava parado junto ao carro. O porteiro já manobrava o carro para dentro da garagem do prédio e nós tomávamos o elevador.
– Meu pai viu em mim a oportunidade de expandir seus negócios, e bem, eu não estava achando ruim. Então, começamos a investir em propagandas publicitárias em conjunto e ele começou a fazer contatos com diversos setores. Eu vou me encaixando, me adaptando, sabe?
– Entendi. – não sabia como perguntar sem soar acusatório, então saiu como veio à mente – Mas você não acha que foi um certo modo do seu pai pagar por sua ausência? Quer dizer, o que a sua família acha disso?
– Claro que é assim que ele e eu vemos, mas não nos importamos de fato com isso. No início, quando comecei os vídeos era um meio de chamar sua atenção. E quando eu a recebi já era tarde, ainda mais por ter vindo com um contrato e promessas de mais investimento. Eu já tinha muitos fãs espalhados e nesse meio se aprende a ser só, Pedro.
Era visível, que em alguma parte de Maria Kira, as coisas desandavam e ela tentava omitir o quanto isso a afetava. E quando se tornava quase palpável, ela botava um sorriso no rosto e como se subisse num pedestal, esquecia-se de tudo isso.
– Tem empresas que me chamam e pagam para que eu viaje em seus aviões e navios, para que eu use suas roupas ou produtos, coma em seus restaurantes ou simplesmente fale deles. Porque no fim, o que eles querem é que uma cara conhecida e querida do público eleve seus patamares e alcance um número maior de interessados. E quem diria não para essas propostas?
Em silêncio refleti suas palavras, enquanto ela me fez acompanhá-la até o segundo andar do apartamento, me apontou seu quarto, onde estaria se arrumando e logo depois me levou até um quarto enorme.
– Tu me perguntastes sobre família. Minha mãe faleceu quando eu era muito pequena, então não tenho muitas memórias. E não tenho irmãos. No fim, sou só eu. – E mais uma vez, com um sorriso, engoliu o que quer que fosse ser dito. – Esse quarto é de hóspede. Quando faço campanhas com produtos masculinos eu vou abastecendo aqui e numa emergência dá para socorrer os amigos.
Já na porta finalizou antes de me deixar sozinho:
– Fique à vontade para usar o que quiser. Tem um banheiro naquela porta. Sinta-se em casa, Pedro!
Quando ela saiu eu fui primeiro até a janela. A vista dali dava para o interior do condomínio. Tinha mais quatro torres e uns bancos espalhados, numa área verde, onde algumas crianças pulavam e corriam.
Do lado de dentro o espaço era de um tom claro de azul e móveis escuros. O guarda-roupa que tomava uma parede inteira, observei ao correr sua porta, acondicionava mais roupas do que jamais imaginei precisar na vida. Tudo com muito estilo e explicitamente caro. Buscando algo básico e pouco chamativo, peguei uma camisa azul-marinho com gola V e uma calça cáqui.
Entrei no banheiro onde a ducha mais parecia um massageador e perdi uns minutos além do recomendado só para aproveitar o efeito relaxante que ela me causou.
Quando sai já vestido, encontrei Maki no meu quarto apenas de lingerie, a qual fez com que minha boca se abrisse e um pequeno assobio saísse um pouco mais alto que o pretendido.
– Gostei da combinação. Precisava saber se tu iria precisar de ajuda para se vestir, mas já vi que tem bom gosto. O sapato social da última prateleira vai cair bem.
E como já era comum entre nós, ela saiu sem que eu respondesse. Seguindo seu conselho, peguei o sapato, que realmente combinava e era extremamente confortável.
Arrumei o cabelo e estendi a toalha que usei no box. Desci para a sala onde encontrei uma mulher baixinha me aguardando com um drink nas mãos.
– Senhor Pedro? Dona Maki me pediu que lhe entregasse. Logo ela estará pronta. Aproveite e se precisar de algo pode chamar que eu o ajudarei.
– Obrigada! – Após um breve gole aprovei a bebida. – Está uma delícia! Qual o seu nome?
– Rosa, senhor. Aproveite seu drink.
E com uma delicadeza e silêncio inacreditáveis, ela saiu do cômodo, por onde esperei quase uma hora. Cada minuto de espera foram recompensados com a visão de Maki deslumbrante e matadora. Ela desceu as escadas, deu uma volta em minha frente, que do sofá fui incapaz de me levantar, olhando com atenção sua blusa preta com um decote que descia até o umbigo e as costas quase completamente nuas, uma calça marrom que valorizava cada aspecto de corpo e um salto que sinceramente, só a deixava ainda mais deslumbrante.
– Espero que não acabe babando, sua roupa está incrível sem se molhar. – Com uma piscadinha me içou do sofá e olhando fixamente, disparou antes de sairmos do apartamento – Ainda.
O trajeto entre sua casa e a festa foi preenchido por música e uma tensão sexual acima do esperado. Hora ou outra Maki soltava um comentário sobre fotos que fizera nos locais por onde passamos, ou sobre pessoas que encontrou, ou pontos turísticos que segundo ela, com meu estilo catedrático, eu gostaria de visitar.
Ao chegarmos na orla de uma praia a velocidade do carro reduziu e ela abaixou o volume da música.
– Olha essa maravilha, Pedro. Tu não gostarias de viver assim por toda a sua vida?
Com uma mão Maki guiava o carro e a outra pendia pela porta como se quisesse tocar a água do mar.
– Seria realmente incrível. Mas ‘tô feliz por poder experimentar por alguns dias, já me renova a alma!
Seus olhos se voltaram para os meus com ímpeto e logo voltaram para o acesso ao local onde possivelmente seria a festa a que estávamos indo.
– Tu tens muito a experimentar, meu bem!
Descemos do carro logo após passar pela portaria e entregar as chaves para o chofer. Maki enganchou seu braço ao meu e subimos pela rampa até a entrada do salão.
– A Tati fechou esse local para a festa de hoje. Vamos aproveitar, ok?
E aproveitamos de fato. Maki não tinha um botão de desligar e sua bateria parecia ser infinita. Seu modo operandis consistia em um sorriso inigualável que jamais a abandonava, uma postura fatal e imponente, e uma presença de espírito que roubava a cena por onde passávamos.
Entre nossos drinks e danças, ela era abordada por desconhecidos, aos quais ela me apresentava a alguns e posava para fotos sem fim.
Em determinada altura da madrugada pedi licença para tomar um ar, ao que ela me acompanhou.
Na área externa havia uma espécie de mirante de onde se via o mar, em seu infinito ir e vir. Seu som e sua brisa me acalmando aos poucos da batida intensa da música que me embalaram a noite toda.
– Quando eu era pequena, meu pai me trouxe a praia. Naquela época ele ainda precisava de alguns momentos comigo para aplacar a saudade da minha mãe. – Maria Kira não olhava para mim enquanto falava, seus olhos fixos na vastidão a nossa frente – Eu estava sentada na areia, onde a espuma das ondas chegavam mansas, somente lambendo meus pés e pernas. – Foi uma das poucas vezes que pude apreciar um momento tão doce com ele. Todas às demais lembranças que tenho na praia são com babás e amigos que me acompanhavam.
Ela suspirou e me encarou.
– Sabe de uma coisa, Pedro? Eu acho que já aproveitamos o suficiente dessa festa e já podemos partir para a nossa própria comemoração.
Estendi a mão para ela e descemos até a entrada, onde pegamos o carro e ela seguiu até a ponta da praia. Onde pensei que ela pegaria o retorno, avançou até a calçada, estacionou o carro e desceu.
– Vamos dar uma volta, Pedro.
Seguimos praia adentro, caminhando em direção a água, e quando alcançamos seguimos andando, acompanhando a faixa de areia e mar. Algumas casas em distâncias espaçadas impediam o acesso pela rua, e de certa forma fiquei grato, quando Maki parou de caminhar e decidiu que gostaria de dar um mergulho.
– E se alguém nos pega aqui?
Com uma risada travessa ela me tranquilizou.
– Quem se importa?
Os saltos ela já havia deixado no carro, então calculadamente lento, ela despiu a calça e se colocando de costas para mim pediu para desatar o nó que prendia sua blusa.
Meus dedos percorreram desde sua nuca até sua cintura, de modo curioso e provocativo. Soltei sua blusa, que ela deixou em meu colo, e saiu rebolando até a água. Pouco antes de a água cobrir suas pernas ela se voltou para mim e balançou um ombro, num meio convite para me juntar a ela.
Em total oposição aos seus movimentos, fui ligeiro em despir a camisa e a calça, e apoiando tudo sobre o sapato que não pensei em deixar no carro. Segui seus passos, mesmo em meio a água gelada que batia de encontro a mim.
Maki, pouco adiante de onde eu estava, ria e brincava com a água como se fosse a primeira vez que estivesse ali.
Aquela cena me fazia esquecer seus momentos absurdos. Ou talvez fosse seu corpo perfeito que me seduzia. Ou ainda quem sabe, seu jeito provocativo de quem sabia que estava sendo observada, e preparava um show que eu assistiria da primeira fila.
– Venha, Pedro, vamos brincar um pouco.
E foi surpreendente fácil me perder em seu corpo, em suas curvas e suas próprias ondas mar a fora. Um corpo quente, que era o único motivo de eu ainda estar ali, navegando em um mar sem ser marinheiro ou sequer saber como fui parar ali.
E entre seus eventos, nossos passeios, nossas escapadas e conversas, os dias e as férias passaram quase num piscar de olhos.
Minhas coisas que foram do hostel para o quarto de hóspede no dia seguinte ao nosso show ao luar, acabaram por ficar sozinhas e bagunçadas, onde eu entrava apenas para pegar roupas limpas, e logo me encontrava na cama ou chuveiro de Maki, cantando e dançando em seu ritmo tão próprio.
– Eu sei que tu queres ficar.
Maki apontou enquanto tomávamos café na varanda de seu apartamento.
– Eu preciso ir. Aliás, as passagens já estão compradas e não têm reembolso, você já sabe disso.
– E tu também já sabes que não precisa se preocupar com isso. Já tem onde ficar e com meus contatos posso te arrumar trabalho onde tu quiseres.
Enquanto tomava seu iogurte, argumentava, tentando me convencer a ficar ali, no pequeno paraíso que nos cercava.
– Os contatos do seu pai você quer dizer? – A intimidade já estabelecida soltava minha língua – Não leva a mal, Maki, mas sabíamos que seria assim desde o início.
– Tu não vais ceder?
– Foi você quem me ofereceu uma versão de Spring Break.
E a relembrando do nosso pequeno trato ela se calou, se mostrando contradita, mas sem vontade de prosseguir debatendo.
Naquela mesma tarde arrumei as malas e me preparei para a partida na madrugada que viria.
Maki deitou-se na cama e alternou entre mexer em seu celular e me observar. No fim da noite, enquanto tomávamos os últimos drinks antes da minha partida ela anunciou.
– Criei um perfil no Insta para ti. Inclusive já postei algumas fotos também. Está logado no seu celular. – E diante da minha cara confusa ela já respondia a pergunta muda – Enquanto tu tomavas banho eu instalei o aplicativo. Mas deixei os dados numa nota do seu celular caso tu queiras acessar de outro aparelho.
– Obrigado?
Rimos e quando chegou a hora de partir ela me levou ao aeroporto.
– Obrigada por todos esses dias, Maki! Foram sem dúvida as melhores férias que já tive! – Com um sorriso genuíno, acariciei seu rosto – Você, Maria Kira, foi uma companhia perfeita para cada segundo delas!
– Não precisa agradecer. Eu realmente sei como fazer o tempo de alguém valer a pena. – E em seu pedestal ela permanecia – A gente ainda vai se ver, Pedro, tenho certeza de que tu voltas!
Com um beijo intenso ela me deixou na sala de embarque e foi embora.
Enquanto não anunciavam o voo e já tendo despachado às bagagens, sentei e fui observar o aplicativo onde eu não pedi para estar.
A foto de perfil era uma onde eu estava sentado na proa da lancha que usamos numa tarde para distrair Maki das fotos que estavam com a entrega atrasada.
No feed tinham três fotos.
A primeira foto era a selfie que ela tirou no mirante no dia em que nos conhecemos. Um cenário lindo e um dia que eu levaria na lembrança com carinho. Apesar dos momentos de Maki, ela era um ser humano incrível. E a partir daquele dia, foi quem me tirou dos trilhos e me proporcionou momentos inesquecíveis.
“Devidamente registrado! #Cool #PalacioDosLeoes #MaKi #InstaUser”
Era a legenda logo abaixo da foto. Sim, agora eu era usuário da rede dela.
A segunda, era uma onde um conhecido dela havia nos capturado enquanto nós riamos, após eu tentar explicar sobre o meu trabalho de mestrado e Maki dizer não entender.
– Não faz mal, você diz que tem um emprego e eu nem sei o que você faz também!
Eu falei de modo provocativo e disparamos a rir. Na foto parecíamos um casal, fotografados tão especificamente que me surpreendi com a naturalidade sob a qual nos encontrávamos. A legenda: “Somos bons no que fazemos” e algumas tags que eu não dei muita atenção.
A última foto que ela havia colocado, era no quarto de hóspedes. Eu estava sentado no chão, rodeado pela minha bagunça, dobrando as roupas e tentando pôr fim ao caos. Ela não aparecia na foto. A legenda “Eu, ainda estou aqui, perdido em mil versões irreais de mim. Eu estou aqui por trás de todo o caos em que a vida se fez.”, o trecho de uma música que eu me recordava ter escutado algum dia. Um emoji pedindo silêncio e algumas tags.
Claramente aquilo era para mim. E não se tratava da bagunça que eu havia criado no quarto, porque me certifiquei de não deixar nada para trás. Se tratava da sua vida e o que minha partida a fez refletir. Talvez eu tivesse subestimado o que eu signifiquei durante minha breve estadia.
Eu já tinha alguns seguidores, likes e muitos comentários perguntando sobre estarmos num relacionamento ou não.
O comissário anunciou o embarque e logo eu estava na aeronave.
Pela janela, ao levantar voo, eu admirava São Luís e mentalizava esquecer Maria Kira. Ali de cima era muito mais fácil do que quando ela aparecia na porta do meu quarto, como quando me acordou no hostel, ou em todas as manhãs onde acordamos juntos em sua cama. Em meio às nuvens ela não estava brincando com a minha mente, assim como abusava de seu corpo para me seduzir ao andar quase nua por seu apartamento, ou com roupas extremamente provocantes ao sairmos. A muitos pés de distância do solo, eu esperava que minha cabeça a esquecesse, já que meu coração não a quis deixar entrar.
Retornar ao mundo real, onde não havia drinks todos os dias, ou sessões de fotos, ou festas, era como acordar de um sonho, no qual eu me envolvi e me aproveitei, e agora retomava a realidade, que cômoda ou não, era a minha opção. Era o lugar onde não havia pompa e dinheiro a perder de vista. Mas ali os ingressos eram meus, e o show, eu mesmo podia escolher.
FIM.
Nota da autora: Minha segunda história no FFOBS e só alegria por aqui! A história demorou a nascer, pois na minha cabeça a pp era muito mais do que a música me permitia contar! Mas ficou um trabalho do qual fico realizada em completar e entregar para vocês! Espero que leve muitos sonhos para cada um que por aqui passar! Xx
Nota da beta: Lembrando que qualquer erro nessa atualização e reclamações somente no e-mail.