Finalizada em: 24/12/2019

Capítulo Único

estava ajeitando a curta saia vermelha plissada logo abaixo da cintura. Era a primeira vez desde sua estreia na torcida em que ela estava verdadeiramente preocupada. Tinha perdido alguns ensaios da semana, sentindo-se incapaz de ver qualquer um desde a possibilidade do divórcio iminente dos pais. Os dois haviam voltado atrás em seu discurso, tentando tranquilizar a filha, mas ela já tinha idade o suficiente para saber quando não cair no papo furado dos adultos. Conhecia perfeitamente o tom de voz que a mãe adotava quando dizia algo da boca para fora e era exatamente ele que ela escutava sempre que a mais velha dizia que tudo ficaria bem.
— Você precisa de alguma coisa? - Era Sonya, já parada ajeitando alguns fios bagunçados do cabelo de .
— Eu estou bem e vai dar tudo certo - a outra respondeu em uma óbvia tentativa de convencer a si mesma mais do que a amiga.
— Quer repassar a coreografia? Apesar de que vai ser a mesma do primeiro jogo da temporada e você já arrasou da primeira vez.
meneou a cabeça negando e viu Sonya se afastar para conferir se os rapazes estavam preparados. Sorriu sozinha pensando no tanto de besteiras que tinha ouvido de suas primas quando mencionou fazer parte da equipe das líderes de torcida do colégio. Infelizmente, as pessoas tendiam a acreditar cegamente em filmes e histórias cheias de estereótipos clichês e desconfigurados. Líderes de torcida eram esnobes, ricas, perfeitas, egoístas e egocêntricas e só poderiam se relacionar com os atletas. É claro que algumas pareciam se esforçar para se enquadrar nessa caixinha deturpada, mas a própria Sonya era o exemplo oposto de tudo o que poderiam esperar; era gentil, simpática e estava sempre se certificando de que estivessem bem em equipe. Na verdade, mais do que um ambiente que poderia se tornar sufocante, tinha naquelas pessoas uma família fora da loucura de sua própria casa e não poderia ser mais grata pela presença delas em sua vida.
A treinadora entrou no vestiário, fazendo o mesmo discurso encorajador de sempre, enquanto todos se mantinham em uma roda de mãos dadas. Ninguém prestava mais atenção nas palavras repetidas, mas também não abriam mão daquele momento de parceria. Estavam juntos e era isso que realmente importava.
Os passos pela escada que levava ao ginásio eram os mais ansiosos antes de cada partida. Ouvir as torcidas gritando nas arquibancadas dava um gás a mais, preparando-os para toda a energia - e possível sufoco - que experimentariam ao longo do jogo. Os Vikings tinham se tornado um dos times favoritos ao campeonato estadual de basquete e isso aumentava exponencialmente o peso sobre aqueles que carregavam o jogo fora das quadras.
tomou sua posição na quadra, enquanto todos os seus colegas faziam o mesmo. Era a primeira da formação, estando diretamente à frente do centro da arquibancada separada para a torcida dos Vikings. Olhou para a frente e se surpreendeu com a pessoa posicionada em sua direção. Não esperava vê-lo ali, mas, mesmo à distância, reconheceria aqueles óculos e aquele cabelo em qualquer lugar. Lembrava-se perfeitamente da sensação daqueles fios sendo puxados por seus dedos. Sorriu maliciosa, dando uma piscadela para ele. Riu sozinha ao vê-lo ruborizar. Recompôs-se rapidamente ao ouvir as primeiras notas da música de sua apresentação começar.
Entre aberturas de perna, acrobacias complicadas e rebolados, a equipe desenvolveu sua sequência para o jogo até o momento que mais assustava a todos: a hora da pirâmide. Era para isso que tinham colocado os rapazes na equipe, na verdade. Não que eles não fossem incríveis como dançarinos - porque eles eram -, mas havia uma segunda intenção clara ao colocar homens fortes no time: ser uma base resistente para que a pirâmide não desabasse e levasse consigo várias adolescentes.
Com os três primeiros andares prontos, se preparou para escalar os amigos rapidamente, da forma mais leve que conseguiu, evitando pisá-los com força ou acertar pontos doloridos. Não que eles não estivessem relativamente acostumados com roxos causados nesses momentos. Lá em cima, não foi difícil ficar em pé e se equilibrar. Muitos poderiam julgar a torcida algo fútil e menos importante que os esportes, mas a realidade era que eles treinavam tanto quanto ou até mais que os atletas das modalidades mais valorizadas. Tinham tanta definição muscular que era quase ofensivo o fato de mal se importarem com seu esforço.
A torcida ia à loucura especialmente nos momentos de acrobacia - apesar de alguns garotos acharem legal gritar e assobiar durante a dança. Se imaginavam que assim chamariam atenção suficiente para que uma das garotas decidisse se jogar nos braços deles, não poderiam estar mais equivocados. Coitados, ainda não haviam aprendido a ser gente e conseguir o que queriam sem serem babacas completamente desrespeitosos. havia perdido a conta de quantas vezes tinha mostrado seu dedo do meio para eles durante os ensaios e treinos, além dos comentários pervertidos feitos pelos corredores. Às vezes, realmente pensava que seria interessante entender o que se passava na cabeça deles para serem assim tão imbecis. No entanto, tão rápido quanto a ideia vinha, ela ia embora. Tinha preguiça de lidar com homens escrotos.
Sob aplausos e gritinhos, saíram da quadra, dando espaço para que os Vikings e os Tigers fossem recebidos por suas respectivas torcidas, repletas de cartazes e adereços com as cores de seus times, além de objetos de sopro e de percussão para manter o barulho a níveis não saudáveis para a audição durante toda a partida.
— O Alex não tirou os olhos de você desde que entrou em quadra - Sonya comentou com um risinho.
olhou para a frente, dando de cara com o pivô do time, sorrindo e acenando. Ela o cumprimentou de volta, sentindo-se levemente sem graça.
— Ele é um gato e está completamente a fim de você!
A outra deu de ombros. Não estava verdadeiramente interessada, só tentou ser simpática em retorno. Esse era um crédito que era obrigada a dar à sua mãe: ela havia a educado bem.
— Você não parece ligar para isso - Sonya ponderou, com estranheza. Que tipo de pessoa em sã consciência poderia não se interessar por Alex com aquele sorriso largo, os bíceps definidos e todo o porte que o seu posto na equipe preconizava.
— Sei lá - respondeu. — Alex não faz bem o meu tipo.
A careta que a amiga fez quase dava a impressão de que tinha xingado sua mãe.
— Como é que é?! Alex é o tipo de todo mundo!
soltou uma risada anasalada, enquanto ajeitava o rabo de cavalo.
— Bem que minha mãe sempre disse que eu não sou todo mundo.
— Ridícula. - A amiga riu, empurrando-a de leve.
Os Vikings demoraram pouco para abrir o placar e cavar uma falta, que lhes concedeu a oportunidade de realizar um arremesso livre e já abrir um placar de três pontos. O som da percussão aumentava proporcionalmente à quantidade de arremessos e de tocos. olhou para trás de si, procurando o responsável pelos sopros de corneta desafinados. Encontrou com uma careta, tampando a orelha próxima ao amigo, que se achava o maior instrumentista da torcida. Mal pôde evitar a risada, recebendo um sorriso do rapaz. Queria pedir socorro, sair correndo, dar um soco no amigo ou sumir com a corneta. Ou ir embora com . Merda, como podia sentir falta de alguém com quem nem tinha nada?
— Quem é? - Sonya perguntou.
— Quem? Não sei do que você está falando.
A amiga estreitou os olho, não comprando por um segundo sequer aquele desentendimento fingido.
— O cara que, aparentemente, faz seu tipo. E claramente você faz o dele.
mordeu a parte interna de sua bochecha.
— O nome dele é . Ele está na aula de química avançada comigo. É bem inteligente. E bem fofo também. Ele me ajudou com o meu trabalho final.
— E aparentemente te ajudou com outras coisas também, não é? - Sonya caçoou. — Porque a gente não faz essa carinha a menos que queira um replay.
segurou a risada. Era péssima em não ser completamente transparente quando se tratava da amiga. Poderia mascarar seus sentimentos e esconder acontecimentos de qualquer pessoa, mas não dela. Ela sempre acabava percebendo alguma coisa, ligando os pontos e, finalmente, descobrindo exatamente o que havia ocorrido. Devia ser algum tipo de super poder.
— Quando foi?
— O quê?
— Você sabe. Quando vocês ficaram?
Os Vikings tinham acabado de acertar uma belíssima cesta de fora do garrafão, acumulando mais três pontos. Os líderes de torcida pulavam, balançando os pompons e comemorando enquanto os jogadores retornavam ao vestiário para o intervalo do jogo. Ainda teriam mais dois quartos a jogar, mas tinham uma vantagem considerável aberta sobre os Tigers. De qualquer forma, jamais se dariam ao luxo de diminuir a intensidade do jogo e arriscar tomar uma vergonhosa virada.
A equipe realizou a coreografia do intervalo, dando espaço para que as garotas do outro colégio também o fizessem na sequência. Era o tempo que tinha para contar a Sonya o que ela tanto queria saber.
— Foi no sábado passado…


★★★



estava, sem sombra de dúvidas, na lista de alunos queridinhos de todos os professores do colégio. Fora exatamente por isso que o rapaz tinha conseguido convencer os professores a deixar que ele usasse o laboratório de química em pleno sábado ao fim da tarde a fim de auxiliar sua dupla a finalizar o trabalho, relacionado à porção individual da nota final do semestre.
Tinha separado algumas de suas anotações de aula e coisas interessantes que vira na internet, em suas intermináveis buscas. Seu projeto estava praticamente pronto e demandava apenas pequenos ajustes finais. Agora, tinha três ideias - que ele julgava realmente interessantes - para oferecer a , para que ambos tivessem trabalhos decentes. Até porque parte da nota seria dada igualmente à dupla e ambos tinham receio de prejudicar ou serem prejudicados pelo outro.
— Oi - cumprimentou ao adentrar o laboratório. Estava usando um casaco, fazendo perceber que provavelmente havia esfriado lá fora e ele deveria ter ouvido a própria mãe pedindo que ele levasse um agasalho, pois o tempo não estava com uma cara muito boa.
— Oi! Tudo bem? - fungou em resposta, mas logo meneou a cabeça concordando. — Aconteceu alguma coisa?
A garota deu de ombros, esfregando os olhos com certa violência.
— Nada de importante. Obrigada por vir aqui hoje. Eu não tenho a mínima ideia de por onde começar.
sorriu, puxando o banco ao seu lado no balcão para que ela se sentasse e pudesse ver o que ele tinha preparado. Ainda achava um tanto estranho tê-la ali, daquele jeito, como se fossem amigos. Ela era uma das garotas mais populares do colégio, talvez nem devesse falar com ele e, mesmo assim, fazia questão de tratá-lo da melhor forma. E ele não podia negar que gostava disso. Provavelmente, era exatamente toda aquela gentileza que tinha feito com que ele sonhasse com ela na noite passada. E o fato de que ela era absurdamente bonita também colaborava bastante.
— Eu andei fazendo umas pesquisas.
— Novidade - brincou, segurando o próprio riso.
— Tudo bem. Eu posso ir embora já que a minha curiosidade te incomoda.
segurou a mão do rapaz, puxando-o de volta frente ao mínimo esboço de que ele pudesse se levantar e ir embora. Sorriu diretamente para ele, antes de soltar sua mão. sentiu as bochechas queimando e tal fato jamais poderia passar despercebido para ela, que tanto o notava. Lidar com um colega envergonhado seria mais divertido do que ela poderia esperar.
— O que você tem aí para mim?
puxou as folhas impressas que tinha, com algumas informações sobre os possíveis projetos e a metodologia laboratorial de cada um deles.
— Pensei em três coisas: uma bateria eletroquímica para limpar prata, uma ponte salina para analisar variação de pH com a voltagem ou uma medição da atividade enzimática da catalase de leveduras. Todas opções plausíveis para o tempo que temos até a entrega.
— O que você acha? Sou péssima em tomar decisões.
— Acho que as três são legais e, se feitas direito, com certeza receberão notas altas.
— Acho que gosto mais da ideia das enzimas. É bioquímica, acho que faz mais meu estilo. — Concordo - respondeu com um sorriso. — E você é a única pessoa da turma que não abomina bioquímica, então vai ser provavelmente o trabalho mais diferente. concordou. Ainda estava um tanto impressionada com o fato de ele ter ido atrás de tanta coisa só para ajudá-la. Era muito mais do que ela julgava merecer de alguém.
— Obrigada. De verdade, por tudo. Eu estava tão sobrecarregada, que mal consegui me dar tempo para respirar e ir atrás dessas coisas. Eu nem sei o que eu faria se você não estivesse aqui.
Sua voz tinha embargado muito mais rápido do que ela esperava. Estava se esforçando para caramba para só chorar em casa, trancada em seu quarto, longe de todo mundo. Tentou conter as lágrimas, mas elas já tinham ganhado força demais para serem controladas.
ficou estático por alguns segundos, sem saber ao certo como proceder frente àquela situação. Em um impulso, colocou os braços ao redor da garota, apertando-a contra o seu próprio corpo. Após alguns instantes de surpresa, ela retribuiu o abraço com toda a sua força e desabou. Permitiu-se soluçar contra o peitoral do rapaz, não se importando se estava sendo escandalosa ou se estava parecendo uma criança chorona de cinco anos, com o rosto úmido e o nariz escorrendo. Precisava pôr aquilo para fora.
— Está tudo bem, está tudo bem - ele murmurava, repetidamente, enquanto passava os dedos pelo cabelo dela. — Vai ficar tudo bem.
Após alguns minutos, finalmente conseguiu parar de chorar e pôde dar início a uma série de inspirações profundas e lentas a fim de se acalmar e desacelerar seus batimentos. não a soltou por um segundo sequer durante esse tempo e ela era grata por isso. O calor dos braços dele ao redor de seu corpo havia facilitado as coisas de uma forma que ela jamais poderia esperar.
— Quer me contar o que está acontecendo?
afastou-se, limpando o rosto antes de tomar coragem de dizer aquilo que vinha tirando seu sono nas últimas noites.
— Meus pais tiveram uma briga muito feia - contou. — Não é como se eles nunca tivessem discutido, mas dessa vez foi bem pior. Eu não deveria ter ouvido, sabe? Não foi a intenção deles, mas eu ouvi os comentários sobre um possível divórcio em meio aos gritos da minha mãe. Acho que eu só não estava preparada para cogitar a possibilidade de ter pais separados.
assentiu. Sabia exatamente do que ela estava falando. Conhecia aquela sensação.
— Meus pais se divorciaram quando eu tinha uns seis anos. E doeu. Doeu como o inferno, porque eu não podia mais jantar com meu pai todos os dias, enquanto assistíamos ao primeiro filme infantil que surgisse na programação da TV a cabo. Doía porque eu ia para o shopping sem a minha mãe no fim de semana e era ela que dividia o meu sorvete preferido comigo. O que eu quero dizer é que eu não posso te falar que vai ser fácil, porque não vai. Vai ser péssimo no começo e, depois, a dor vai passando, mas a saudade dos velhos tempos… Tem um certo sentimento nostálgico sobre os velhos tempos que não passa nunca, sabe?
balançou a cabeça, concordando.
— Mas é isso: nostalgia. No fundo, com o tempo, eu percebi que isso era exatamente o que eles precisavam e, sem dúvida alguma, foi a melhor decisão que eles poderiam ter tomado na época. As coisas seriam tão piores se eles tivessem se obrigado a ficar juntos. Eu cresci com pais felizes, que me amavam e que se respeitavam porque souberam declarar o fim antes que fosse tarde demais para manter qualquer tipo de relacionamento saudável. Então, eu não sei se os seus pais vão mesmo se divorciar. As pessoas falam coisas bruscas e sem intenção na hora da raiva. Mas, se eles decidirem seguir esse caminho, apesar de toda a dor, pode ter certeza de que você ainda vai ter o seu dia de perceber que possivelmente era a melhor opção dentre as que eles tinham.
cruzou os braços, dando uma última fungada que mais pareceu um soluço sufocado.
— Eu estou sendo uma baita egoísta, não estou? Pensando só em mim enquanto deveria me preocupar com o bem-estar deles também.
— Claro que não! Não foi isso o que eu quis dizer. - Ele ficou preocupado que pudesse ter dito mais do que deveria, acabando dando a entender algo que ele sequer cogitara. — Eles são seus pais e você os ama e os quer com você. Não é egoísta de forma alguma.
A garota soltou uma risadinha pelo nariz.
— Você fica uma gracinha quando fica nervoso desse jeito.
ruborizou fortemente, fazendo com que ela risse alto.
— Isso também é bem fofo.
O rapaz desviou o olhar imediatamente, sentindo seu corpo todo entrando em estado de curto-circuito. Se nem as provas de cálculo eram capazes de derreter seu cérebro daquela maneira, o que é que aquela garota estava fazendo com ele? Parecia um idiota, esquecendo-se como agir em sua própria pele.

And all at once
(E de repente)
It’s like I’m being someone else
(É como se eu estivesse sendo outra pessoa)
You’re all I want
(Você é tudo o que eu quero)
But I know that you are bad for my health
(Mas eu sei que você faz mal para a minha saúde)

— Podemos voltar para as leveduras? - Ele tinha certeza de que parecia um idiota tentando desconversar daquela forma.
— Como quiser.
Juntos construíram todo o aparato de captação do oxigênio resultante da reação, tomando o cuidado de ajeitar o equipamento de forma segura para eles, considerando a alta reatividade do gás.
se atrapalhou ao manusear o peróxido de hidrogênio, derrubando um pouco sobre si e correndo para a pia do laboratório.
— Ai, Deus. - se apressou, indo atrás dela. — Você precisa de ajuda?
— É só água oxigenada. Não é como se eu já não tivesse sido uma pré-adolescente tentando descolorir os próprios pelos. No máximo, vou ficar com uma manchinha no braço que vai sair rápido.
— Talvez seja melhor você lavar bem isso. Só para garantir.
sorriu para a feição realmente preocupada dele. Eram só algumas gotas de água oxigenada, não era como se ela tivesse derrubado ácido sulfúrico no braço. Mesmo assim, concordou. Queria mesmo tirar qualquer resquício daquilo de sua pele, para tentar evitar a coceira que aquilo poderia causar.
Foi até a pia e rosqueou o misturador, tomando um susto com a pressão absurda que a água tomou ao sair. Para piorar a situação, a peça mal encaixada da torneira se soltou, incapaz de se manter firme com a força que vinha. Em questão de segundos, estava encharcada dos pés à cabeça, dando gritinhos enquanto tentava se desvencilhar da água nos olhos e fechar a torneira. Não sabia o que era mais difícil: alcançar a pia ou enxergar.
tinha recebido também alguns respingos pesados, mas estava seco demais para ter a consciência de pensar mais rápido e buscar o registro para fechá-lo de uma vez por todas. Quando finalmente conseguiu, olhou de imediato para a pia na qual havia ocorrido o estrago, finalmente sendo capaz de ouvir o silêncio sem aquele barulho louco de vazamento.
passou a mão pelo rosto, retirando o excesso de água dos olhos e torcendo os cabelos. Tirou o casaco, que ficaria totalmente inutilizável por algumas horas, no mínimo, ficando com a blusa fina de mangas curtas que usava por baixo. Bufou ao perceber que a mesma também estava molhada, completamente colada ao seu corpo.
— Você está bem? - estava verdadeiramente preocupado.
começou a rir de forma descontrolada e se virou para ele, com a intenção de demonstrar o estado deplorável em que ela se encontrava.
engoliu em seco ao se dar conta da transparência que a água formara na blusa da amiga. Aquilo deveria ser alguma piada de mau gosto do universo contra ele. Desviou o olhar rapidamente, sentindo que estava invadindo algum tipo de privacidade, ultrapassando alguma regra silenciosa ao vê-la assim tão exposta.
— Vou ver se tem alguma toalha por aqui - ele anunciou, afastando-se.
Ele se ocupou em seu objetivo de abrir todos os armários e gavetas do laboratório até garantir que realmente não havia toalha alguma ali. secou o rosto e os braços com o papel para secar as mãos e torceu a blusa, livrando-se do excesso de água que criava um peso. A situação não estava devidamente melhor, mas era o que tinha disponível no momento.
— Acho que é o que tem para hoje. - Ela se deu por vencida e se sentou novamente, preparada para retomar o projeto.
hesitou, levando longos segundos antes de decidir encarar a situação e retomar o seu posto, em um banco minimamente mais afastado dessa vez.
— Eu estou fedendo? Voou sujeira nojenta do encanamento em mim? - perguntou, aproximando a gola da camisa de seu nariz para avaliá-la.
— Não, não - ele respondeu rapidamente, fazendo com que ela franzisse as sobrancelhas.
— Então, por que você sentou longe de mim de repente?
Todos os músculos dele pareceram sofrer contração simultânea e involuntária. Seu corpo parecia colado àquele banco como se sua vida dependesse daquilo.
Foi assim que notou. Afinal, como poderia não perceber? Praticamente impossível quando a linguagem corporal dele dava sinais sem parar de que ele poderia entrar em combustão a qualquer momento. E ela simplesmente adorava brincar com fogo.
Caminhou lentamente até onde ele estava, posicionando-se despreocupadamente em sua frente. Mordeu o lábio inferior para segurar um risinho ao confirmar que ele sequer olhava diretamente para ela.
— Sabe, as coisas ficam infinitamente mais difíceis quando você fica assim no seu canto, todo tímido. - Seus dedos hábeis percorreram sutilmente o contorno dos braços do rapaz, chegando até o seu pescoço, onde causaram um arrepio.
— Por quê? - Ele perguntou e se arrependeu assim que ouviu a sua voz, grossa demais, assinando embaixo o seu nervosismo.
— Porque eu não resisto a caras tímidos - sussurrou em seu ouvido, vendo ele prender a respiração. — E a gente poderia se divertir um pouco, mas acho que você não pensa o mesmo de mim, não é? Talvez eu não seja bonita o bastante…
Deixou aquela suposição pairar no ar com a maior falsidade do universo. Nem ela realmente acreditava naquilo. Infelizmente, deveria admitir que se tornara mal acostumada ao ouvir de todas as pessoas no universo que qualquer um mataria e morreria para ficar com ela. E lá ela estava; dando a a oportunidade de fazê-lo sem ter que abrir mão da própria vida. Talvez só de um pouco de sanidade.
suspirou de forma quase irônica.
— Você é maravilhosa, .
— Então por que não olha para mim?
Ele cedeu. Sua mãe sempre lhe dissera que era falta de educação não olhar nos olhos das pessoas enquanto elas falavam. Deveria ser ainda mais mal educado não olhá-las quando elas explicitamente pediam isso.
Mas, ao se deparar com os olhos brilhantes de o fitando com algo que ele não saberia definir em palavras, soube que aquele era o seu fim. Ainda mais quando o conjunto da obra incluía os lábios convidativos dela em um sorriso malicioso, puramente para ele.

I don’t trust myself when I’m around you
(Eu não confio em mim quando estou perto de você)
Doing things I never do
(Fazendo coisas que nunca faço)
Acting like a damn fool
(Agindo como um maldito idiota)

estava perigosamente perto demais e parecia disposta a se aproximar ainda mais. Uma das mãos dela subiu para seus cabelos, enroscando de uma forma estranhamente gostosa entre seus cachos.
aproximou seu rosto, esperando qualquer reação do garoto que dissesse que ele não queria aquilo. Ao contrário, os olhos dele desceram imediatamente para os lábios dela, permitindo-se questionar por um lampejo de segundos como seria experimentá-los. E ela estava disposta a permitir que ele descobrisse sua resposta.
não saberia dizer quem começou aquele beijo. Tinha se perdido em algum momento no espaço-tempo e não queria mais se encontrar em qualquer outro lugar que não fosse a boca de . Haviam se encaixado como peças adjacentes de um quebra-cabeças e não tinham intenção alguma de se separarem enquanto estivessem conseguindo respirar.
A combustão que ela previra tinha começado também dentro dela. Aquilo era um fogo intenso e descontrolado exatamente como ela queria, mesmo que sua mente estivesse longe demais para raciocinar acerca disso naquele exato momento. As únicas coisas de que tinha conhecimento ali era sobre a sensação da boca dele na sua e o fato de que, sem que percebesse, suas costas tinham sido prensadas contra a bancada do laboratório. era muito mais ousado do que permitia transparecer, afinal. Ao menos, era isso que fazia, despertando coisas inesperadas até mesmo para ele.
Era indescritível. O toque compartilhado, a mistura de sensações e faíscas que percorriam seus corpos por completo cada vez que seus lábios se encontravam com voracidade era intensa demais para sequer se arriscarem a tentar entender. Em meio a uma bagunça de mãos explorando um ao outro, separaram-se apenas ao sentir que morreriam sem ar se não o fizessem.
Dessa fez, foi quem se fez de desentendida e ameaçou retornar ao trabalho. Sua ação, no entanto, foi prontamente interrompida pelo rapaz que a puxava de volta para si, reiniciando tudo aquilo.


★★★



— Chocadíssima - Sonya admitiu sua surpresa. — Por que você não me contou isso antes, sua ridícula?
deu de ombros.
— Não é nada sério. Não vi motivos para contar. Só foi… Divertido. - Seu sorriso malicioso de canto deixava isso bem claro.
O segundo tempo se sucedeu sem grandes alterações no ritmo de jogo ou nas respectivas estratégias desenvolvidas. Por sorte, ninguém havia se lesionado e essa era a segunda vitória que os Tigers levavam para casa naquele dia. Existiam poucas coisas mais irritantemente comuns que tornozelos acidentalmente virados.
e os outros colegas da torcida jogaram uma água rápida no corpo para se livrar do suor e se trocaram, reunindo o uniforme de todos para o responsável pelo revezamento na lavagem daquela semana.
Sonya e estavam conversando no estacionamento, quando Alex se aproximou da dupla.
— Oi, meninas! Como estão? O que acharam do jogo?
— Parabéns pela vitória! - Sonya tomou a dianteira.
— Bem - respondeu. — Vocês jogaram muito bem.
— É fácil jogar bem quando temos inspirações maravilhosas no canto da quadra.
O olhar de Alex era direto e não abria margem alguma para questionamentos acerca da possibilidade de não estar certeiramente direcionado a ela. Não havia sequer a opção de chamar aquilo de indireta.
— Bom, é para isso que a torcida serve, não é? - desconversou, atribuindo um significado totalmente àquilo deliberadamente, completamente consciente de que não era a intenção do rapaz. — Para trazer o time e a arquibancada, integrar os dois…
Sonya estava tentando, com toda a sua força, não rir da situação. Alex tinha adquirido uma expressão confusa.
— Tem toda a razão, mas não era exatamente disso que eu estava falando.
E sabia perfeitamente daquilo.
— Na verdade - Alex continuou —, eu ia perguntar se você está a fim de sair comigo hoje. Comemorar o resultado, comer alguma coisa, bater um papo…
A resposta já estava na ponta da sua língua quando ela avistou relativamente próximo de onde eles estavam.
— Você é um cara bem legal, Alex, mas não, eu não estou exatamente a fim - respondeu. — Inclusive, já tenho planos para essa noite. Vou sair com o .
O garoto travou ao ouvir seu nome e ter aqueles seis olhos completamente voltados para ele. sorria para ele, em um misto de divertimento e pedido para que ele confirmasse sua história.
— É. Vamos sair - afirmou, ainda incerto sobre a veracidade ou a motivação daquilo, apesar de saber perfeitamente que uma parte considerável dele queria que fosse verdade.
se aproximou dele, passando o braço pelo dele e sorrindo docemente para Alex e Sonya como se tudo estivesse acontecendo da forma mais natural possível.
Acenou uma despedida rápida para ambos e se virou com , caminhando com ele até o seu carro. Já afastados, o rapaz sussurrou:
— Isso é sério? Ou vamos fazer hora aqui até ele ir embora, só para não suspeitar da sua desculpa?
— Bom, infelizmente a maioria dos homens ainda não aprendeu a respeitar o ‘não’ das mulheres quando ele não vem acompanhado da existência de um outro homem.
— E você acha isso legal?
— Não. Tanto que eu disse claramente que não queria e só depois te enfiei na história. E eu realmente quero sair com você. Desculpa se fiz o convite do jeito errado. Não queria te magoar.
— Não magoou - admitiu. — Mas eu merecia um pedido melhor.
não conseguiu segurar a risadinha que veio a seguir, fazendo com que a garota estreitasse os olhos e fizesse uma careta divertida ao perceber a brincadeira.
— Tudo bem. - Ela se ajoelhou na frente dele, tomando a sua mão. — , você aceita sair com essa humilde garota que precisa de ajuda com coisas como fermentação enzimática e realmente está muito na sua?
Ele mordeu a parte interna da bochecha, sentindo algo estranho dentro de si reagir àquela informação, arremessada em seu colo sem que houvesse tempo para ele administrar.
— Toda vez em que diziam isso em ‘Todo Mundo Odeia o Chris’ era furada.
riu, enquanto se levantava.
— Posso te garantir que não é o caso. E meus joelhos já estavam doendo, então, se você puder me dar uma resposta, eu agradeceria imensamente.
pareceu ponderar, mas já tinha tomado sua decisão há muito tempo.
— Pizza?
sorriu, puxando a maçaneta do carona para embarcar de cabeça em qualquer coisa na qual o futuro decidisse transformar aquilo.
— Você já me conhece tão bem.




FIM



Nota da autora: Não posso falar que essa é minha short preferida, porque eu não gostei muito dela. Mas vida que segue, né HAHAHAAH. Com tanta fic, acho que não dava para gostar de todas.
Para mais informações sobre minhas histórias e atualizações, entrem no grupo






Outras Fanfics:
01. Middle of the Night
02. Blow Me (One Last Kiss)
02. Stitches
03. I Did Something Bad
03. Take A Chance On Me
03. Without You
04. Someone New
04. Warning
05. You In Me
06. Consequences
06. If I Could Fly
06. Love Maze
08. No Goodbyes
10. Is it Me
10. Simple Song
11. Robot
11. Nós
11. Under Pressure
12. Be Alright
12. Wild Hearts Can't Be Broken
13. Kiss The Girl
13. Part of Me
13. See Me Now
15. Overboard
A Million Dreams
Daydream
MV: Miracle
Not Over
Señorita
Wallflower


comments powered by Disqus